domingo, 15 de dezembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Estatal deficitária deve ser vendida ou liquidada

O Globo

Não faz sentido querer dar sobrevida a empresas que custarão só neste ano R$ 3,7 bilhões ao contribuinte

O governo continua andando em círculos em torno das estatais deficitárias. Em mais uma tentativa, que se revelará infrutífera, por não tratar a questão da forma devida, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou três decretos com o objetivo de modernizar a gestão dessas empresas, reduzindo ou eliminando sua dependência do Tesouro. Nos dois governos anteriores, de Michel Temer e Jair Bolsonaro, as empresas públicas federais passaram por saneamento e deixaram de pesar tanto nos cofres públicos. Foi só Lula voltar ao Planalto, e elas voltaram a fechar no vermelho. Nos oito primeiros meses do ano, acumularam déficit de R$ 3,4 bilhões. A projeção é um prejuízo de R$ 3,7 bilhões em 2024, o pior resultado em dez anos.

Um passo adiante - Merval Pereira

O Globo

Não há privilégios para militares quando se trata de crime contra a democracia e o Estado de Direito

À medida que os detalhes da operação “Punhal Verde e Amarelo” vão se tornando realidade, com áudios, fotos, textos, documentos deixados pelo caminho pelos golpistas, mais fica claro que estivemos próximos de uma guerra civil, de que a invasão bárbara na Praça dos Três Poderes é exemplar. Como aconteceu nos Estados Unidos, em que houve até mortes na invasão do Capitólio em Washington, só não aconteceu um golpe militar porque as Forças Armadas, especialmente o Exército, não aderiram.

Para mim, o fato mais chocante foi ver que o decano do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Gilmar Mendes, foi fotografado na fila de embarque de um voo de Lisboa para o Brasil. Uma foto banal, que poderia ter sido tirada por qualquer passageiro, mas que foi feita por um “olheiro” dos golpistas, o que significa que o plano de assassinar ministros do STF estava em andamento.

O General Braga Neto, preso ontem por obstrução da Justiça, foi um dos que arranjou dinheiro vivo para financiar as manobras dos “kids pretos”, força especial do Exército que teve participação ativa na tentativa de golpe. Denunciado pelo tenente-coronel Mauro Cid, o ex-ministro da Defesa passou a usar sua influência entre os militares para saber detalhes do depoimento e, assim, tentar esconder as pistas que levavam à sua participação na trama golpista.

Golpismo de quatro estrelas - Bernardo Mello Franco

O Globo

A prisão de Braga Netto é histórica. Mas o fato de ter chegado tão longe mostra que país falhou na transição da ditadura para a democracia

Em agosto de 2021, o general Braga Netto foi convocado a dar explicações ao Congresso. Havia ameaçado a cúpula da CPI da Covid, que investigava o envolvimento de militares em falcatruas na compra de vacinas. Considerado o braço direito de Jair Bolsonaro, o então ministro da Defesa não se intimidou. Ao contrário: sentiu-se à vontade para mentir sobre o presente e o passado do país.

“Não considero que tenha havido uma ditadura”, disse, sobre o regime instaurado em 1964. “Se houvesse ditadura, talvez muitas pessoas não estariam aqui”, provocou, dirigindo-se a deputados de esquerda.

Braga Netto gosta de se apresentar como um militar linha-dura. O fiasco da intervenção na segurança pública do Rio, marcada pelo assassinato da vereadora Marielle Franco, não interrompeu sua escalada. Ele foi alçado ao Estado-Maior do Exército, à chefia da Casa Civil e ao Ministério da Defesa. Depois ganhou a vaga de vice na chapa de Bolsonaro à reeleição.

Às vésperas de deixar o governo, o general enviou aos quartéis uma mensagem que falsificava a História para exaltar a ditadura. Enquanto debochava das vítimas da repressão, tramava um novo golpe para manter a extrema direita no poder em caso de derrota nas urnas.

As investigações da Polícia Federal descrevem Braga Netto como figura central na conspiração contra a democracia brasileira. Ele coordenou ataques ao sistema eleitoral e recrutou extremistas para impedir a posse do presidente eleito. Segundo o tenente-coronel Mauro Cid, o general ainda entregou dinheiro vivo, numa sacola de vinho, para financiar as ações criminosas.

Prisão de Braga Netto é mudança de paradigma – Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

A PF apontou a participação ativa do general Braga Netto na tentativa de pressionar os comandantes das Forças Armadas a aderirem ao golpe e destituir o presidente Lula

A prisão do general de Exército da reserva Walter Souza Braga Netto, ontem, determinada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), a pedido da Polícia Federal (PF), após parecer favorável da Procuradoria-Geral da República (PGR), é uma mudança de paradigma no tratamento dado aos militares na política brasileira desde a redemocratização. O ministro também autorizou busca e apreensão em relação a ele e ao coronel Flávio Botelho Peregrino, assessor do general. Ambos são suspeitos de envolvimento em tentativa de golpe de Estado e de obstrução de Justiça por tentar atrapalhar as investigações sobre os episódios relacionados aos atos antidemocráticos de 8 de janeiro.

Só falta um - Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Braga Netto garantia o dinheiro e Cid transmitia as ordens à tropa. A mando de quem?

Mesmo após a conclusão das mais de 800 páginas do inquérito sobre a tentativa de golpe de Estado durante o governo Jair Bolsonaro, a Polícia Federal e o Supremo trabalham numa nova frente de investigação: a origem do dinheiro usado para a articulação e a execução do plano. Dinheiro público? De Bolsonaro? É o famoso “Follow the money” de Watergate e de grandes operações policiais envolvendo poderosos.

Foi exatamente pelo foco no dinheiro que a PF ameaçou cancelar os benefícios da delação premiada, exigiu novos depoimentos do tenente-coronel do Exército Mauro Cid e chegou ao “homem da mala”: o general de quatro estrelas Walter Braga Netto, ex-chefe da Casa Civil e vice na chapa de Bolsonaro em 2022, que agora entra para a história como primeiro general preso pós-redemocratização.

Cid fazia a conexão entre os golpistas e Bolsonaro, enquanto Braga Netto providenciava os recursos para “kids pretos” (das Forças Especiais do Exército) matarem o então presidente eleito Lula, seu vice, Geraldo Alckmin, e o ministro do STF Alexandre de Moraes, que presidia o TSE e neutralizou o esforço de Bolsonaro e dos golpistas para desacreditar as urnas eletrônicas.

Visão pessimista contraria os fatos - Míriam Leitão

O Globo

Um pessimismo glacial domina as análises do mercado financeiro sobre a economia, que tem alguns problemas e bons números

A economia este ano desafiou todos os prognósticos e cresceu mais do que o mais otimista havia previsto. Fechar o ano em 3,5%, com a agricultura no negativo e com o Banco Central subindo os juros a partir de agosto foi impressionante. O crédito pessoal e corporativo cresceu, apesar dos juros. E como será o próximo ano? Está mais difícil calcular porque o país começará o ano no meio de um choque violento de juros. Mesmo assim, há previsões de crescimento entre 1,5% a 2,2%. A agricultura terá um resultado positivo no ano que vem, já a indústria certamente voltará ao terreno negativo e o desemprego vai subir, mas não se espera uma escalada.

Um pessimismo glacial domina grande parte do mercado financeiro, mas com pouca sustentação nos fatos. É difícil encontrar quem faça uma análise objetiva da conjuntura. Normalmente, o que se ouve são repetições de clichês. Uma das frases comuns é a de que o governo está repetindo erros do governo Dilma, que levaram ao aumento do déficit público, da inflação e à queda do PIB. É sério isso? De um interlocutor mais sereno do mercado financeiro ouvi que não faz qualquer sentido tal comparação.

Mesquinharia palaciana com Alckmin - Elio Gaspari

O Globo

A turma do palácio foi mesquinha com o vice-presidente Geraldo Alckmin ao forçar o fingimento de que Lula não precisava transmitir o cargo antes de internar-se no Sírio-Libanês. Palacianos são assim mesmo, têm horror à ideia de que o monarca seja substituído. Num caso extremo, basta olhar a lista de indiciados pelo golpe de 2022/2023.

Se Alckmin não precisava assumir, em que condição ele foi chamado, na segunda-feira, para receber o primeiro-ministro da Eslováquia?

Os palacianos de 2024 reprisaram um mau filme do século passado. Era o ocaso da ditadura, e a clique perdeu a parada.

No início da tarde de 18 de setembro de 1981, o presidente João Baptista Figueiredo estava no Rio e fazia ginástica quando sentiu-se mal. Uma ambulância levou-o para o Hospital dos Servidores do Estado. A turma do palácio comandou a operação e ele entrou numa maca, com o rosto coberto.

Aos 63 anos, Figueiredo estava um caco, mas dissimulava ser um cavalariano atlético. Cardiopata, tinha uma conjuntivite crônica e a coluna vertebral estropiada. O general que chefiava o Serviço Nacional de Informações redigiu uma nota informando que o presidente “sofreu pequena indisposição” e no hospital “constatou-se ligeiro distúrbio cardiovascular”. Tudo mentira, o presidente enfartara.

Arte e silêncio falam por nós em mundo desumano – Dorrit Harazim

O Globo

Está cada vez mais difícil encontrar palavras que nos devolvam o sentido de responsabilidade

‘Palavras são minha matéria. Elas fazem coisas, mudam coisas, formam ondas contínuas’, garante o belo manifesto de 2016 da escritora Ursula K. Le Guin sobre a mágica do diálogo humano. Elas transformam tanto quem as pronuncia como quem as ouve, produzem energia e expandem o viver. Demandamos delas o que muitas vezes não podem carregar — a complexidade da experiência, a polifonia de vozes que habitam nosso interior. Tampouco a demanda por clareza em meio à névoa do viver. Quando palavras nos falham, quando essas peças pré-fabricadas se revelam pequenas demais para traduzir o intraduzível, falamos por meio do silêncio. Ou da arte.

Em torno do desconcerto do mundo - Celso Lafer

O Estado de S. Paulo

O componente de indeterminação e imprevisibilidade hoje se agudiza num mundo crescentemente hobbesiano, no qual o tema da paz e da guerra adquire renovada urgência

O cerne da política internacional, destaca Raymond Aron no seu clássico Paz e Guerra entre as Nações, são as relações interestatais. Estas se dão no unificado campo diplomático de um sistema internacional global, heterogêneo e descentralizado. Caracteriza-se pela distribuição individual e assimétrica de poder entre os Estados e está permeado pela vigência da situação-limite paz/guerra.

A guerra é aquela calamidade composta por todas as calamidades, como apontou o padre Antonio Vieira, e a guerra em andamento na Ucrânia e no Oriente Médio, pela indivisibilidade de seu impacto, torna visível a ameaça da sua recorrência histórica. Um dos seus desdobramentos é a deterioração dos muitos mecanismos de cooperação engendrados em função da necessidade de gestionar multilateralmente, com base na reciprocidade dos interesses, as complexas interdependências de um mundo planetário.

A perversa dicotomia brasileira - Marco Aurélio de Carvalho

O Estado de S. Paulo

No Brasil, convidamos o capital estrangeiro, fundamental para o desenvolvimento do País, para jogar um jogo cujas regras podem mudar a qualquer momento

O Brasil ficou em segundo lugar na lista dos países que mais receberam investimentos estrangeiros diretos (IEDs) no primeiro semestre de 2024, perdendo apenas para os Estados Unidos. Os dados são de um novo relatório da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A notícia é excelente, pois esse é o tipo de dinheiro que vem para ficar. O que se chama de investimento estrangeiro direto é a injeção de recursos financeiros em empresas ou projetos com o propósito de construir relações econômicas estáveis e de longo prazo. Atentem para esta palavra: estáveis.

Como será o PT sem Lula? - Celso Rocha de Barros

Folha de S. Paulo

Sigla terá que deixar de ser a ala esquerda do lulismo

Ao que tudo indica, Lula se recuperou bem do problema de saúde que teve semana passada. É um alívio gigante.

Entretanto, episódios como esse tornam evidente um fato incontornável: em algum momento dos próximos anos, Lula vai se aposentar. Vai preferir passar seus últimos anos ouvindo o choro dos bisnetos ao invés do choro do centrão.

Partido dos Trabalhadores não está bem posicionado para sobreviver sem Lula no jogo.

Durante as presidências petistas, o PT se esforçou para puxar o governo para a esquerda. Fazia todo sentido: o PT sempre governou com alianças amplas, com ministros de centro e de direita, negociando com um Congresso que sempre foi direitista. Diante desse quadro, os petistas se esforçavam para não deixar que a identidade progressista do governo fosse inteiramente apagada. Nem sempre foi fácil, mas no geral o objetivo foi alcançado.

Números argentinos ocultam vulnerabilidade social - Sylvia Colombo

Folha de S. Paulo

Instituto aponta que 15,3% da população de Buenos Aires é considerada indigente, quase o dobro do ano passado

O verão vem chegando com a dengue e, depois dele, o frio invernal. São situações que todos os habitantes de Buenos Aires irão passar nos próximos meses. Porém, um grupo da sociedade sofrerá muito mais: o de pessoas em situação de vulnerabilidade.

Vários dos balanços de um ano do governo de Javier Milei trataram do aumento da pobreza como um "outro lado" dos bons números macroeconômicos. Um problema que seria resolvido depois.

Nas estatísticas do aumento da pobreza, porém, estão números alarmantes: de indigentes, pessoas sem emprego, em situação de rua, além de vulneráveis à dengue no verão (que no início de 2024 foi recorde) e ao frio (uma vez que os abrigos não estão preparados para situações extremas).

De acordo com a Direção Geral de Estatística e Censos da Cidade de Buenos Aires, atualmente, na capital argentina, 15,3% da população é considerada indigente, quase o dobro do ano passado (8,4%) e o triplo dos anteriores, que registravam 4%.

Milei e Lula montam bichos diferentes - Bruno Boghossian

Folha de S. Paulo

Décadas de estudos mostram as condições em que governantes podem convencer a população a aceitar medidas impopulares

Javier Milei foi à TV para exaltar o que chamou de sacrifício da população argentina. No primeiro aniversário de governo, o presidente lembrou que seus planos para impor alguma ordem à economia previam uma boa dose de sofrimento. Não era exagero: o arrocho controlou o câmbio e a inflação, ao custo de uma disparada da pobreza no país.

Milei nunca escondeu a tolerância com as consequências de um ajuste amargo. Ainda assim, a celebração do aperto das contas é um estranho privilégio de presidentes em situações muito específicas. Décadas de estudos políticos e eleitorais mostram as condições em que governantes podem convencer a população a engolir medidas impopulares.

'L.', o menino que deu chabu - Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo                

Difícil entender a política que produz erro tão primitivo e um incêndio financeiro gratuito

Na infância selvagem de tantas pessoas da minha geração, brincávamos com fogo. Incendiávamos matos de terrenos baldios, soltávamos balões, fazíamos fogueiras de metro e meio de altura com paus furtados de construções. Soltávamos pipas com linhas cortantes. Nos acertávamos com bagas de mamona atiradas por estilingues. Explodíamos potes de vidro com bombas juninas incrementadas.

Era uma delinquência infantil em geral inocente, animada pela coragem dos incautos, em uma cultura de criação sem psicologia, "acolhimento" ou "espaços seguros".

E daí? É licença sentimental, algo sarcástica, para citar uma história de "L.", um amigo de rua, que veio à cabeça quando "L.", o Lula, lançou seu pacote fiscal.

"L.", o amigo nada genial, acendeu um rojão de fogos de artifício. Por ignorância ou inadvertência, virou a boca do rojão para si, em vez de mirar o céu. Poderia ter ficado cego, mas foi apenas chamuscado. Os fogos de luz colorida que deveriam iluminar a noite explodiram pelo chão.

Fernando Haddad, Gabriel Galípolo e Simone Tebet avisaram o presidente do risco de o pacote não apenas dar chabu mas de explodir na cara do governo, inclusive com menções de dólar a R$ 6. O plano fiscal magro e com o artifício da isenção de Imposto de Renda pôs fogo no mato seco por uma estiagem de boas notícias financeiras que vinha desde março.

Um buraco à espreita da América - Muniz Sodré

Folha de S. Paulo

Talvez não se precise de furo lógico; um buraco real já pode estar aberto na civilidade que sustenta a Constituição

Kurt Gödel, de origem austro-húngara, foi um dos maiores matemáticos do mundo moderno. Demonstrou a incompletude dos sistemas axiomáticos, inclusive da própria matemática, que comportaria falhas. De sua atribulada história pessoal consta o episódio conhecido como "buraco de Gödel": na solenidade de sua naturalização americana, ele quis apontar um buraco lógico na Constituição dos EUA que abriria caminho para uma ditadura. Foi contido pelo padrinho Einstein e pelo juiz, que o teria mandado calar-se. Nunca mais voltou ao assunto, jamais se soube onde estaria o furo.

Sobre “putas”, “quadros” e “crioulos” – Alfredo Maciel da Silveira

Outro dia postei fazendo elogios, recente discurso da Ministra Simone Tebet, que adjetivei como “carismática”. Minha vontade fora dizer que a Ministra é “uma puta quadro”!

Mas “puta”?...

Vacilei e omiti!

Desculpem-me os etnólogos, antropólogos e sociólogos. Mas vou entrar em seara alheia.

Pra começar. Conheci há décadas o significado de “cadre” na etimologia francesa. E posso afirmar, nesta altura da vida, que eu sou um “quadro”, ainda que, parodiando Marx, pertenço ao “EIR- Exército Intelectual de Reserva”.

Em fins dos anos 70, não sei se antes ou depois da Anistia, vi Betinho pela primeira vez, discursando num daqueles encontros históricos no auditório da ABI. E de um companheiro ao meu lado na plateia, ouvi pela primeira vez: “É um puta quadro”!...