quarta-feira, 22 de junho de 2022

Vera Magalhães: Até não sobrar país nenhum

O Globo

Diante da perspectiva, cada vez mais concreta, de não reeleição de Jair Bolsonaro, o Centrão parece empenhado em sugar até a última gota e não deixar sobrar país nenhum para quem assumir em 2023 — tornando, assim, seu apoio ao próximo presidente tão vital quanto custoso.

Arthur Lira, hoje, dá as cartas no Brasil. A partir da presidência da Câmara, opera coordenado com seu parceiro da Casa Civil, Ciro Nogueira, e, depois de dominar o Orçamento-Geral da União, quer retomar para seu partido e o consórcio de legendas que comanda a ingerência perdida sobre as estatais, com a Petrobras como joia a recuperar.

É escandalosa em grau inaudito até para os padrões do bolsonarismo a ideia de rasgar a Lei das Estatais a menos de quatro meses de uma eleição em que o grupo que está no poder está em desvantagem.

É outro braço do golpismo que campeia na esfera institucional, aquela em que Bolsonaro articula as Forças Armadas e a Polícia Federal para questionar e, se possível, tentar empastelar o pleito.

A lei, aprovada no governo Michel Temer, foi uma resposta ao escândalo do petrolão, que, a despeito de revisões que tenham sido feitas em condenações decorrentes dos processos da Lava-Jato, foi um escândalo que resta comprovado.

Elio Gaspari: A chance da terceira via

O Globo

Num mundo de raposas, a vez do porco-espinho

A senadora Simone Tebet construiu sua candidatura com a precisão de um ourives e hoje é mais uma alternativa para a desejada “terceira via”. Articulou bases sólidas no MDB e no PSDB, mas, sendo necessário, isso não é suficiente. Com Ciro Gomes, ela patina na pobreza de um só dígito nas pesquisas.

Faltam menos de cem dias para uma eleição que parece polarizada. Bolsonaro quer um novo mandato, mas seu nome tem mais de 50% de rejeição. No caso de Lula, o repúdio oscila entre 33% e 43%. Especular sobre eleição antes do início da campanha é algo semelhante aos palpites sobre o desempenho das seleções antes do início dos jogos da Copa do Mundo.

Mesmo assim, 2022 produziu duas surpresas reveladoras: descarrilaram as candidaturas de João Doria e Sergio Moro. Um governava São Paulo com bom desempenho. O outro havia sido uma das personalidades de maior densidade política do país. Ajudou a eleger Bolsonaro, sentou-se a sua mão direita e desceu aos infernos.

Doria e Moro reluziam na pista como verdadeiros aviões e não decolaram. Ambos descarrilaram pelos mais diversos motivos, mas, na essência, deixaram de responder à seguinte pergunta:

— O que o senhor colocará na minha mesa, em matéria de emprego, saúde e educação, noves fora platitudes ou bondosas generalizações?

Bernardo Mello Franco: A guerra de Ciro

O Globo

Quando Ciro Gomes concorreu ao Planalto pela primeira vez, em 1998, o real valia um dólar e o litro da gasolina não passava de 80 centavos. O Brasil mudou, mas ele não desistiu do sonho. Aos 64 anos, lançará sua quarta candidatura presidencial.

Ao que tudo indica, será uma campanha mais solitária. Ciro é o único presidenciável relevante que ainda não conseguiu fechar alianças. Foi esnobado pela chamada terceira via e agora começa a amargar traições no próprio partido. No último Datafolha, apareceu com 7% das intenções de voto, bem atrás de Lula e Jair Bolsonaro.

“Não sou o favorito. Estou numa guerra contra o sistema”, desabafou ontem, em sabatina na rádio CBN. “Se eu ganhar, venci o sistema. É quase impossível, mas ciclicamente o povo brasileiro produz essas disrupturas”, disse.

Na dúvida, o pedetista toca seu realejo. Promete retomar 14 mil obras paradas, gerar 5 milhões de empregos, socorrer 65 milhões de endividados. Para tirar a numeralha do papel, projeta arrecadar R$ 300 bilhões por ano com o corte de isenções fiscais e a taxação de lucros, dividendos e grandes fortunas.

Roberto DaMatta: Espiões, capitalistas ou etnólogos?

O Globo

Dizem que “vivemos a vida”, mas, quando a vida nos vive, as frustrações assustam porque, sendo vividos pela vida, ela pouco liga para nossas reações.

Freud chama isso de “princípio de realidade”, porque o mundo não está em sincronia conosco. Daí o desapontamento que nos faz sofrer. E, no entanto, sem isso não teríamos história. Seríamos tão vazios quanto um balão. Pois a vida só se torna interessante quando se transforma numa singularidade — em alguma coisa que tem início, meio e fim. Ao sentir a dor das nossas feridas, escapamos da eternidade do nada.

Fui profissionalmente confundido algumas vezes. A profissão de etnólogo ou antropólogo social não tem uniforme ou emblema. Há apenas o sujeito estranho o suficiente para, numa comunidade diferente da sua, ser novidade ou causar suspeita.

Hélio Schwartsman: Festival de horrores

Folha de S. Paulo

Vítima de abuso, menina de 11 anos vive situação indistinguível da privação de liberdade

A legislação sobre o aborto no Brasil é um lixo, mas os médicos conseguem torná-la ainda pior. O Código Penal (CP) é uma norma jurídica autoaplicável, isto é, que dispensa regulamentações. O artigo 128 do CP estabelece que o aborto praticado por médico não é punível quando há risco de vida para a mulher ou quando a gravidez resulta de estupro e há o consentimento da gestante ou de seu representante legal. Não há necessidade de autorização judicial, nem limite de fase gestacional. O médico também não tem a obrigação de apurar previamente se a informação prestada é verdadeira.

Isso significa que, num país onde as leis, mesmo ruins, apenas funcionassem, qualquer mulher que chegasse grávida a um serviço de saúde dizendo ter sido estuprada conseguiria seu aborto sem muita burocracia nem necessidade de acionar a Justiça.

Mariliz Pereira Jorge: Método Damares

Folha de S. Paulo

Ela protagonizou uma das cenas mais grotescas da história deste país

Nada justifica separar da mãe uma criança de 11 anos, vítima de estupro. Não há fundamento para que a Justiça tenha mandado a menina para um abrigo e negado o direito ao aborto. A única explicação para a atrocidade que aconteceu em Santa Catarina nesta semana é o legado deixado pela ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves.

O caso revelado pelo Intercept mostra que o filme de terror que já havia começado pela violência sexual ganhou crueldade. O hospital negou o procedimento, a promotora Mirella Dutra Alberton pediu que a menina fosse para uma instituição, medida acatada pela juíza Joana Ribeiro Zimmer, que ressaltou a importância de "proteger o bebê".

Bruno Boghossian: Auxílios, vales e ameaças

Folha de S. Paulo

Com campanha de intimidação, Bolsonaro precisa evitar novos aumentos até a eleição

Depois de esbravejar, abrir uma guerra política e lançar ameaças públicas à direção da Petrobras, o governo decidiu fazer algo parecido com governar. A equipe de Jair Bolsonaro e aliados do presidente começaram a discutir a ampliação do Auxílio Gás que é pago aos brasileiros mais pobres e a criação de um vale-combustível para os caminhoneiros.

Nenhuma das duas propostas resvala no que Bolsonaro chamou de "lucro estúpido" da Petrobras ou na "ganância incontrolável" da empresa, nas palavras do presidente da Câmara. Elas também não mexem na definição de preços dos combustíveis, que continuam sob forte aperto no mercado internacional.

O governo pode até oferecer um alívio imediato a grupos mais sensíveis e desviar o foco das tensões com a companhia, mas tudo indica que a pressão política sobre a Petrobras vai continuar. Bolsonaro já deu repetidos sinais de que pretende manter sua campanha de intimidação contra a empresa para evitar novos reajustes até a eleição.

Alvaro Gribel: Os liberais que condenam o lucro

O Globo

Governo Bolsonaro pode reestatizar a gestão da Petrobras, se quiser. Só não pode dizer que é liberal na economia

A apresentação do ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida, na Câmara, representou um dos maiores desserviços já prestados ao liberalismo econômico brasileiro. Sachsida condenou o lucro da Petrobras, o qual chamou de excessivo, sugeriu mudanças na Lei das Estatais, para permitir interferências políticas na companhia, e defendeu o corte de impostos sobre combustíveis, sem considerar os impactos fiscais da medida. Para completar, disse que o governo estará ao lado do Congresso caso seja instalada uma CPI para investigar a petrolífera.

A verdade é que apenas uma parte do lucro da Petrobras vem da área de refino. Se, por um lado, o faturamento da venda de combustíveis é elevado, por outro, os custos também o são, porque a principal matéria-prima para a produção de combustíveis, o petróleo, está em alta nos mercados internacionais.

Para se ter uma ideia, no primeiro trimestre deste ano, foram US$ 24,68 bilhões de receitas na área de refino, mas com despesas de US$ 21,54 bi apenas na compra de produtos. O lucro líquido na área foi de US$ 1,98 bi. Já no setor de exploração e produção, que sempre foi o carro-chefe da Petrobras, o lucro foi quatro vezes maior: US$ 7,95 bilhões. Culpar os combustíveis pelo lucro não encontra respaldo nos números.

Vinicius Torres Freire: Vamos chamar a bruxa da Petrobras

Folha de S. Paulo

Efeito da demagogia no preço será mínimo, mas Bolsonaro quer botar a culpa em alguém

Jair Bolsonaro quer queimar na fogueira a bruxa da Petrobras. Ainda que não consiga baixar o preço da gasolina e do diesel em alguns centavos, o que está mesmo difícil, tenta açular a horda contra um inimigo do povo, uma personagem do Ibsen do lixão dos desclassificados.

Parece se divertir com isso também, como um moleque arruaceiro surtado que desabafa seu ódio rindo com a destruição que causa: com a CPI, a Petrobras iria perder mais R$ 30 bilhões, como disse no final de semana.

A CPI talvez não venha, mas serviu como ameaça facinorosa, que acabou por derrubar o presidente da petroleira, mas não apenas. O poderoso centrão, presidente da Câmara e chefe da família que sustenta Bolsonaro e faz as vezes de governo, Arthur Lira (PP-AL) ameaçou pegar a família dos diretores da Petrobras e fuçar a vida deles por meio da Comissão Parlamentar de Inquérito. É um aviso a quem se meter a besta.

Marcelo Godoy: O populismo e a banda podre

O Estado de S. Paulo

Disputa pelos votos dos PMS faz com que França e Tarcísio sejam contrários às câmeras corporais

Por que dois candidatos ao governo de São Paulo – Tarcísio de Freitas (Republicanos) e Márcio França (PSB) – atacam o programa de câmeras corporais da PM? Explicações simples, como a de que Tarcísio repete o padrão de negacionismo de seu mentor, o presidente Jair Bolsonaro, são insuficientes para entender a posição do candidato. Assim como acreditar que França, por querer separar as polícias estaduais em vez de integrá-las – política que nasceu com Mário Covas –, seja só mais um palpiteiro desinformado, desses que provocam desastres quando empalmam o poder.

O programa da PM tornou a polícia mais transparente, eficiente e moderna. Seja preto, branco, rico ou pobre, quem se relaciona com ela é filmado. Acabam o desacato, a cervejinha, a carteirada, o jeitinho que arredonda a vida para uns e desce o látego em outros. É a igualdade de todos perante a lei.

Nicolau da Rocha Cavalcanti*: O consequencialismo dos conservadores

O Estado de S. Paulo

Seria equivocado achar que esse grupo de apoiadores desconhece quem são Jair Bolsonaro e Donald Trump

Jair Bolsonaro não é liberal, tampouco conservador. Mas o fato é que parcela considerável dos que se definem como conservadores no Brasil continua apoiando o presidente Bolsonaro. Diante de tal fenômeno, há quem classifique esses apoiadores como ingênuos ou mal informados. Eles estariam sendo enganados pelo bolsonarismo – e seria urgente expor essa manipulação, para que essas pessoas e grupos, descobrindo quem é Jair Bolsonaro, deixem de apoiar aquele que, na realidade, é contrário a suas ideias e ideais.

Mesmo que haja diferenças expressivas entre o que ocorre aqui e nos Estados Unidos, fenômeno parecido é visto há alguns anos em relação a Donald Trump. Muitos membros do Partido Republicano têm dado consistente apoio a uma pessoa cuja história de vida é manifestamente contrária aos históricos princípios cívicos do Grand Old Party.

Fábio Alves: A política da inflação

O Estado de S. Paulo

Os Bancos Centrais têm surpreendido e adotado medidas mais duras do que o mercado esperava

É crescente a percepção do mercado de que a pressão política em razão da disparada da inflação – e não necessariamente ingerência de governos – acabou guiando as mais recentes decisões de política monetária dos principais Bancos Centrais do mundo, que surpreenderam por terem sido bem mais duras do que os investidores esperavam.

“É a política da inflação se sobrepondo à economia da inflação”, diz o chefe do Blackrock Investment Institute e exvice-presidente do Banco Central do Canadá, Jean Boivin. Ele se refere, especificamente, ao desfecho da mais recente reunião do Banco Central Europeu (BCE), no último dia 9.

Na ocasião, o BCE manteve a taxa de juros de referência inalterada e sinalizou duas altas nas reuniões de julho e setembro. Mas, enquanto muitos esperavam a sinalização de um ritmo de altas de 0,25 ponto porcentual por reunião, o BCE deixou em aberto a possibilidade de elevar os juros em 0,50 ponto em setembro. E, para além de setembro, prometeu um “ritmo gradual e sustentado” de aperto monetário.

Fernando Exman: Revisitando a greve dos caminhoneiros

Valor Econômico

Paralisação é risco para a economia e o ambiente político

Uma nova greve dos caminhoneiros está no radar de preocupações daqueles que enumeram os riscos à economia e à ordem pública até o fim do ano.

Deveria constar, também, da lista do presidente Jair Bolsonaro. No entanto, ao que parece ele acredita que pode se beneficiar politicamente de um movimento semelhante ao que paralisou o país quatro anos atrás. Afeito a criar cortinas de fumaça para distrair a opinião pública dos problemas que o seu próprio governo não resolve, Bolsonaro pode acabar tumultuando o que lhe resta de mandato se fizer essa aposta.

Anteontem, comentou que soube da possibilidade de um grupo se reunir na segunda-feira a fim de pressionar a Petrobras a reduzir o preço do diesel. O problema é que um dos organizadores do encontro é acusado de realizar atos antidemocráticos no 7 de Setembro: incentivar essa mobilização será um erro, o qual pode ainda ter efeitos danosos à economia e ao ambiente de negócios.

A experiência de 2018 precisa ser recapitulada.

Lu Aiko Otta: Dinheiro não aceita instabilidade

Valor Econômico

Empreendimentos de infraestrutura que já estão em operação enfrentam aumento de custo difícil de acomodar nas planilhas. Cimento asfáltico subiu 79% e pedágios, 16%

Manancial de boas notícias para o governo na primeira metade do mandato de Jair Bolsonaro, o programa federal de concessões vem acumulando problemas. Os empreendimentos que já estão em operação enfrentam um aumento de custo difícil de acomodar nas planilhas. Algumas concessões que estão na prateleira já encalharam, por dois tipos de incertezas: as comuns a todo o planeta e as made in Brazil.

Um dos dados mais impressionantes que o ministro da Economia, Paulo Guedes, usa para mostrar que o Brasil está “condenado a crescer” é a carteira de quase R$ 900 bilhões em investimentos que as concessionárias de rodovias, portos, aeroportos, de energia, de óleo e gás e de saneamento precisarão fazer ao longo da próxima década. São expansões de infraestrutura com as quais as empresas se comprometeram, ao obter a concessão.

No entanto, o ritmo de execução desses investimentos está ameaçado. As concessionárias de rodovia começam na próxima semana uma negociação com o governo sobre, por exemplo, o aumento de 79% do preço do cimento asfáltico nos 18 meses encerrados em março. A inflação, que corrige o valor das tarifas, subiu 16% no mesmo período.

Nilson Teixeira: Juros mais altos nos países desenvolvidos

Valor Econômico

A inflação muito acima de padrões históricos tem ampliado o risco de sua maior persistência

Os bancos centrais ocidentais mostraram-se mais sensíveis à dinâmica desfavorável da inflação nas reuniões das últimas duas semanas do que nos encontros anteriores - conforme apontei na minha última contribuição para esta coluna. O Banco Central Europeu (BCE) elevou suas taxas básicas em apenas 25 pontos base (pb), mas sua presidente, na entrevista após a divulgação da decisão, sinalizou possíveis 50 pb na reunião de 21 de julho. O Banco Nacional da Suíça (SNB) aumentou os juros básicos em 50 pb, surpreendendo a maioria dos participantes de mercado que esperava estabilidade ou alta de 25 pb. Já o Banco da Inglaterra (BoE), que iniciou o ciclo de aperto monetário no ano passado, subiu novamente sua taxa em 25 pb, com uma parte dos membros voltando a defender 50pb. Os documentos divulgados sugerem possível elevação de 50 pb em 4 de agosto.

O mesmo processo foi seguido pelo Fed, que aumentou sua taxa de juros básica (fed funds) em 75 pb na semana passada, acima dos 50 pb apreçados na curva de juros até alguns dias antes da sua reunião. A inflação ao consumidor PCE nos EUA - acompanhado com atenção pela autoridade monetária - alcançou 6,2% em abril, com o núcleo totalizando 4,9%. Apesar de uma parte importante do movimento dever-se aos preços de energia, a alta de preços tem se mostrado mais disseminada.

Aylê-Salassié F. Quintão*; “La frontera del olvido”

“A fronteira esquecida”. É assim que é também visto o vale do rio Javari, no oeste da Amazônia, divisa do Brasil com o Peru e a Colômbia, onde foram mortos, há duas semanas, o sertanista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips.  Do lado colombiano, as Forças Armadas Revolucionárias da (FARC) e o Exército de Libertação Nacional (ELN) sempre disputaram território e a primazia no recrutamento forçado dos jovens para suas fileiras.  

De fato, para o jornalista free lancer do The Guardian, de Londres, seria uma bela matéria. Mas a visita à região recomenda cautela. No Brasil, se existe lugar que poderia ser chamado de “fim do mundo”, onde as leis são praticamente ignoradas, é ali, no oeste da Amazônia.  

O guerrilheiro Che Guevara chegou a pensar em iniciar sua incursão revolucionária pela América do Sul a partir daquela tríplice fronteira. Á região abriga não apenas uma longa fronteira seca, como é atravessada por alguns dos principais rios da bacia amazônica:  Negro, Japurá, Içá, Purus, o próprio Amazonas e seus afluentes. O Governo Federal mantém instalados ali vários   delegacias da Polícia e da Receita Federal, da Funai, do Ibama, da Funasa e outros, inclusive bases do Comando Militar da Amazônia. Mas, de verdade, as forças que atuam na região são outras.  

Memória | Graziela Melo*: A prisão

Dois de setembro de 1970. Dia terrível. Fatídico. Inesquecível. A essas alturas de nossas vidas já havíamos nos mudado cinco vezes em pouquíssimo tempo. A cada suspeita ou medo de sermos descobertos, nos arrancávamos carregando, além dos filhos, pouquíssima coisa, deixando para trás as estruturas das casas montadas. Carregar mudança era um risco que não se podia correr. Era fornecer nosso roteiro para os olheiros de plantão, tanto da polícia como do Exército. A tensão era tal que contraí uma ulcera. Tensão essa que aumentou quando comecei a desconfiar que estava sendo seguida. No bondinho de Santa Teresa, ao meu lado, sentara um sujeito. Tive a nítida impressão de já tê-lo visto em alguma parte. Desci no meu ponto na Almirante Alexandrino. Ele seguiu. Na outra noite quando desci, às 7h da noite, aproximadamente, lá estava ele no nosso portão. Às 6 horas da manhã do dia seguinte a campainha toca com muita estridência. Eu sabia que eram eles. Tinha certeza. Gilvan acordou assustado. Fui até a porta. Abri o postigo. Pelos vazios entre as grades colocaram uma arma em meu peito. “Abre ou eu atiro”. Não abri. Estranha reação de uma mulher tímida quando se sente na obrigação de proteger. Não cedi a pressão que continuou Abre ou atiro, abre ou atiro.

O que a mídia Pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

Avanços a preservar

Folha de S. Paulo

No programa econômico de Lula, versões maniqueístas se chocam com a realidade

Como vai demonstrando a elaboração do programa de governo de Luiz Inácio Lula da Silva, está em desacordo com os fatos a versão petista segundo a qual a economia do país e suas normas pioraram continuamente desde o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016.

Se é fato que o desempenho brasileiro tem sido decepcionante, além de duramente prejudicado pelos impactos da pandemia, da guerra e das medidas eleitoreiras de Jair Bolsonaro (PL), há avanços a serem reconhecidos e preservados.

Recorde-se que, quando Dilma foi tirada do Planalto, o PIB brasileiro marcava contração de assustadores 7,9% em 24 meses —o que deveria servir como referência para comparações. Foi essa catástrofe de raras proporções que impôs providências difíceis e adiadas por anos, mas necessárias.

Tome-se a reforma trabalhista, agora tratada em tom mais ameno, sem defesa da revogação, na nova edição do programa de Lula. A possibilidade de contratações mais flexíveis, o freio à proliferação de processos judiciais e o fim do imposto sindical foram passos na direção correta, que nenhum governo reverterá sem custo elevado.