sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Infiltração do crime na polícia impõe reação coordenada

O Globo

Prisão de policiais em São Paulo demonstra que governos precisam agir unidos contra facções criminosas

O assassinato do corretor de imóveis Antônio Vinícius Gritzbach em novembro, quando desembarcava no Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, foi um aviso. Na última semana, uma operação da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público (MP) prendeu quatro policiais civis (entre eles um delegado) que Gritzbach mencionara em delação premiada, por suspeitas de extorsão e envolvimento com o crime organizado. “Caso os elementos colhidos até o momento sejam confirmados na investigação em curso, pode-se afirmar que o Brasil tornou-se um narcoestado”, afirmou o juiz Paulo Fernando Deroma de Mello ao determinar as prisões.

As suspeitas justificam a preocupação. Gritzbach se especializara em lavar dinheiro para a organização criminosa PCC por meio de negócios imobiliários. No acordo de delação premiada assinado em março com os promotores do Grupo de Atuação Especial do Combate ao Crime Organizado (Gaeco), ele se comprometeu, em troca de redução nas penas, a contar o que sabia sobre o PCC e a conivência de autoridades com o crime. Acusou os quatro policiais presos na última semana de envolvimento num esquema para cobrar propina para não prender integrantes do PCC. Mostrou documentos comprovando a apropriação de um sítio de origem criminosa por dois deles. Gritzbach também acusou um quinto policial — ainda foragido — de se apropriar de bens de luxo. Os suspeitos negam as acusações.

Natal com cheiro de fritura - Vera Magalhães

O Globo

Reforma ministerial ganha status de pauta prioritária, mas objetivo e foco podem não melhorar o governo

Com Lula de volta a Brasília e o projeto de corte de gastos passando raspando por um Congresso que não esconde a má vontade, o almoço de fim de ano do governo deve se dar com forte cheiro de fritura no ar. Isso porque o começo de 2025 transformará a reforma ministerial em pauta prioritária em Brasília, com o tempo correndo contra o relógio para contemplar os arranjos feitos para a troca da guarda na Câmara e no Senado e, no mundo ideal, já tentar amarrar os partidos para as eleições de 2026.

Emendas parlamentares, a grande jabuticaba - Fernando Gabeira

O Estado de S. Paulo

O Brasil fragmenta o uso de seus recursos orçamentários, reduzindo a eficiência, produzindo redundâncias e estimulando a corrupção

Neste corre-corre de final de ano, deputados podem votar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para turbinar emendas individuais. Hoje, elas têm um limite de 2% da Receita Corrente Líquida. Esse limite já foi de 1,2%. Agora, pode crescer de novo, para 2,9%. Hoje, os parlamentares já dispõem de R$ 49 bilhões do Orçamento.

Isso é uma jabuticaba brasileira, uma anomalia nacional, se comparamos com outras democracias. Nos outros países, o Congresso tem um grande poder sobre o Orçamento, debatendo cada item, como o fazem os comitês orçamentários nos EUA. Na Inglaterra, o Orçamento preparado pelo Tesouro é apresentado pelo primeiro-ministro. Os parlamentares têm o direito de questionar os gastos, mas não de controlar sua aplicação.

Reação do mercado hoje dirá se crise de credibilidade é definitiva - César Felício

Valor Econômico

Empresários influentes veem um governo em disputa entre grupos e pensam que uma guinada é possível

O Banco Central injetou no mercado nessa quinta-feira U$ 8 bilhões, sendo U$ 5 bilhões em um único certame, no que se converteu na maior intervenção da autoridade monetária desde 1999, conforme observou o repórter Arthur Cagliari no Valor PRO.

Para se ter ideia da magnitude da intervenção, 1999 foi o ano em que o governo Fernando Henrique foi obrigado a abandonar a âncora cambial, diante de uma fuga de capitais que colocou o Brasil no rol dos colapsos dos países emergentes que provocou efeitos sistêmicos no mercado financeiro global. Houve nos anos 90 a crise do México, a da Ásia, a da Rússia e a do Brasil.

A receita para o governo sair das cordas - Andrea Jubé

Valor Econômico

É hora de Lula ouvir as vozes certas, e agir com serenidade e sabedoria para acertar mais uma vez

No almoço anual da Febraban, no dia 29 de novembro, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, detalhou o pacote fiscal, tentou desfazer o mal estar com o anúncio atabalhoado da isenção do Imposto de Renda (IR) de quem ganha até R$ 5 mil, relembrou as despesas bilionárias herdadas dos outros governos, e saiu-se bem na empreitada.

No fim, perguntou se estavam todos convencidos de seus argumentos, e ouviu que sim, estavam. A dúvida era se ele era capaz de convencer o presidente Luiz Inácio Lula da Silva de tudo aquilo. Ao que Haddad respondeu: “O presidente tem o seu tempo de convencimento”.

De volta à estaca zero - Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Lula quer mantê-lo, mas José Múcio pode deflagrar a reforma ministerial no governo

A última reunião ministerial do ano, nesta sexta-feira, terá várias peculiaridades, no Alvorada, com o presidente Lula em recuperação e o País pegando fogo. A principal delas, porém, é que também poderá ser a última para alguns dos presentes, a começar de uma peça-chave do governo, o ministro José Múcio, da Defesa. Não que Lula esteja doido para demiti-lo, pelo contrário, mas porque Múcio acha que já deu sua cota de sacrifício, fez tudo o que podia para acalmar as relações entre civis e militares e, mais do que isso, ele está cansado.

Crise de confiança e efeitos políticos - Celso Ming

O Estado de S. Paulo

Desde que aprovado no Congresso, o pacote fiscal escancara suas insuficiências. O cobertor ficou curto para cobrir o rombo aberto pelas despesas. A expectativa, agora, é de que venham certos remendos para que as contas públicas não fiquem em parte desagasalhadas.

Mas um bom pedaço da incerteza continua. Atrás dela segue a falta de confiança na política econômica tocada pelo ministro Fernando Haddad, notoriamente desautorizado pelo presidente Lula por ocasião da divulgação do pacote.

Em entrevista na última quinta-feira, durante a apresentação do Relatório Trimestral de Inflação, o futuro presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, fez questão de dizer que o presidente Lula concorda com a sua interpretação sobre o que se passa com a inflação e com a economia, tal como manifestada – entendase – nos documentos do Banco Central. Mais recentemente afirmou também não acreditar em que a moeda brasileira seja alvo de ataque especulativo.

Pacote fiscal e venda de dólares seguram o câmbio – Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

O dólar chegou a R$ 6,2955, às 10h11, mesmo após o leilão de US$ 3 bilhões promovido pelo BC. Novo leilão de US$ 5 bilhões fez a moeda americana cair

Depois de uma semana tensa, em que o dólar bateu todos os recordes, a aprovação da proposta de emenda à Constituição (PEC) com novas regras para o abono salarial e que prorroga a desvinculação de receitas da União, pela Câmara, e dois leilões extraordinários de dólares no mercado à vista, num total de US$ 8 bilhões, promovidos pelo Banco Central, jogaram a cotação da moeda americana para baixo, domando o mercado.

O BC fez seis intervenções no mercado de câmbio em uma semana. Na abertura desta quinta-feira, o dólar chegou a alcançar o patamar de R$ 6,30. No fim da tarde, graças às decisões do Congresso e à firme intervenção do BC, o dólar à vista fechou a sessão com queda de 2,29%, a R$ 6,1243 na venda. Já o Ibovespa encerrou o pregão com alta 0,34%, a 121.187,91 mil pontos.

Governo reza para 2024 acabar - Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Juros e dólar podem estacionar agora em nível alto, mas é preciso haver novidade fiscal

O governo federal ficou rendido depois do revertério causado pelo anúncio do pacote fiscal. Gente do governo ficou surpresa e sem ação diante da péssima repercussão do plano —foi a reação inclusive daqueles que sabiam do estrago que causaria a notícia da isenção do Imposto de Renda.

Os economistas do governo não teriam como inventar medidas adicionais, no curtíssimo prazo, mesmo que tivessem autorização do presidente da República para tanto.

Ficaram atônitos, torcendo para que a degradação financeira venha a ser menor em janeiro. Quer dizer, que dólar e juros fiquem ainda em níveis horríveis de altos, mas estáveis graças ao chá de camomila aguado do pacote que vai ser aprovado no Congresso e ao fim do dezembro de saídas excepcionais de capital. Torcida.

O recado da Justiça Militar - Bernardo Mello Franco

O Globo

STM deu uma contribuição original às ciências jurídicas: inventou o fuzilamento com 257 tiros sem intenção de matar

O Superior Tribunal Militar deu uma contribuição original às ciências jurídicas. Inventou o fuzilamento com 257 tiros sem intenção de matar. A Corte livrou os oito militares que metralharam o músico Evaldo Rosa e o catador Luciano Macedo. Eles destruíram duas famílias e vão passar o Natal em casa, salvos pelo corporativismo fardado.

O crime aconteceu em abril de 2019. Era um domingo de sol, e Evaldo levava mulher, sogro, filho e afilhado para um chá de bebê no subúrbio do Rio. Assim que o carro passou por um veículo do Exército, os agentes abriram fogo. O músico foi atingido e morreu na hora. O catador se aproximou para socorrê-lo e também foi alvejado.

Por justiça, a fé – Flávia Oliveira

O Globo

Superior Tribunal Militar anistiou assassinos de Evaldo Rosa, músico que estava com a família a caminho de um chá de bebê

Os episódios de impunidade em crimes bárbaros se avolumam numa intensidade que, além de desmoralizar o sistema de Justiça, mina a confiança na democracia. Erra quem não enxerga a correlação. Num par de anos, a proporção de brasileiros que creem no regime como melhor forma de governo caiu 10 pontos percentuais, de 79% para 69%, informou o Datafolha após pesquisa com 2.002 eleitores nos últimos dias 12 e 13 de dezembro.

O sistema eleitoral foi testado, e a transição de poder estressada até o golpe tentado em 8 de janeiro de 2023, ainda sob investigação. Mas a confiança na democracia diminuiu. Noves fora o desapontamento de viúvos do ex-presidente que sonhava permanecer no poder mesmo derrotado nas urnas, há motivos para o desencanto. Todo dia sabemos de um. O mais recente veio da anistia, pelo Superior Tribunal Militar, aos assassinos de Evaldo Rosa em 2019. O músico estava com a família a caminho de um chá de bebê, na Zona Norte do Rio, quando seu carro foi alvejado por tiros de fuzil de homens do Exército. Na cena, morreu também o catador de material reciclável Luciano Macedo, que tentou socorrer a vítima.

A última da Justiça Militar - Bruno Boghossian

Folha de S. Paulo

Quantos tiros um grupo de agentes pode dar em inocentes desarmados sem acabar na cadeia? O STM liberou a marca de 257

Quantos tiros um grupo de militares pode disparar contra uma família de civis desarmados sem cumprir pena na cadeia? O Superior Tribunal Militar liberou a marca de 257. Na noite de quarta (18), a corte reduziu a punição dos agentes que mataram o músico Evaldo Rosa e o catador Luciano Macedo, em 2019. Eles passarão três anos em regime aberto.

O julgamento consagrou a tese de que os oficiais, cabos e soldados que participavam da operação no Rio não tinham a intenção de matar ninguém, com tiros dados num contexto de confronto com bandidos. Analisar as circunstâncias de dolo e culpa de agentes de segurança é dever de qualquer juiz. Os ministros vencedores, porém, preferiram tratar os atiradores como vítimas.

O mercado sabota Lula? - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Investidores formam fauna diversa que diverge em objetivos, mas que em momentos de crise tende a caminhar na mesma direção

O mercado quer derrubar Lula? A grande dificuldade na pergunta é conceituar esse tal de mercado. Trata-se de uma categoria vasta, que, além dos caricaturais "faria limers", inclui desde fundos de pensão de trabalhadores até grandes investidores, passando por aposentados que tentam preservar o valor de seus parcos recursos e empresas gerindo seu capital de giro.

Usina de oportunidades para o crime – Dora Kramer

Folha de S. Paulo

A Polícia Federal acaba de desenhar a razão pela qual o Supremo insiste que haja total transparência no uso das emendas

Se alguém ainda não compreendeu por que o destaque dado ao interminável assunto das emendas parlamentares e a insistência para que sejam usadas de maneira límpida, a Polícia Federal recentemente desenhou a razão.

Em operação conjunta com o Ministério PúblicoReceita Federal e Controladoria-Geral da União (CGU), a PF cumpriu mandados de prisões, buscas e apreensões em vários estados onde há indícios de fraudes em licitações, corrupção e lavagem de dinheiro com recursos de emendas.

Coisa de bilhão e meio de reais. Fração pequena ante os R$ 50 bilhões que suas altezas mordem do Orçamento? Para efeito de amostragem, mais que suficiente para demonstrar a existência de um buraco bem mais profundo que apenas um comportamento inadequado por parte do Congresso.

O melhor filme argentino brasileiro - Marcos Augusto Gonçalves

Folha de S. Paulo

Longa reconcilia Brasil com seu cinema, e o sorriso de Eunice Paiva é resistência vital que comove e fortalece

São conhecidos os méritos de "Ainda Estou Aqui", que caiu no gosto do público e vem promovendo uma bem vinda reconciliação do Brasil com seu cinema. É verdade que outros filmes brasileiros recentes têm virtudes e conheceram êxito de audiência e bilheterias, mas o longa de Walter Salles transita por uma faixa de temática e mercado na qual temos às vezes resvalado.

"Ainda Estou Aqui" oferece os clássicos atributos que levam gente aos cinemas: uma história capaz de arrebatar, atuações muito boas de atores, com as estrelas Fernanda Torres e Montenegro em altíssimo nível, boa fotografia, boa trilha musical, roteiro e direção.

Diria, fazendo uma boutade, que é o melhor filme argentino feito no Brasil. Não vai aqui nenhum demérito, pelo contrário. A regularidade do padrão argentino é fato reconhecido por todos, entre os quais, diga-se, o escritor Marcelo Rubens Paiva, autor do livro que inspira a produção, um admirador da cinematografia de nossos vizinhos, a começar pelo esplêndido "O Segredo dos seus Olhos".

Receitas de entrevistas – Ruy Castro

Folha de S. Paulo

Justino Martins sugeria a Clarice Lispector perguntas a fazer aos seus entrevistados para a Manchete

"Clarice Lispector Entrevista" é um livro lançado há pouco pela editora Rocco, organizado pela britânica Claire Williams, perita na escritora. Compõe-se de 83 entrevistas feitas por Clarice publicadas nas revistas Manchete, em 1968-69, e Fatos&Fotos-Gente, em 1976-77, com grandes nomes de então. Clarice era cult, mas sem muito público, e tinha de se virar como tradutora, cronista ou ghost writer de famosos. Nessas entrevistas, aprende-se mais sobre ela do que sobre os entrevistados —o que não tem importância, já que ela é mais interessante do que a maioria deles.

Ninguém se perde no caminho da volta - José Sarney*

Correio Braziliense

Volto a escrever em outro jornal dos Diários Associados, nos meus 94 anos de idade. Espero não me perder neste caminho de volta. Estou feliz

O título deste artigo é uma frase que se tornou célebre na década de 50, do meu antecessor na Cadeira 38 da Academia Brasileira de Letras, que ocupo, José Américo de Almeida, grande romancista do Nordeste, autor de A Bagaceira, livro que foi uma marca no conjunto de escritores da região, um dos "búfalos" que Oswald de Andrade disse que invadiram a Semana de Arte Moderna de 22, abafando-a na importância que passaram a ter na história da literatura brasileira.

José Américo foi também candidato a presidente da República para as eleições de 1938, que não ocorreram devido ao golpe de Getúlio Vargas, em 1937, que resultou no período do Estado Novo.

José de Souza Martins - O Natal que se perdeu

Valor Econômico

Era o tempo litúrgico da tradição e do respeito pelo sagrado. Cada alimento do almoço era um alimento ritual

Sou de uma geração, a do fim da Segunda Guerra Mundial, que ainda conheceu o Natal cristão. Nós não sabíamos, mas era um Natal agônico e residual, que se transfigurava lentamente. Era uma celebração, uma festa de família, que juntava ainda mais o que já estava junto. Era um momento de comunhão no almoço natalino que seguia tradições de família até nos ingredientes à mesa. Cada alimento do almoço de Natal era um alimento ritual.

Mesmo a taça de vinho tinto, feito em casa por meu avô, que se recusava a servir e a tomar vinho comercial. Temia os vinhos “batizados”, os que, dizia, haviam recebido acréscimos indevidos que afetavam a pureza da bebida.