segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Pacote de segurança da Câmara é um equívoco grave

O Globo

Crise não será resolvida com medidas isoladas, boa parte erradas. É preciso corrigi-las ou barrá-las

No desfecho do ano legislativo, a Câmara aprovou diversos projetos para a segurança pública cujo efeito tende a ser o oposto do almejado. Entre outras iniciativas, os deputados querem atenuar punições para violência policial, enfraquecer o Estatuto do Desarmamento e prever castração química de pedófilos.

Uma das medidas mais preocupantes é o alívio para a violência policial, que guarda semelhança com a medida defendida pelo governo Jair Bolsonaro conhecida como “excludente de ilicitude”. Agora batizado Regra de Isenção da Providência Antecipada (Ripa), tem por objetivo declarado assegurar “proteção jurídica” a operações policiais e aos agentes infiltrados, invalidando “a ilicitude de certas condutas, eventualmente praticadas em função da operação”. A aplicação do dispositivo dependeria de autorização judicial prévia solicitada pelo órgão de inteligência ou segurança do agente. O secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Marivaldo Pereira, diz que o projeto viola garantias e direitos fundamentais. Se for a votação no Senado, deveria ser derrubado.

Como entender o ano que passa tão rápido – Fernando Gabeira

O Globo

A oposição ganhou e não levou na Venezuela, e a ditadura de Maduro vai se tornando uma paisagem natural

Não tenho nenhuma conclusão definitiva sobre o ano que termina, exceto que passou rápido, voou como todos os outros ultimamente.

Destaco a eleição de Trump como algo que, indiretamente, marcará nossas vidas. Comemoro a queda de Bashar al-Assad na Síria, mesmo sabendo que inaugura uma era de incerteza.

Li sobre o impacto do El Niño no contexto das mudanças climáticas, mas me surpreendi com as devastadoras tempestades no Sul. Tudo o que tentamos antecipar numa sessão do Senado era quase nada diante da destruição que se aproximava.

Sofremos com os gritos sobre escombros em Gaza, mas hoje se tornaram apenas gemidos. Quase não se fala mais nisso. Foi horroroso o desfecho do processo eleitoral na Venezuela. A oposição ganhou e não levou, e a ditadura de Maduro vai se tornando uma paisagem natural. 

Para 2025, fé! – Preto Zezé

O Globo  

Nossos dirigentes precisam parar de pensar em si e buscar soluções que nos realizem. O país tem de se encontrar consigo mesmo

Escrevo este texto, após reuniões presenciais e ao vivo, a caminho de confraternizar com meu amigo Nizan Guanaes numa festa linda para poucos, com show de Caetano e Bethânia. Pedi a Nizan sugestão de um assunto para esta coluna. Ele me indicou a música “Fé!”, da nossa ídola Iza. Eu disse que já conhecia a música e veria como trazer para cá o assunto sem ser uma leitura de um Deus dominador que impõe tudo sobre todas as coisas.

Fé na saúde da Dona Fátima, minha bússola em tempos tão duros de desamor e tensões. Ela ilumina meus dias mais cinzentos e nem sabe quanto me fortalece quando sorri, com nosso senso de humor ácido e sem filtros, ou quando a admiro passando seu dedinho gordo na tela do celular, morrendo de se abrir (como se diz lá no Ceará) com os vídeos das redes sociais.

Cadáveres da anistia – Demétrio Magnoli

O Globo

STF recusou o argumento de que crimes contra a Humanidade são imperdoáveis e imprescritíveis

Flávio Dino provocou o STF a renunciar à renúncia. Quase 15 anos atrás, o tribunal reafirmou a Lei de Anistia, recusando o argumento de que crimes contra a Humanidade são imperdoáveis e imprescritíveis. De lá para cá, os juízes supremos recusam-se a ouvir até mesmo ações sobre as pessoas que foram “desaparecidas” pela ditadura militar. No seu “basta”, Dino propõe um limite: a ocultação de cadáver é um crime continuado, não um evento do passado.

A decisão de 2010 do STF invocou a intocabilidade dos “pactos que conduziram o Brasil à democracia”. Os juízes de capa preta prenderam o Brasil à chantagem militar de 1979 — ao intercâmbio da abertura política pelo perdão aos gerentes do subterrâneo. No fundo, proclamaram que a Constituição de 1988 é refém de atos jurídicos oriundos de um regime ilegal e, portanto, que à nação brasileira ficam vedados os direitos à justiça e à memória exercidos pelo Chile e pela Argentina.

Somos governados por covardes e coniventes - Bruno Carazza

Valor Econômico

Duas decisões recentes ilustram o medo das autoridades em corrigir o que todos sabem que está errado

Na próxima vez que você sair com o seu carro para um passeio com a família num domingo à tarde, imagine por alguns segundos a possibilidade de, ao virar uma esquina, serem alvejados com 257 tiros de fuzil e pistola disparados não por criminosos, mas por agentes do Estado que, supostamente, são responsáveis pela sua segurança.

A situação parece absurda, mas a probabilidade de ocorrer cresce exponencialmente se você é preto e mora nas comunidades pobres das grandes cidades. E tende a se repetir, dada a complacência com que as autoridades tratam os abusos praticados pelos militares no Brasil.

Lula agarra-se à âncora do ‘jovem chamado Galípolo’ - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Depois de desgastar Haddad com a inclusão da isenção do IR, o presidente transformou o compromisso do futuro presidente do BC com a meta de inflação como alavanca para a recuperação da credibilidade fiscal do governo

Cinco dias depois de dizer que a única coisa errada que há no Brasil é a taxa de juros, na entrevista ao “Fantástico” depois de sua alta hospitalar, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva transformou o diretor de política monetária e futuro presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, na âncora de que desesperadamente precisa para tirar o governo do atoleiro.

“Um jovem chamado Galípolo”, tratado por Lula como um “presente” para os brasileiros, foi o mesmo que comandou a última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) que aumentou em um ponto a taxa de juro, fixando-a em 12,25%, e sinalizou mais dois aumentos de igual monta.

Incerteza fiscal turva o cenário de crescimento para 2025 e 2026 - Sergio Lamucci

Valor Econômico

Dúvidas sobre contas públicas pressionam o câmbio, elevando inflação e exigindo juros mais altos; o resultado deve ser um crescimento mais fraco nos próximos dois anos

O Brasil caminha para terminar 2024 com um dólar na casa de R$ 6 ou um pouco mais, devendo avançar em 2025 num ciclo de alta dos juros que poderá levar a Selic, hoje em 12,25%, acima de 15% ao ano. As incertezas sobre as contas públicas, dada a resistência do governo em adotar medidas mais duras de contenção de gastos, são o principal motivo para a desvalorização do real, que tem impacto sobre a inflação e, com isso, exige juros bem mais elevados do que se projetavam há alguns meses. Depois de mostrar força em 2024 pelo terceiro ano seguido, a economia deverá perder fôlego em 2025 e 2026, num ritmo mais intenso do que o necessário se o governo de Luiz Inácio Lula da Silva não hesitasse em controlar a expansão das despesas obrigatórias.

Entrevista | Eduardo Giannetti: ‘Claramente, há uma reação exagerada do mercado financeiro’

Por Luiz Guilherme Gerbelli / O Estado de S. Paulo

Economista e filósofo diz que números fiscais do Brasil são preocupantes, mas não calamitosos; ele critica alta dos juros e ‘dominância que o mercado financeiro exerce na formação das expectativas’

O economista e filósofo Eduardo Giannetti avalia que há uma reação exagerada do mercado financeiro com os números da economia brasileira. No fim deste ano, a incerteza sobre o futuro das contas públicas do País levou o dólar para a casa de R$ 6,30 e fez os juros futuros dispararem.

“Claramente, há uma reação exagerada do mercado financeiro”, afirma. “Os indicadores fiscais brasileiros, embora preocupantes, não são calamitosos. Longe disso. Nós não estamos na beira de nenhum precipício fiscal.”

Em entrevista ao Estadão, Giannetti critica a alta dos juros ― em seu último encontro, o Comitê de Política Monetária (Copom) aumentou a Selic em 1 ponto porcentual ― e avalia que o País enfrenta uma dominância do mercado financeiro “na formação das expectativas e no ambiente do debate público brasileiro”.

“O mercado financeiro é extremamente exigente quando se trata de pedir cortes de gasto primário, mas ele é completamente omisso quando se trata de trazer à tona o custo fiscal de um aumento extravagante de juros como esse que nós estamos vivendo no Brasil”, diz.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Abraçado ao espantalho da extrema direita - Diogo Schelp

O Estado de S. Paulo

Se o PT está perdendo a batalha das redes para seus adversários ideológicos, isso é tarefa para os marqueteiros do partido, não para o governo com o uso de recursos públicos

Em meio às barbeiragens de fim de ano na política econômica, avançaram nos bastidores do poder federal as maquinações para uma virada de mesa na área da comunicação do governo, escolhida para expiar a culpa pela falta de personalidade do terceiro mandato presidencial de Lula. A troca de comando na Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom), atualmente nas mãos do ministro Paulo Pimenta, é dada como certa nos corredores acarpetados de Brasília. Costuma-se dizer que uma boa estratégia de marketing é capaz de vender até gelo no Ártico. O desafio, no caso do governo Lula, talvez seja um pouco maior. Já se passaram dois anos e não há grandes realizações para mostrar.

‘Reshuffle’ da coalizão de Lula - Carlos Pereira

O Estado de S. Paulo

Resultado das eleições municipais gera oportunidade de reembaralhar a coalizão de Lula

Acordos políticos de governos de coalizão não são fixos no tempo. Sua manutenção depende da dinâmica do jogo entre o Executivo e o Legislativo, que podem alterar os cálculos tanto do presidente como dos parceiros de coalizão, gerando novas possibilidades de equilíbrio ou mesmo de quebra da coalizão.

Eleições estabelecem o tamanho dos partidos e a distribuição de suas preferências ideológicas no Congresso. O presidente, formateur da coalizão, faz uma oferta de recursos políticos e monetários a partidos em troca de apoio político sustentável no Legislativo e na sociedade.

O partido do governo: o PSD é o novo PMDB? - Marcus André Melo

Folha de S. Paulo

Kassab pode ser kingmaker nas eleições de 2026

PSD é o grande vencedor das eleições municipais, tendo eleito o maior número de prefeitos e vereadores. Mais importante é que este número é o melhor preditor das eleições para a Câmara em 2026, onde o partido já detém a quarta maior bancada. No Senado, o PSD possui a maior bancada. O PSD é o novo PMDB?

O velho PSD getulista e o novo PSD têm pouco em comum; mas o que têm em comum merece ser ressaltado, que é o peso do governo do dia em sua criação.

Em Minas Gerais, o estado em que veio a ser o esteio do partido, o processo é cristalino e vertical: o PSD foi criado por ordem do governador. "O processo adotado para a organização do eleitorado em facção foi o expediente clássico de fundar o ‘Partido do Governo’, no qual os altos funcionários ocupassem os postos de destaque". Orlando de Carvalho (1946) continua: o governador expediu uma mensagem aos prefeitos "ordenando-lhes que convidassem entre 5 a 10 pessoas de influência política no município para, em sua companhia, virem a Belo Horizonte tomar parte em uma reunião destinada a lançar as bases do PSD".

Os desafios do governo Lula - Camila Rocha

Folha de S. Paulo

Melhora dos índices econômicos ainda é vista por muitas pessoas como abstração

Os brasileiros mais pobres chegam à metade do governo Lula com sentimentos mistos. A melhora dos índices econômicos ainda é vista por muitas pessoas como uma abstração que não reflete uma melhora sentida na pele.

Dados da pesquisa PoderData, divulgada no último sábado (21), apontam que apenas 37% dos brasileiros consideram o governo Lula melhor do que o governo Bolsonaro. Entre os mais pobres, os números não são melhores. Apenas 35% daqueles que possuem renda familiar de até 2 salários mínimos consideram o governo Lula melhor. Entre as pessoas que possuem renda familiar entre 2 e 5 salários mínimos, o índice sobe para 45% e cai para 34% na faixa acima de 5 salários mínimos.

Os erros que cometemos e o que aprendemos com eles - Marco Antônio Coelho*

Gramsci e o Brasil (março, 2004)

O golpe de Estado de 1964 ficará em nossa História como um acontecimento de singular relevância. Os que colheram os louros da vitória, como os que carregam o fardo da derrota entendem que há 40 anos houve uma profunda mudança de rumos na vida nacional. Daí a importância de um exame mais acurado dos fatos que culminaram com a deposição de João Goulart em 1964. Como participei ativamente naqueles episódios, vejo-me obrigado a examinar a seguinte questão: quais os principais erros das forças derrotadas em 1964?

Creio que eles resultaram de uma análise incorreta da correlação de forças. Erro gravíssimo que nos levou a não traçarmos, como um elemento básico de nossa estratégia, a defesa da democracia. Que elementos caracterizam a falsidade daquela apreciação que deu origem a tão graves equívocos?

Para fundamentar minha tese, basta recapitular a evolução dos acontecimentos a partir de setembro de 1961. A derrota dos generais que tentaram impedir a posse de Goulart foi interpretada por nós como uma mudança profunda, de qualidade, na situação política do Brasil. E aquela análise foi calamitosa porque envolveu um juízo a respeito do papel das forças armadas na vida brasileira. Isto é, nos levou a considerar que elas não mais poderiam intervir na cena política, para defender um status quo injusto e antipopular, que secularmente beneficia um reduzido grupo de privilegiados.

Entrevista | Marco Antônio Coelho: Era possível evitar o golpe de 64

Gramsci e o Brasil

O advogado e jornalista Marco Antônio Tavares Coelho, nascido em Belo Horizonte, em 1926, é o único remanescente da cúpula do PCB em 1964, quando houve o golpe militar que destituiu João Goulart. Era deputado federal pelo estado da Guanabara. Teve o mandato cassado, logo após o golpe; foi preso e barbaramente torturado pelos militares em 1975. Nesta entrevista ao Correio, conta que o secretário-geral do PCB, Luiz Carlos Prestes, defendia a reeleição do presidente João Goulart e rejeitava a volta ao poder do ex-presidente Juscelino Kubitschek, o que considera um erro. Revela também que tentou organizar uma resistência armada ao golpe, mas as metralhadoras e os fuzis prometidos por Darcy Ribeiro, chefe de gabinete de Jango, nunca chegaram. "A saída foi cair na clandestinidade e reorganizar o partido, que, naquele momento, ficou desorientado." (Entrevista dada a Luiz Carlos Azedo, Correio Braziliense, sexta-feira, 28 de março de 2014)

O golpe de 1964 era inevitável?

Não concordo, o golpe poderia ter sido evitado. Mas, para isso, as forças progressistas deveriam ter outro comportamento. Algumas coisas facilitaram o golpe, embora nada o justifique ou o legitime.

Quais foram as causas do golpe?

Foram várias. Em primeiro lugar, é necessário que se leve em conta que a reação, desde a jogada em que quiseram impedir a posse do presidente João Goulart, em 1962, vinha sendo derrotada. Os ministros militares que lançaram o protesto contra a posse do Jango, após a renúncia de Jânio Quadros, foram obrigados a recuar. Eles nunca se conformaram e se articularam para dar o golpe.

Havia uma situação de radicalização política e crise econômica na época. Por que eles destituíram o presidente Jango?

Naquele momento, havia uma grande campanha das forças progressistas pelas reformas de base, substanciais para enfrentar a crise econômica, mas elas eram consideradas subversivas. Não eram. Por exemplo, a questão da reforma agrária. O San Tiago Dantas e eu preparávamos um projeto de reforma agrária que não violasse as normas constitucionais, mas havia setores que queriam uma reforma mais radical. O Francisco Julião, criador das Ligas Camponesas, lançou um movimento cujo slogan era "Reforma agrária na lei ou na marra". Era uma dualidade que nós, do PCB, não queríamos aceitar. Houve outros erros das forças progressistas, que precipitaram os acontecimentos.