sexta-feira, 31 de outubro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Retomar território é essencial no combate ao crime

Por O Globo

Operações policiais são necessárias, mas só políticas sociais consistentes garantirão o domínio do Estado

A megaoperação no Rio contra o Comando Vermelho (CV) reacendeu o debate sobre os desafios do combate a organizações criminosas que dispõem de armamento de guerra e sofisticação militar. Operações policiais são necessárias para enfraquecê-las. Mas os resultados costumam ser parciais e, quase sempre, efêmeros. Há décadas, diferentes governos tentam enfrentar as quadrilhas, mas o problema persiste. É preciso políticas mais consistentes e duradouras. Retomar e manter o território é crítico para garantir a segurança das cidades e o bem-estar da população.

Apesar de os estados canalizarem recursos vultosos à segurança pública, é o crime que tem se expandido. Na Região Metropolitana do Rio, entre 2008 e 2023, a extensão territorial sob domínio de facções criminosas ou milícias cresceu de 8,8% para 18,2%. O avanço não ocorre só no Rio e é visível para o cidadão comum, exposto a uma rotina de tiroteios e crimes de toda sorte.

Lula vai à COP com rastro de problemas para depois, por Andrea Jubé

Valor Econômico

Presidente deu sinais de que vai adiar a nomeação do novo ministro do STF para meados de novembro

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu sinais de que vai adiar a nomeação do novo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) para meados de novembro, depois da abertura oficial da Conferência Mundial do Clima das Nações Unidas (COP30) em Belém, no dia 10 de novembro.

Se não mudar de ideia, Lula passará os próximos 10 dias longe de Brasília, deixando pelo caminho um rastro de problemas, como a crise de segurança pública, intensificada pela oposição, e a pressão de aliados pela indicação do sucessor de Luís Roberto Barroso no STF.

O escritório e o consórcio com os sinais trocados no Rio, por Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Dúvida é se nova estrutura será capaz de romper os limites impostos pelos arranjos locais entre o crime e o Estado em um ano eleitoral

O “Consórcio da Paz” é uma ideia capenga do ponto de vista operacional, mas uma bela jogada de marketing, como o próprio governador do Rio, Cláudio Castro, reconheceu, ao agradecer o nome de batismo ao governador Jorginho Mello (SC). Busca contemplar a fatia do eleitorado que mantém alguma capacidade de se comover com as famílias de 121 pessoas mortas e se contrapõe ao “Escritório Emergencial de Combate ao Crime Organizado” anunciado pelo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, ao lado de Castro, na véspera. Na jogada pretendida pelos governadores de direita, eles cuidam da paz, e o escritório, anunciado por um governo de esquerda, cuida do crime.

Lula adota retranca na segurança, por Vera Magalhães

O Globo

Temor do entorno do presidente com o tema pauta resposta contraditória e, para alguns, omissa à operação que resultou em 121 mortes no Rio

A cautela extrema demonstrada pelo governo federal na reação à Operação Contenção, realizada na terça-feira pelas polícias do Rio nos complexos do Alemão e da Penha, se deve ao reconhecimento, por parte do Palácio do Planalto, de que o tema da segurança pública é o mais delicado para Lula na campanha do ano que vem — na avaliação de auxiliares, mais espinhoso até que a economia e o nó fiscal.

Existe uma profusão de pesquisas demonstrando a centralidade que o assunto adquiriu na percepção do eleitorado. Violência é a maior preocupação dos brasileiros em relação ao país, segundo a Pesquisa Nacional de Vitimização e Segurança Pública realizada pela Quaest para a UFMG em 2023 e neste ano. O mesmo instituto vem medindo a avaliação da população quanto à atuação do governo Lula no tema da segurança. Dados de março mostram que ela é negativa para 38%, e apenas 25% a classificam como positiva.

O marketing da matança, por Bernardo Mello Franco

O Globo

Depois de elogiar ação com 121 mortos, governadores bolsonaristas anunciam "Consórcio da Paz"

Dois dias depois da maior carnificina da História do Rio, uma comitiva de governadores de direita desembarcou ontem no Palácio Guanabara. Os visitantes foram manifestar apoio a Cláudio Castro. Entre sorrisos e afagos, descreveram a operação que deixou 121 mortos como “sucesso” e “divisor de águas”.

O mineiro Romeu Zema reclamou que a ação policial estaria sendo “erroneamente considerada a mais letal”. “Deveria ser considerada a mais bem-sucedida”, afirmou. O goiano Ronaldo Caiado disse ter ficado “orgulhoso” do banho de sangue nas favelas. “Ô Cláudio, meus parabéns!”, empolgou-se.

Castro anunciou a criação de um certo “Consórcio da Paz”, formado por governadores de oposição. Atribuiu a ideia ao catarinense Jorginho Mello, a quem apresentou como “nosso marqueteiro”.

Brasil vive momento Bukele, por Pablo Ortellado

O Globo

Direitos humanos também são violados pela ação violenta e cotidiana dos bandidos

A violenta ação policial nos complexos da Penha e do Alemão e o apoio popular amplo que ela recebeu nos colocam diante de um dilema: após um período prolongado de deterioração da segurança pública, será necessário flexibilizar o Estado de Direito para proteger com eficácia a população? Em termos mais concretos: diante da falência completa da segurança pública no Rio de Janeiro, autorizaremos a polícia a cometer execuções extrajudiciais, algumas das quais seriam ilegais até mesmo segundo o Direito de Guerra?

Ninguém viveu melhor esse dilema do que El Salvador. Nos anos 2010, a violência urbana no país era crítica, com a maior taxa de homicídios do mundo. Bairros inteiros eram controlados por gangues como Mara Salvatrucha ou Barrio 18. Em 2019, Nayib Bukele assumiu a Presidência do país e adotou um plano de controle territorial que envolveu emprego maciço de policiais e militares nos territórios controlados pelas gangues.

Lula corre atrás do prejuízo depois de megaoperação contra traficantes no Rio, por Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Cláudio Castro apresentou-se como um governador “em guerra”, cercado por armas e cadáveres, e retratou sua ação como defesa do “povo abandonado pelo Estado”

A megaoperação policial realizada pelo governo do Rio de Janeiro, sob comando de Cláudio Castro, expôs o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a uma das situações políticas mais delicadas de seu terceiro mandato. Retornando da Malásia, onde havia participado de uma cúpula diplomática e se reunido com Donald Trump, Lula foi surpreendido por uma operação que resultou em mais de 120 mortos — o maior número da história do país — e reacendeu a tensão entre o discurso federal de respeito aos direitos humanos e a escalada de combate ao “narcoterrorismo” defendida por governos estaduais e forças de segurança pública.

O governador fluminense não apenas conduziu uma operação de grande envergadura militar, mas transformou-a em ato político. A reunião de governadores da oposição no Rio de Janeiro, Nesta quinta-feira, sinaliza que a pauta da segurança pública, sensível e popular, foi apropriada pela oposição como eixo de confronto direto com o governo federal. A proposta de tratar facções, como o Comando Vermelho e o PCC, como organizações terroristas reforça essa guinada discursiva, buscando ocupar o espaço deixado pela ausência de maior protagonismo federal na área.

Condescendência, não! Barbárie, jamais! Por Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Direita quer ‘consórcio da paz’ e crime organizado como terrorismo. Isso resolve o quê?

Assim como a família Bolsonaro deu de presente a bandeira da soberania nacional para o presidente Lula, o governador Cláudio Castro deu a matança do Rio para a direita, e de mão beijada – ou melhor, suja de sangue. O passo seguinte foi criar um “consórcio de paz” com governadores aliados e lutar para classificar o crime organizado como “terrorismo”. Castro, porém, pode ter repetido o erro bolsonarista: exagerar na dose.

A questão da segurança é a maior preocupação do brasileiro e estará no centro das eleições de 2026, a direita defendendo o “prende e arrebenta”, ou o “bandido bom é bandido morto”, e a esquerda sendo acusada de ser “conivente com o crime” e “vir com essa história de direitos humanos para defender bandidos”.

Segurança pública e disputa eleitoral, por Orlando Thomé

Correio Braziliense

O tema voltará a ocupar as atenções de partidos e candidaturas, mas, infelizmente, em um debate que tende a ser marcado pela conhecida, de tão antiga, dicotomia: de um lado, a defesa do aumento da repressão e das punições; de outro, a ideia de que não há saída sem o enfrentamento das causas sociais

Todas as pesquisas têm revelado que segurança pública é o tema que mais aflige a sociedade brasileira. O crescimento vertiginoso do crime organizado não chega a ser uma novidade, mas sua infiltração de maneira abrangente em diversas atividades econômicas formais era algo ainda pouco conhecido da maioria da população e que veio à tona com a Operação Carbono Oculto, conduzida com extrema competência pela Receita Federal, em conjunto com Polícia Federal, GAECO do Ministério Público de São Paulo, Ministério Público Federal, Polícias Civil e Militar, Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo, Agência Nacional do Petróleo e PGE/SP.

O PSD e os ‘pantalones largos’, por Fabio Giambiagi

O Estado de S. Paulo

Entre um governo do PT com os cacoetes de uma esquerda arcaica e uma oposição liderada pelo PL com um bando de aloprados, o PSD precisa ser para o Brasil do futuro o que o PSDB já foi

Passei a infância na Argentina, na década de 1960. Na cultura da época, eu e os meninos jogávamos bola e vivíamos de calça curta, até os 12 ou 13 anos, quando virávamos hombrecitos. Como “rito de passagem”, na transição para o que seria a vida adulta, trocávamos então a calça curta pelos pantalones largos (na língua de Cervantes, largo significa “comprido”). Parodiando aquela época, está na hora de o PSD colocar os pantalones largos.

Nossa política sofre de um mal: a falta de equilíbrio. Vinte anos atrás, os embates políticos tinham de um lado um governo do PT que reduzia a relação dívida líquida/PIB, com Lula amigo de George W. Bush; e, de outro, a oposição bem-comportada do PSDB.

China e EUA concordam em evitar guerra comercial aberta e imediata; e só, por Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Xi Jinping e Donald Trump apenas recolocam relações sino-americanas na situação de setembro

EUA aliviam sanções contra empresas; China alivia em terras raras, de venda ainda restrita

China e Estados Unidos concordaram em evitar guerra econômica aberta; aceitaram fingir que querem ou podem chegar a um acordo. É o que se depreende do resultado mínimo do encontro entre Xi Jinping e Donald Trump. A situação voltou apenas para onde estava em meados de setembro. A China prometeu aliviar em terras raras, comprar uma soja; os americanos prometeram sancionar menos empresas chinesas e deram uma gorjeta em tarifas.

O assunto não é blablá de política internacional. A depender do tamanho do risco de conflito, grande, taxas de juros e preços de moedas variam muito, como sentimos até aqui neste canto do mundo. Alteram-se decisões de investimento, estratégias de comércio, portas de comércio se abrem e se fecham, no curto e médio prazo.

'Purgatório da beleza e do caos', por Dora Kramer

Folha de S. Paulo

Dominação de territórios se espalha e ameaça a soberania do país sob olhar atordoado do Estado

Matanças como a de 28 de outubro, dia de São Judas, um dos mais cultuados no Rio, retratam a falência do método

Com toda certeza o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, um homem de alto saber jurídico, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, não sabe o que é o dia a dia das pessoas numa favela do Rio de Janeiro ou comunidades desassistidas país afora.

Pobre de origem, o presidente Luiz Inácio da Silva, cujas agruras da infância pertencem a outro tempo, também não. A quase totalidade de deputados e senadores tampouco sabe o que é viver refém do crime na porta de casa.

Governadores e prefeitos convivem mais de perto com a tragédia da criminalidade que se espalha pelo Brasil, mas talvez não tenham tempo nem disposição para vivenciar o cotidiano dos cidadãos sitiados em territórios dominados. Ainda que tivessem a atenção necessária, não poderiam sozinhos dar conta do problema com suas polícias.

O custo econômico da violência, por Bráulio Borges

Folha de S. Paulo

Reduzir violência na América Latina ao nível mundial pode somar 0,5 ponto percentual ao PIB

Erosão democrática pode reverter ganhos associados à redução de homicídios

megaoperação policial que deixou mais de 120 mortos no Rio de Janeiro reacende um debate crucial para o Brasil: qual é o custo real da violência e da criminalidade para nosso desenvolvimento econômico e social? Esse episódio ilustra de forma bastante dramática um problema que deve estar custando ao Brasil pontos preciosos de crescimento econômico, entre outros impactos deletérios.

Há diversas métricas para medir o grau de violência e a criminalidade. Um dos mais acompanhados é o número de homicídios cometidos a cada 100 mil habitantes. No caso do Brasil, esse indicador vinha em tendência de alta desde o começo dos anos 1990, atingindo um pico em 2017, com cerca de 31 homicídios por 100 mil habitantes.

'O Agente Secreto' é Fellini no Recife, filme B e bom cinema, por Marcos Augusto Gonçalves

Folha de S. Paulo

Kleber Mendonça Filho conta histórias paralelas, como a da Perna Cabeluda, além da trama central do enredo

Filme faz passeio felliniano pela paisagem humana e urbana do Recife e expõe faceta empresarial na ditadura

Há muito o que falar sobre "O Agente Secreto", de Kléber Mendonça Filho, melhor diretor no festival de Cannes —que também premiou o ator Wagner Moura, protagonista da história. Falarei um pouco.

O filme não se concentra numa narrativa central, embora ela exista, mas cercada de outras situações e derivas, uma delas marcante, que nos acompanha como uma espécie de filme B dentro filme. É a história, em clima fantástico e popular, da Perna Cabeluda. Isso mesmo, uma perna que aparece na barriga de um tubarão, é cercada de mistério, roubada do Instituto Médico Legal e transformada pelo disse que disse do povo e pela imprensa num ser com vida própria, que faz aparições violentas em horas noturnas na cidade.

quinta-feira, 30 de outubro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais | Opiniões

Operação policial no Rio foi resultado de planejamento

Por O Globo

Letalidade alta deve ser investigada, mas houve preocupação das autoridades em preservar moradores

As polícias Militar e Civil do Rio correram enorme risco ao entrar no quartel-general do Comando Vermelho durante a megaoperação de terça-feira nos complexos do Alemão e da Penha. Os traficantes demonstraram resistência incomum — a ponto de, pela primeira vez, usarem drones para lançar bombas nos agentes —, matando quatro policiais e ferindo outros 15. Os policiais prenderam 113 suspeitos — entre eles lideranças do CV, não apenas do Rio — e apreenderam mais de cem armas. É revelador que a operação, a mais letal na história do Rio, tenha deixado mais de uma centena de mortos. Mas ela foi resultado de planejamento para tentar preservar os moradores e encurralar os traficantes nas matas, onde ocorreu a maior parte dos confrontos.

Lula vive boa fase da Lua, por Carlos Melo

O Globo

Não existe postulante ao Planalto posicionado para além dos clichês da polarização mutuamente estimulada

Dizem que o presidente Lula nasceu virado para a lua: há cem dias, estava nas cordas. Os erros da oposição o empurraram de volta ao centro do ringue. Deram-lhe a agenda de que carecia: “pobres x ricos”, “soberania nacional”, a “blindagem” do Centrão. Apesar de percalços naturais, Lula comete menos erros, aproveita a maré. As curvas dos gráficos de popularidade têm reagido.

Precificaram sua derrota, mas o jogo empatou. Hoje, o governo tem a vantagem anímica da partida. Abatida, a oposição, sem unidade ou método, tenta emplacar sua agenda: a segurança pública. Busca deter um Lula fortalecido pelo veneno que ela mesma destilou. É a política.

É óbvio, tudo pode mudar: fatos dramáticos como os do Rio de Janeiro, nesta semana, podem influenciar o quadro. Há também a complicada conciliação de interesses nos palanques regionais. E, na esquerda, o bom momento tem sido mau conselheiro. Contudo já existem elementos favoráveis ao projeto de reeleição.

Uma crise em duas imagens? Por Malu Gaspar

O Globo

A imagem que traduzirá para a História a operação policial mais letal que já se fez são as dezenas de corpos estirados no chão de uma praça vizinha aos complexos do Alemão e da Penha, recolhidos na mata pelos próprios moradores. São cadáveres de homens muito jovens, quase todos negros, um com a cabeça cortada, outros com marca de algemas nos pulsos. Para o governador do Rio, Cláudio Castro (PL), são criminosos, não vítimas. Não mereciam nem sequer prisão ou julgamento, mas eliminação.

Por esse viés, 121 mortos são prova de sucesso, embora no Brasil não haja pena de morte e, pelo menos oficialmente, não se autorizem execuções sumárias em ações policiais. A justificativa para a matança é que estamos em guerra, e não se faz guerra sem mortes. Boa parte da população endossa esse discurso, daí por que Castro tem capitalizado politicamente a operação.

Pouco importa que não se tenha capturado o principal alvo, Edgar Alves de Andrade, o Doca, responsável pela expansão do Comando Vermelho, prestes a concluir a tomada das Zonas Oeste e Sudoeste do Rio de Janeiro.

Da boca para fora, por Julia Duailibi

O Globo

A situação atual é tão extrema que não adianta mais as polícias estaduais agirem sozinhas

Entre os cem mandados de prisão da operação na Penha e no Complexo do Alemão, 32 eram de foragidos do Pará. Policiais paraenses acompanharam o planejamento da ação e fizeram constar dela ordens de prisão contra líderes do Comando Vermelho (CV) do estado que, foragidos no Rio, determinavam a execução de crimes a mais de 3 mil quilômetros. Nos últimos quatro anos, 57 mandados foram cumpridos no Rio por crimes cometidos no Pará, entre os quais a prisão de Bianca Franco, a Fielzinha do 41, que chamou a atenção da polícia de seu estado natal ao posar com um fuzil num baile funk no Complexo da Penha.

Rio de sangue, dor e conflito, por Míriam Leitão

O Globo

Combater as facções criminosas exige inteligência, planejamento e ação organizada. O que vimos, até aqui, foi a repetição de erros do passado

O Rio amanheceu ontem contando os mortos e o governador Cláudio Castro se dizendo orgulhoso e definindo como um sucesso a operação policial mais letal do Brasil. Pior do que a sua distorção de análise, é o fato de que o Supremo Tribunal Federal, em voto único, em abril, mandou o Rio fazer exatamente o contrário, ter um plano de redução da letalidade das operações. Há ordens do STF não cumpridas na ação no Complexo da Penha. Desde o começo da crise, o governador tem entrado em seguidas contradições, e se corrige dizendo que fizeram má leitura das suas declarações. No fim do dia, ontem, deu uma entrevista ao lado do ministro da Justiça, reduzindo a tensão da crise federativa.

Durante os últimos dois dias, Cláudio Castro disse diversas vezes que não queria a politização dos eventos. Mas politizou todo o tempo. Ontem chegou a dizer que "quem quiser somar com Rio de Janeiro neste momento é bem-vindo. Os outros que querem fazer confusão e politicagem, sumam. Ou soma ou suma”. Isso foi logo depois de uma reunião online com os “governadores de direita”. Disse que nesta reunião não se falou da PEC da Segurança. Deveria ter falado. Afinal, a PEC cria os canais de cooperação entre os entes federados e a União através do SUSP, o Sistema Único de Segurança Pública. O governador do Rio sempre criticou a proposta, alegando que iria perder autonomia. Quando o número de mortos começou a subir, no entanto, Castro reclamou a falta de ajuda federal.

Segurança terá colaboração no varejo e embate no atacado, por Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Governo federal continuará a investir contra as atividades econômicas do crime organizado no Rio ignoradas pelo governo estadual

O primeiro pronunciamento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a operação policial com o maior número de mortos da história se deu 24 horas depois de sua volta ao Brasil. Como convinha evitar uma exposição como aquela que, na Indonésia, o levou a ver traficantes como “vítimas” de usuários, Lula falou por escrito nas redes.

Ressaltou o impacto sobre as famílias, as drogas e a violência e registrou as duas iniciativas federais no tema, as operações contra as atividades do crime organizado na venda de drogas, na adulteração de combustíveis e na lavagem de dinheiro, além da PEC da segurança.

Até então, o recado, na única cerimônia pública à qual compareceu desde então, a posse do novo ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Guilherme Boulos, tinha sido a camisa preta, a simbolizar um estado que o titular da Justiça, Ricardo Lewandowski, resumiu como de “estarrecimento”.

Depois de assistir sua foto com Donald Trump se transformar na mensagem com maior engajamento em suas redes, segundo a Quaest, Lula viu o noticiário ser tomado pela violência, tema que lidera as preocupações dos brasileiros em todas as pesquisas. Entre as pesquisas que começaram a chegar ao Palácio do Planalto estava uma, da Activaweb, que mostrava uma reação mais comovida que sanguinária e uma cobrança pela cooperação dos governos estadual e federal.

Cláudio Castro assume sua necropolítica com o conceito de “narcoterrorismo”, por Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

O termo “narcoterrorista” desloca o crime do âmbito penal para campo da segurança nacional. É importado da doutrina norte-americana da “narcoguerra”. usada na Colômbia e no México para o emprego das Forças Armadas

O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, rompeu de forma explícita com os paradigmas de segurança pública estabelecidos pela Constituição de 1988. Ao comentar a Operação Contenção, deflagrada no Complexo do Alemão e da Penha — a mais letal da história do estado, com 121 mortos —, Castro sintetizou os resultados do conceito de narcoterrorismo: “Temos muita tranquilidade de defendermos tudo que fizemos ontem. Queria me solidarizar com as famílias dos quatro guerreiros que deram a vida para salvar a população. De vítima, ontem, lá, só tivemos esses policiais.”

A frase é mais que uma defesa corporativa. Ao tratar os mortos como “narcoterroristas”, Castro inaugura no Brasil uma retórica que substitui a segurança pública pela lógica da guerra interna. Em nome da “defesa da população”, o Estado reivindica o poder de decidir quais vidas são protegidas e quais podem ser eliminadas. A operação de “cerco e aniquilamento”, do ponto de vista militar, foi bem-sucedida. Mas não desarticula o tráfico de drogas nem recupera o território, porque a violência volta à “normalidade” e, geralmente, as milícias ocupam o espaço dos traficantes no controle da economia informal.

Letalidades e atrocidades, por Eugênio Bucci

O Estado de S. Paulo

Onde o poder público descuida da integridade física dos mais pobres, o regime democrático não passa de uma fachada de papelão esburacada por tiros, chamuscada por pólvora queimada e borrifada de sangue

“A ditadura segue presente nas periferias.” A frase estava no pequeno cartaz que me fez companhia na Catedral da Sé, na noite de sábado, 25 de outubro, durante o culto inter-religioso em memória dos 50 anos do assassinato de Vladimir Herzog. Era um cartaz em papel bem firme, plastificado, quase do tamanho de uma página de jornal como este aqui. De um lado, trazia a foto de Manoel Fiel Filho, o metalúrgico alagoano que foi morto em 1976 pela repressão política da ditadura. Do outro lado, as palavras certeiras sobre a presença destrutiva da violência policial nos bairros mais pobres das metrópoles brasileiras.

Eu levantei o retrato muitas vezes durante o culto. Sempre que um discurso lembrava os desaparecidos ou um dos que tombaram sob tortura, como o jornalista Vladimir Herzog e o operário Manoel Fiel Filho, eu o erguia. Dezenas de outras pessoas presentes, com pôsteres estampados com outros rostos, também elevavam os seus. O efeito cênico se traduzia em comunicação didática e expressão política: a História existe quando dela não nos esquecemos – e, se dela não nos esquecemos, sabemos tecer o presente. Fora disso, o que resta é a selva. A memória dos crimes perpetrados pelo arbítrio que varreu o País há 50 anos nos ajuda a vencer aqueles que querem reeditá-lo. Por isso dizemos: ditadura, nunca mais.

Sem saida, por William Waack

O Estado de S. Paulo

Sem debate sério e entendimento político, o crime organizado não será contido

O sistema político brasileiro parece viver para si mesmo sem se dar conta de que o crime organizado se transformou no fator de risco número 1 para a própria política e a governabilidade. Entende-se aqui por sistema político não só os grupos e partidos, mas também as estruturas formais do Estado, como o STF.

A erosão do monopólio do Estado na aplicação da violência já tem mais de 40 anos e a acomodação das autoridades a essa situação idem. Em muitas das áreas sob domínio territorial do crime organizado duas gerações de brasileiros cresceram sem conhecer outro estado de coisas.

No caso do Rio de Janeiro, por exemplo, desenvolveu-se até o que se poderia chamar de “cultura própria” – que (goste-se disso ou não) são canais de integração e solidariedade dentro de comunidades, capazes de conviver com a ferocidade dos traficantes e a dos agentes do Estado, visto em boa parte simultaneamente como ausente e inimigo.

Messias, guinada conservadora no STF, por Carolina Brígido

O Estado de S. Paulo

Tribunal tomou decisões essenciais pelos direitos de parcelas vulneráveis; hoje, evita o tema

Aprovável chegada de Jorge Messias ao Supremo Tribunal Federal (STF) engrossa a crescente bancada conservadora da Corte. Se nas décadas passadas o plenário tomou decisões de vanguarda a favor de grupos minoritários da sociedade, hoje esse cenário é cada dia menos provável de se repetir.

Um termômetro da mudança dos ventos é o julgamento a conta-gotas da ação que descriminaliza o aborto até a 12ª semana de gestação. Rosa Weber votou em 2023 e Luís Roberto Barroso votou há duas semanas. Um pedido de vista jogou a discussão para um futuro distante.

No STF, há quem considere que o momento não seja propício para se debater o aborto. Há também quem acredite que essa não seja uma tarefa para o Judiciário. Uma minoria até gostaria de impulsionar a votação, mas não encontra apoio interno para por o plano em prática.

Não foi assim nas décadas passadas. Em 2011, o STF legitimou as uniões homoafetivas como núcleos familiares por unanimidade. No ano seguinte, legalizou o aborto para gravidez de feto anencéfalo por oito votos a dois.

Cláudio Castro deveria ser preso, por Thiago Amparo

Folha de S. Paulo

Governador confessou ser o autor intelectual dos assassinatos

Matar alguém é potencialmente homicídio e deve ser assim tratado

Por baixo da pilha de mais de cem corpos que sangram nas ruas da Penha e do Alemão, não cabem meias palavras: Cláudio Castro confessou em rede nacional ser o autor intelectual do assassinato de ao menos uma centena de pessoas na ação mais letal da história do estado e, por isso, deveria ser preso imediatamente. Não seria uma novidade: outros cinco ex-governadores do RJ já foram presos por ilícitos bem menores.

Tiro na nuca, nas costas e facadas constituem sinais de execução, e se o Ministério Público não os investigar, conivente será. Faz-se urgente que o STF determine, via ADPF 635, que a Polícia Federal participe das perícias nos corpos, garantindo o respeito a parâmetros como o Protocolo de Minnesota sobre a Investigação de Mortes Potencialmente Ilícitas.

A USP diante da intolerância, por Maria Hermínia Tavares

Folha de S. Paulo

A universidade não pode ser campo de batalha de 'guerras culturais'

Grupos de extrema direita atacaram espaços ocupados por estudantes da FFLCH

Universidade de São Paulo se prepara para escolher quem ocupará a Reitoria nos próximos quatro anos.

USP é responsável por 20% da produção científica brasileira; rankings internacionais a situam nos primeiros lugares entre as universidades latino-americanas e entre as 100 ou 200 instituições mais importantes do mundo. A cada ano, nela se titulam, em média, quase 6.000 pós-graduados —mestres e doutores. Mais do que isso, ali se formam não só lideranças científicas e culturais, mas também quadros qualificados para governos e partidos, empresas e organizações da sociedade.

Junto com a Unicamp e a Unesp, a USP constitui o alicerce de um robusto sistema de produção de ciência e cultura, que distingue o Estado de São Paulo.

Desde 2017, uma renovação social, tão importante quanto silenciosa, vem ocorrendo em seus campi. A adoção de políticas afirmativas —sob a forma de cotas raciais e para estudantes egressos da escola pública— tornou seu corpo docente mais diverso e próximo das cores e da composição social da população brasileira.

No Congresso, mais gritos por segregação, por Conrado Hübner Mendes

Folha de S. Paulo

Parlamentares resistem à inclusão escolar de crianças com deficiência

Mudança social guiada por uma ideia de justiça é o mais difícil empreendimento humano. Exige combate a poderes enraizados, hierarquias e interesses lucrativos. Em mudanças assim, os de cima descem e os debaixo sobem. Alguém sempre perde, se entendermos a promoção de justiça como derrota daquele que se beneficiava da injustiça.

Constituição de 1988 se comprometeu com projeto desse tipo. Além de prever metas, direito e deveres, dividiu atribuições aos que devem liderar o processo. Há fracassos e êxitos coletivos ao longo desses quase 40 anos de constitucionalismo democrático.

Entre os êxitos, a educação oferece alguns dos exemplos mais inspiradores, sobretudo na educação de crianças com deficiência. Uma vanguarda internacional. O Estado construiu gradualmente arcabouço normativo e política pública orientada pelo princípio da educação inclusiva.

Matança volta a dominar conversa sobre segurança, por Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Depois de três meses de derrotas, governadores e oposição acham mote de propaganda

Ideia de guerra contra narcoterroristas renova ciclo de estupidez na política de segurança

As direitas estavam acuadas, na defensiva, depois de quase três meses de derrotas. Planejam agora contraofensiva cadavérica. Governadores querem fazer propaganda da matança no Rio de Janeiro a fim de arrumar um mote de campanha e preparar um ataque ao governo federal.

A direita não conseguiu levar adiante a anistia para golpistas. Teve de engolir (por enquanto) o revertério da PEC da Blindagem da Bandidagem, a PEC da Parlamentagem. A conspiração dos Bolsonaro contra empregos e empresas do país parece dar errado, dado o início de negociações entre Brasil e EUA.

A tragédia brasileira, por Adriana Fernandes

Folha de S. Paulo

Fala do governador Cláudio Castro de que a operação foi um 'sucesso' choca pela brutalidade da realidade do país

É desesperançoso constatar que há saídas, mas faltam consensos para implementá-las

Primeiro, o choque com o horror da operação nos complexos do Alemão e da Penha, na zona norte do Rio de Janeiro.

Depois, novo choque com a declaração do governador do estado, Cláudio Castro, de que "tirando a vida dos policiais, o resto da operação foi um sucesso".

É pavoroso ver que a maior autoridade do estado tenha feito essa avaliação equivocada no dia seguinte ao desastre da ação policial mais letal da história do país.

É aterrador constatar que Castro recebe aplausos de setores importantes da sociedade, mesmo diante de tanta barbárie.

quarta-feira, 29 de outubro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Operação expõe limite estadual no combate ao crime

Por O Globo

Ou governo federal e estados se unem para enfrentar facções criminosas, ou então todos sairão derrotados

A resistência feroz que a polícia fluminense encontrou na operação desta terça-feira contra o Comando Vermelho (CV) nos complexos do Alemão e da Penha, no Rio, é demonstração eloquente dos limites enfrentados pelos governos estaduais no combate às organizações criminosas. A ação reuniu 2,5 mil policiais e deixou ao menos 60 mortos, entre eles quatro policiais, 56 suspeitos, além de vários inocentes feridos. Diante da incursão, os criminosos ergueram barricadas, incendiaram veículos e fecharam vias essenciais paralisando a cidade. Usaram até drones com explosivos para intimidar a polícia.

O secretário de Segurança do Rio, Victor Santos, reconheceu que o governo do estado não tem condição de enfrentar o tráfico. “Não dá para enfrentar sozinho”, afirmou. “É preciso que, sem ideologia, estado, União e município se sentem à mesa.” O governador Cláudio Castro cobrou “um trabalho de integração muito maior com as forças federais”. Ele disse que pediu apoio de blindados do Exército por três vezes e que os pedidos foram negados. O governo federal afirmou que não houve pedido de ajuda para a operação atual.

Segurança exige união e inteligência, por Vera Magalhães

O Globo

Não é mais possível abordar o problema pelo receituário clássico da esquerda, que preconiza ações de longo prazo, mas resposta exige atuação conjunta de entes federados

Um enfrentamento efetivo ao crime organizado e à rápida e preocupante expansão de seu domínio de territórios e atividades econômicas no Brasil, além da infiltração em instituições de Estado, exige mais que megaoperações como a desta terça-feira no Rio de Janeiro, que registrou a maior letalidade da História, levou o caos à cidade e descambou, mais uma vez, para um jogo de empurra entre autoridades.

O caminho mais consistente, que permitirá resultados de longo prazo, para além das baixas de integrantes das facções e de parte de seu arsenal —ambos passíveis de rápida e constante reposição, mantida a lógica atual —, envolve investimento em inteligência e forçosamente uma coordenação sofisticada de esforços entre Poderes e instâncias governamentais.

O que se viu nos complexos do Alemão e da Penha passou longe pelo menos da segunda dimensão. O governo federal e a prefeitura da capital não foram informados da operação. Ao longo do dia, Rio e Brasília protagonizaram uma disputa de versões a respeito da negativa atribuída à gestão Lula a oferecer ajuda pedida pelo estado. No fim, o governador Cláudio Castro reconheceu que os pedidos não foram relativos à ofensiva atual e acabou telefonando à ministra Gleisi Hoffmann para se retratar.

Castro aposta no bangue-bangue, por Bernardo Mello Franco

O Globo

Após maior matança da história do estado, governador critica ministérios e STF

Ainda não era meio-dia quando a equipe de Cláudio Castro abasteceu as redes com um vídeo sobre a operação de ontem. A peça foi embalada com trilha sonora de filme de ação. Exibia policiais de uniforme camuflado, viaturas em alta velocidade e um fuzil repousado no asfalto.

Estrelado por forças públicas, o vídeo tinha fins particulares. Ao fundo, uma marca-d’água convidava o visitante a seguir o perfil pessoal do governador. Um instantâneo da política na era do Instagram, em que até matanças viram material de autopromoção.

Castro apostou alto na megaoperação que mobilizou 2.500 agentes com o objetivo declarado de combater o Comando Vermelho. A ação se concentrou nos complexos da Penha e do Alemão. Resultou num banho de sangue nunca antes visto no Rio: ao menos 64 mortos, sendo quatro policiais.

A territorialização do crime organizado no Rio é uma patologia social e política, por Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Tríade território-sociabilidade-economia ilícita é o eixo estruturante do poder paralelo no estado. Eis a anatomia do patológico: o crime como forma de organização social

Por décadas, o Rio de Janeiro conviveu com a ideia de que a violência urbana é parte da paisagem. A naturalização das armas, dos tiroteios, das rotas interditadas e das mortes diárias se consolidou como uma anomalia que deixou de chocar — e, como ensinou Émile Durkheim, fundador da sociologia moderna, o momento em que o patológico se torna normal é o instante em que uma sociedade começa a adoecer profundamente.

A territorialização do crime no Rio não é apenas uma questão de segurança pública: é uma patologia social e política, resultado da corrosão prolongada dos mecanismos de solidariedade e da incapacidade das instituições de exercerem, de forma integrada, o monopólio legítimo da força. O ex-deputado Alfredo Sirkis, pioneiro do movimento ambientalista e ex-militante da resistência armada, diagnosticou o fenômeno há décadas: “Os traficantes têm uma topografia adequada, uma base social enraizada e uma fonte inesgotável de financiamento”.