segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Fernando Gabeira - Ideias para baixar a bola

O Globo

Não há conciliação possível quando se violenta o direito de ir e vir, impedindo que filhas visitem mães agonizantes, que crianças operem um olho para não ficarem cegas

A temperatura política está muito alta. Ainda há bloqueios de estrada, invasões de câmaras municipais, ofensas a Gil no Catar, a Ciro em Miami e a Rodrigo Maia na Bahia. Houve quem se alegrasse com a contusão de Neymar.

Adianto algumas ideias para baixar a bola. Isso significa em futebol jogar com calma e jogar melhor. Quem quiser chamar de conciliação que o faça, desde que entenda o termo não de uma forma ingênua, como se as diferenças políticas fossem suprimidas por magia.

Em Minas se dizia: é preciso que as ideias briguem, mas as pessoas não. Creio que a temperatura baixará se os setores mais lúcidos da direita conseguirem explicar aos outros que a eleição acabou. Foi um processo já proclamado pelo TSE, passou por auditorias, obteve aprovação dos observadores internacionais.

Não há mais o que fazer. Quem reza diante dos quartéis precisa compreender que os militares não são surdos. Se não responderam às suas preces, é porque decidiram respeitar a escolha majoritária.

Da mesma forma, do exterior não virá ninguém, não existe nenhum tribunal cuidando das eleições brasileiras. O mais sensato é aceitar o resultado, preparar-se para fazer oposição e tentar de novo em 2026.

É preciso que a bola baixe também num campo essencial para a democracia: a liberdade de expressão. Sei que é difícil se mover na democracia com um tsunami de fake news. Mas é preciso correr os riscos. Aliás, o risco maior é entregar na mão de mentirosos a bandeira da liberdade de expressão.

Miguel de Almeida -O adeus às cores mórbidas

O Globo

Embora o velho PT continue a gritar no governo de transição, Lula sabe que ganhou a eleição pelo antibolsonarismo — e não com o petismo

Dois fatos canhestros sintetizam o Brasil atormentado no mimimi do pós-Bolsonaro:

1) A magistrada que não reconhece Chico Buarque como autor de sua belíssima “Roda viva”. (Acredito não ser uma postura ideológica, o que seria algo altamente sofisticado: parece ignorância burra e simples; o tal axioma -5% + 4% igual a 9% faz escola.)

2) O filho Zero Três, depois de fritar hambúrguer nos Estados Unidos, agora no Catar, com pen drives na mão, no papel de camelô da Saara. No tempo da cirurgia à distância, diz usar pen drive! (Depois de perderem a eleição, surge aí uma nova oportunidade de negócio. Não deve dar lucro como lojinha de chocolate, mas já é uma diversificação de portfólio. Alternativa na área gastronômica talvez seja a venda de sopão na porta de quartel.)

Washington Olivetto - O campeonato mundial de cafajestice

O Globo

Tive a oportunidade de presenciar coisas horríveis na minha vida, mas nem todas elas somadas superam o número de canalhices cometidas no Brasil durante a campanha eleitoral de 2022

Em 1962, ano em que completei 11 anos, estreou nos cinemas o filme “Os cafajestes”, do diretor luso-brasileiro Ruy Guerra.

O filme, com Jece Valadão e Daniel Filho, era estrelado por Norma Bengell, que protagonizou o primeiro nu frontal do cinema brasileiro. Essa cena se transformou no assunto da mídia em geral e em obsessão tanto minha quanto dos meus amiguinhos de escola, que só conhecíamos o filme de ouvir falar, já que era proibido para menores de 18 anos.

Aprendi naquele ano a palavra “cafajeste”, que, segundo meu pai, era sinônimo de sujeito mal-educado, que no seu dia a dia cometia cafajestadas. Muitos anos passaram, tive a oportunidade de presenciar coisas horríveis na minha vida, mas nem todas elas somadas superam o número de canalhices cometidas no Brasil durante a campanha eleitoral de 2022.

Só essas dariam para fazer uma espécie de The Guinness Book of Records da Cafajestice, mas resolvi lembrar mais algumas para compor um livro imaginário da vagabundagem universal.

Marcus André Melo* - Ministros da Fazenda

Folha de S. Paulo

Por que Lula ainda não anunciou o titular da pasta?

Bolsonaro anunciou em 26/11/ 2017 que Guedes seria seu Ministro da Fazenda. Sua escolha ocorreu 11 meses antes do pleito. Já se passaram 5 semanas e o presidente eleito ainda não anunciou o titular da pasta.

A política econômica de governos de esquerda na América Latina tem sido marcada pelo que Susan Stokes (Chicago), chamou de reversão de políticas; governantes eleitos com um programa implementam outro. Em "Mandates and democracy: neoliberalism by surprise in Latin America" ("Mandatos e democracia: neoliberalismo por surpresa na América Latina"), examinou a política econômica de líderes eleitos com crítica feroz ao neoliberalismo, que depois implementaram — em todo ou em parte — o programa de seus rivais.

Celso Rocha de Barros - Anistia nunca mais

Folha de S. Paulo

Em uma República funcional, Bolsonaro teria caído e estaria cumprindo pena

No Qatar há exemplos extremos de imoralidade e perversão autoritária, de atraso cultural e riqueza inexplicável concentrada nas mãos das piores famílias. Diante das críticas da comunidade internacional, as autoridades do país já teriam começado a se defender dizendo que, sim, tudo isso é verdade, mas Eduardo Bolsonaro só vai ficar lá até a Copa acabar.

Enquanto o deputado assistia aos jogos com toda mordomia, um bando de palhaços manifestava-se diante de quartéis e rodovias pedindo um golpe de Estado.

Ao saberem das férias do Bananinha das Arábias, alguns dos manifestantes tiveram lapsos de lucidez e questionaram se seu movimento, afinal, era mesmo sério. Afinal, nenhuma liderança revolucionária até hoje tirou férias para assistir à Copa durante a revolução.

Lygia Maria - Congresso do absurdo

Folha de S. Paulo

Projeto de lei que abre brecha para punir cidadão que interpela políticos é contrassenso em um regime democrático

Leis sem sentido já viraram uma tradição nacional. Algumas são até cômicas. O problema é quando o aspecto nonsense leva ao autoritarismo, como o projeto de lei 2.864, do senador Randolfe Rodrigues (Rede), que inventa o crime de "assédio ideológico".

Para o autor da proposta, "assediar alguém publicamente, de forma violenta ou humilhante, premido por inconformismo político, partidário ou ideológico" deve ser punido com prisão de um a quatro anos mais multa.

Além disso, a pena aumenta em até dois terços se o crime for cometido contra "agente público em razão do exercício de suas funções".

Ruy Castro - Mais falsas boas ideias

Folha de S. Paulo

O ser humano é infalível: sempre erra pensando estar fazendo a coisa certa

Ganhe quem ganhar esta Copa do Mundo, recomenda-se ao vitorioso trancar o troféu no cofre e só deixar uma cópia em exposição. Em 1970, quando o Brasil ganhou no México a posse definitiva da Taça Jules Rimet, a CBD, hoje CBF, fez o contrário. Anos depois, gatunos adentraram sua sede no Rio e levaram a taça autêntica, enquanto a cópia ficou a salvo no cofre. Ali os cartolas descobriram que tinham adotado a falsa boa ideia.

Volta e meia registro aqui novas ocorrências desta infalível condição humana: a de errar pensando estar fazendo a coisa certa. Nos anos 1930, por exemplo, o governo adotou 25 de novembro como o Dia do Rádio. E como comemorá-lo? Com uma superprogramação especial? Não. Fazendo com que todas as estações do país passassem o dia fora do ar.

Felipe Moura Brasil - Orçamentos secretos tolerados no Brasil

O Estado de S. Paulo

Supremo vai definir, na prática, se o que é tolerado no País são só os casos não institucionalizados

O ponto em comum entre o mensalão operado por Marcos Valério, o departamento de propinas da Odebrecht, os rachadões em gabinetes e as emendas de relator é que todos são orçamentos secretos, embora só o último esquema seja conhecido por esse nome.

A condenação de petistas no primeiro escândalo deu esperança aos incautos de que a “verba secreta” – citada por Lima Barreto ao criticar a República, na raiz, como “regime da corrupção” – tinha seus dias contados. Mas ela não só permaneceu em estatais e casas legislativas, como foi institucionalizada no Congresso, no governo Bolsonaro.

Cabe, agora, ao mesmo Supremo Tribunal Federal que deixou impune uma geração de políticos com codinome em orçamento secreto de empreiteira favorecida nos governos Lula e Dilma julgar ação de inconstitucionalidade contra emendas usadas para compra de apoio parlamentar. A punição dos envolvidos já nem sequer é aventada. O que se discute é se um esquema espúrio pode ter legitimação judicial e em quais termos.

Denis Lerrer* - Ruptura democrática

O Estado de S. Paulo

Líderes autoritários ou até totalitários podem utilizar instrumentos democráticos para imporem formas de governo a serviço de seus próprios desígnios

O título pode surpreender! Há rupturas da democracia que se fazem segundo instrumentos democráticos, de modo que as aparências são mantidas, enquanto os pilares de um regime assentado na liberdade são abalados. Eleições, por exemplo, tanto podem ser um meio de alicerçar a democracia, como de fragilizála, o que ocorre quando se tornam ferramentas de políticos autocráticos. Lideranças autoritárias ou, inclusive, totalitárias podem se utilizar desses instrumentos para imporem formas de governo a serviço de seus próprios desígnios.

Hitler conquistou o poder democraticamente, fazendo uso de um artigo da Constituição de Weimar que lhe permitia, em determinadas circunstâncias, governar por decretos. O artigo em questão já havia sido utilizado dezenas de vezes por governos anteriores social-democratas, de modo que tinha a aparência de uma mera medida corriqueira. Ato subsequente, passou a perseguir oposicionistas, eliminando fisicamente adversários e, mesmo, amigos, aí incluindo lideranças militares, como o exchanceler Kurt von Schleicher e o comandante das SA, Ernst Röhm. Deu-se ao luxo de convocar eleições que eram meros referendos à sua liderança, proibindo qualquer oposição partidária e fazendo uso intensivo da censura. As massas o aclamaram.

Bruno Carazza* - Fernando Haddad é Lula e Lula é Haddad

Valor Econômico

Pistas sobre gestão estão no passado de cotado para Fazenda

Exatamente vinte anos atrás, Fernando Haddad vivia a expectativa de ser convidado para integrar a equipe de Lula. O convite, contudo, demorou a chegar.

Foi só em 26/06/2003, transcorrida quase a metade do primeiro ano do governo, que o Diário Oficial da União trouxe a nomeação de Haddad para o cargo de assessor especial de Guido Mantega, então ministro do Planejamento. Desde então, ninguém teve ascensão tão rápida na hierarquia do PT e, principalmente, na confiança de Lula.

Ministro da Educação (2005-2012) e prefeito de São Paulo (2013-2016), nem mesmo três derrotas eleitorais significativas - na busca pela reeleição no governo paulistano em 2016, substituindo Lula na disputa presidencial em 2018 e recentemente, quando candidatou-se a governador de São Paulo - abalaram seu prestígio junto a Lula. Cotado para a Fazenda, tudo indica que o presidente confiará a Haddad a condução da economia brasileira a partir de primeiro de janeiro.

Alex Ribeiro - Juro neutro pode estar retrocedendo uma década

Valor Econômico

Estimativas indicam que a chamada taxa neutra de juros, aquela que não acelera e não desacelera a inflação, tenha subido a 5% reais ao ano

Os analistas do mercado financeiro já estão prevendo que a economia vai ter que operar com um nível mais alto de juros no governo Lula, mesmo antes de o novo presidente tomar posse, em janeiro. Estimativas indicam que a chamada taxa neutra de juros, aquela que não acelera e não desacelera a inflação, tenha subido a 5% reais ao ano.

Se o mercado financeiro estiver certo, o Brasil terá retrocedido uma década nesse quesito. Mesmo durante a grave crise fiscal do governo Dilma, a taxa neutra não havia passado muito além de 4% ao ano.

No questionário que tradicionalmente faz antes de suas reuniões, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central perguntou para economistas de instituições financeiras e de consultorias qual é a sua estimativa para a taxa neutra. Os resultados só saem na semana que vem, mas o boletim Focus de expectativas de mercado já dá boas indicações de que as projeções podem ter subido para 5%.

Trincheira da oposição

Lula iniciará governo com bolsonarista no comando da bancada evangélica

Atual líder, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) quer disputar a vice-presidência da Câmara e quatro apoiadores de Bolsonaro disputam a sucessão

Por Luisa Marzullo  / O Globo

RIO DE JANEIRO - No momento em que tenta ampliar sua base no Congresso para garantir a governabilidade, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva vai começar seu governo com um bolsonarista no comando da bancada evangélica, uma das mais influentes do Legislativo. O atual líder, deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), quer disputar a vice-presidência da Câmara na chapa à reeleição de Arthur Lira (PP-AL), em fevereiro, e quatro parlamentares alinhados ao presidente Jair Bolsonaro concorrem à sua sucessão. Na próxima quarta-feira, a bancada entregará a Lira os projetos que considera prioritários, entre eles o que define família apenas como a união entre homem e mulher, excluindo as relações homoafetivas, e a Lei Geral das Religiões, que regulamenta o livre exercício das crenças e dos cultos religiosos, previstos na Constituição.

Na disputa pela presidência da Frente Parlamentar Evangélica estão o senador Carlos Viana (PL-MG) e os deputados Otoni de Paula (MDB-RJ), Eli Borges (PL-TO) e Silas Câmara (Republicanos-AM). A definição deve sair ainda este mês. O segmento foi um dos pilares de sustentação do atual governo e se engajou na campanha à reeleição de Bolsonaro.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Mais respeito à Constituição

O Estado de S. Paulo

País tem de sair da arapuca montada por Bolsonaro. Relação entre civis e militares não é mais nem menos delicada do que a relação entre civis com quaisquer outras instituições de Estado

É espantoso o rumo que tomou o debate público sobre a relação entre as autoridades civis e militares no País. É como se o que está escrito na Constituição – que determina em português cristalino quais são os papéis de uns e de outros na República – tivesse virado letra morta. Eis mais um legado nocivo do presidente Jair Bolsonaro. Nos últimos quatro anos, o atual mandatário instrumentalizou politicamente as Forças Armadas em seu benefício pessoal, inclusive dando voz a uma interpretação extravagante do artigo 142 da Lei Maior, e tentou por diversas vezes minar o poder dos governadores sobre as Polícias Militares.

Toda essa celeuma criada em torno da nomeação do futuro ministro da Defesa é o exemplo mais recente desse debate totalmente desarrazoado que se instalou no País.

Desde a criação do Ministério da Defesa, em 1999, a escolha do titular da pasta nunca despertou tanta atenção da sociedade nem tampouco gerou tanta apreensão como agora. É como se, a depender do nome escolhido pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, os militares fossem se insurgir ou permanecer leais ao seu futuro comandante em chefe.

Ora, no Estado Democrático de Direito, o poder militar (armado) submete-se ao poder civil (político). As Forças Armadas, portanto, não são atores institucionais com ingerência sobre atos próprios da vida civil nem muito menos sobre as prerrogativas constitucionais do presidente da República. Diálogo ou até mesmo negociação jamais devem ser confundidos com chantagens ou ameaças, veladas ou explícitas.