quinta-feira, 16 de junho de 2022

Luiz Werneck Vianna*: Na Amazônia o coração das trevas

O assassinato dos heróis amazônidas Bruno Pereira e Don Philipps (já se deve falar assim) em plena atividade nas investigações que realizavam sobre atividades ilegais nas remotas regiões do vale do Javari no extremo oeste da Amazônia, além da comoção mundial que suscitou, trouxe para nós com evidência solar o projeto de capitalismo pirata que serve de bússola de orientação do governo Bolsonaro, apresentado sem subterfúgios em reunião ministerial de infausta memória nos idos de junho.

Foi nela que se alardeou o programa de desmatamento sistemático da floresta para fins de expansão do agronegócio, abrindo passagem para a boiada, na expressão do seu ministro do Meio Ambiente, na presença patibular da sua ministra da Agricultura, quando também foram ouvidas manifestações escandalosas de teor predatório das nossas instituições e dos valores cultivados por que há de melhor em nossas tradições nacionais.

O que o país e o mundo não sabiam até o desfecho trágico do assassinato dos amazônidas Bruno e Don era que havia homens com têmpera de heróis que, mesmo desprotegidos e desprovidos de recursos, porfiavam em defesa da floresta e dos seus povos enfrentando riscos mortais, denunciando, mesmo que com baixo poder de vocalização à opinião pública, nacional e estrangeira, os crimes de lesa pátria que ali se praticavam.

William Waack: Sem tropa para um golpe

O Estado de S. Paulo

A ‘crise militar’ provocada por Bolsonaro é resultado de fracas lideranças civis

Jair Bolsonaro faz de tudo para reverter duas longas tendências históricas quando se considera o papel dos militares na política brasileira. Até aqui, não conseguiu.

A primeira tendência foi a extinção dos “chefes militares”, entendidos como donos de feudos políticos. Esse processo começou com Castello Branco ainda em 1964. A segunda foi a consolidação da ideia de que os militares não são instância de “moderação” ou “tutelagem” da política e do equilíbrio entre os Poderes. Essa noção vem desde 1988.

As duas ferramentas com as quais Bolsonaro tentou abalar esses alicerces do papel das Forças Armadas foram levar a agitação partidário-eleitoral para dentro dos quartéis e a nomeação de militares para o Ministério da Defesa. A agitação política não funciona enquanto estiver mantida a hierarquia. E ela está mantida.

Quanto ao Ministério da Defesa, Bolsonaro “obteve” um grande efeito negativo, do ponto de vista de suas pretensões de arrastar os militares para uma aventura política. Ele privilegiou quadros do Exército, em detrimento da Marinha e da Aeronáutica, acirrando uma velha disputa. Sem que tivesse conseguido estabelecer comando de fato sobre tropas – e, sem tropas, não há golpe.

Merval Pereira: Os sem-noção

O Globo

O sucesso subiu à cabeça dos congressistas, especialmente dos deputados federais. Sucesso do ponto de vista deles, não dos cidadãos, fique bem claro. O ápice dessa “vitória” foram os fundos eleitoral e partidário, que encheram as burras dos partidos, e o orçamento secreto, que privilegiou aliados fiéis do bolsonarismo. Há um ditado latino que diz: “Os deuses primeiro enlouquecem aqueles a quem querem destruir”.

Parece que alguns deputados estão colocando o próprio pescoço na forca, levados pela húbris, conceito grego que significa “excesso” (ou “petulância” na visão romana). Homens assim, que sucumbem à embriaguez do poder, perdem o pudor e são levados a um fim desonroso, diz a tradição histórica.

É o que acontece no Congresso, num momento complicado do país que exigiria foco nas questões essenciais, mas temos de lidar com propostas esdrúxulas que revelam o âmago dos interesses pessoais dos congressistas. É o caso do deputado federal Domingos Sávio, do PL, que recolocou em discussão uma proposta de Emenda Constitucional (PEC) que permite a deputados e senadores anular decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que não forem tomadas por unanimidade.

Malu Gaspar: O golpismo e a chantagem andam juntos

O Globo

Dizem em Brasília que, como jabuti não sobe em árvore, se o bicho aparecer pendurado numa, é porque alguém o colocou ali. O último jabuti a surgir sobre um galho na capital da República passou a circular no Congresso nesta semana.

É a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que dá aos parlamentares o poder de desfazer decisões do Supremo Tribunal Federal que não tenham sido tomadas por unanimidade entre os ministros.

A iniciativa é de um deputado ruralista, Domingos Sávio, que também é do PL, o partido de Jair Bolsonaro. Sávio deu ao documento o curioso título de “PEC do Equilíbrio entre os Poderes”, embora, na verdade, ela estabeleça exatamente o oposto, a subordinação do Supremo ao Congresso. O que, por ferir a independência entre os Poderes, a torna flagrantemente inconstitucional.

A ideia foi imediatamente encampada por integrantes da bancada evangélica e bolsonaristas ferrenhos — como o deputado Bibo Nunes (PL-RS). "Assim como eles querem fazer constantemente com a gente, nós também queremos colocar um freio", disse.

Míriam Leitão: A mensagem deixada por Bruno e Dom

O Globo

Obrigada Bruno Pereira, obrigada Dom Phillips. Porque existiram, porque escolheram viver em busca do que era certo, porque foram ao ponto do Brasil que precisava de um servidor público exemplar e de um jornalista apaixonado. Obrigada Bruno e Dom porque na morte vocês revelaram ao Brasil que temos tolerado o intolerável, que o crime avança sobre a nossa floresta de forma devastadora, ameaçando povos indígenas e ribeirinhos, destruindo a soberania nacional. É dramático o que nos revelaram nesse ato final. É dilacerante que tenhamos perdido pessoas tão preciosas.

Não podemos ignorar a mensagem que Bruno e Dom nos deixaram. Eles nos contariam que as quadrilhas de crime organizado controlam parte da Amazônia, por isso é urgente agir antes que seja tarde demais. Caça e pesca ilegais movimentam muito dinheiro e interesses. Esses crimes estão ligados ao tráfico de drogas, de armas e ao garimpo. Eles agem em rede. Uma mão criminosa lava a outra.

Em Brasília, o governo Bolsonaro continua na sua marcha insana e insensata para desmontar o órgão criado com a missão de defender os povos indígenas. Missão que Bruno Pereira cumpriu, com desvelo e tenacidade. Ele foi exonerado do cargo de diretor de Índios Isolados por ter participado de uma bem sucedida ação que desbaratou garimpo ilegal e destruiu balsas no Vale do Javari. Bruno continuou seguindo a missão da Funai fora da Funai. Lá dentro, os enviados de Bolsonaro fazem o trabalho de desmonte do órgão.

Uirá Machado: Passando recibo

Folha de S. Paulo

Presidente responsabiliza vítimas e assume falta de controle na Amazônia

Jair Bolsonaro (PL) declarou outro dia que não leva jeito para ser presidente. Ele deve saber do que está falando. É avesso ao trabalho, ignora os princípios republicanos, desrespeita a separação de Poderes, desconhece a liturgia do cargo e, como fica cada vez mais evidente, não tem ideia do que seja empatia.

Sua incapacidade de se identificar com outra pessoa tinha chamado a atenção nos comentários sobre a Covid. Bolsonaro caçoou dos doentes e fez pouco caso da dor de quem perdeu alguém para a doença. Chamou o sofrimento de frescura e mi-mi-mi.

Poderia haver nesse comportamento, contudo, um quê de farsa política. Aferrado às teorias que minimizaram o coronavírus e para sempre marcado como presidente antivacina, preferiu manter a pose para não dar o braço a torcer.

Bruno Boghossian: Governo parece aceitar uma Amazônia sob domínio de criminosos

Folha de S. Paulo

Ao responsabilizar desaparecidos, Bolsonaro abre mão de trabalhar pelo controle da região

No segundo mês de mandato, Jair Bolsonaro mandou avisar que estava declarando "guerra ao crime organizado". O presidente enviou ao Congresso uma mensagem que replicava o marketing da campanha eleitoral e dizia que o governo não teria "pena nem medo de criminoso".

O próprio Bolsonaro faz questão de desmoralizar esse esforço fajuto de propaganda –com os típicos traços de crueldade de seu discurso. Nesta quarta (15), o presidente praticamente responsabilizou o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips por terem desaparecido na Amazônia.

Bolsonaro disse que a dupla fazia "uma excursão" pelo Vale do Javari e apontou que os dois ficaram em perigo porque "resolveram entrar numa área completamente inóspita sozinhos, sem segurança". Como se os assassinos não fossem os únicos culpados, ele acrescentou que era "muito temerário" andar pela região sem estar preparado.

Ruy Castro: Mudos aos arrotos de Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Os generais ainda não decidiram se vão bater continência para Daniel Silveira

Golpes de Estado costumam ser tramados nos subterrâneos, em horas mortas e por mensagens em código. Como jornalista, fui testemunha de dois: o Ato Institucional nº 5, em 13 de dezembro de 1968 (o golpe dentro do golpe), e a Revolução dos Cravos, em Portugal, em 25 de abril de 1974. Mesmo os bem informados só ficaram sabendo deles quando, respectivamente, no Rio, o AI-5 foi comunicado pela televisão, e, em Lisboa, os tanques saíram às ruas. Em ambos, por mais que o clima estivesse pesado, ninguém falava em golpe na véspera.

No Brasil de hoje não se fala em outra coisa. Jair Bolsonaro, cada vez mais certo de que perderá a eleição, já não esconde que sua única salvação é o golpe. Para isso, precisa subverter as instituições, jogando a nação contra o Judiciário, prostituindo o Legislativo com o dinheiro que extorque do Tesouro, corrompendo oficiais menores e policiais para marchar com ele na aventura, infiltrando bufões na Justiça e armando civis de todas as extrações, dentro ou fora da lei, com óbvio objetivo.

Roberto Macedo*: Urnas eletrônicas, Fachin e o ministro da Defesa

O Estado de S. Paulo

Nogueira e seus pares poderão fazer uso da plataforma de divulgação dos BUs para fazer sua própria avaliação de resultados.

Volto à questão destas urnas no contexto do debate que recentemente envolveu os protagonistas citados. Em artigo meu neste espaço em 19/8/2021, intitulado Voto impresso já existe de forma agregada por seção eleitoral, elaborei sobre este tema numa ocasião em que o voto impresso, individualizado, havia sido muito discutido. Em 10/8/2021, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que o estabelecia não alcançou na Câmara dos Deputados o número mínimo de votos necessário para a sua aprovação.

Quando escrevi, procurei conhecer melhor a questão, e continuo entendendo que o papel das urnas eletrônicas carece de maiores informações à sociedade, pois muita gente forma sua opinião sem ter essas informações. No meu caso particular, aprendi muito com as informações recebidas de duas pessoas de meu relacionamento que atuaram como mesárias em eleições passadas, já mencionadas no meu artigo citado, do qual a seguir usarei alguns trechos.

Um aspecto que eu desconhecia era o de que as urnas dispõem de uma impressora, cujo uso se destaca em duas ocasiões importantes. Na primeira, após os mesários se reunirem para dar início à votação, é impressa a chamada zerésima, um termo que vem do zero, para comprovar que não há registros de votos na urna utilizada.

Maria Hermínia Tavares*: Participante ausente

Folha de S. Paulo

Bolsonaro é incapaz de entender o mundo para além do seu condomínio na Barra

Uma certeza, de saída: a Cúpula das Américas, reunida em Los Angeles na semana passada, não honrará nenhuma eventual lista de êxitos da política externa do presidente John Biden.

Expôs uma "diplomacia interamericana flácida", como disse Richard Feinberg, membro do Conselho Nacional de Segurança no governo Clinton e responsável por conceber a iniciativa, além de organizar a sua reunião inaugural, em 1994.

Imaginado para afirmar a liderança americana em face da ascensão da China e da guerra russa ao Ocidente —como a invasão da Ucrânia impede ignorar—, o encontro fez triste figura, a ponto de ser considerado por alguns analistas como indício a mais da perda de gás dos EUA no mundo.

Não faltavam temas para uma agenda ambiciosa de cooperação hemisférica que explorasse oportunidades —comércio e investimentos; proteção ambiental e energias limpas; infraestrutura sustentável; saúde— ou que lidassem com prementes problemas comuns: imigração, ilícitos internacionais, consequências duradouras da pandemia.

Eugênio Bucci*: Ensino pago na USP, na Unesp e na Unicamp?

O Estado de S. Paulo

Não é hora de mexer no que está dando certo. Quem quiser perder a eleição ou quiser cometer suicídio político, que arranje outro pretexto.

Dia desses, o governador de São Paulo, Rodrigo Garcia (PSDB), defendeu mais uma vez a adoção de mensalidades para os alunos da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Em 2017, ele já tinha insistido na mesma tese. Agora, volta à carga. Segundo Garcia, a cobrança será necessária para financiar a ampliação do número de vagas. Na entrevista que concedeu ao jornal Valor Econômico (3/6/2022), foi categórico: “Se precisar de recursos públicos, não terá. Acabou, estamos no limite do que o povo pode investir”.

Considerando que o governador é candidato à reeleição, fica difícil de compreender a investida contra a gratuidade das universidades públicas paulistas. É realmente estranho. Será que ele acha que isso dá voto? Ou será que está em curso mais um suicídio do PSDB paulista? Sim, um suicídio continuado – é bom não esquecer que, no Brasil, partidos políticos podem cometer suicídios sequenciais, seriais, um depois do outro, isso para que fiquem reiteradamente suicidados, suicidados de modo obsessivo, para que o suicídio não deixe margem à dúvida de que foi suicídio mesmo.

Míriam Leitão: As dúvidas do BC no choque de juros

O Globo

Banco Central disse que há incerteza sobre o futuro do arcabouço fiscal e que o corte de impostos reduz a inflação a curto prazo mas eleva no futuro. Disse ainda que aumentaram os riscos globais. De fato, ontem foi o dia de ver isso. O Fed elevou a taxa de juros, em 0,75 ponto, pela primeira vez em três décadas, o BCE se reuniu e há muitas dúvidas sobre a economia da China. O BC avisou que os juros vão subir mais até que haja “ancoragem” das expectativas. O Brasil está vivendo um violento choque de juros. Há pouco mais de um ano a Selic estava em 2%.

O debate no mercado é se o Banco Central foi duro ou não em seu recado após a reunião. Acho que deixou sim um forte recado. O país está crescendo um pouco mais que o previsto, e isso o comunicado pontuou, mas ele alertou para os problemas certos. Dúvidas fiscais, mudanças nos impostos agora que vão rebater nos preços mais adiante e um cenário global totalmente imprevisível. Não disse, mas no cenário brasileiro tem ainda o momento decisivo do conflito institucional que Jair Bolsonaro alimenta sem cessar há três anos e meio.

Adriana Fernandes: Fla-Flu do ICMS

O Estado de S. Paulo

A confusão entre o que é temporário e o que é permanente pode comprometer o ajuste de Estados

No afã de conseguir apoio à aprovação do projeto que reduz permanentemente as alíquotas do ICMS, o governo federal soltou uma nota técnica na qual contradiz pareceres do Tesouro que serviram de base à aprovação do regime de recuperação fiscal de Goiás e do Rio Grande do Sul.

A nota aponta que os Estados e os municípios têm dinheiro sobrando em caixa e que, com essa folga, deveriam devolver os recursos à sociedade – ou por transferências de renda, ou por redução de tributos.

O mesmo texto foi citado pela Advocacia-geral da União na resposta à proposta de acordo sobre a redução do ICMS que as secretarias estaduais fizeram ao Supremo Tribunal Federal.

O governo rejeitou a proposta dizendo que o nível da arrecadação já retornou à tendência de antes da pandemia e, por isso, não seria necessária a compensação integral de perdas arrecadatórias como propuseram os Estados.

A folga fiscal de Estados e municípios mencionada na nota (R$ 204 bilhões ou 2,4% do PIB em 2021) diverge do indicador semelhante estimado pelo Banco Central, que apontou superávit de R$ 62 bilhões ou 0,7% do PIB.

O diagnóstico benigno sobre as finanças estaduais também diverge dos pareceres do Tesouro sobre a proposta de regime fiscal de Goiás e do Rio Grande do Sul. Nesses pareceres, espera-se que Goiás seja capaz de custear seu serviço da dívida com recursos próprios, de superávits primários, a partir de 2027. No caso do Rio Grande do Sul, o prazo é mais longo, de 2028.

Celso Ming: Tiros no escuro

O Estado de S. Paulo

Desta vez, tanto o Banco Central do Brasil quanto o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) estão perseguindo o inimigo no escuro.

Nesta quarta-feira, o Banco Central por meio do Comitê de Política Monetária (Copom) elevou os juros básicos (Selic) em 0,5 ponto porcentual, para 13,25% ao ano – o que era esperado. Mas o Fed foi mais agressivo do que se esperava até o início desta semana. Empurrou os juros básicos (Fed funds) em 0,75 ponto porcentual, para faixa entre 1,50% e 1,75% ao ano - maior patamar em 28 anos.

A escuridão do nosso Banco Central se deve a não saber para onde vão os preços dos derivados, não em julho ou agosto, mas em janeiro. O ICMS sobre os combustíveis varia de Estado para Estado, de 23% a 34% na gasolina, 13% a 32% no etanol e 13% a 18% no óleo dieselVai desabar por decisão do Congresso para 17%. Só nessa mexida os preços podem cair em R$ 1,65 por litro da gasolina e em R$ 0,76 o do diesel, segundo cálculos do relator do projeto, senador Fernando Bezerra (MDB-PE). Mas tem mais. Se aprovada a PEC eleitoreira do governo, o ICMS sobre o diesel será zerado até 31 de dezembro, mas voltará aos 17% dia 1º de janeiro. Como surfar nesses vagalhões carregados de incerteza? Além disso, essas manobras populistas terão enorme custo fiscal ainda não claramente dimensionado que, por sua vez, tende a pressionar a cotação do dólar e também a inflação. 

Vinicius Torres Freire: Juros: como salvar 2023 e 2024

Folha de S. Paulo

Não se sabe quanta atrocidade econômica ou política Bolsonaro e o centrão ainda podem aprontar com fins eleitorais

Banco Central não vai fazer guerra para levar a inflação de 2023 para 3,25%, o centro da meta —a de 2022 já foi para o vinagre faz tempo. Elevou a taxa básica de juros, a Selic, para 13,25%, que deve subir para 13,5% em agosto, talvez 13,75%, e para por aí. Afora desastres ou milagres, essa discussão é sobre ninharia.

A dúvida maior agora é saber quando a Selic começa a cair. Difícil que seja antes de meados do ano que vem. Quanto mais tarde começar a cair, pior para o crescimento de 2024. O de 2023 vai ser difícil tirar do chão, alta do PIB menor do que 1%.

Como ainda salvar alguma coisa de 2023 e evitar um PIBinho típico dos anos 2017-2019, crescimento de 1,4% ao ano em 2024?

Esqueça-se, por um momento, do risco de acidentes até fins de 2023, riscos nada pequenos.

Talvez seja possível dar uma lustrada no crescimento de curto prazo se a perspectiva de quem assumir o governo em 2023 for de longo prazo. Não é novidade, a não ser que alguém tenha um plano infalível milagroso.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

O ecossistema do crime na Amazônia

O Estado de S. Paulo

Enquanto o presidente combate fantasmas, cresce a verdadeira ameaça à soberania da Amazônia: um narcoestado paralelo entrelaçado aos crimes ambientais

O desaparecimento do indigenista Bruno Araújo e do jornalista Dom Philips despertou o mundo para um mal que atinge a região do Alto Solimões, na fronteira do Brasil com Peru e Colômbia, mas que se alastra cronicamente por toda a Amazônia. A escalada do narcotráfico está cada vez mais entrelaçada a uma velha rede de ilicitudes, como o garimpo e a extração de madeira, formando um ecossistema do crime. A Amazônia é hoje um barril de pólvora onde se misturam três mazelas que destroem a reputação do Brasil no mundo: a violência, a miséria e a devastação ambiental.

Na última década, o Brasil passou de um mercado consumidor da cocaína latino-americana para um dos principais fornecedores do planeta. Organizações como o PCC, o Comando Vermelho e a Família do Norte passaram a orquestrar o transporte transatlântico de cocaína, seja a da Colômbia e do Peru, passando pela rota amazônica até os portos do Nordeste, seja a da Bolívia, passando pelo interior do Centro-Oeste aos portos do Sudeste. A média de apreensões, que entre 1995 e 2004 era de 6 toneladas ao ano, explodiu nos últimos seis anos para 50 toneladas.

Poesia | Antonio Machado(1875-1939) - O crime foi em Granada

(A Federico García Lorca)

I. O crime

Viram -no, caminhando entre fuzis

por uma longa estrada,

sair ao campo frio,

ainda com estrelas, madrugada.

Mataram a Federico

quando a luz já se elevava.

O pelotão de verdugos

não ousou olhar sua cara.

Todos fecharam os olhos;

rezaram: nem Deus te salva!

Morto caiu Federico

– sangue na fronte e chumbo nas entranhas –

...Foi lá em Granada o crime,

sabei – pobre Granada – , em sua Granada.

II. O poeta e a morte

Viram-no caminhar a sós com Ela,

sem temer sua gadanha.

– Já o sol de torre em torre; e já os martelos

na bigorna – metal, metal das fráguas.

Falava Federico,

galanteando a morte. Ela o escutava.

“Porque ontem no meu verso, companheira,

soava o golpe de tuas secas palmas,

e deste o gelo ao meu cantar, e o gume

de tua foice de prata à minha desgraça,

te cantarei a carne que não tens,

os olhos que te faltam,

teus cabelos que o vento sacudia,

os rubros lábios em que te beijavam...

Hoje como ontem, morte, minha cigana,

que bom estar só contigo ,

por estes campos de Granada, minha Granada!”

III.

Viram-no caminhar...

Talhai, amigos,

de pedra e sonho, lá no Alhambra

um túmulo ao poeta,

sobre uma fonte na qual chore a água,

e eternamente diga:

foi em Granada o crime, em sua Granada!