segunda-feira, 13 de março de 2023

Cerco a Judiciários marca declínio do Estado de Direito no mundo

Ana Rosa Alves / O Globo

Em México e Israel, tentativas dos governos aumentarem seus poderes geram protestos maciços; 56% da população do planeta vive em países com retrocessos

projeto de reforma judicial do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e seus riscos para a democracia. No México, os protestos são contra as contestadas mudanças no sistema eleitoral impulsionadas pelo presidente Andrés Manuel López Obrador. Em países como Hungria e Polônia, os reveses no Estado de Direito causam dor de cabeça há anos na União Europeia.

De acordo com o levantamento anual de 2022 do World Justice Program, organização independente sediada nos Estados Unidos, 61% dos 140 países analisados registraram piora no cumprimento do Estado de Direito, e 39% viram melhorias. É o quinto ano consecutivo de saldo negativo e, ao todo, 4,4 bilhões de pessoas, ou 56% da população mundial, vivem em países onde houve deterioração. O Brasil ocupa o 81º lugar.

— A deterioração do Estado de Direito é definitivamente uma tendência — disse ao GLOBO Margaret Satterthwaite, relatora especial da ONU sobre a independência de juízes e advogados. — Vemos em muitos, muitos lugares o aumento da autocratização. Em alguns casos, o uso de poderes autoritários. Também a erosão da democracia.

Marcus André Melo* - Lula virou à esquerda?

Folha de S. Paulo

Aliança com líderes do centrão é compensada por esquerdismo na política externa e contra o Bacen

Na primeira reunião ministerial de seu governo, o presidente Lula reconheceu seu caráter hiperminoritário: "nós não mandamos no Congresso, nós dependemos dele". Mas durante a campanha, ele criticara Bolsonaro por ser "um bobo da corte": "Bolsonaro não manda nada, é refém do Congresso Nacional".

Por sua vez, na sabatina do Jornal Nacional, Bolsonaro ao ser questionado sobre sua dependência do Congresso, reagiu: "Bonner você está me estimulando a ser um ditador? O centrão são 300 deputados. Se eu deixar de lado vou governar com quem?".

Há assim forte continuidade nas relações Executivo-Legislativo determinada fundamentalmente pela alta fragmentação partidária. Mas as similaridades param aí. As estratégias são distintas e explicam a aparente virada à esquerda de Lula.

Bolsonaro iniciou seu governo rejeitando "a velha política", mas embarcou numa hiperdelegação de poderes ao Legislativo, na figura dos líderes das duas casas, que se materializou no orçamento secreto (OS): as emendas de relator (RP9) cresceram em detrimento dos recursos discricionários dos ministérios.

Angela Alonso* - Vinho sujo

Folha de S. Paulo

Desmonte da CLT em nome da modernização econômica açulou o escravismo

As joias árabes ofuscaram o vidro sujo das garrafas gaúchas. A última presepada do finado governo merece, sem dúvida, a escarafunchada. Mas o espetáculo nababesco da corrupção empanou a miséria do mundo do trabalho, com colares e relógios roubando a atenção do vinho avinagrado. Vinho lá do Sul, que, como as salsichas, ninguém perguntava como é feito.

Nos barris de carvalho, envelheceram bem ingredientes centenários, os do escravismo. A escravidão acabou na lei, mas se prolongou nas relações de trabalho. Isto souberam imigrantes que atravessaram o Atlântico enlatados na terceira classe de navios fétidos. Na chegada eram "contratados" para as lavouras. Aspas porque as condições de trabalho pouco distavam das escravistas, dadas as longas jornadas e a alimentação precária. A diferença seria o salário. Seria, porque em muitos casos se estabeleceu, desde o fim legal do trabalho compulsório, a prática flagrada agora entre os gaúchos. Funcionava singelamente: o contratante monopolizava o comércio de víveres e o que ali se ganhava ali mesmo ficava. A venda de João Romão, em "O Cortiço", detalhou em 1890, o processo que as notícias da semana passada recontaram.

Lygia Maria - Isto não é uma baleia

Folha de S. Paulo

Acusar o filme de Aronofsky de gordofobia é ignorar que a arte não é cartilha moral nem panfleto político

Em "A Traição das Imagens", de 1929, o belga René Magritte pintou um cachimbo com a frase "Ceci n'est pas une pipe" ("isto não é um cachimbo"). O aparente paradoxo é uma reação ao racionalismo que identifica a imagem de uma coisa como a coisa em si: a pintura de um cachimbo não é o cachimbo que foi pintado.

A mensagem é desconectar a arte do funcionalismo pedagógico, moral ou referencial (à realidade política e social). Uma pintura é um reino próprio, governado pelas próprias leis. A estética é a rainha.

Ana Cristina Rosa - Elemento suspeito cor padrão

Folha de S. Paulo

A responsabilidade por conter o racismo institucional é do Estado

O dia depois de amanhã merece atenção dos brasileiros antirracistas e interessados em transformar uma realidade que, mais do que injusta, é inconstitucional.

É que na quarta-feira (15) deverá ser retomado o julgamento sobre a validade de prova obtida em abordagem policial baseada na cor da pele.

As vítimas diretas dessa ilegalidade, como de praxe, são os negros. Mas numa sociedade que se pretenda justa e igualitária, é importante que todos desempenhem seu papel social.

Contudo, a responsabilidade por conter o racismo institucional é do Estado.

Bruno Carazza* - Normas que só funcionam quando tudo vai bem

Valor Econômico

Mais do que regras, precisamos de compromisso fiscal

No premiado livro “Adeus, Senhor Portugal”, Rafael Cariello e Thales Zamberlan Pereira realizam uma profunda pesquisa histórica que revela como uma crise fiscal e a elevação do custo de vida fustigaram a insatisfação social nas primeiras décadas do século XIX, acelerando o processo de independência do Brasil.

Fatalistas dirão que a irresponsabilidade orçamentária está no DNA brasileiro, pois ao longo dos últimos 200 anos convivemos com sucessivos governos que gastam mais do que arrecadam. Períodos de austeridade são tão raros que seus artífices imprimiram seus nomes em nossa história econômica, tal qual as parcerias Lennon & McCartney ou Roberto & Erasmo Carlos o fizeram na música popular.

O presidente Campos Salles e seu ministro da Fazenda, Joaquim Murtinho, corrigiram os excessos monetários nos primeiros anos da República renegociando as condições da dívida externa, contendo as emissões de moeda, cortando despesas e criando novos impostos. Ao provocar a valorização do mil-réis, despertaram a ira da tradicional elite cafeeira e também dos empresários da nascente indústria nacional.

Alex Ribero - Sacrifício para baixar a inflação pode ser maior

Valor Econômico

Banco Central quer saber se queda do crédito vai afetar a atividade econômica

Setores do mercado financeiro estão colocando as fichas num cenário de baixa dos juros pelo Banco Central tão cedo quanto maio. Não dá para descartar, a priori, essa possibilidade, porque muita coisa pode acontecer até lá, incluindo a apresentação de uma nova regra fiscal. Mas a aposta parece ter bases frágeis: a premissa é que o BC vai se assustar com a desaceleração do mercado de crédito e reduzir a taxa Selic.

Naturalmente, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central está de olho em mais do que a simples desaceleração do mercado de crédito para iniciar um eventual ciclo de distensão monetária. O foco é cumprir as metas oficiais de inflação. E há várias questões no caminho para saber se o temido “credit crunch” vai, de fato, ter efeitos para baixar a inflação.

Felipe Moura Brasil* - O trumpismo de Lula

O Estado de S. Paulo

Zanin não é o ‘único cara leal’ a Lula, que conta com um exército de amigos no meio jurídico

Nem Donald Trump indicou seu próprio advogado, o ex-prefeito Rudolph Giuliani, para a Suprema Corte dos EUA, como Lula cogita fazer com Cristiano Zanin para o Supremo Tribunal Federal do Brasil.

Mas o ex-presidente americano também cogitou a indicação, a julgar pelo livro Fogo e Fúria – Por dentro da Casa Branca de Trump, do jornalista Michael Wolff.

“Antes de escolher Neil Gorsuch, ele se perguntou por que o cargo não estava indo para alguém que fosse amigo e leal. Na visão de Trump, seria um desperdício dar o trabalho a quem ele nem conhecia”, narra o autor. O então presidente considerou “todos os seus amigos advogados, todos eles escolhas improváveis, se não peculiares”, mas “a única escolha improvável, peculiar e natimorta à qual ele sempre voltava era Rudy Giuliani”.

Denis Lerrer Rosenfield* - A ideologia petista

O Estado de S. Paulo

Já é hora de o governo do PT revisar suas posições, sob pena de produzir intolerância, instabilidade institucional, insegurança jurídica e a radicalização política

O que seja um governo de esquerda nos novos moldes petistas, diferente, por exemplo, do primeiro governo Lula ou o do presidente Fernando Henrique, parece ser uma fonte de desorientação dos novos governantes e líderes partidários. O que mais se sobressai são palavras vagas acerca da redução da desigualdade social, o que não caracteriza algo novo, pois até os liberais compartilham dos mesmos valores.

Talvez seja mais adequado atentarmos às políticas de esquerda no mundo e seus reflexos no País. Se observamos o discurso petista atual, sobressaem-se dois aspectos que, com certa dificuldade, entram em sintonia. Ora um ganha a frente, ora o outro, com os dois grupos frequentemente se contrapondo. De um lado, o discurso tradicional, de origem marxista, anticapitalista, contra a economia de mercado e a propriedade privada; de outro, a nova narrativa identitária, centrada em questões de gênero e de costumes em geral, embora essa última não seja tampouco exclusiva da esquerda, sendo compartilhada por liberais.

José Renato Nalini* - A quem serviu o terrorismo?

O Estado de S. Paulo

Só a má intenção, o dolo e a disforme concepção do que deva ser uma República civilizada podem aplaudir o desempenho dos desesperados do 8 de janeiro

Parecia pesadelo, mas era verdade. A invasão da turba irada nos edifícios que o mundo inteiro admira, mercê da criatividade de Oscar Niemeyer e Lúcio Costa, foi um episódio deplorável. O século 21 o guardará como evidência da insanidade, da verdadeira loucura que pode acometer o bicho-homem, quando fanatizado.

A quem teria servido esse miserável espetáculo?

Aos autores da façanha parece que a prisão, a perda da primariedade para aqueles que, eventualmente, ainda não tivessem praticado crimes, não é um fato abonador. Seguirse-á um processo criminal por infrações gravíssimas. Atentar contra a democracia, contra o Estado de Direito, contra as instituições, contra o patrimônio público. Terrorismo, hediondez evidente, a merecer adequada punição.

Mas também há os aspectos civis. Os prejuízos e danos perpetrados contra aquilo que é de todos, é do povo, embora de uso especial das autoridades eleitas ou no exercício de seus múnus, como é o caso dos ministros do Supremo Tribunal

Federal (STF), são algo com que não se pode transigir. Seja pelos fundamentos do Direito Penal, que é um ramo jurídico essencialmente sancionatório, seja pelo efeito dissuasório, para evitar que outros seres com anomalia mental sejam levados a condutas semelhantes.

Ricardo Henriques* - Investimentos sociais e qualidade dos gastos

O Globo

O aumento dos gastos sociais no início do novo governo reacendeu o debate macroeconômico frequentemente caracterizado, no Brasil, pela primazia das políticas fiscais restritivas diante do aumento da dívida pública. Por vezes, este debate é permeado por soluções frágeis ou com severas consequências, sobretudo em conjunturas de retração econômica provocadas por choques exógenos como a pandemia, por exemplo. Parte da solução para o equilíbrio entre a saúde fiscal e as necessidades da população passa pela qualificação do gasto público. Para isso, há dois instrumentos essenciais, mas incipientes aqui: monitoramento e avaliação.

Até temos políticas que, por circunstâncias específicas, passaram por esses processos (o Bolsa Família, por exemplo). No entanto, há tantas outras que nascem, vivem e morrem ou permanecem sem que saibamos se atingiram seus objetivos. Avaliações são centrais para aferir efetividade, bem como corrigir rumos da implementação, checar consistência das hipóteses e permitir ajustes de rota.

Para avançar, precisamos de um sistema institucional, técnico e político de avaliações estratégicas e periódicas da estrutura de gastos do governo. Uma prática que tem ganhado cada vez mais relevância, sobretudo em países desenvolvidos, chama-se Spending Review (revisão de gastos). Trata-se de um marcador institucionalizado de revisão frequente (não brusca), transparente e sistemático.

Antônio Gois - Não há saída fácil para o novo ensino médio

O Globo

Revisão, como propõem MEC e secretarias, exigirá respostas satisfatórias a problemas. Revogação teria que passar no Congresso, e precisaríamos debater o que colocar no lugar

Na semana passada, o MEC criou um grupo de avaliação e reestruturação da reforma do ensino médio, em meio a um debate opondo atores relevantes do campo educacional que pedem a revogação total da política e outros que defendem uma revisão. Seja qual for o resultado dessas discussões, o caminho não será fácil.

Os debates que, por vias tortuosas, resultaram no atual modelo começaram em 2012, no governo Dilma e na gestão de Aloizio Mercadante no MEC, quando foi criada no Congresso uma comissão para propor a reformulação desta etapa. Dali nasceu um projeto de lei de autoria do deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG). Era ainda debatido quando, em 2017, o governo Temer tomou a polêmica decisão de acelerar sua tramitação via Medida Provisória. A possibilidade de escolha de aprofundamento em cinco opções formativas foi mantida, mas pontos importantes, como partes relativas à carga horária e estrutura curricular, foram modificados na versão aprovada.

Miguel de Almeida - O espólio de Lula

O Globo

Política se faz com jogadas futuras, mesmo no Brasil, onde o passado é incerto

Mal começou o novo governo, e os tuítes da peremptória Gleisi Hoffmann revelam a disputa pelo espólio de Lula. É quase falta de educação. Não se sabe se de fato o presidente tentará um novo mandato, embora já tenha anunciado a ideia de buscar a reeleição. Como ensinam os manuais, justamente para não tomar café frio e evitar engolir mais sapos do Juscelino, pediu para continuar no jogo.

Pode ser truque de cena. Só que política se faz com jogadas futuras — mesmo no Brasil, onde o passado é incerto. Gleisi, sutil como Dilma Rousseff, já briga antes de chegar a sobremesa e, se deseja azedar Fernando Haddad, de outro lado se vê obrigada a colocar na mesa suas receitas de país. E é uma gororoba de sabor soviético, de cepa leninista-stalinista, misturada à visão de estadista de Guido Mantega com aromas geiselistas.

Washington Olivetto - Direitos Humanos Futebol Clube

O Globo

Após a derrota para o Uruguai em 1950, se acentuaram os preconceitos contra os goleiros negros, coisa que durou muitos anos

No ano de 1950, o negro Moacyr Barbosa, titular do Clube de Regatas Vasco da Gama, era considerado o melhor goleiro do Brasil.

Disputou o Mundial daquele ano no Brasil, em que a equipe brasileira — com craques como Zizinho, Ademir de Menezes e Jair Rosa Pinto — era a favorita da competição.

Realmente, o Brasil — que empatou com a Suíça por 2 a 2 e ganhou da Iugoslávia por 2 a 0, do México por 4 a 0, da Espanha por 6 a 1 e da Suécia por 7 a 1 — chegou à final esbanjando favoritismo.

Mas, como dizem os velhos ditados, na sua maioria muito chatos, e às vezes bastante verdadeiros, não dá para cantar vitória antes do tempo.

Dois dias antes do jogo final, políticos brasileiros de todos os estados visitaram a comissão técnica e os jogadores da Seleção Brasileira na concentração para se congratular e tirar fotos com eles. A imprensa nas suas manchetes já dava a equipe brasileira como grande vitoriosa do torneio. Aconteceram noitadas e festas antecipadas. Assim, o time brasileiro entrou em campo para o jogo contra a equipe do Uruguai totalmente desconcentrado e acabou perdendo.

Tomou uma virada, que ficou apelidada para sempre como Maracanazo.

Fernando Gabeira - Pra ficar tudo joia rara

O Globo

Primeiro, seria necessário apreender as joias que Bolsonaro levou com ele, porque entraram no país ilegalmente

O que fazer com as joias de R$ 16,5 milhões que Bolsonaro recebeu? Creio que haverá uma discussão sobre isto: guardar no acervo presidencial, leiloar como contrabando? Se conseguirmos responder à pergunta inicial, creio que tenho uma sugestão. A pergunta inicial é esta: foi mesmo um presente da Arábia Saudita?

Na primeira entrevista, meio trôpega, que deu ao SBT sobre o tema, Bolsonaro disse que era um presente dos Emirados Árabes. Pode ser que confunda os dois países, como se costuma fazer com Brasil e Argentina. A confusão de Bolsonaro pode ter contribuído para lançar suspeitas sobre o fundo Mubadala, que já comprou o Porto do Açu, metrô e uma estrada no Brasil e, recentemente, uma refinaria no Recôncavo Baiano.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Impostos sobre exportações são péssima ideia

O Globo

Empresas que produzem petróleo no Brasil já entraram na Justiça contra a criação do novo tributo

Quando o governo anunciou o imposto de 9,2% sobre as exportações de petróleo bruto de março a junho, era esperada reação nos tribunais. Não demorou. Na quarta-feira, Shell, Equinor, Petrogal, Repsol Sinopec e TotalEnergies entraram com pedido de liminar contra a cobrança na Justiça Federal. Outras empresas do setor avaliam fazer o mesmo. O PL entrou com Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo para suspender a cobrança.

Não se sabe o destino que a Justiça dará ao imbróglio, mas ele oferece uma boa oportunidade para entender por que taxar vendas ao exterior costuma ser péssima ideia. Por dois motivos. Primeiro, as exportadoras de petróleo se sentem prejudicadas por considerar o novo imposto uma quebra de contrato. Quando analisaram investir no Brasil, não havia imposto de exportação. Fizeram seu planejamento de resultados com base nessa realidade. Agora terão de entregar parte do que lucrarem no primeiro semestre ao governo (isso se o imposto temporário não virar permanente, como costuma acontecer).