sábado, 27 de abril de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Abandono de obras da Copa é sinal de governança frágil

O Globo

Não faltou dinheiro para mobilidade urbana. Faltaram planejamento, fiscalização e cobrança de resultados

Passados dez anos da Copa do Mundo no Brasil, 38% dos projetos de mobilidade urbana pensados para o torneio foram abandonados ou concluídos apenas parcialmente. Por ser um retrato do que costuma acontecer no país, o dado é uma oportunidade para uma reflexão que vá além do debate sobre o legado de eventos esportivos. Identificar as causas do baixo índice de execução de obras é primordial para que o Brasil deixe de ter uma infraestrutura sofrível, mesmo na comparação com países no mesmo estágio de desenvolvimento.

No período anterior à Copa, prefeitos e governadores puseram projetos de mobilidade urbana na lista de metas. Nem todos eram essenciais para receber os torcedores, mas a demanda tornou evidente a deficiência nas capitais que hospedariam os jogos. De acordo com estudo do economista Cláudio Frischtak, para equiparar o transporte público das 15 principais regiões metropolitanas brasileiras ao de Santiago, no Chile, ou da Cidade do México, seria necessário investir R$ 295,5 bilhões.

Marco Aurélio Nogueira - Parados no tempo

O Estado de S. Paulo

Não avançaremos se a lógica política continuar a ser vivida exclusivamente como contraposição mal qualificada entre esquerda e direita

O Brasil estacionou. Tudo transcorre como se as cartas já tivessem sido lançadas e o antagonismo se reduzisse ou a ruídos congressuais ou a embates retóricos entre a esquerda oficial, devidamente entronizada no Palácio, e a direita extremada, agarrada a seus fantasmas e à fustigação moralizante contra tudo o que possa exalar direitos e democracia.

No meio disso tudo, a economia fica como a joia da Coroa. Se avança e é alcançada pelas reformas pontuais do ministro Haddad, os ares melhoram. Se trava, é um Deus nos acuda.

Cristovam Buarque* - O padrão a ser buscado

Revista Veja

É preciso ampliar e replicar o sucesso das escolas públicas federais 

Entre o Merenda Escolar (1955) e o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (2023), o Brasil lançou vinte programas federais com promessas de salto na educação. A necessidade desse último, sete décadas depois do primeiro, mostra o fracasso dos anteriores: os bisnetos ainda estão precisando de pacto federativo para realizar, aos 8 anos, o que deveria ter beneficiado seus bisavós, aos 5. Fracassamos porque, no lugar de projetos executivos nacionais ambiciosos, optamos por intenções modestas com execução municipal, pobre e desigual. Sem uma política nacional ambiciosa e com instrumentos federais efetivos, em 2041 apenas 50% dos 2,5 milhões de brasileiros que nasceram em 2023 terminarão o ensino médio; no máximo a metade deles preparada para as exigências do mundo contemporâneo.

Hélio Schwartsman - Tragédia brasileira

Folha de S. Paulo

Expectativa é que Congresso piore a proposta de regulamentação da reforma tributária

Fazer política é negociar, isto é, tentar entender o ponto de vista de outros atores, o que ajuda a formular respostas inovadoras para os problemas, e encontrar soluções de compromisso, que permitam às partes ceder e ainda sair com vitórias parciais. Grupos altamente ideológicos ou religiosos tendem a ser autoritários porque veem o mundo em termos de valores absolutos, que não comportam nenhum tipo de negociação.

Alvaro Costa e Silva - Um libertário em causa própria

Folha de S. Paulo

Mais do que nas ruas e redes, bolsonarismo é forte no Congresso

O ato com público decepcionante em Copacabana não pode servir de parâmetro, não significa que a fé cega em Bolsonaro —professada tanto por quem mora longe como perto da praia— esteja perdendo o gás. Recente pesquisa mostra que o prefeito Eduardo Paes, candidato à reeleição, tem 42% das intenções de voto, enquanto Alexandre Ramagem, do PL, já aparece com 31%.

Carlos Alberto Sardenberg - É o contrário

O Globo

Lula só conseguiria o que quer, juros menores e mais crescimento, se fizesse (e falasse) o contrário do que faz e prega

O presidente Lula quer, ao mesmo tempo, acelerar os gastos do governo e obter uma redução significativa na taxa de juros. São objetivos incompatíveis. O aumento da despesa acima da receita produz déficit, coberto com dinheiro tomado emprestado pelo governo. O crescimento da dívida, já contratado para este e os próximos anos, aumenta o gasto do governo com juros. Isso eleva a taxa de juros da economia. E o governo fica procurando quebra-galhos para reduzir os juros de alguns setores.

Nesta semana, Lula anunciou um programa para conceder crédito a microempreendedores, micro, pequenas e médias empresas, a juros favorecidos — alguma taxa abaixo do que os beneficiados obteriam em condições normais de mercado. Deve haver, portanto, algum subsídio. E um apoio no sentido mais amplo: abrir o crédito para setores que não o obteriam no mercado.

Pablo Ortellado - A ciência e o populismo

O Globo

Uma das consequências nefastas do antibolsonarismo é que ele distorceu o entendimento do público sobre a ciência

O populismo antissistêmico que a direita abraçou é um bicho com que é difícil lidar. É anti-institucional, anti-intelectual, agressivo e selvagem — em resumo, não sabe usar os talheres. Quando chegou ao poder com Bolsonaro e passou a comandar a burocracia do Estado, recebeu acertadamente oposição. Mas, em geral, essa oposição tomou a forma de uma negação automática: se Bolsonaro recomenda de maneira imprudente, a atitude responsável passou a ser afirmar enfaticamente o contrário.

Em nenhum momento o controle do Estado pelo populismo foi mais crítico que durante a pandemia. Bolsonaro coordenava o SUS, controlava o Ministério da Saúde, a Anvisa e a Fiocruz, um pesadelo. Na ânsia de se contrapor às teses selvagens e absurdas dele sobre o coronavírus e a pandemia, deixamos de analisar ideias próximas às dele ou que poderiam ser identificadas com ele. Isso nos levou a muitos erros na condução da pandemia —erros sobre os quais ainda não nos debruçamos.

Eduardo Affonso - Movimento Brasileiro de Analfabetização

O Globo

Nada é tão ruim que não possa evoluir para péssimo. À direita, uma prefeita joga livros no lixo; à esquerda, uma senadora tenta encarecê-los

Quando ainda nem sonhava vir a ser cancelado por gente com menos de uma migalha de seu talento, Monteiro Lobato escreveu que “um país se faz com homens e livros”. Hoje, o aforismo teria de ser reescrito: “Uma nação se faz com criaturas humanas e seus saberes”. Tanto o macho da espécie como metonímia para a Humanidade quanto as folhas de papel, cortadas e encadernadas, já tiveram melhores dias.

O último ocupante da Presidência da República, desde FH, a demonstrar ter tido contato imediato e proveitoso com livros foi Michel Temer.

Jair Bolsonaro lia, no máximo, passagens bíblicas e minutas de golpe — eclético, chegou a indicar a seguidores as obras de Churchill, Brilhante Ustra e Olavo de Carvalho.

Pedido de Lula ao STF para suspender desoneração da folha tem 5 votos a favor; Fux pede vista

José Marques, Victoria Azevedo, Douglas Gravas / Folha de S. Paulo

Medida está a um voto de ser referendada; Dino, Gilmar, Barroso e Fachin votaram com Zanin

STF (Supremo Tribunal Federal) tem cinco votos a zero para confirmar a decisão do ministro Cristiano Zanin de suspender trechos da lei que prorrogou a desoneração da folha de empresas e prefeituras. A medida está por um voto para formar maioria na corte e ser referendada.

A análise, porém, foi interrompida pelo ministro Luiz Fux, que pediu vista (mais tempo para estudar o assunto). Ele tem até 90 dias para devolver o caso para apreciação de toda a corte. A decisão de Zanin segue valendo.

Como o julgamento ocorre no plenário virtual e foi programado até 6 de maio, os ministros que ainda não se manifestaram poderão depositar seus votos nesse período.

Vera Magalhães - STF dará vitória a Lula com fim das desonerações

O Globo

Recurso à Corte foi última cartada de uma queda de braço com Congresso, e pode aumentar dificuldades do governo nas duas Casas

O Supremo Tribunal Federal dará a vitória ao governo Lula na ação de inconstitucionalidade impetrada contra a prorrogação da desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia e a fixação de outra isenção, desta vez de contribuição previdenciária, destinada a pequenos e médios municípios.

Quatro ministros já se manifestaram em votação virtual a favor do fim das desonerações. Além do relator Cristiano Zanin, que concedeu liminar na quinta-feira suspendendo os benefícios, votaram com o governo Gilmar Mendes, o presidente da corte, Luis Roberto Barroso, e Flávio Dino. Pelo menos os votos de Dias Toffoli e Alexandre de Moraes são dados como certos pelo fim das desonerações, o que já assegura a maioria.

Dora Kramer - A direita se move

Folha de S. Paulo

Em compasso de espera, esquerda e centro perdem terreno eleitoral para a direita

As duas últimas eleições presidenciais mostraram que quem se movimenta com antecedência tem a preferência na disputa. Evidenciaram também que quem prefere dar tempo ao tempo e se entrega ao sabor das circunstâncias fica no ora veja, a reboque dos navios inimigos.

Aconteceu, e de novo acontece, com o centro aqui entendido como as forças que não se alinham a Luiz Inácio da Silva nem a Jair Bolsonaro. Essas ocupam o inexistente espaço do vácuo. A esquerda agora parece ir para o perigoso caminho do compasso de espera, no aguardo das decisões de Lula e, consequentemente, do rumo do governo.

Orlando Thomé - O que o eleitor quer de um candidato a vereador?

Correio Braziliense

Sobre o sentimento de apoio ou oposição às administrações atuais, os dados indicam que 55% desejam mudança, ao passo que 41% preferem a manutenção. Essa tendência é ainda mais forte nas capitais

O IPEC Inteligência realizou uma pesquisa em março sobre o comportamento do eleitor em relação às eleições de outubro para as prefeituras. Foram 2 mil entrevistas em 130 municípios, abrangendo todas as regiões, e alguns dados chamam muito a atenção. Na primeira parte, as perguntas procuraram mensurar o interesse das pessoas em votar no pleito, e, aí, já temos uma informação relevante: no total, 35% disseram ter "muita vontade", 32% dizendo ter "nenhuma vontade" e 31% disseram ter "pouca vontade".

Na segmentação por gênero, vê-se que o maior percentual entre as mulheres (37%) está no grupo de "nenhuma vontade" e o maior percentual de homens (39%) afirma ter "muita vontade". Já a faixa etária entre 45 e 59 anos apresenta o maior percentual de "muita vontade", com 40%, enquanto que o maior percentual de "nenhuma vontade" é dos que têm entre 25 e 34 anos, com 35%.

Aldo Fornazieri* - Os descaminhos do Parlamento

CartaCapital

Da criminalização do porte da maconha ao Quinquênio para os juízes, Câmara e Senado revelam descompromisso com o País

O Congresso e suas casas, Câmara e Senado, persistem na insensatez de descaminhos e da falta de compromissos com a sociedade, com o Brasil e com a necessidade de modernização. Seu compromisso parece ser com o descontrole fiscal, os privilégios, a manutenção das desigualdades abissais e a chantagem política para se apossarem de recursos orçamentários. Os presidentes das duas Casas, em sua falta de responsabilidade em colocar as atividades legislativas em linha com as necessidades prementes do Brasil, tornam-se os desbravadores dos descaminhos.

São inúmeras as propostas que agridem os interesses sociais. Propostas que encontram abrigo em comissões, nas presidências das Casas e nos plenários. Dentre as várias que tramitam e que ­constroem o retrato da mediocridade legislativa tomem-se os casos da PEC que criminaliza o porte de drogas para uso pessoal, a aprovada lei do marco temporal, a que proíbe a visita à família dos presos em regime semiaberto e a lei das desonerações fiscais para setores privilegiados da economia.

Luiz Gonzaga Belluzzo* - Os poderes da economia

CartaCapital

Será que os investidores estão em pânico, ou apenas no exercício da sua peculiar racionalidade?

A política econômica do governo Lula sofre implacáveis constrangimentos emanados dos poderes dos mercados financeiros. As lendas mercadistas não cessam de afirmar a natureza “técnica” das postulações dos operadores de mesa e de seus economistas.

A experiência histórica desmente os preconceitos que insuflam os sabichões mercadistas a desconsiderar as relações de poder envolvidas na assim chamada “Ciência Econômica”. No livro Power, publicado em 1938, o filósofo e matemático Bertrand Russel observou: “A economia como uma ciência separada é irrealista e enganosa se tomada como um guia na prática. É um elemento – um elemento muito importante, é verdade – num estudo mais amplo, a ciência do poder.”

No estouro da crise financeira de 2008, as maledicências sobre economistas, suas teorias, crenças e previsões corriam soltas, à velocidade da peste nos centros financeiros do mundo. Mas, passado o susto, os que fracassaram em suas antecipações já sobem o tom de suas arrogâncias e voltam a trovejar suas cambaleantes sabedorias.

André Barrocal - E o salário, ó…

CartaCapital

Os ganhos recentes não compensam a estagnação da renda do trabalho na última década

Vem aí o 1° de Maio e os 100 milhões de trabalhadores brasileiros têm pouco a comemorar. A taxa de desemprego está nos menores níveis vistos recentemente no País, entre 7,5% e 8%, mas o salário médio permanece o mesmo há uma década, o que significa empobrecimento e um cotidiano bem mais duro. Em janeiro de 2014, a renda mensal média de quem vivia do trabalho era de 2.923 reais. Em dezembro de 2023, de 3.063 reais, 4% a mais. Nesse período de dez anos, o valor oscilou entre 2,8 mil e 3,1 mil. A inflação geral (IPCA) no período foi de 76%. A gasolina subiu 90%. Alimentos e bebidas, 97%. A conta de luz, 134%. “Essa perda de poder de compra é uma dimensão não visível no salário médio. Produz um brutal arrocho. O orçamento não cabe dentro do salário”, diz o sociólogo e consultor para temas trabalhistas Clemente Ganz Lúcio, ex-diretor do Dieese, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos.

Marcus Pestana - Traduzindo o desafio fiscal em miúdos (I)

Toda categoria profissional ou área de conhecimento tem um linguajar próprio. É como se fosse uma barreira corporativa à interferência de “estranhos “. Um leigo no assunto que entrar numa conversa especializada entre advogados, médicos, físicos quânticos, chefs de cozinha ou treinadores de basquete, certamente ficará boiando diante de tantos termos técnicos específicos. Com os economistas não é diferente. O economês, às vezes, é indecifrável para o cidadão médio não especialista, embora a economia faça parte inevitável do cotidiano das pessoas. Mas não é tão complicado para os economistas fazer um esforço de comunicação e facilitar a compreensão para leigos sobre fatos e fenômenos econômicos que, em muitos casos, são simples de entender.

Agora como dirigente da Instituição Fiscal Independente, tenho dado entrevistas, escrito textos, feito postagens, mais carregados no economês. Muitos amigos leigos me perguntam: o que é superávit primário ou nominal? Qual a diferença entre juros reais e nominais? O que é déficit público? O que são PIB, SELIC e IPCA? E por aí vai.