O Estado de S. Paulo
No atual quadro político, há muita ‘guerra cultural’ e muita ênfase nas diferenças, mas falta uma ideia compartilhada de país
No ensaio Achieving Our Country, publicado
em 1998, o filósofo norteamericano Richard Rorty traçou um ponderado roteiro
para “ir ao encontro” dos Estados Unidos e recuperar o país como um lugar em
que valeria a pena viver, com liberdade e respeito a todos.
Rorty valorizava as grandes conquistas obtidas pelas plataformas progressistas de reconhecimento identitário e de combate a estigmas e preconceitos, que revolucionaram a sociedade norte-americana. Surgida nos anos 1960 em oposição à esquerda tradicional, a nova esquerda enveredou por uma trilha que encorpou a luta pelos direitos civis e alargou a dimensão jurídica e constitucional dos Estados Unidos. Oxigenou o país. Aos poucos, porém, foram sendo deixados de lado os temas econômicos e sociais. A opção terminou por secundarizar os problemas derivados da globalização e da reestruturação do capitalismo. No mesmo período em que o “sadismo socialmente aceito” diminuía, afirmou Rorty, a desigualdade e a insegurança econômicas aumentavam sem cessar. A esquerda, em vez de atacá-los, permaneceu agarrada à crítica cultural dos estigmas. Com isso, “perdeu” o país e contribuiu para impulsionar uma dramática fragmentação social e política, que complicou a dinâmica democrática.