terça-feira, 21 de junho de 2022

Merval Pereira: A sombra do golpe

O Globo

A relação tensa entre o Judiciário e o Executivo, este auxiliado pelo Legislativo, e as investidas do governo contra a Petrobras, criando um clima de insegurança jurídica para os investidores e um ambiente de tensão na campanha eleitoral que coloca em risco a economia já abalada, fazem com que a tentativa de um golpe de Estado caso o vencedor da eleição presidencial de outubro não venha a ser o presidente Bolsonaro seja considerada uma possibilidade concreta por nada menos que 23% dos 325 executivos, políticos, gestores, acadêmicos e especialistas dos setores privado, público e do terceiro setor de todo o país ouvidos na primeira quinzena de junho pela Macroplan, consultoria especializada em estratégia e análises prospectivas, sob a coordenação do economista Claudio Porto.

— As referências a essa possibilidade, embora minoritárias, nos trazem a certeza de que a democracia brasileira passará por um grande teste de estresse antes, durante e depois das eleições de 2022 — pontua Porto.

As pressões sobre a Petrobras só cessarão quando for montado um conselho na empresa que mude a política de preços. Mas, para isso, além de demitir três presidentes em pouco tempo, é preciso alterar regulamentações internas, o que é perigoso. Acionistas minoritários e investidores estrangeiros reclamarão de quebra de contrato, será uma disputa jurídica monumental.

Isabel Lustosa*: 1822: o primeiro jornalista no banco dos réus

Folha de S. Paulo

Lisboa preferiu morrer em batalha a se submeter a um governo arbitrário

Quem estava vivo e ativo em 1984 ainda se lembra do clima que tomou o Brasil durante a campanha pelas Diretas Já. O comício da Candelária, no Rio, foi uma experiência emocional e sensorial intensa até para quem estava em algum lugar distante do palanque. Era um tempo de esperança em um futuro melhor, o final de um período sombrio que nos tinha sufocado por mais de duas décadas.

Pode-se dizer que um clima parecido, em bem menores proporções, foi experimentado pelos que, às vésperas da Independência, passaram a ter acesso aos jornais e panfletos publicados pela imprensa, que fora liberada no Brasil em 1821. Essa imprensa livre, ainda que incipiente, levou adiante o movimento pelo "fico" (9 de janeiro de 1822) e fez a campanha pela primeira Constituinte brasileira.

Em maio daquele ano, o jornalista João Soares Lisboa, editor do Correio do Rio de Janeiro, fez correr na cidade um abaixo-assinado e colheu 6.000 assinaturas pedindo eleições para uma Assembleia Constituinte brasileira. No mesmo documento recomendava aos subscritores que indicassem se queriam que as eleições fossem diretas ou indiretas. Dom Pedro 1º aceitou o pedido de uma Constituinte, mas não o das eleições diretas pelo qual a maior parte dos assinantes havia optado. O jornalista protestou, questionando: "Quem autorizou Sua Alteza Real a determinar o contrário do que lhe pediu o povo?".

Carlos Andreazza: Não pode ser só incompetência

O Globo

Estava claro que um reajuste nos preços dos combustíveis anularia os efeitos do teto ao ICMS. Daí por que a intervenção na Petrobras pretendia represar o repasse dos custos até a eleição. A solução, segundo o governo gambiarra, seria paralisar a petroleira, deslegitimado seu comando, enquanto se derramam duas Eletrobras em renúncias fiscais e subsídios — cerca de R$ 50 bilhões para segurar a onda até o fim do ano. A própria definição de voo de gado.

O jeitinho falhou. E toda a reação do Planalto e do consórcio parceiro Lira/Nogueira/Costa Neto compõe a admissão de que as medidas tomadas são ineficazes até mesmo como conjunto de pilantragens para maquiar bombas de gasolina por quatro meses.

Falemos do mundo real. De um problema real. Para começo de conversa, o governo deveria ter coragem para tratar do Preço de Paridade Internacional? É contra? Hein, Guedes? Até aqui, o liberalismo à sachsida tem enrolado. Tentarão empurrar com a barriga de novo?

Os sócios, Lira e seus nogueiras, são contra o PPI. O governo não precisa de alteração legislativa para aterrá-lo. Indicando o quarto CEO para a companhia, controlando o conselho, formando diretoria, por que não matou no peito e bancou a mudança? Só a incompetência explicará? A CPI da Petrobras investigaria isso? Investigaria o efeito especulativo de tantas gritas e trocas no comando da empresa?

Míriam Leitão: Insensatez petrolífera

O Globo

A furiosa escalada de agressão do governo contra a Petrobras é um evento do mundo da economia, mas integra o processo de desmonte institucional do país. A Lei do Petróleo de 1995 determina que a Petrobras funcione como uma empresa de economia mista, o que significa que ela não pode operar deliberadamente no prejuízo para atender ao interesse de um dos seus acionistas. A Lei das Estatais limita o governo como acionista controlador. Dentro desse arcabouço institucional é que se construíram as regras de governança e de definição de preços da companhia.

O desmonte institucional no qual Bolsonaro se empenha desde o primeiro dia do governo já atingiu outros poderes e diversos órgãos do Executivo. O caso da Petrobras mostra como a democracia brasileira está funcionando mal. O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, se comporta, não como um líder de outro Poder, mas como um ajudante de ordens do chefe do Executivo. E tão empenhado em agradar ao comandante que parece histérico. Ontem, falou em “terrorismo corporativo” ao se referir a José Mauro Coelho, que estava no cargo de presidente, apenas para não deixar uma empresa deste tamanho acéfala. Lira exigiu sua saída. Ele, de fato, renunciou. No Judiciário, o papel de ajudante de ordens foi executado pelo ministro André Mendonça, que deu prazo para a companhia “explicar” os preços.

Bernard Appy*: Direção errada

O Estado de S. Paulo

Se o foco é compensar o impacto da alta dos preços, seria melhor ampliar a transferência de renda

A enxurrada de medidas voltadas a reduzir a tributação de combustíveis é uma aula de como políticas públicas podem ser mal desenhadas. É compreensível que haja uma preocupação com a alta dos preços dos combustíveis, mas as medidas adotadas para tratar do tema têm sérios problemas, como se explica a seguir.

O primeiro problema é que algumas mudanças são estruturais e têm custo extremamente elevado, o que é uma péssima forma de tratar de problemas conjunturais

Esse é o caso da definição de combustíveis, energia elétrica e comunicações como essenciais para fins de cobrança de ICMS (limitando a alíquota do imposto), que deve custar cerca de R$ 70 bilhões por ano. Com esse valor seria possível implementar políticas com impacto social e econômico muito positivo, ao contrário da desoneração proposta, que não tem impacto nenhum sobre o crescimento e beneficia, sobretudo, as famílias de maior renda.

Hélio Schwartsman: Preço é solução

Folha de S. Paulo

A melhor atitude é dar ajuda para os grupos sociais que realmente precisam

preço dos combustíveis não é um problema. Pelo contrário, é a solução. Desde que a Rússia invadiu a Ucrânia e países ocidentais baixaram sanções contra Moscou, a energia proveniente de hidrocarbonetos se tornou um bem mais raro. É importante que essa informação chegue às pessoas, para que elas adotem comportamentos condizentes com essa nova realidade. Os preços são a melhor forma de comunicar essa situação. Se a gasolina sobe muito, o consumidor passa instantaneamente a economizá-la. Transparência tarifária é algo a se manter.

Cristina Serra: A farra aérea de Nunes Marques

Folha de S. Paulo

Ministro viu in loco Champions League, Roland Garros e GP de Mônaco da Fórmula 1

O jornalista Rodrigo Rangel revelou em sua coluna no portal Metrópoles que o ministro do STF Kassio Nunes Marques viajou para a Europa, em maio, num jatinho de luxo que tem como um de seus donos o advogado Vinicius Peixoto Gonçalves. O advogado atua em processos na corte.

O giro ostentação de Sua Excelência foi uma maratona esportiva de gala: as finais da Champions League e de Roland Garros, em Paris, e o GP de Mônaco da Fórmula 1. O bate-e-volta intercontinental teria custado R$ 250 mil e incluído dois dias de expediente.

Depois do futebol, do tênis e do automobilismo, o diligente comissário do bolsonarismo valeu-se do contorcionismo semântico na nota em que tenta (e não consegue) explicar a excursão. Em linguagem matreira, a nota enrola, mas não nega e tampouco esclarece o essencial: por que viajou no avião particular de um advogado que tem causas no STF?

Alvaro Costa e Silva: A volta do guru

Folha de S. Paulo

Guru da contracultura, não buscava o lacre nem a falsa polêmica

Luiz Carlos Maciel escreveu sobre beats, hipsters, hippies. E sobre o Caetano, o Zé Celso e o Glauber. Não só leu em primeira mão como apresentou ao Brasil pensadores como Wilhelm Reich, Carlos Castañeda, Allan Watts, Norman O. Brow, Timothy Leary. Fez um glossário explicando aos pais de seus leitores o que queria dizer desbunde, careta, barato, grilo.

Não sei se escreveu sobre nerds. Maciel era um deles, de alguma maneira. Não no sentido de um homem pouco atraente e inábil nas relações pessoais —ao contrário, ele era bonito e bom de papo—, e sim quando o uso da palavra define uma pessoa com inteligência avançada e obsessão por determinados assuntos. No caso, a contracultura e as mudanças comportamentais dos anos 60 e 70, temas que abordou na coluna "Underground", em parte responsável pelo sucesso do Pasquim no auge da ditadura militar.

Andrea Jubé: Gabo e os ‘vícios’ da democracia na América

Valor Econômico

Lula e Ciro Nogueira reagem a Gustavo Petro, presidente eleito da Colômbia, quanto ao petróleo

Ao discursar em um congresso que reuniu artistas e intelectuais latino-americanos, como o então ministro da Cultura brasileiro, Francisco Weffort, o vencedor do prêmio Nobel de Literatura Gabriel García Márquez contou uma anedota sobre a democracia colombiana.

Segundo Gabo, como era conhecido o autor colombiano, bastava que ocorressem as eleições dentro do cronograma eleitoral para que a democracia na Colômbia se legitimasse. Isso porque o “rito” deveria se sobrepor aos vícios que maculavam o sistema, como clientelismo, corrupção, fraude, compra de votos - uma realidade muito conhecida do eleitor brasileiro.

No discurso proferido em março de 1995, durante evento realizado em Isla Contadora, no Panamá, Gabo relembrou Jaime Bateman, o comandante do movimento M-19, deflagrado nos anos 70, do qual fez parte o presidente eleito da Colômbia, Gustavo Petro. Curiosamente, o codinome de Petro era “Aureliano”, personagem do romance “Cem anos de solidão”, de García Márquez.

Daniela Chiaretti: Amazônia se tornou uma zona de guerra

Valor Econômico

O crime avança na Amazônia aproximando-se de atividades clandestinas

Em discurso há poucos dias, em reunião do Pulitzer Center em Washington com cem jornalistas brasileiros e internacionais que cobrem a Amazônia, a jornalista Eliane Brum contou um pouco de seu cotidiano. Vive há cinco anos em Altamira, no Pará. “Sempre há um defensor da floresta ligando porque teve a casa queimada ou porque um pistoleiro botou uma arma em seu peito e fez a família de refém”, disse. Em 12 dias de maio, dez pessoas foram assassinadas em Altamira, citou. Foi desfiando casos assim, recentes, e concluiu “a Amazônia vive uma guerra”.

O indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips haviam desaparecido e muitos no salão eram amigos de um, de outro ou de ambos. Os estrangeiros escutavam com expressão de horror. Ainda não se sabia que Dom e Bruno haviam sido mortos, mas a suspeita era forte. Eliane emendou: “As guerras mais longas e mais difíceis de vencer, as do século XXI, são as que se passam nos enclaves de natureza neste momento”. Em bela homenagem ao amigo, Jonathan Watts, chefe global de Meio Ambiente do “Guardian”, publicou no jornal britânico: “Há uma guerra na natureza. Dom Phillips foi morto tentando te avisar disso”.

Eleição de Petro fortalece frente de esquerda na América Latina

Expectativa a partir de agora será pela eleição presidencial brasileira, na qual o novo presidente da Colômbia apoia abertamente Luiz Inácio Lula da Silva

Por Janaína Figueiredo /O Globo

Com a eleição de Gustavo Petro como novo presidente da Colômbia, seis países da América do Sul passarão a ter governos articulados numa frente de esquerda, que deixou claras suas posições, demandas e bandeiras na Cúpula das Américas, realizada na primeira semana de junho, em Los Angeles.

O grupo, já formado por Argentina, Bolívia, Chile, Peru, Venezuela e, agora, Colômbia, se fortalece com a presença e liderança do México, governado por Andrés Manuel López Obrador, que não participou do encontro presidencial em repúdio à exclusão, por parte da Casa Branca, de Venezuela, Nicarágua e Cuba.

Em seu discurso de vitória, Petro disse estar, junto a seus aliados e eleitores, "escrevendo uma nova história para a Colômbia e a América Latina". Uma história que o presidente eleito espera escrever junto a Luiz Inácio Lula da Silva, a quem apoia publicamente na campanha eleitoral brasileira.

Os contatos e conversas acontecem há bastante tempo. Petro esteve na posse de Boric no Chile, em março passado. É provável que convide Lula para sua própria posse, no próximo dia 7 de agosto, como também o fez o presidente chileno. Já o venezuelano Nicolás Maduro não deverá estar na lista de convidados, porque já faz algum tempo que Petro entendeu que devia se descolar do chavismo para derrubar fantasmas de que sua eleição transformaria a Colômbia numa nova Venezuela.

Ao prometer 'desenvolver capitalismo', Petro faz aceno à conciliação na Colômbia

Presidente eleito cogita economistas renomados para assumir Fazenda e acalmar mercado; promessa de 'mudanças de verdade', contudo, enfrentará obstáculos

Por O Globo, AFP 

BOGOTÁ - As primeiras palavras de Gustavo Petro como presidente eleito foram de conciliação. O primeiro político de esquerda a chegar à Casa de Nariño prometeu que o país terá pela frente dias de “mudanças de verdade” que não terão por fim a vingança ou o aumento do ódio e do sectarismo, mas sim uma “política do amor” em que a oposição será bem-vinda. Os desafios para pôr o plano em prática, contudo, não são poucos.

Antes mesmo dos colombianos irem às urnas, já se especulava sobre a composição do Gabinete de Petro. Um dos anúncios mais esperados é o do novo ocupante da Fazenda, porque a ascensão da esquerda gerou medo nos empresários e na direita. Em seu discurso, o presidente eleito foi claro e apaziguador:

— Foi uma campanha de mentiras e medo. Falaram que iríamos expropriar colombianos, que iríamos destruir a propriedade privada — afirmou. — Francamente, digo o seguinte: vamos desenvolver o capitalismo na Colômbia. Não porque o adoramos, mas porque primeiro temos que superar a pré-modernidade, o feudalismo e as novas escravidões.

Não há dúvidas sobre para quem o recado era direcionada, disse à AFP Felipe Botero, cientista político da Universidade de Los Andes:

— Foi uma mensagem claríssima à direita, dizendo “eu sou de esquerda, mas isso não quer dizer que vou mudar radicalmente o modelo econômico".

Memória | Graziela Melo*: Enfim, Santiago!!!

A travessia da Cordilheira foi uma festa. A brancura da neve e a liberdade eram um espetáculo novo para nós turistas compulsórios. Jamais em minha vida havia visto um pé de maçã ou pêra e há muito não me dava ao luxo de conversar tão espontaneamente com as pessoas, como sempre gostei. Deslumbravam-me os claros daquela montanha tão branca. Os “claros” de que falo eram recantos, espécies de oásis com casinhas de madeira próprias para o frio, animais ao lado presos em cercado, uma ou duas árvores. Passamos o Aconcágua. Aquele mesmo das aulas de geografia, quase chegando no céu. Pequenos lagos se formavam com as águas da neve derretida pelos fracos raios do sol do outono, onde os espaços da montanha permitiam. Eram como espelhos azuis na minha fantasia cor-de-rosa.

Descemos em Los Andes, primeira cidade do Chile para quem escolhe o caminho da cordilheira e pegamos um ônibus para Santiago. Uma hora e meia de percurso, mais ou menos, feito à noite. E era noite avançada quando descemos na velha estação daquela cidade que tanto amaria depois. As ruas estavam desertas e cheias de espaços sombrios, mas eu já não sentia medo.

Silvio Rodriguez, o talentoso compositor cubano, atingiu em cheio o coração de todos nós os ex-exilados da grande e generosa pátria de Salvador Allende, com a letra de sua canção composta após o Golpe Militar:

“Yo pisaré las calles nuevamente

De lo que fue Santiago ensangrentada

Y en una hermosa plaza liberada

Me detendré a llorar por los ausentes”(...)

Uma mulher morena de estatura média, cujo nome não consigo lembrar, membro do Comitê Central do Partido Comunista Chileno, foi a pessoa que, a pedido de Armênio Guedes, marido de Zuleika Alambert, conseguiu um médico (dr. Pozo) e um hospital para meu filho que necessitava dramaticamente de ajuda naqueles primeiros dias de nosso exílio. O hospital era o Calvo Makeña, onde trabalhava o médico no setor de oncologia.

Meu filho chegara a Santiago no meio de uma crise que se iniciara na Argentina. Internado, apesar do tratamento, piorava a cada dia. Certa ocasião o médico nos avisou que necessitava sangue com urgência. Orientada por chilenos amigos, pus anuncio na rádio Corporación que é muito popular. “Niño brasileño, internado em el Hospital Calvo Mackeña, necessita sangre etc. etc...” Muitos brasileiros e chilenos atenderam ao apelo. Segundo as enfermeiras do setor, fez-se uma fila à porta do Hospital para doar sangue para “el niño brasileño”.

Outras medidas foram tomadas como a importação de medicamentos pela Lan Chile através da Secretaria de Relações Internacionais do Partido Comunista Chileno. Tudo inútil. Meu filho faleceu na madrugada de 23 de junho de l972, um mês e meio depois de chegarmos ao Chile, no momento exato em que a colônia brasileira em Santiago celebrava a festa junina. Muitos saíram direto da festa para o velório. Pela manhã já havia tanta gente que não se podia mais entrar na capela mortuária. Longe de nosso país e de nossos familiares o carinho daquelas pessoas que quiseram estar conosco naquele momento, fez com que nos mantivéssemos de pé, inteiros, apesar do sofrimento inevitável. Lá estava a figura de Ulrik Hoffman que foi quem deu a cobertura financeira para o funeral. Um piauiense, que, abraçado a sua mulher, uma nissei paulista, chorava muito no instante em que o corpo de meu filho baixava à sepultura, é nosso amigo até hoje. É o professor da UFRRJ, Raimundo Santos e sua mulher Akiko Santos.

Deixamos o Cemitério General de Santiago caminhando lentamente sobre as últimas folhinhas que o outono derrubara das árvores. Era o primeiro dia do frio inverso chileno.

Janeiro, 1984

*Crônicas, contos e poemas, p, 57 Abaré Editorial / Fundação Astrojildo Pereira (FAP) – Brasília, 2008

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

Colômbia à esquerda

Folha de S. Paulo

Presidente eleito, Petro governará em ambiente hostil para qualquer ideologia

Apesar de uma campanha repleta de ataques e discursos apocalípticos de ambos os lados, o segundo turno da eleição presidencial na Colômbia transcorreu sem maiores sobressaltos, consagrando como vitorioso Gustavo Petro.

Ele venceu o candidato populista Rodolfo Hernández por um placar apertado de 50,4% a 47,3%, no pleito mais acirrado dos últimos 28 anos. Tendo disputado o cargo pela terceira vez, o ex-prefeito de Bogotá vai se tornar agora o primeiro líder de esquerda da história do país sul-americano. Adicionalmente, conta com uma mulher negra como vice, Francia Márquez.

Para alcançar esse triunfo inédito, Petro precisou, mais do que superar seu adversário, vencer as resistências que seu passado de ex-integrante do grupo rebelde M-19, desmobilizado em 1990, ainda geram num país traumatizado por décadas de conflitos envolvendo guerrilhas armadas de esquerda.

Procurou afastar-se de regimes ditatoriais do continente, como Cuba e Venezuela, e, ao contrário do que fez nos pleitos anteriores, apresentou-se com perfil mais moderado, buscando articular acordos com setores empresariais.

Assim como em outras eleições recentes na América do Sul, a votação colombiana foi marcada pela rejeição ao establishment político e por um forte desejo de mudança —o que pode ser medido, numa nação em que o voto não é obrigatório, pela maior participação eleitoral desde a década de 1970.