sábado, 4 de maio de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Protestos nos EUA revelam inépcia das universidades

O Globo

Instituições se mostram incapazes de combater antissemitismo e de proteger direito dos alunos à manifestação

A onda de protestos contra Israel que tomou conta das universidades americanas revela a incapacidade dessas instituições para lidar com o conflito entre dois valores essenciais ao mundo acadêmico: a proteção às minorias e a liberdade de expressão. Manifestações e acampamentos pró-Palestina têm sido alvo de ações policiais que já resultaram em mais de 2 mil prisões. A repressão se espalhou de Nova York a Los Angeles, de Portland a Nova Orleans, a ponto de o presidente Joe Biden, alvo dos manifestantes pelo apoio a Israel depois dos ataques do grupo terrorista Hamas, afirmar que os americanos têm “direito de protestar, mas não a causar o caos”.

É importante lembrar que, nos Estados Unidos, vigoram leis mais elásticas sobre liberdade de expressão que nos países europeus ou no Brasil. Lá, manifestações de racismo, nazismo ou antissemitismo são legais, desde que não representem ameaça imediata de dano físico e que não se dirijam contra alvos específicos. Mas diversas manifestações ultrapassaram até esse limite, com invasão de prédios e acampamentos, em violação das normas universitárias, distúrbios à circulação e à ordem. “Destruir propriedade não é protesto pacífico. É contra a lei”, disse Biden. “Vandalismo, invasão, quebrar janelas, fechar o campus e forçar o cancelamento de aulas e cerimônias de graduação, nada disso é protesto pacífico. Ameaçar, intimidar, instilar medo não é protesto pacífico. É contra a lei. Dissenso é essencial à democracia, mas dissenso não pode levar à desordem.”

Oscar Vilhena Vieira – Muralhas do Supremo

Folha de S. Paulo

Corte demonstrou ser trincheira relevante na defesa da democracia

Recente pesquisa sobre confiança no Judiciário, realizada pela Atlas-Jota, aponta que cerca de 50% dos entrevistados não confiam no trabalho dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). O cenário desperta preocupação, mas não surpresa, em face do papel central ocupado pelo tribunal num contexto de forte polarização e turbulência política em que o pais imergiu na última década.

Para que o leitor tenha clareza sobre a clivagem que separa os eleitores brasileiros, basta destacar que 90,4% dos que declaram ter votado em Jair Bolsonaro não confim no Supremo, enquanto 90,5% dos que declararam voto em Lula dizem confiar na corte.

Ao receber a responsabilidade de decidir sobre questões controvertidas de natureza moral, política e mesmo econômica, que os órgãos de representação política não foram capazes de dirimir, tribunais constitucionais assumem os custos políticos dessas decisões, angariando a desconfiança daqueles que se sentiram contrariados pelas suas decisões.

Pablo Orlellado - O caráter golpista do 8 de Janeiro

O Globo

Não foi apenas uma manifestação pacífica de senhorinhas patriotas

Existe uma aparente contradição capturada por uma pesquisa do Datafolha de março deste ano. A maioria dos brasileiros considera que o ex-presidente Bolsonaro tentou dar um golpe de Estado. Porém também acha que o 8 de Janeiro não foi golpe de Estado, mas apenas vandalismo.

Nos dias 19 e 20 de março, a pesquisa perguntou se os entrevistados consideravam o 8 de Janeiro golpe ou vandalismo. Maioria expressiva de dois terços (65%) acha que se tratou apenas de vandalismo, e apenas o outro terço (30%) que foi golpe. Até entre os eleitores de Lula, 52% consideram que a invasão dos três Poderes foi só vandalismo. Na mesma pesquisa, porém, 55% acreditam que Bolsonaro tentou se manter no poder por meio de um golpe. Como é possível que o Brasil acredite que Bolsonaro é golpista, mas que o 8 de Janeiro não foi golpe ou parte de um golpe?

Dora Kramer - Às favas com a Carta

Folha de S. Paulo

Os Poderes se atritam no Brasil, e os poderosos confraternizam sob sigilo no exterior

Vejam como são as coisas: os Poderes da República se atritam no Brasil de modo transparente enquanto os poderosos confraternizam no exterior em ambiente de obscuridade nada republicana.

Isso sob a égide do sigilo quanto a quem paga, por que paga e a quais propósitos atendem os patrocinadores de convescotes no circuito Londres-Paris-Nova York-Madri-Lisboa.

Alega-se, para tal, a necessidade de estreitar relações entre os setores público e privado, mas não se faz isso por aqui mesmo ou em cenários menos propícios ao deleite dos participantes.

Carlos Alberto Sardenberg - Sobre democracia e mandar

O Globo

Quem manda acha que pode fazer o que criticava quando era oposição. A fala de Lula no Dia do Trabalho cai nessa categoria

Topo com o Millôr. Democracia, diz, é quando eu mando em você; ditadura é quando você manda em mim. Ainda pergunto:

— Vale para qual época?

— É universal.

Mas, se fosse preciso escolher uma só época, esta nossa cairia bem. Ampliando o sentido da frase: quem manda acha que pode fazer exatamente o que criticava quando era oposição.

Cai nessa categoria a fala de Lula no comício do Dia do Trabalho, quando pediu votos para Boulos, candidato a prefeito de São Paulo. Pela lei eleitoral, só poderia fazer isso — pedir voto — uma vez iniciada oficialmente a campanha, segundo as normas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Como ainda não começou, poderia, digamos, aparecer abraçado a Boulos, sem falar nada. A pena por falar é mixaria. No máximo, de R$ 25 mil. Logo, vale a pena. Todo mundo está falando do episódio, inclusive nós aqui.

Hélio Schwartsman - Vontade de punir

Folha de S. Paulo

Esquerda aceita ideia de que menores sejam tratados de modo menos rigoroso desde que delito não integre sua lista de crimes favoritos

A esquerda precisa definir aquilo em que acredita. Quando um bolsonarista fala em reduzir a maioridade penal, a esquerda, com razão, rejeita a proposta. E o faz com base na ideia de que crianças e adolescentes, por serem sujeitos em formação, devem receber da Justiça um tratamento menos rigoroso que o dispensado a adultos. Daí não decorre que jovens não devem responder por ilícitos ou violações éticas que cometam, mas apenas que as sanções tenham caráter mais educativo do que retributivo.

Alvaro Costa e Silva – Quem é vivo sempre aparece

Folha de S. Paulo

Além de usar a filha para influir no Congresso, indica aliados na Prefeitura do Rio

O ditado é antigo, mas infalível: quem é vivo sempre aparece. Ainda mais quando o vivente –que está mais para assombração– se chama Eduardo Cunha.

O ex-deputado presidiário tem longa familiaridade com as altas rodas do poder desde a época em que se tornou o todo-poderoso presidente da Telerj e usou o cargo para mexer os pauzinhos e construir sua carreira. No fim dos anos 1980, ajudou a campanha presidencial de Collor e a fortalecer o inexpressivo PRN no Rio de Janeiro. Acabou envolvido no escândalo das contas fantasmas de PC Farias. Sempre conspirando e fazendo alianças secretas, foi a figura determinante no processo de impeachment de Dilma e na posse do vice, Temer. "Que Deus tenha misericórdia dessa nação" –quem não se lembra da frase?

Eduardo Affonso - Lady Madonna

O Globo

Na contramão do identitarismo, a cantora não vitimizou mulheres, pretos, gays, latinos. Preferiu celebrá-los

Deve ter havido algum fenômeno paranormal entre junho e agosto de 1958. No intervalo de menos de três meses, nasceram Prince, Madonna e Michael Jackson. É difícil que pelo menos um deles não esteja na trilha sonora da vida de qualquer sessentão.

Prince mudou de nome, Michael mudou de cor, e a material girl se tornou mãe de seis filhos (quatro adotados na África). Em algum momento, nesses 65 anos, o Brasil esteve no meio de seu caminho.

Prince abriu show de Alceu Valença no Maracanã (era o Rock in Rio, e ele preferiu não ser a última atração da noite). Cantou que nada se comparava a nós. Michael subiu o Morro Dona Marta (onde há uma estátua horrenda, em homenagem) e desceu o Pelourinho com o Olodum, cantando que eles não ligam para nós. A única sobrevivente da trinca estará hoje, no Rio, diante de 1,5 milhão de pessoas, mostrando que não liga para o peso de 40 anos de carreira — e que poucos artistas se comparam a ela.

Demétrio Magnoli - O ópio dos estudantes

Folha de S. Paulo

Tese 'decolonial' espalhou-se entre professores universitários e salas de aula

"O Ópio dos Intelectuais", obra do filósofo Raymond Aron publicada em 1955, referia-se ao marxismo e brincava com a caracterização da religião, por Karl Marx, como o "ópio do povo". A religião laica dos intelectuais fez seu caminho até os estudantes e, bem diluída nos líquidos do pacifismo e do terceiro-mundismo, deixou uma marca nas manifestações contra a Guerra do Vietnã. De lá para cá, porém, foi substituída por outra doutrina dogmática: a tese "decolonial".

Assim como o marxismo, a nova doutrina espalhou-se entre professores universitários, gotejou para as salas de aula e, finalmente, emergiu no palco das manifestações contra a guerra em Gaza nos campi dos EUA. Sua síntese aparece num cartaz exposto no acampamento de protesto da Universidade George Washington: "Palestina livre. Os estudantes voltarão para casa quando os israelenses voltarem para a Europa, os EUA etc (seus lares verdadeiros)".

Bolívar Lamounier - Reflexões à margem de uma crise anunciada

O Estado de S. Paulo

Não estranha havermos chegado a uma estrutura disfuncional, incompatível com uma boa gestão das contas públicas e irrelevante na função de representar os cidadãos

O Brasil nunca teve, não tem e nada sugere que venha a ter uma estrutura de partidos consistente e confiável. Acrescente-se que, na situação em que nos encontramos, é imperativo contextualizar essa questão no quadro da séria crise com que nos iremos deparar num horizonte de 15 ou 20 anos. Comecemos, então, pelos partidos políticos. Aqui, o que interessa não é o simples número de siglas, mas esse número ponderado pelo número de assentos que cada uma delas detém na Câmara federal. É sabido que nossos maiores partidos nunca ultrapassam 20% do número de assentos. Desse ponto de vista, estamos tratando do grau de fragmentação da estrutura partidária, e ninguém contesta que a nossa é uma das mais fragmentadas do mundo. Daí decorre que o Executivo só consegue o apoio da maioria recorrendo deslavadamente ao clientelismo e ao contorcionismo fiscal para fechar anualmente as contas públicas.

Miguel Reale Júnior - Punitivismo eleitoreiro

O Estado de S. Paulo

O obscurantismo prevalece para alimentar o discurso de palanque visando a contentar a população crédula em soluções fáceis

A guerra contra as drogas foi declarada por Richard Nixon em 1971 e reiterada pelos governos que o sucederam. A ONU, por influência norte-americana, editou a Convenção de Viena de 1988, na qual se consagrou a war on drugs, com exigência de punições graves aos usuários.

Nessa época, eu presidia o Conselho Federal de Entorpecentes, contando com conselheiros do nível de Elisaldo Carlini, Sérgio Paula Ramos e Miguel Jorge. O conselho, ao qual então cabia editar a lista de substâncias estupefacientes, decidiu não incluir como entorpecente o chá do Santo Daime, ou ayahuasca, pois, malgrado fosse um alucinógeno, seu uso era limitado e ligado à prática religiosa. A incriminação apenas criaria o comércio clandestino e a tentação do proibido. Estávamos certos. O uso do chá cumpre, até hoje, seu ritual espiritual, de forma restrita.

Luiz Gonzaga Belluzzo - Dúvidas do espírito de porco

CartaCapital

Será que não há um pouco de precipitação nas conclusões irrefutáveis dos economistas sobre seus modelos?

Na edição de 29 de abril, em sua Página de Rosto (assim falavam os da antiga), o Estadão estampou a manchete: “Piora fiscal e cenário externo põem em xeque previsão de taxa de juros com um dígito”.

Essa advertência foi precedida, e segue acompanhada, por incisivos editoriais que fincam o pé na condenação dos gastos do governo, apresentados como a origem dos males que afligem a economia brasileira.

Em contundente editorial, a Folha de S.Paulo proclama: “Economia oscila entre o medíocre e o arriscado. Relaxamento de meta fiscal confirma recusa de Lula em rever gastos, o que limita expansão do PIB e torna País vulnerável. O afrouxamento precoce das metas para os resultados das contas do Tesouro Nacional não surpreendeu ninguém. Na verdade, nem mesmo se acredita que as novas metas serão cumpridas”.

Marcus Pestana - Traduzindo o desafio fiscal em miúdos (II)

Na última semana, chamamos a atenção sobre a barreira quase intransponível erguida pela linguagem técnica entre o cidadão leigo e os economistas. A economia faz parte do cotidiano da população. As decisões econômicas repercutem na vida de todos. No fundo, trabalhadoras e trabalhadores, donas de casa e chefes de família, entendem conceitos tais como receita, despesa, déficit, inflação, juros e dívida, pois lidam com o orçamento familiar.

No último artigo, ficou claro que receita é receita, despesa é despesa, independentemente de sua natureza, qualidade ou classificação contábil. As receitas podem ser correntes, como a dos impostos, taxas, contribuições, participações, ou de capital, como a oriunda da venda de uma estatal ou de uma operação de crédito. As despesas podem financiar o custeio (salários, previdência, benefícios, bens de consumo, etc.), investimentos (obras e equipamentos) ou, ainda, o pagamento de parcelas e juros da dívida. Os gastos podem ter boa qualidade como quando bancam a qualidade da educação, o acesso a saúde, o Bolsa Família ou uma estrada necessária. Mas podem ser ruins quando direcionados a sustentar privilégios e obras faraônicas não prioritárias ou vão pelo ralo da corrupção ou do desperdício. Mas bons ou ruins, para custeio ou investimento, gasto é gasto. 

Cláudio Carraly* - Construindo Resiliência: Desafios e Estratégias Diante dos Eventos Climáticos Extremos

A crescente instabilidade climática lança uma sombra cada vez mais ameaçadora sobre o destino da humanidade, eventos climáticos extremos, outrora raros e excepcionais, agora são assustadoramente comuns. Inundações avassaladoras, secas prolongadas, tornados devastadores e ondas de calor insuportáveis assolam comunidades em todo o mundo, inclusive e crescentemente no Brasil. Nossa diversidade climática e a vasta extensão territorial do país não o imunizam contra a fúria da natureza, inundações recorrentes, secas intermináveis e ondas de calor extremo em todo o território nacional servem como um lembrete cruel da vulnerabilidade da nação diante dos caprichos do clima.

O Brasil enfrenta desafios monumentais diante das crescentes mudanças climáticas globais, para responder de forma eficaz a esses desafios, é imperativo adotar uma abordagem abrangente e multifacetada que não apenas mitigue os impactos adversos, mas também promova a resiliência e a sustentabilidade a longo prazo, pois o problema veio para ficar. Uma parte essencial dessa resposta envolve o compromisso com o financiamento adequado e a alocação inteligente de recursos, é fundamental que os governos em todos seus níveis, estabeleçam políticas claras de financiamento sob o prisma climático, garantindo que os recursos necessários estejam disponíveis para implementar medidas de adaptação e mitigação em todas cidades mais vulneráveis do país, além disso a mobilização de financiamento internacional, bem como a exploração de instrumentos financeiros inovadores, como títulos verdes e fundos de resiliência climática.