segunda-feira, 6 de maio de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

País precisa se preparar para eventos climáticos extremos

Valor Econômico

Deficiências que se tornaram habituais serão ainda mais nocivas com a mudança de qualidade dos fenômenos causados pelo aquecimento global

O Rio Grande do Sul vive nova catástrofe climática, pouco tempo depois de um destrutivo ciclone extratropical em junho e de enchentes em setembro que deixaram 54 mortos. Desta vez, uma zona de alta pressão, com bloqueio de ar quente no Centro do país, impediu a chegada de frentes frias ao Sudeste que, sem poder avançar, estacionaram no Sul, provocando dilúvios. No Estado, as chuvas afetaram principalmente a região Central e dos Vales, com 332 cidades atingidas. Em Porto Alegre, o rio Guaíba ultrapassou o recorde de 1941, quando atingiu 4,7 metros de altura. O Centro histórico de Porto Alegre está debaixo de água. Havia 78 mortos e 105 desaparecidos no início da noite de ontem.

O Rio Grande do Sul pode ser um exemplo de que os fenômenos climáticos adversos ganharam em intensidade e frequência, algo já visto com preocupante ritmo em todos os países com a piora do aquecimento global. No Brasil, há pouco uma seca devastadora fez desaparecer provisoriamente alguns rios na maior bacia fluvial do planeta, a Amazônica, enquanto o Pantanal vem sendo devastado por incêndios de grande extensão por dois anos consecutivos.

Três Poderes anunciam socorro a vítimas no RS

Andrea Jubé, Beth Kaike e Victoria Neto / Valor Econômico

Pacote contempla novas regras para transferência de recursos federais, renegociação da dívida do Estado e linhas de crédito especiais

O governo federal, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF) começaram a articular ações emergenciais para vítimas das enchentes no Rio Grande do Sul. O pacote, anunciado no domingo (5), deverá contemplar regras para transferência de recursos federais fora das restrições fiscais, renegociação da dívida do Estado com a União, liberação de emendas parlamentares e linhas de crédito especiais ao agronegócio e a empresas afetadas pela catástrofe.

No domingo, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), afirmou, diante de autoridades locais e federais, que o Estado vive um “cenário de pós-guerra”, e que será necessário um “Plano Marshall” para reconstruir tudo, em alusão ao plano de reconstrução da Europa pós-Segunda Guerra, financiado pelos Estados Unidos. Alertou que limitações, como as regras fiscais, dificultam a utilização de recursos extraordinários no socorro à população.

Leite fez o apelo diante do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que desembarcou ontem em Porto Alegre com uma comitiva de ministros, com os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, o vice-presidente do STF, Edson Fachin, e representantes das Forças Armadas.

O Estado enfrenta a maior enchente de sua história. Os temporais já deixaram 78 mortos confirmados, 105 desaparecidos e 175 pessoas feridas, de acordo com boletim da defesa civil divulgado na noite de domingo. Outros quatro óbitos estão sendo investigados.

Bruno Carazza - Quem se importa com as mortes no RS?

Valor Econômico

Tragédia de 2023 pouco mobilizou políticos gaúchos e o governo federal

No Brasil, as tragédias se sucedem, trazendo morte, sofrimento e prejuízos, principalmente para os mais pobres. Na maioria das vezes, poucas lições extraímos com o drama humano - e menos ainda mudamos nosso comportamento.

A situação vivida atualmente no Rio Grande do Sul foi bola cantada por especialistas em meteorologia e meio-ambiente, triste reprise das chuvas e inundações sofridas em meados do ano passado. A classe política, porém, ignorou os alertas.

Na mensagem que enviou a proposta para o orçamento de 2024 à Assembleia Legislativa, o governador Eduardo Leite (PSDB) mencionou a destruição e as mortes provocadas em diversos municípios do Estado em 2023, e propôs que todos os gaúchos unissem seus esforços para “que todos os atingidos tenham de volta a esperança no futuro”. Palavras quase protocolares, diante do pouco que se propôs de mudanças.

Camila Zarur - Pauta conservadora alia católicos e evangélicos

Valor Econômico

Atos bolsonaristas no Rio e em São Paulo tiveram tanto católicos quanto evangélicos

Quando a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro falou sobre a necessidade de estabelecer um reino de Deus na terra, no ato do ex-presidente Jair Bolsonaro em Copacabana, no Rio, no domingo 21 de abril, ela discursava diante de uma multidão formada, na maioria, por católicos e evangélicos, segundo levantamento do Monitor do Debate Político, da Universidade de São Paulo (USP) . O primeiro grupo em maior número do que o segundo. A cena foi a mesma da manifestação bolsonarista na Avenida Paulista, em São Paulo, no fim de fevereiro.

“[Vocês] estão aqui unidos não por um homem ou por uma mulher, mas por valores, por princípios, pelo reino de Deus estabelecido na terra”, disse Michelle em Copacabana, mesmo discurso feito no ato paulista. Em ambas as situações, ela foi ovacionada pelo público. “Antes de sermos cristãos, nós somos cidadãos e precisamos nos posicionar e exigir nossos direitos”, afirmou a ex-primeira-dama.

Fernando Gabeira - Salman Rushdie: o triunfo da palavra

O Globo

Escritores têm de continuar escrevendo suas histórias, que ficarão para sempre e ajudam a combater falsas narrativas

Salman Rushdie não acredita em milagres, embora apareçam muitos em seus textos de realismo mágico. Mas foi um milagre ele ter sobrevivido a um ataque de 27 segundos e 15 facadas em Chautauqua, Nova York, no dia 12 de agosto de 2022. A última coisa que seu olho direito viu foi um homem vestido de preto, correndo na plateia em sua direção e desfechando os golpes que o levaram a muito perto da morte.

Rushdie sobreviveu com a mente intacta e escreveu um livro, “Faca: reflexões sobre um atentado”. Além de ter perdido a visão do olho direito, foi gravemente ferido na mão esquerda, no peito, no pescoço e em outros pontos do corpo. Foram 18 dias internado num centro de trauma e muitos dias em seguida num hospital especializado em recuperação em Nova York. Ele não foi salvo apenas pela perícia dos cirurgiões, mas também pelo amor de sua mulher, Eliza (Rachel Eliza Griffiths), filhos de inúmeros amigos e até desconhecidos que se solidarizaram com ele.

Irapuã Santana - O Brasil dos dois pesos

O Globo

Quando Bolsonaro cortava as verbas da saúde e educação, era um absurdo. No atual governo, tem ocorrido a mesma coisa

Estamos a cinco meses das eleições municipais, em que decidiremos sobre as políticas mais próximas de nós. Afinal, é nas cidades que a vida acontece. Por isso gostaria de renovar o debate sobre o país e a sociedade que queremos ser.

À medida que o tempo passa, fica mais evidente que as discussões dizem respeito a quem, e não a “o quê”. Os grandes temas que são unanimidade quanto à necessidade de mudar se submetem ao grupo que defende o que fazer. A população não tem acesso à educação e à saúde de qualidade. No entanto, a depender de quem está no poder, uma parcela se cala, enquanto a outra grita. Quando Bolsonaro bloqueava ou cortava as verbas dessas áreas, era um absurdo. No atual governo, tem ocorrido a mesma coisa, mas surgiram justificativas vindas justamente dos setores que reclamaram tanto no governo passado.

Miguel de Almeida - Musk e a maconha

O Globo

Há um oportunismo político nos ataques à cultura e à educação

A cultura e a educação voltaram a ser atacadas pela direita. De novo, são coisas de “comunistas”. Desde o final da ditadura, artista ou professor eram categorias profissionais respeitáveis, do tipo papai e mamãe, vistas como atores da boa civilização. Sugeria ser um caminho para o Brasil deixar de apenas exportar commodities, sair enfim de seu estágio extrativista. O advento do bolsonarismo, somado às redes evangélicas e CACs, em vez de perseguir seus milicianos de estimação, criminalizou a turma do Zeca Pagodinho e do professor Pasquale.

Mãos ao alto. Aqui se faz, aqui se paga.

Marcus André Melo - Tributação e eleições

Folha de S. Paulo

No folclore político, os destinos de George Bush ("read my lips: no new taxes" ["leia meus lábios: não haverá novas taxas"]) e de Margaret Thatcher (a "poll tax" [captação], que ela quis impor) foram selados por questões de tributação. Mas as evidências sobre os efeitos eleitorais de reformas tributárias não estão claras. Ahrens e Bandau (2024), em "The electoral consequences of taxation in OECD countries" ["As consequências eleitorais da tributação nos países da OCDE"], analisam a questão com dados abrangendo 30 países da OCDE em 50 anos (1970-2020). Concluem que os efeitos variam dependendo do imposto, se direto ou indireto. Mudanças no IVA, seja reduzindo ou aumentando as alíquotas, não tem impacto, enquanto as mudanças no imposto de renda de pessoas físicas (IRPF), sim.

Deborah Bizarria - Cashback é melhor que isenção

Folha de S. Paulo

Políticas mal projetadas podem favorecer interesses específicos e prejudicar a equidade

sistema tributário brasileiro, como bem sabemos, é um labirinto de complexidades. Além de termos uma alta carga, as múltiplas alíquotas aplicadas de forma distinta para produtos e estados diferentes geram uma distorção palpável no mercado. As empresas passaram a tomar decisões baseadas mais em vantagens fiscais do que em eficiência operacional. Este cenário faz com que a necessidade de uma reforma tributária seja mais urgente do que nunca.

Nesse contexto, a promulgação da Emenda Constitucional 132 que substitui cinco tributos disfuncionais por um IVA Dual de padrão internacional é um enorme progresso. No entanto, a preservação da isenção total para a cesta básica, uma política tradicional, e consequente enfraquecimento do sistema de cashback, uma proposta mais inovadora e direcionada, mostra como os interesses políticos ainda moldam as decisões cruciais.

Diogo Schelp - Abutres ideológicos e as chuvas no RS

O Estado de S. Paulo

Não existe relação de causa e efeito entre o partido do governo e o evento climático extremo

As enchentes de proporções inéditas no Rio Grande do Sul mal haviam chegado às manchetes no resto do País e os abutres ideológicos já estavam a postos para explorar a tragédia politicamente.

Influenciadores ganharam as redes sociais para dizer que os gaúchos estão pagando o preço de terem votado em “governadores neoliberais” que defendem o enxugamento da máquina do Estado. Políticos de esquerda atribuíram a calamidade das chuvas a uma suposta associação entre ceticismo climático e o fato de Jair Bolsonaro ter recebido mais de 56% dos votos para presidente no Rio Grande do Sul, em 2022.

Ambientalistas e jornalistas pegaram carona nessa falácia e vincularam a falta de medidas de prevenção à irresponsabilidade de governantes locais supostamente negacionistas. Investimentos em prevenção poderiam ter mitigado apenas parcialmente os efeitos das chuvas intensas que o estado tem enfrentado.

Denis Lerrer Rosenfield - O antiocidentalismo

O Estado de S. Paulo

O Ocidente voltou-se contra o Ocidente. A esquerda, e nesse caso a brasileira também, se cala diante de tão flagrantes contradições

O antiocidentalismo faz parte da cultura ocidental. O Ocidente sempre esteve permeado por contradições internas, algumas das quais atentaram contra os seus próprios fundamentos. Propostas liberais e democráticas foram se desenvolvendo concomitantemente ao racismo, à escravidão, ao antissemitismo e ao colonialismo. Mais radicalmente ainda, o Ocidente gerou em seu seio regimes totalitários como o nazismo e o comunismo, que conflagraram a Europa, colocando-a a perigo. No entanto, o Ocidente soube se reinventar, fortalecendo valores de cunho universal.

No núcleo dessas contradições, convém salientar o papel do marxismo e, sobretudo, de seus prolongamentos no comunismo soviético, no maoísmo e em outros ismos como os que levaram a mortandades monstruosas como no Camboja e na Ucrânia. A história desses horrores está repleta de exemplos, a única dificuldade reside na escolha de alguns deles. O destaque deve ser, assim, ressaltado, visto que tal concepção nasceu de princípios universais, como a igualdade entre os homens, que seria contraposta à liberdade, embora a realização dessa proposta tenha logo ganhado um caráter perverso. A violência foi generalizada e valores universais foram simplesmente destruídos em nome das “transformações sociais” em curso.

Fogo no parque

Fortalecidos pelo controle das emendas, Câmara e Senado fustigam a autonomia dos demais poderes

Por André Barrocal / CartaCapital

Na tarde de 18 de dezembro de 2023, uma segunda-feira, o líder do governo no Senado, Jaques Wagner, recebeu jornalistas em seu gabinete para um balanço do ano. Estava animado. Na volta de Lula ao poder, anotava o petista, o governo tinha conseguido aprovar no Congresso tudo o que queria e precisava na economia e na área social. Faltava só a aprovação do orçamento de 2024, marcada para dali a quatro dias. Foi uma votação encruada, essa última, em razão da gula de deputados e senadores por verbas para obras inseridas na lei proposta pela equipe econômica. O dinheiro das chamadas “emendas parlamentares” cresceu tanto em uma década que Wagner via desenhar-se uma crise entre os poderes. “Em algum momento, vai ficar impossível (governar)”, comentou.

O prognóstico ganha contornos cada vez mais nítidos. O gigantismo das emendas, 44,6 bilhões de reais neste ano, é um dos dois motivos − o outro é a força da extrema-direita − a deixar o Congresso assanhado para impedir o governo de governar e o Supremo Tribunal Federal de julgar. Em suma, para querer ser o timoneiro, em um “parlamentarismo disfarçado”, caracterização que Wagner endossou, ao ser questionado por CartaCapital em dezembro. A postura do Legislativo pode ser vista na agenda anti-Supremo, reação a julgamentos como o da descriminalização da maconha e do aborto (iniciados e não concluídos) e ao veredicto sobre o “marco temporal”, invenção ruralista que dificulta a homologação de reservas indígenas. No front antigoverno, observa-se, entre outras, uma guerra congressual contra a retomada da cobrança de imposto sobre a folha salarial de 17 setores empresariais, batalha travada desde outubro e que acaba de chegar ao Supremo por iniciativa do Executivo, para revolta parlamentar.

Paulo Fábio Dantas Neto* - Universidades e institutos federais – parte 2: implicações da política

(...)os problemas das universidades vão além das questões que as declarações públicas apontam no rastro das reivindicações sindicais das associações de docentes e funcionários (...) Sem desconhecer o efeito devastador de fatores externos, as deficiências resultam em grande parte de vícios da estrutura interna de poder. É necessário que se criem as condições que liberem potencialidades e necessidades que hoje estão reprimidas por essa estrutura (Maria de Azevedo Brandão: “Notas para uma discussão sobre a Universidade”, 1985. Publicado em “Mundo e lugar: a urbanidade do pensamento de Maria Brandão”. Edufba,2021, p.417-420). 

A universidade brasileira não questiona a si própria como estrutura de poder. Há uma sensação de desconforto, há uma situação de calamidade, mas não há uma crise universitária. A universidade vive vegetativamente a crise da sociedade brasileira, porém sem uma crise própria. Tenho dito isso desde que se iniciou a última greve, em abril de 1984. (Maria de Azevedo Brandão: “Rumo a uma nova Universidade”, 1985. Publicado em “Mundo e lugar: a urbanidade do pensamento de Maria Brandão”. Edufba,2021, p.p.421-427).

Retomo o tema do artigo anterior desta coluna (“Universidades e institutos federais, a busca uma razão razoável”) agora desviando o foco da greve nacional dos docentes, que hoje já afeta a grande maioria das instituições federais de ensino do país, na contramão de uma razão razoável. Tendo prevalecido razões corporativas imediatas e o posicionamento político de contestação  ao governo federal, assumido pelo Andes – Sindicato Nacional, o foco deste segundo artigo dirige-se às conexões da ação do movimento docente com alguns aspectos relevantes da conjuntura política. O vetor aqui analisado não é o impacto presumivelmente pequeno do movimento sobre a conjuntura e sim as implicações desta sobre a situação das IFES ora submetidas, em sua maioria, à realidade da paralisação. 

As condições precárias das universidades e institutos federais brasileiros e os impasses orçamentários que a situação envolve resultam, naturalmente, de múltiplos fatores, históricos ou recentes e de natureza interna ou externa ao ambiente das IFES. Dentre os de natureza interna está - sem ser obviamente o único, nem o principal - o corporativismo como atitude política motivadora da ação de suas instâncias sindicais. No momento ele é mais visível no movimento sindical docente, cujos discursos e práticas tendem a singularizar insatisfações reais da categoria numa pauta que, no aspecto salarial, parece sugerir uma situação singular, que distingue cidadãos e cidadãs que ali trabalham dos demais, como se fossem "estranhos" uns aos outros. Consequentemente, é menos provável a atenção às pautas universitárias por parte de cidadãos “comuns”, afetados por mil e uma necessidades e interesses outros.