domingo, 14 de setembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Um roteiro para a pacificação do País

Por O Estado de S. Paulo

Erra quem pensa que a pacificação virá com a anistia a golpistas, mas também quem crê que basta a punição dos inconformados com a democracia para superar as tensões. É preciso mais

“A pacificação do País depende do respeito à Constituição, da aplicação das leis e do fortalecimento das instituições”, disse o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), no introito do julgamento da Ação Penal 2.668, sobre o atentado à ordem constitucional democrática, cujo principal réu era o ex-presidente Jair Bolsonaro. “Nós precisamos de pacificação. E o Congresso pode fazer gestos por essa pacificação”, pregou o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, convertido em principal porta-voz da tese bolsonarista segundo a qual a anistia a Bolsonaro terá o condão de “pacificar” o Brasil.

Como em muitos momentos de tensão observados na história brasileira, fala-se muito em “pacificação”, “união” ou “solução política” como forma de mudar um estado de crispação, virulência e conflito institucional. Não se questiona tal desejo, mas o problema é de outra ordem: nenhuma receita de paz social vai prosperar caso se concentre em um só lado da história. De fato, não há paz fora do império da lei, tampouco sob a confusão premeditada entre pacificação e impunidade. Mas, admitindo-se que seja necessário pacificar o País, o que de resto é discutível, erra quem pensa que essa pacificação virá com a anistia, e erra também quem acredita que a pacificação se resume à punição dos inconformados com a democracia. É preciso mais.

Sem anistia. Por Merval Pereira

O Globo

A anistia seria uma derrota do estado de direito diante da exigência de um grupo político condenado justamente por ter atentado contra a democracia

Não há razão para anistiar o ex-presidente Jair Bolsonaro e seus companheiros de aventura golpista, sobretudo porque a reivindicação vem a bordo de uma chantagem política baseada na ameaça de um governo estrangeiro. A anistia, assim, seria uma derrota do estado de direito diante da exigência de um grupo político condenado justamente por ter atentado contra a democracia. Seria uma incoerência em si mesma uma decisão nesse sentido, que destoaria dos demais processos históricos anteriores, quando a anistia sempre foi dada como maneira de pacificação por parte do governo legitimamente eleito, ou, como no caso da anistia no golpe militar de 1964, da ditadura agonizante que buscava salvar os seus diante da tendência majoritária no país contrária à sua permanência.

Tanto que a extinção do AI-5 já havia sido decretada e, em seguida, a eleição, mesmo indireta, garantiu o fim da ditadura elegendo Tancredo Neves presidente da República. Em todos os casos, a anistia veio como um gesto de pacificação de governos legítimos ou de ditaduras decadentes. Agora, os perdedores querem anistia para continuar a ameaçar a democracia, aproveitando-se dela para tentar desmontar o estado de direito por dentro.

O país e o julgamento. Por Míriam Leitão

O Globo

A democracia não se vinga, mas não pode ignorar o que deu errado no passado, nem deixar de almejar um futuro diferente para as próximas gerações

A democracia não se vinga, mas deve se proteger. Durante mais de um século, esteve frágil diante dos atentados, por um erro plantado no berço da República: a pretensão de que os militares seriam os tutores do poder civil. De tempos em tempos, os que têm as fardas e as armas, fornecidas pelos cofres públicos, assombraram o país ou tomaram o poder diretamente. Sou da geração que pagou o preço mais alto. Pela primeira vez, temos a chance de construir um pacto novo, no qual os militares terão seu papel, sempre essencial, mas jamais para exercer o poder.

A poesia de Affonso Romano de Sant’anna foi trazida aos autos, no voto da ministra Cármen Lúcia que condenou os réus. No poema “Que país é este?”, há versos que parecem simples e são definitivos. “Uma coisa é um país, outra um regimento”.

O ministro Luiz Fux ficou sozinho no seu voto divergente. A democracia sempre aceitará os divergentes, mas o erro do ministro foi ver fatos isolados, onde havia um plano. Ele foi executado à luz do dia, gritado nos palanques de avenidas, analisado em reuniões ministeriais, dito em datas nacionais, escrito em documentos. O mais macabro dos papéis descobertos pela Polícia Federal foi impresso no Palácio do Planalto, e trazia o nosso verde-amarelo entregue a um punhal.

Julgamento dá orgulho. Por Dorrit Harazim

O Globo

Cármen Lúcia foi concisa, de clareza não entediante e natural, o que é raridade entre as disputas por holofotes do colegiado

Dependendo do que cada um faz da própria vida, 27 anos é uma medida de tempo que se esgota rápido. Tomem-se gigantes da cultura musical como Jimi Hendrix, Janis Joplin, Jim Morrison, Brian Jones, Kurt Cobain, Amy Winehouse. Cada um escolheu um viver em intensidade máxima, acelerada, que durou 27 anos. Morreram prematuramente de forma trágica, deixando órfãs suas legiões de seguidores. No outro extremo está Jair Bolsonaro. A sentença de 27 anos e três meses de prisão, mesmo se algum dia reduzida para um sexto da pena ou aliviada para prisão domiciliar, encontra um homem condenado a um perpétuo vazio. O vazio da desumanidade que semeou.

Há coisas mais urgentes do que perdoar golpistas. Por Rolf Kuntz

O Estado de S. Paulo

Anistiá-los pode ser um incentivo a novas barbaridades, talvez tão graves quanto ou piores do que a anterior

Monteiro Lobato teria provavelmente gostado e, talvez, sentido inveja. Mas seu conto Júri na Roça, de 1909, com a descrição de um sujeito encantado pelo espetáculo de um tribunal, foi tão bom, ou quase tão bom, quanto o início do julgamento dos envolvidos na bagunça de janeiro de 2023. Nenhum conto de Lobato, no entanto, consome tanto tempo quanto a fala mais longa daquele começo de trabalho no Supremo Tribunal Federal (STF). Além disso, nenhum conto chega a ser tão espantoso. Naquela notável série de depoimentos, chegou-se a pôr em dúvida a tentativa de golpe da extrema direita, embora tenha sido tão escancarada quanto o desfile de um bloco de carnaval. Mas esse fato, se alguma dúvida fosse defensável, seria de fácil verificação.

Turbulentos 12 meses à frente. Por Pedro S. Malan

O Estado de S. Paulo

Julgamentos, delitos, penas, impunidades e anistias são temas que estarão presentes nos debates que se estenderão até ao menos as eleições de 2026

As questões sobre julgamentos, delitos, penas, impunidades e anistias, ora dominando amplo espaço no debate público no Brasil, foram tratadas por um pequeno e grande clássico por Cesare Beccaria, publicado em 1764, que retém surpreendente atualidade. Diz o autor de Dos delitos e das penas: “Eu não encontro exceção alguma ao axioma geral de que todo cidadão deve saber quando é culpado ou inocente”. Porém, há simulações e dissimulações e há delitos para os quais sociedades organizadas preveem penalidades. “(...) A finalidade destas é apenas impedir que o réu cause novos danos aos seus concidadãos e dissuadir os outros de fazer o mesmo.” Para que cada pena não seja uma violência contra um cidadão privado, esta “deve ser essencialmente pública, rápida, necessária, a mínima possível nas circunstâncias dadas, proporcional aos delitos e ditada pelas leis”. E, em observação crucial para os dias que correm entre nós: “Mostrar aos homens que os delitos podem ser perdoados e que a pena não é sua inevitável consequência é fomentar a ilusão da impunidade e fazer crer que as condenações não perdoadas, embora pudessem sê-lo, são antes abusos de força que emanações da justiça”.

Trump, Bolsonaro e Tarcísio são o tripé da oposição a Lula em 2026. Por Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Governador de SP já se coloca como “herdeiro” do espólio eleitoral de Bolsonaro, ainda que os filhos legítimos pleiteiem a candidatura de um deles. O ex-presidente continuará sendo um grande eleitor

Apesar de condenado a 27 anos de prisão por tentativa de golpe de Estado, Jair Bolsonaro (PL) continua sendo o eixo da base eleitoral da oposição ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ao seu lado, mais duas lideranças convergem para formar um tripé difícil de ser batido: o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), potencial candidato em 2026, e o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, cuja política externa pressiona o governo brasileiro com tarifas de até 50% sobre exportações e sanções contra ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

O cenário é sem precedentes. Pela primeira vez, um ex-presidente e generais de alta patente foram condenados por tentativa de golpe, enquanto a Casa Branca intervém diretamente na vida política brasileira. Tarcísio já se coloca como “herdeiro” do espólio eleitoral de Bolsonaro, ainda que os filhos legítimos pleiteiem a candidatura de um deles. Apesar das pressões, Lula, o Senado e mesmo a Câmara (ainda) resistem à ofensiva para aprovação de uma anistia ampla, geral e irrestrita pelo Congresso, que devolva a liberdade e a elegibilidade ao ex-presidente, cada qual com suas razões. Isso significaria perigosa deriva institucional, antes mesmo das eleições.

Anistia para Bolsonaro? Por Alberto Zacarias Toron

Correio Braziliense

A questão que se coloca é a de se saber se é constitucional a concessão de anistia para os crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado

Em boa hora, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu que os atos ocorridos no dia 8 de janeiro de 2023 e mais aqueles outros narrados com riqueza de detalhes na denúncia do procurador-geral da República representaram uma tentativa de golpe de Estado. Não foram apenas vidraças quebradas, plenários destruídos ou uma escultura manchada por uma frase escrita com um batom. O próprio presidente eleito seria assassinado e um ministro do STF foi vigiado com o mesmo objetivo, além disso, o que não é pouco, o roteiro criminoso previa prisões de outras autoridades.

As instituições democráticas, no entanto, resistiram e prevaleceram. Pessoas foram processadas, condenadas e presas. Agora foi a vez do núcleo dirigente da trama golpista. As penas foram elevadíssimas, e isso pode funcionar como combustível para o movimento por uma anistia que, aliás, era anterior à própria condenação do ex-presidente, de alguns de seus ministros e de outros altos dirigentes de órgãos do Estado.

Estabelecida essa premissa, a questão que se coloca é a de se saber se é constitucional a concessão de anistia para os crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.

A segurança pública como direito universal. Por Raul Jungmann

Correio Braziliense

A segurança pública deve ser tratada como um direito de todos, com fontes de financiamento estáveis e com a União na liderança do sistema

A operação integrada da Polícia Federal, do Ministério Público de São Paulo e da Receita Federal, no coração financeiro de São Paulo, oferece lições profundas. Entre elas, destaca-se a constatação de que o ciclo da segurança pública, tradicionalmente tratado como um serviço voltado apenas para as populações mais vulneráveis, chegou ao fim.

Muitos já comentaram a operação que ficou conhecida como Faria Lima, em referência à avenida que simboliza o mercado financeiro e a elite brasileira. No entanto, há um outro efeito que merece destaque: a necessidade urgente de tratar a segurança pública como um direito universal do cidadão, assim como ocorre com a saúde e a educação.

A anistia e o começo da eleição de 26. Por Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Entre dissimulações e impaciências, centrões querem decidir o que fazer do capitão das trevas

Líderes da Câmara decidem na terça se vai ser votado algum projeto de anistia para Jair Bolsonaro e cúmplices e, também, como vai tramitar o projeto do governo de isenção do Imposto de Renda, central para a hipótese de Lula 4. A eleição começa.

Quanto ao destino da anistia, o cenário é de névoa, pois faltam lideranças maiores e organização; há dissimulação dentro das direitas.

A extrema direita, PL e alguns agregados, em tese quer que seja pautado o pedido de urgência de um projeto de anistia total, algo que permitisse a candidatura de Bolsonaro. Ainda na semana que vem seria votado o mérito; querem aprovação rápida o bastante para evitar a prisão. Parece delirante, mas tenham em mente o que é este Congresso.

Jair Bolsonaro vai ser preso. Por Celso Rocha de Barros

Folha de S. Paulo

Com exceção de Fux, STF julgou como Ulysses Guimarães em ação na qual a única coisa que não era difícil era a análise jurídica

STF julgou como Ulysses Guimarães. Agora Jair Bolsonaro será preso, como Brilhante Ustra deveria ter sido.

Por STF, naturalmente, me refiro a Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Flávio Dino e Cristiano Zanin. Votaram de maneira parecida e com técnica impecável, o que não surpreende: a única coisa que não era difícil nesse julgamento era a análise jurídica.

Atos imperdoáveis. Por Dora Kramer

Folha de S. Paulo

Não faz sentido desmoralizar decisão do Supremo e muito menos comparações com anistia de 1979

Condenado o núcleo crucial da tentativa de golpe, faz sentido anular a decisão do Supremo Tribunal Federal concedendo perdão a quem, no entendimento dos juízes, cometeu os crimes a eles imputados?

Não faz, a menos que se queira desmoralizar a corte suprema de justiça e dizer ao país que o decidido ali vale menos que os interesses de um grupo político. Aqui se incluem os já sentenciados pelo ataque de 8 de janeiro e que agora começam a ser vistos com certa benevolência.

Sombras ocultas do poder. Por Muniz Sodré

Folha de S. Paulo

Nas corporações e nos porões institucionais, tramam-se agendas paralelas que tentam reger a vida política

Numa série sobre ovnis, em meio a depoimentos de cientistas e militares, um deles justifica o acobertamento do fenômeno até para presidentes americanos: "O que faria Trump com esse segredo..." Jimmy Carter, único publicamente interessado na matéria, foi bloqueado por George Bush, então diretor da CIA. Verdadeiras ou não, as informações seriam apanágio de uma camada específica de poder, composta por militares, empresários e especialistas em engenharia reversa.

Domingo com (bleargh!) Bolsonaro. Por Ruy Castro

Folha de S. Paulo

Prometi a mim mesmo nunca escrever sobre ele nos fins de semana, mas hoje quebro alegremente essa promessa

Desde 2019, quando Bolsonaro tomou posse na Presidência, emporcalhei este espaço várias vezes por semana citando o nome dele. As primeiras referências ainda eram sutis, como ao comentar sua declaração de que dormia no Alvorada com um revólver na cabeceira. Escrevi: "Qual é o problema? [No Catete] Getulio Vargas também dormia". Hoje, Bolsonaro deve estar se perguntando se aquele hábito de Getulio não seria uma boa idéia. Quando ele disse que só sairia do Planalto "preso, morto ou deposto" e que "não seria preso", vê-se que as alternativas não lhe eram estranhas.