segunda-feira, 22 de dezembro de 2025

Opinião do dia – Friedrich Hegel* (O pensar não binário)

Conhecimento é intuição intelectual com as seguintes condições:

a) Que, malgrado a divisão de todo o oposto ao outro, toda a realidade externa se conheça como a interior. E se assim vier a ser conhecida, segundo a sua essência, tal qual é realmente, então se mostra não como estável, mas como aquilo cuja essência própria é o movimento da ultrapassagem. Este ponto de vista heraclitiano ou cético, de que nada é firme, deve ser provado em todas as coisas; e assim, nesta consciência de que a essência de cada coisa é determinação e, por isso, o seu contrário, manifesta-se a unidade do conceito com o seu contrário.

b) Todavia, é também necessário conhecer esta unidade na sua realidade; esta, enquanto é uma tal identidade, deve, precisamente por isso, passar para o seu contrário, ou seja, fazer-se outro para se realizar. Assim, através dela própria, produz-se o seu oposto.

c) Acerca da oposição, temos de dizer, por seu turno, que ela não é de modo absoluto, se o absoluto é a essência, o eterno, etc. Todavia, note-se que também este é uma abstração, na qual está compreendido dum ponto de vista unilateral, e que a sua oposição tem apenas o valor de um ideal; na realidade, a oposição é a forma como momento essencial do movimento do absoluto. Este não está em repouso, aquela não é o conceito que nunca para. Pelo contrário, a Ideia, na sua irrequietabilidade, está em repouso e em si satisfeita.

Deste modo, o puro pensamento chegou à oposição do subjetivo e do objetivo: a verdadeira conciliação da oposição consiste em entender como esta oposição, levada ao ponto extremo, se resolve, de sorte que os opostos, como diz Schelling, sejam em si idênticos. Mas não basta afirmar isto, se não se acrescenta que a vida eterna é propriamente este produzir eternamente a oposição e eternamente conciliá-la. Possuir o oposto na unidade e a unidade na oposição, eis o saber absoluto; e a ciência consiste precisamente em conhecer esta unidade, no seu pleno desenvolvimento, através dele mesmo.

*Friedrich Hegel (1770-1831), “Introdução â História da Filosofia”, p.158, v. II, Nova Cultura, 1989.

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Governo precisa fazer sua parte para juros caírem

Por O Globo

Enquanto Lula continuar a varrer despesas para fora da meta fiscal, BC terá de manter taxa nas alturas

Não faltam motivos para o Banco Central (BC), por meio do Conselho de Política Monetária (Copom), manter a taxa básica de juros, a Selic, em 15%. Para entender as razões do BC, nem é preciso ler a ata da última reunião do Copom que manteve a Selic inalterada. Basta acompanhar o noticiário do dia a dia. Na semana passada, o governo obteve do Congresso mais um Projeto de Lei excluindo do cálculo da meta fiscal certos gastos temporários com saúde e educação. Tais despesas não precisarão, portanto, ser compensadas com cortes no Orçamento para que a meta de 2026 — superávit primário de 0,25% do PIB — seja considerada cumprida. E essa é a apenas a última de uma série de exceções às regras fiscais que somarão, de acordo com reportagem do GLOBO, R$ 170 bilhões nos quatro anos do governo Luiz Inácio Lula da Silva. O resultado dessa contabilidade nebulosa é o crescimento inexorável das despesas, portanto do endividamento.

Silêncios que gritam no caso do contrato milionário. Por Bruno Carazza

Valor Econômico

Código de ética no Judiciário é necessário, mas não devemos nos esquecer de quem está do outro lado do balcão

Corre pela internet um meme sobre o prêmio da Mega da Virada, que neste ano pode chegar à estratosférica cifra de R$ 1 bilhão. Segundo a piada, com esse dinheiro o ganhador teria condições de comprar 12.500 carros populares, 1.666 casas de ótimo padrão, 142 Lamborghinis, dar 20 mil voltas ao mundo ou... pagar 8 consultorias como a que a advogada Viviane Barci de Moraes, mulher do ministro Alexandre de Moraes, prestou ao banco Master.

A divulgação das cifras do contrato assinado entre a instituição liquidada por evidências de fraude contra o sistema financeiro e o escritório de advocacia da esposa do ministro do Supremo Tribunal Federal (R$ 3,6 milhões mensais, entre 2024 e 2027, perfazendo um total de R$ 129 milhões) é mais um episódio sobre conflitos de interesses envolvendo a cúpula do Poder Judiciário.

Brasil, o campeão mundial de gastos com juros. Por Sergio Lamucci

Valor Econômico

Reverter esse cenário requer uma mudança estrutural na condução das contas públicas, que passa pelo controle do ritmo de expansão das despesas obrigatórias

O Brasil é o campeão mundial de pagamento de juros. Com uma dívida pública elevada e uma taxa básica nas alturas, o resultado é um volume altíssimo de despesas financeiras, que deverão superar R$ 1 trilhão neste ano. De uma lista de 153 países, o Brasil teve os maiores gastos com juros pagos sobre a dívida pública em 2024, atingindo 8,28% do PIB, segundo números mais recentes do Fundo Monetário Internacional (FMI), compilados na Base de Dados das Finanças Públicas na História Moderna, atualizada neste mês.

Candidatura de Flávio provoca imbróglio na direita para 2026 e é potencial para fogo amigo. Por Mauro Paulino* e Alessandro Janoni*

O Globo

Estratégia do clã Bolsonaro inibe a migração em massa do contingente dos sem candidato

Era o “ensaio sobre a lucidez” de Saramago — a cegueira do ensaio anterior se espraia sobre o processo eleitoral aumentando de maneira expressiva o contingente de eleitores que pretendem votar em branco ou anular o voto. Foi o que aconteceu em agosto de 2018. Apesar de preso, Lula gerou ruído ao registrar sua candidatura à Presidência da República, chegando a 39% das intenções de voto e liderando a disputa. Sem o petista, quase um terço do eleitorado (28%) se mostrava sem candidato, patamar que superava a taxa do primeiro colocado, Jair Bolsonaro, então no PSL, com 22%.

A estratégia do PT de manter a candidatura de Lula até sua inelegibilidade em setembro daquele ano acabou por retroalimentar seu antagonista — depois do atentado em Juiz de Fora, Bolsonaro passou a ser tratado de maneira predominantemente neutra pela mídia, e a apresentação tardia de Fernando Haddad como substituto demandava o esforço adicional de não posicioná-lo como adversário de uma vítima.

Favela precisa se beneficiar de sua potência criativa. Por Preto Zezé

O Globo

O mercado criativo brasileiro foi organizado para capturar valor nos centros formais da economia

Quando se fala em economia criativa no Brasil, ainda é comum tratar cultura como adereço, inovação como promessa e favela como cenário. Os dados mais recentes desmontam essa narrativa. Em 2023, a economia criativa movimentou cerca de R$ 393 bilhões, algo em torno de 3,5% do PIB nacional, empregando mais de 7,7 milhões. Cresceu acima da média da economia e já supera setores considerados tradicionais. Não se trata de vocação futura, mas de setor produtivo consolidado.

Fachin tem razão: o STF precisa de um código de ética. Por Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

Um ministro não deve pegar carona em jatinho de empresário para assistir a uma partida de futebol

É constrangedor que o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Edson Fachin, encontre resistência interna para a introdução de um código de ética. Ainda bem que parece firme sua disposição. Disse ele no discurso de encerramento do ano jurídico:

— Não poderia deixar de fazer referência à proposta, ainda em gestação, de debatermos um conjunto de diretrizes éticas para a magistratura.

A Europa joga seu futuro na Ucrânia. Por Demétrio Magnoli

O Globo

A paz, nos termos de Trump, implodiria o edifício nacional ucraniano

Na hora da verdade, a União Europeia (UE) só deu meio passo à frente. No lugar do plano de um multibilionário empréstimo à Ucrânia baseado nos ativos russos congelados, fechou um empréstimo de € 90 bilhões com recursos próprios. É sua resposta ao intercâmbio diplomático bilateral Trump-Putin, destinado a traçar o destino da Ucrânia à margem da Europa — e da própria Ucrânia. Mas, sobretudo, surge como réplica à Estratégia de Segurança Nacional (NSS, na sigla em inglês) divulgada pela Casa Branca.

A NSS diagnostica um declínio histórico radical da Europa: “apagamento civilizacional”, derivado do abandono de “valores” e da perda de “identidades nacionais”. Sentença de morte da aliança transatlântica? Quase. Segundo a doutrina Trump, uma reversão providencial dependeria da transferência do poder aos “partidos patrióticos europeus”.

A luta anticorrupção está de volta. Por Carlos Pereira

O Estado de S. Paulo

Mais do que retorno espontâneo, o novo ciclo reflete escolhas estratégicas do Sistema de Justiça

O Brasil voltou a ser sacudido por uma sequência de escândalos de corrupção. Operações da Polícia Federal, solicitadas pela PGR e autorizadas pelo STF, recolocaram o tema no centro do debate público. Há denúncias de fraudes no INSS, desvios de emendas parlamentares e apreensões de grandes quantias em dinheiro com deputados. Diante desse cenário, reaparece uma pergunta que parecia superada: a luta contra a corrupção está de volta?

Durante algum tempo, consolidou-se a percepção de que o combate à corrupção havia sido esvaziado com o fim da Operação Lava Jato. Para muitos, aquele encerramento simbolizaria o retorno automático a padrões históricos de impunidade. Essa leitura, no entanto, ignora mudanças institucionais que permaneceram – como a Lei da Ficha Limpa, a Lei de Acesso à Informação, a Lei Anticorrupção e os mecanismos de delação premiada e leniência.

Dino indica que STF deverá julgar em 2026 validade das emendas impositivas

Hugo Henud / O Estado de S. Paulo

Ministro sinaliza que Corte deve discutir no ano que vem constitucionalidade dos repasses de pagamento obrigatório; investigações que atingem parlamentares ampliam embate institucional

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino indicou que, em 2026, a Corte deverá discutir a constitucionalidade das emendas parlamentares impositivas, aquelas que obrigam o governo federal a pagar os recursos indicados por deputados e senadores. A movimentação tensiona ainda mais a relação entre STF e Congresso – especialmente em ano eleitoral – e ocorre em meio ao avanço de operações autorizadas pelo ministro contra parlamentares e ao julgamento de congressistas investigados por desvios de recursos do orçamento secreto, revelado pelo Estadão.

O que está acontecendo com o Brasil? Por Marcus André Melo

Folha de S. Paulo

Não há crise de governabilidade, mas clara degradação da República

A PF é um bastião de credibilidade, mas sua autonomia é vulnerável à interferência do Executivo e do STF

Não é novidade que o Brasil político vai muito mal. Os sintomas estão em toda parte, mas há diagnósticos equivocados. Desde visões hiperinstitucionalistas, que atribuem o atual estado de coisas ao desenho institucional, no qual o suspeito usual é o presidencialismo multipartidário, até o diagnóstico de que forças malignas estariam usurpando poderes do Executivo.

Há, no entanto, uma explicação parcimoniosa que dá conta da maior parte do conflito: forças políticas rivais conquistaram o Executivo e o Legislativo. Sob qualquer sistema de governo, haveria conflitos importantes entre os Poderes. É claro que, sob o presidencialismo, eles assumem mais contundência e possuem especificidades (em alguns casos, implicam em shutdown).

Um escândalo. Por Camila Rocha

Folha de S. Paulo

Não há comoção sobre a dosimetria das penas dos cerca de 950 mil brasileiros no sistema prisional

É escandaloso aliviar o lado de quem planejou um golpe de Estado

Não há mobilização política ou comoção social sobre a dosimetria das penas ou as condições de encarceramento dos cerca de 950 mil brasileiros que se encontram no sistema prisional do país (Secretaria Nacional de Políticas Penais).

Desse amontoado de gente, uns 40% ainda nem foram julgados, mas já estão privados de liberdade. O furto e o tráfico de pequenas quantidades de drogas são os crimes que mais levam à prisão provisória, ou seja, infrações que poderiam ser tratadas com medidas alternativas. Mas não são.

Esse quase um milhão de pessoas é tratado pior do que bicho, já que estão submetidos a condições que ferem a dignidade e impedem (ou dificultam) a reabilitação e uma futura reintegração à sociedade.

Por que será que não há "refresco" para essa gente?

Kast aposta em xenofobia na América Latina. Por Camila Rocha

Folha de S. Paulo

Admirador de Pinochet promete criar 'corredor humanitário de devolução' para venezuelanos

Diferente de Bolsonaro e Milei, novo presidente chileno torna central expulsão de estrangeiros

José Antonio Kast, recém-eleito presidente do Chile, certamente não será um novo Bolsonaro ou Milei, mas algo muito pior. Admirador do ditador Augusto Pinochet, já declarou que defende "qualquer situação" para acabar com o regime de Nicolás Maduro na Venezuela e já adiantou que deve criar um "corredor humanitário de devolução" para imigrantes em situação irregular, citando o caso dos venezuelanos no Chile.

A crise da Venezuela foi fortemente influenciada pela desvalorização do petróleo no mercado internacional a partir de 2014. Dependente dessa commodity para importar itens básicos de consumo cotidiano, o país sofreu um desabastecimento generalizado. Em 2017, as sanções impostas por Trump ao país pioraram a crise econômica, fomentando uma crise migratória sem precedentes.

A vitória de Jo Ann. Por Ruy Castro

Folha de S. Paulo

Uma menina de 14 anos foi símbolo da luta pelo direito de seus colegas à educação

600 membros da Guarda Nacional em farda de combate garantiram a integração racial numa escola

Em 1964, a revista americana Look, com seus seis milhões de exemplares semanais, dedicou a página dupla central a uma ilustração feita pelo artista Norman Rockwell. Na cena, uma menina negra, escoltada por quatro agentes federais a caminho de uma escola pública branca, passa diante de um muro onde se leem as pichações "nigger" e "KKK" (referência à organização supremacista Ku Klux Klan) e se vê a mancha de um tomate escorrendo, atirado contra o muro —ou contra ela. Era o auge do movimento pelos direitos civis nos EUA, cem anos depois de uma guerra civil que se propunha a evitar que tais coisas acontecessem.