sexta-feira, 25 de outubro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Tragédia de Novo Hamburgo expõe leniência com CACs

O Globo

Atirador que matou pai, irmão e dois policiais mantinha em casa arsenal obtido legalmente como colecionador

Na noite de terça-feira em Novo Hamburgo, na Região Metropolitana de Porto Alegre (RS), um caminhoneiro de 45 anos, depois de manter a própria família como refém, matou a tiros na hora o pai, o irmão e um policial militar. Outro PM morreu no hospital. Feriu ainda a mãe, a cunhada e outras seis vítimas. Segundo a Polícia Civil gaúcha, o atirador foi encontrado sem vida dentro de casa depois de confronto com o Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope). Cinco baleados — entre eles dois policiais militares e um guarda municipal — permaneciam ontem internados.

A motivação do crime ainda é investigada. Pelo que se sabe, o atirador abriu fogo contra os parentes e policiais depois de ser denunciado pelo pai por maus-tratos. Todas as tentativas de negociação foram frustradas, e ele ainda derrubou dois drones usados pela polícia durante o cerco, que durou mais de nove horas.

José de Souza Martins - A crise da esquerda e a ameaça autoritária

Valor Econômico

A direita mobiliza vítimas de marginalização política porque os partidos democratas têm dificuldade de reconhecer o que é política numa sociedade atrasada

A eleição, em 2002, de um presidente da República pelo PT e sua reeleição, quatro anos, depois, além da eleição e reeleição de sua sucessora, não representou uma inclinação do eleitorado para a esquerda. Apenas robusteceu a inclinação brasileira para a direita com que esta reagiu e se apoderou do poder. O que era difuso e não tinha nome, pela mediação da esquerda reconheceu-se como direita. Definiu uma identidade, encontrou um líder que personificasse sua confusão e seu ódio acumulado. Tornou-o objeto de idolatria e sujeição. Bolsonaro não é apenas personagem eleitoral.

A questão é sociologicamente complicada. Foi tratada por Theodor Adorno e sua equipe em célebre e bem cuidado estudo científico realizado na Universidade da Califórnia. Em 1950, essa equipe publicou “The Authoritarian Personality”. O grupo foi motivado, dentre outras, pela hipótese de que o que acontecera na Alemanha poderia ter seus fatores e causas também em outros países, como os EUA. Ou como aqui.

Vera Magalhães - A agenda do pós-eleições

O Globo

Retomada do controle do Orçamento, reforma ministerial e sucessão na Câmara serão temas da volta do mundo político a Brasília

Passado o segundo turno, Brasília volta a funcionar com força total com foco em quatro temas principais, todos interligados: a necessidade do governo de promover um corte estrutural de gastos que mantenha de pé o arcabouço fiscal, o acordo entre os Poderes para disciplinar as emendas parlamentares, a troca de comando na Câmara e no Senado e uma esperada reforma no primeiro escalão do governo.

Uma das coisas que ficaram nítidas nas eleições municipais foi o peso do dinheiro vindo de Brasília nos resultados que inflaram as siglas do Centrão e da direita. São dois os dutos pelos quais jorrou a dinheirama: o fundo eleitoral inflado pelo Congresso e as emendas Pix, que, agora, deverão mudar, a partir da puxada no freio dada pelo Supremo Tribunal Federal.

As várias modalidades de emendas, além da Pix, e seu caráter cada vez mais impositivo tiraram do Executivo uma das principais armas de que sempre dispôs para fazer política. O resultado é que muitos partidos com gabinetes na Esplanada fizeram campanhas completamente dissociadas de Lula ou do governo, sem deles depender e, sobretudo, sem defendê-los, fazendo com que a esquerda saia bem mais enfraquecida do mapa e, assim, largue atrás na montagem de chapas para a Câmara e o Senado daqui a dois anos.

Luiz Carlos Azedo - Não chamem Lula, Maduro e Ortega para jantar

Correio Braziliense

O Brasil equilibra-se entre dois polos, os Estados Unidos e a China, o que tensiona a política externa toda vez que se aproxima demais dos parceiros do Brics

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva aproveitou a reunião do Brics — Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul —, em Kazan, na Rússia, que terminou nesta quinta-feira, para estabelecer distância segura dos presidentes da Venezuela, Nicolás Maduro, e da Nicarágua, Daniel Ortega, cuja entrada no grupo foi vetada pelo Brasil nos bastidores do encontro. Ampliado com mais quatro países (Egito, Irã, Etiópia, Emirados Árabes; a Arábia Saudita ainda não oficializou seu ingresso), o bloco decidiu criar também uma categoria de países parceiros, condição que era pleiteada pelos dois países latino-americanos.

Andrea Jubé - Otto, o camisa 10 de ACM no time de Lula

Valor Econômico

Senador rebate a provocação de que o Executivo precisaria de um “milagreiro” no parlamento

Fã de Raul Seixas, também baiano, e com a autoridade de quem conviveu de perto com Irmã Dulce (1914-1992), a Santa Dulce dos Pobres, o líder interino do governo, senador Otto Alencar (PSD-BA), disse à coluna que o governo não precisa de milagres no Congresso.

“O governo sempre aprovou tudo o que quis na Câmara e no Senado, com dificuldades, mas aprovou”. Mas, parafraseando Raul, ele “não tem pressa, tem muita paciência” para votar a regulamentação da reforma tributária, e reforçou que muita gente no governo pensa como ele.

“Qual a urgência? O país está com aumento de arrecadação. É pressa para ter a grife da reforma tributária?”, desafiou, atribuindo, exclusivamente, ao mercado financeiro o interesse em ver o texto chancelado nas duas Casas até o fim do ano. O governo retirou o regime de urgência, carimbo com o qual a matéria havia chegado ao Senado.

Vinicius Torres Freire - O fim da deflação da picanha

Folha de S. Paulo

Alta anual dos alimentos passa de 7%, que incomoda; mas pode chover e vir safra recorde

inflação anual da picanha foi quase sempre negativa de janeiro de 2023 até setembro deste 2024. Isto é, o preço do corte de carne mais politizado do Brasil caía, se considerada a variação em 12 meses. Em abril, a picanha estava em média 11% mais barata do que no abril de 2023. A baixas pelo menos compensava parte dos aumentos pavorosos de 2021 (com altas anuais de mais de 30%).

preço médio das carnes agora aumenta ao ritmo de 5,1% ao ano, na medida do IPCA-15 do IBGE (o da picanha, 4,1%). Contribuiu para o aumento da inflação dos alimentos que a gente leva para a casa, que agora está em 7% ao ano, na medida do mesmo IPCA-15, divulgado nesta quinta-feira (24), que mede a inflação média entre meados de um mês e meados do mês seguinte, outubro, neste caso. No ano passado, o preço médio da comida caíra 0,52%. E daí?

Bruno Boghossian - Tudo ou nada de Boulos vai dar em nada?

Folha de S. Paulo

Pesquisa do Datafolha na reta final dá a dimensão do abismo entre os dois campos

Na véspera do primeiro turno, Guilherme Boulos pediu a prisão de Pablo Marçal. O influenciador havia sido o responsável por uma baixaria histórica ao divulgar um laudo falso de internação do rival. O episódio cavou os últimos metros do abismo entre os eleitores dos dois candidatos.

Só um projeto de engenharia com uma boa dose de imprudência poderia erguer uma ponte entre os dois campos. Boulos fez uma aposta nessa obra. Ajustou propostas para ecoar apelos de Marçal à periferia e gravou um vídeo em que eleitores vestiam um boné com a letra B. Como risco final, topou ser sabatinado pelo ex-coach nas redes sociais.

Marcos Augusto Gonçalves - Meia direita, mas não abandona a extrema

Folha de S. Paulo

Governador tenta se deslocar para outra faixa, mas letalidade policial, entre outras situações, diz muito sobre seu jogo

O governador de São PauloTarcísio de Freitas, tem se projetado como nome da direita no cenário político-eleitoral. À frente do estado mais pesado da União, está bem amparado pelo escolado Gilberto Kassab, secretário de Governo e vitorioso das eleições municipais. O ex-ministro de Bolsonaro, que teve passagem pelo governo Dilma, tem se deslocado simbolicamente para a meia direita, mas não deixa de jogar pela extrema. Conhece a posição.

Um dos sinais, entre outros, de que continua a trafegar sem embaraço por esse corredor é o desempenho da segurança pública.

Eliane Cantanhêde - Lula x Bolsonaro

O Estado de S. Paulo

Quem procura acha. A Polícia Federal usou um aparelho israelense de última geração para encontrar o que sabia que encontraria no celular do ajudante de ordens do então presidente Jair Bolsonaro, o tenente-coronel da ativa Mauro Cid: mais evidências e provas da tentativa de golpe, escondidas nas nuvens da internet. As que havia já eram suficientes, mas as novas, guardadas a sete chaves, reforçam o inquérito e complicam ainda mais os envolvidos.

Bolsonaro manteve as andanças e os atos pelo País, para segurar apoio popular, mas perde substância política, sai da eleição municipal com adversários consistentes dentro do seu próprio grupo e, além de inelegível, vai passar por poucas e boas na Justiça. O ministro Alexandre de Moraes, do STF, deu mais 60 dias para as investigações da PF, que depois serão analisadas pela PGR e, mais cedo ou mais tarde, vão parar no Supremo em 2025. Barbas de molho…

Fernando Gabeira - Clima: um discreto tema de campanha

O Estado de S. Paulo

Temas como o enterramento dos fios e a descentralização da energia não foram ventilados. E se fossem talvez não bastassem para eleger um simples vereador

As mudanças climáticas tiveram pouco impacto nas eleições. Não foi por falta de evento extremo.

As inundações arrasaram Porto Alegre no início do ano; uma tempestade abalou São Paulo e trouxe um novo apagão, em pleno processo eleitoral.

Em Porto Alegre, o prefeito Sebastião Melo é o favorito no segundo turno que se realiza domingo. Parece que tudo se resume a fortalecer as barreiras que impedem o Guaíba de transbordar na cidade. Em São Paulo, a crítica ao papel do prefeito foi reduzida à sua ineficácia em podar árvores.

Flávia Oliveira - Estado sequestrado

O Globo

O que era suspeita, alerta, aviso tornou-se comprovação escancarada. Porções cada vez maiores do território do Grande Rio estão sob controle de grupos armados. Chefes do crime não mais se intimidam nem com a presença nem com o poder de fogo de policiais, ora tão em risco quanto a população civil. Foi assim ontem, no Complexo de Israel, um conjunto de bairros do subúrbio carioca transformado pelo traficante Peixão em feudo, com direito a fossos à Idade Média para deter a entrada de blindados das forças do estado. Assim tem sido nas comunidades da Tijuquinha e da Muzema, na Zona Oeste, onde duas dezenas de ônibus já foram sequestrados, em uma semana, para formar barricadas contra os agentes do estado.

Não faltam estatísticas para expor a humilhação que o crime organizado impõe ao Estado do Rio, dia sim, outro também. Nas contas do Instituto Fogo Cruzado, a Avenida Brasil, principal via de acesso à capital fluminense, que se estende da Zona Oeste à área central, ontem foi cenário do 61º tiroteio do ano. No início da semana, o Rio Ônibus, sindicato das empresas do setor, contava 109 veículos sequestrados e oito incendiados apenas em 2024, na cidade do Rio. E segue contando.

Bernardo Mello Franco – A baderna de Castro

O Globo

Medo de violência não poupa nem os vizinhos do governador na Barra da Tijuca

Na quarta-feira, torcedores do Peñarol aterrorizaram a orla do Recreio à luz do dia. Os uruguaios saquearam lojas, atacaram banhistas e agrediram moradores do bairro, que revidaram ateando fogo a um ônibus de turismo. “Foi quase uma hora e meia de selvageria e vandalismo praticamente sem repressão”, registrou o portal g1.

Depois que as imagens já haviam corrido o país, o governador Cláudio Castro resolveu se manifestar nas redes sociais. Sem intenção de fazer piada, escreveu: “O Rio não é lugar de baderna”. Pelo que se viu nos últimos dias, teria sido melhor ficar calado.

Ontem um tiroteio interditou a Avenida Brasil, principal via expressa do Rio, por cerca de duas horas. Em pânico, homens, mulheres e crianças foram obrigados a rastejar no asfalto para escapar das balas. Três chefes de família não tiveram a mesma sorte. Paulo Roberto de Souza, motorista de aplicativo, Renato Oliveira, funcionário de um frigorífico, e Geneílson Ribeiro, motorista de caminhão, foram mortos. Todos com tiros na cabeça.

Cristovam Buarque* - Obrigado, Vladimir Carvalho

Brasilia perdeu nesta manhã um dos seus símbolos. Um nome do porte dos grandes que inventaram e construíram criaram nossa cidade. O Nordeste perdeu um dos seus filhos que nunca esqueceu suas raízes paraibanas. Brasil perdeu um dos mais importantes cineasta de nossa história, um documentarista que mostrou ao país como somos. A UnB perde um professor de imenso destaque, intimamente ligado à arte e cultura em geral. A sociedade brasileira perdeu um combatente que por décadas dedicou a militância à luta pela democracia, pela justiça social, pela paz, no heroísmo do antigo Partido Comunista, o PCB, na coerência do partido popular e socialista e agora na esperança do Cidadania. Nós, seus admiradores e correligionários, lamentamos muito esta imensa perda, com a tranquilidade de saber que ele morreu grande como viveu e com o compromisso de seguirmos seu exemplo mantendo viva sua luta.

Obrigado, Vladimir, pelos documentários que fez, pelo companheirismo que nos orgulhava, pela alegria e otimismo que inspirava, pelo exemplo que nos deixa. Obrigado e parabéns pela vida que soube viver.

*Presidente Regional do Cidadania/DF


Sérgio Moriconi* - O antes e o depois

Correio Braziliense

Uma das capacidades mágicas de Vladimir Carvalho era ser admirado e querido por todas as gerações que o seguiram. Vladimir nos deixou. Não, Vladimir não nos deixou. Quem viver verá

Ontem, a cidade amanheceu cinza e triste. Não era o fenômeno atmosférico comum à nossa chuvosa estação primaveril. Vladimir Carvalho havia falecido na madrugada deste 24 de outubro, depois de sofrer um infarte havia duas semanas. Alguns dias antes, experimentou uma das grandes alegrias de sua vida ao tomar conhecimento de que a sua Fundação Cinememória podia ser finalmente abrigada num dos espaços do Centro Cultural Banco do Brasil, o CCBB. Era uma luta solitária de décadas. Esse regozijo, quase júbilo, está documentado na entrevista que deu para a jornalista Márcia Zarur, momentos antes de sentir uma forte indisposição e ser, então, encaminhado para um hospital. Alegria e dor, paradoxo funesto. Ninguém de sua convivência entrevia o que estava para acontecer. Dinâmico, lúcido, saúde de ferro, Vladimir era o esteio, um dos dínamos da atividade cinematográfica em Brasília. 

Lilia Lustosa* - Vladimir Vorochenko dos Santos

Correio Braziliense

Vladimir Carvalho — ou Vorochenko, como era seu apelido entre os camaradas do cinema, em função de sua posição política de esquerda — era um cara simples, talentoso, dono de uma humildade cativante

Cidade do México, 24 de outubro de 2024. Acordei com a notícia da morte de Vladimir Carvalho. Imediatamente, senti a facada no peito. Aquela dor funda bem no lado esquerdo da gente. Ou seria no meio? Não importa, mas aquela dor tipo soco que nos toma de surpresa quando algo nos toca verdadeiramente. 

Imediatamente, comecei a pensar nos poucos encontros que tivemos, quer tenha sido de pura tietagem, como no Festival de Brasília, ou em ocasiões mais profissionais — ou acadêmicas — em que tive o privilégio de entrevistá-lo para minha tese de doutorado. Como objeto de estudo, eu usava uma de suas obras, Aruanda (1960), curta-metragem seminal do Cinema Novo, cuja autoria (de roteiro) havia sido tantas vezes questionada. Isso porque o diretor paraibano Linduarte Noronha não queria reconhecer a participação de Vladimir Carvalho e de João Ramiro Mello na concepção do roteiro. Mal sabia ele que seu colega dos tempos de cineclube, seu conterrâneo velho de guerra, iria conservar o roteiro original do filme, conservando-o orgulhosamente em seu Cinememória, espaço criado por ele, na W3 Sul, para salvaguardar a memória do cinema brasileiro. Uma verdadeira pérola para uma historiadora do cinema como eu.