O Globo
Agora, como há 50 anos, a maioria não pode
comemorar a Independência. No futuro devemos evitar tiranos, tiranetes e
desvios dos militares
Querida Independência. Não a posso
comemorar. De novo. Como há 50 anos, no sesquicentenário. Não que eu não
queira. Sou impedida pela mesma interdição. Naquele triste 1972, a data foi
roubada pelos militares, que a transformaram na apologia da ditadura que nos
esmagava. Agora, em plena democracia, as Forças Armadas participam novamente do
roubo. Elas se prestam ao inaceitável papel de se acumpliciar com um presidente
que usa a pátria e o poder armado como parte da sua propaganda eleitoral e da
sua campanha antidemocrática. Assim, completa-se a sina da nossa separação. Na
minha vida, terei passado por duas datas redondas, 150 e 200 anos, com o mesmo
sentimento de tristeza cívica.
No entanto, sempre soube que a verdadeira independência não é aquela que se marca no calendário, mas o movimento que tem raízes mais profundas e reais. Não um grito, não um rio, não um quadro a óleo. Venho das Minas dos conjurados e sei onde nasceu a ideia de um país autônomo e republicano. Entendo mais a história que se conta modernamente e que junta as conjuras e os levantes, as revoluções perdidas e os quilombos, a resistência dos divergentes e o resgate dos personagens esquecidos, como as mulheres, os pretos, os indígenas.