sábado, 27 de maio de 2023

Marco Aurélio Nogueira* - Identitarismo como avanço e como problema

O Estado de S. Paulo

No atual quadro político, há muita ‘guerra cultural’ e muita ênfase nas diferenças, mas falta uma ideia compartilhada de país

No ensaio Achieving Our Country, publicado em 1998, o filósofo norteamericano Richard Rorty traçou um ponderado roteiro para “ir ao encontro” dos Estados Unidos e recuperar o país como um lugar em que valeria a pena viver, com liberdade e respeito a todos.

Rorty valorizava as grandes conquistas obtidas pelas plataformas progressistas de reconhecimento identitário e de combate a estigmas e preconceitos, que revolucionaram a sociedade norte-americana. Surgida nos anos 1960 em oposição à esquerda tradicional, a nova esquerda enveredou por uma trilha que encorpou a luta pelos direitos civis e alargou a dimensão jurídica e constitucional dos Estados Unidos. Oxigenou o país. Aos poucos, porém, foram sendo deixados de lado os temas econômicos e sociais. A opção terminou por secundarizar os problemas derivados da globalização e da reestruturação do capitalismo. No mesmo período em que o “sadismo socialmente aceito” diminuía, afirmou Rorty, a desigualdade e a insegurança econômicas aumentavam sem cessar. A esquerda, em vez de atacá-los, permaneceu agarrada à crítica cultural dos estigmas. Com isso, “perdeu” o país e contribuiu para impulsionar uma dramática fragmentação social e política, que complicou a dinâmica democrática.

Lourdes Sola e Eduardo Viola* - Fundamental convergência com as democracias

O Estado de S. Paulo

Emergência clara das dimensões políticas e ideológicas do alinhamento com Rússia e China erodiu dramaticamente o capital político de Lula no Ocidente coletivo

Na avaliação da política externa, a tradição dominante entre analistas brasileiros é dar pouca relevância à questão dos regime políticos. Seguem uma abordagem neorrealista, conforme a qual os Estados têm interesses permanentes derivados de sua geografia, história e identidade cultural. Sem negar a relevância dessas dimensões, nosso argumento vai na direção oposta: os interesses dos Estados variam segundo os regimes políticos e os governos, e segundo as transformações da economia política mundial.

A invasão russa da Ucrânia consolidou um forte componente de guerra fria entre as democracias do “Ocidente coletivo” (que inclui Japão, Coreia do Sul, Taiwan, Austrália e Nova Zelândia) e o bloco autocrático (com China, Rússia, Irã e Coreia do Norte). Esse confronto delineia-se desde 2015, mas o traço que define a guerra fria é mais recente: cada bloco vê o outro como ameaça existencial. Está em pleno curso o desacoplamento entre ambos no referente à alta tecnologia e, particularmente, à tecnologia de uso dual (civil e militar).

Dora Kramer - Articulação decorativa

Folha de S. Paulo

Palacianos da política não se mexeram nas derrotas do governo Lula

O governo mal experimentou o gosto da fortuna e já voltou à trilha dos infortúnios. Quarta-feira (24) era dia de faturar o caminhão de votos na aprovação do novo marco fiscal na Câmara, mas o que se viu foi o embarque em duas batalhas perdidas: perdeu para o centrão e adiante vai perder no embate com a ministra Marina Silva (Meio Ambiente).

O êxito no dito arcabouço não foi obra do Palácio do Planalto, sabemos. Foi resultado da junção do realismo do ministro Fernando Haddad (Fazenda) com a esperteza do presidente da Casa, Arthur Lira.

Mesmo assim, o ambiente se prestava ao bater de bumbos. Seria um respiro, mas não deu tempo —o desacerto se impôs.

Alvaro Costa e Silva - Flávio Dino, o vingador

Folha de S. Paulo

Protagonismo do ministro da Justiça incomoda oposição e até aliados do governo

Se Lula fosse Bolsonaro, o provável é que, a esta altura, Flávio Dino estaria sendo fritado ou teria perdido o cargo. Pois já se fala no ex-governador do Maranhão como candidato à Presidência em 2026. Além da exposição midiática, Dino tem no momento o protagonismo de ações, o que era proibido de ocorrer no antigo governo, centralizado na figura de um soba.

No tempo do capitão, quem se destacasse a ponto de virar um concorrente estava condenado. Luiz Henrique Mandetta saiu do Ministério da Saúde não só por discordar da política de combate à pandemia mas também por aparecer, numa pesquisa de 2020, como terceira opção de voto, atrás de Bolsonaro e Lula. Representado nas manifestações da direita por um enorme boneco do Super-Homem, Sergio Moro foi escorraçado do Ministério da Justiça.

Hélio Schwartsman - Tempos modernos

Folha de S. Paulo

Avanços tecnológicos exigem que recalibremos nossas crenças

mentira precede a linguagem humana. Basta olhar para fenômenos biológicos como o mimetismo e a camuflagem para concluir que o engodo é parte indissociável da natureza. E, embora o logro nos assombre desde sempre, nossos cérebros operam como se as informações que obtemos em nossas interações com outros humanos fossem verdadeiras. Os psicólogos chamam essa tendência de viés de verdade.

São duas as razões principais pelas quais o viés de verdade se estabeleceu. Nossos semelhantes de fato nos municiam com mais declarações verdadeiras do que falsas (ou a linguagem seria inútil e nem existiria), e duvidar de tudo, à maneira de Descartes, teria um custo cognitivo proibitivo. Lidamos com o problema das inverdades assumindo os discursos alheios como em princípio corretos, mas nos reservando o direito de desconfiar quando há elementos para isso.

Alvaro Gribel - Incerteza criada na hora errada

O Globo

O pacote automotivo anunciado pela metade e às pressas pelo governo Lula na quinta-feira criou uma incerteza fiscal no momento errado. Coube ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ontem, enfatizar em entrevista à GloboNews que o programa é temporário e terá duração de “poucos meses”. Ainda assim, a medida é inoportuna. As falas de Roberto Campos Neto esta semana e o dado positivo do IPCA-15 de abril foram vistos pelo mercado financeiro como a abertura de uma enorme fresta para o início do corte de juros na reunião do Copom de agosto. Isso se refletiu na curva de juros, ou seja, na compra e venda de papéis pelos investidores nas mesas de negociação dos bancos. O mercado passou a “precificar” em mais de 50% a chance de o BC iniciar a redução da Selic daqui a três meses. Tudo que a autoridade monetária não precisava era de uma conta em aberto de gastos para incentivar o setor automotivo.

Eduardo Affonso - Marshall, Monroe e Lula

O Globo

Se tudo der errado, pode-se ter de volta não o possivelmente inelegível Bolsonaro, mas alguém da mesma estirpe

Grandes estrategistas mudam o rumo da História. Na Segunda Guerra, George Marshall Jr. reestruturou o Exército americano, comandou os aliados e articulou a invasão da Normandia. Ganhou a guerra e, de quebra, o Nobel da Paz. Secretário de Estado no governo Truman, idealizou o Plano Marshall, que acelerou a reconstrução da Europa — com direito a uma turbinada no capitalismo e à contenção da “ameaça comunista”.

No Brasil convalescente da pandemia e da (indi)gestão bolsonarista, o que temos é o Plano Lula: retomada da indústria naval (para tirar estaleiros — e seus donos — da recuperação judicial), incentivos à indústria automobilística (para produzir carros “populares” de R$ 60 mil) e investimentos na extração de combustíveis fósseis (energia limpa, para quê?).

Já vimos esse roteiro nas temporadas 1 e 2 de “Lula Paz e Amor” e nos spin-offs “Dilma 1” e “Dilma 2”. O que “Lula 3, O amor venceu” traz de novidade é o cenário: num mundo voltado para a tecnologia, a eficiência e a sustentabilidade, tudo isso soa caduco.

Pablo Ortellado - Carro ‘popular’ é política pública ruim

O Globo

Está na hora de o presidente deixar de lado seu mundo ideal dos anos 1970

A semana que passou foi de seguidas más notícias para o meio ambiente. A estrutura do Ministério do Meio Ambiente foi desmontada (e o governo não se moveu para preservá-la), uma decisão técnica do Ibama contrária à exploração de petróleo na Bacia da Foz do Rio Amazonas foi criticada por Lula, e o governo decidiu que implementará mesmo uma política de subsídios para o carro “popular”. Por trás dos três episódios, o mesmo velho modelo de desenvolvimento industrial dos anos 1970, que vê a preservação ambiental como óbice para a prosperidade econômica.

A visão de mundo de Lula parece amparada em sua experiência como trabalhador industrial. O ideal que Lula deixa transparecer nos discursos é que o Brasil se transforme numa democracia social em que o trabalhador médio tenha casa própria e um carro popular — mais ou menos como ele tinha quando era um jovem operário na Grande São Paulo dos anos 1970.

Carlos Alberto Sardenberg - Eles querem o petróleo

O Globo

É preciso ter uma sólida convicção ambientalista para desistir dessa que era a grande riqueza do século passado

Há meio PIB brasileiro depositado na nossa Margem Equatorial. Encontram-se ali, numa boa estimativa, 15 bilhões de barris de petróleo. A US$ 70 o barril, temos US$ 1,05 trilhão, ou cerca de R$ 5 trilhões — metade do valor de tudo que se produziu no Brasil no ano passado. Meio PIB.

Claro que seria um dinheiro obtido ao longo de anos de exploração, mas também seria preciso acrescentar o valor dos investimentos a fazer nos estados — instalação de bases terrestres e marítimas, portos e aeroportos, aquisição de barcos e aviões. E empregos numa região, incluindo o Norte e parte do Nordeste, bastante pobre.

João Gabriel de Lima* - Um país em busca de sua primavera

O Estado de S. Paulo

Kilicdaroglu é a esperança dos turcos que anseiam por um governo minimamente normal

Na primavera, a vida noturna da Rua Istklal e a movida cultural do bairro de Kadikoy atingem seu pico. A maioria dos moradores de Istambul, metrópole vibrante encravada entre a Europa e a Ásia, deverá votar amanhã contra Recep Tayyip Erdogan nas eleições presidenciais turcas. “Quem perde Istambul perde a Turquia”, disse certa vez Erdogan. Talvez, no entanto, ele esteja errado – infelizmente.

Apesar dos indicadores catastróficos – mais de 80% de inflação anual, derretimento da lira turca e negligência do governo num terremoto que deixou 50 mil mortos –, a vitória do oposicionista Kemal Kilicdaroglu não é certa. As pesquisas preveem equilíbrio no segundo turno entre ambos, na eleição que a revista britânica The Economist define como “a mais importante do ano”, pela oportunidade de apear um governante despótico de uma das mais populosas democracias do planeta.

Adriana Fernandes - Apertando os botões

O Estado de S. Paulo

A Câmara apertou, e o Senado deve apertar mais um pouquinho para deixar sua marca na regra fiscal

Ao final da semana da aprovação do projeto do arcabouço fiscal pela Câmara, as telas dos computadores dos analistas do mercado financeiro apontavam taxas de juros para setembro de 2024 em 9,89%. Praticamente quatro pontos porcentuais de corte em pouco mais de um ano.

O otimismo tomou conta do mercado porque o projeto foi aprovado com surpresas de última hora que apertaram os botões, dando mais instrumentos para obrigar o governo a segurar a fome política por elevar os gastos.

A “surpresa” garantiu ganho a valor presente do impacto da votação da nova regra para os preços do mercado. E ela veio pela votação dos deputados com o placar elevado de 372 votos.

Andrea Jubé - Crise remete ao passado, mas é mais grave para Lula

Valor Econômico

Crise atual envolve questões mais sensíveis, muito além do embate entre ambientalistas, agronegócio e ministros da área de infraestrutura

A crise envolvendo a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, o Centrão e o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva é a “crônica de uma morte anunciada” nas palavras de uma fonte credenciada do Executivo. A turbulência evoca episódios protagonizados pela ministra nas gestões Lula 1 e 2, que culminaram na saída dela do governo em 2008.

Porém, ao contrário do que ocorreu no passado, a crise atual envolve questões mais sensíveis, muito além do embate entre ambientalistas, agronegócio e ministros da área de infraestrutura. Desta vez, a sucessão de reveses implica, simultaneamente, o mau humor de um Congresso predominantemente de direita, que perdeu privilégios como o “orçamento secreto”, e se ressente diante de um governo de esquerda, que atrasa o pagamento de emendas e a nomeação de cargos para atender aliados.

Sergio Lamucci - Resultado traz cenário um pouco mais favorável

Valor Econômico

Indicações são de que os juros altos estão fazendo mais efeito sobre a dinâmica dos preços

resultado do IPCA-15 de maio surpreendeu para baixo. Subiu 0,51%, bem abaixo do 0,64% do consenso do Valor Data, e perdendo fôlego pelo terceiro mês seguido – em abril, tinha avançado 0,57%. O número mostrou um cenário um pouco mais favorável para a inflação, embora a abertura do indicador aponte para um quadro não tão benigno, como fica claro nos núcleos e no caso dos serviços que mais respondem ao ciclo econômico.

Em 12 meses, o IPCA-15, a prévia da inflação oficial, passou de 4,16% em abril para 4,07% em maio, a menor variação desde outubro de 2020 nessa base de comparação. Esse número, vale lembrar, ainda carrega a influência dos cortes de impostos promovidos no segundo semestre de 2022, que derrubaram os preços de combustíveis e energia elétrica.

José de Souza Martins* - Arthur Bispo do Rosário, arte e loucura

Eu & / Valor Econômico

No centenário da Semana de 1922, o preconceito presidiu a minimização da competência dos autores que não representavam a euforia festiva dos bem nascidos nem do grupo dos considerados normais

Encerrou-se no dia 20 de maio, na sala da America’s Society, em Nova York, a exposição do artista plástico brasileiro Arthur Bispo do Rosário “Bispo do Rosario: All Existing Materials on Earth”. Obras do artista foram apresentadas algumas ocasiões no Brasil. Tive oportunidade de conhecer algumas delas na exposição de “Imagens do Inconsciente”, na Mostra do Descobrimento, no Parque Ibirapuera, em São Paulo, nas comemorações do quinto centenário da descoberta do Brasil.

Ainda estamos nos momentos residuais do clima das comemorações da Semana de Arte Moderna, realizada no Theatro Municipal de São Paulo em fevereiro de 1922. Mas surpreende que não se tenha aproveitado a efeméride para incluir no rol dos eventos comemorativos a celebração da obra dos autores brasileiros que na literatura, na pintura, na escultura deram há cem anos, em diferentes lugares do Brasil, contribuições decisivas para o que foi a explosão do modernismo entre nós.

Marcus Pestana* - A importância das Instituições Fiscais Independentes

A vida é feita de ciclos. Comecei ainda jovem a me interessar pela vida pública, particularmente em torno de três temas: democracia, economia e educação. Participei intensamente do movimento estudantil que renascia. Aos 22 anos, me elegi vereador à Câmara Municipal de Juiz de Fora. Foram 36 anos de vida pública no Executivo e no Legislativo. Paralelamente, fui professor de economia da UFJF.

Ocupei diversos cargos executivos nas esferas municipal, estadual e federal. O acumulo de experiência foi essencial para o exercício dos dois mandatos como deputado federal.

Em 2019, ao ser convocado para reassumir o mandato, preferi abrir mão, dando por encerrado o ciclo de vida parlamentar e levar à frente a experiência junto à iniciativa privada como consultor, o que perdurou até aqui, em 2023.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

STF tem de definir quanta droga torna alguém traficante

O Globo

Erro na Lei Antidrogas contribui para explosão da população carcerária. Passou da hora de corrigi-lo

Está na pauta do STF o julgamento da ação questionando a constitucionalidade do artigo da Lei Antidrogas que criminaliza o porte para consumo pessoal. Uma demonstração da dificuldade para tratar de questão tão relevante é que ele se arrasta há oito anos. Espera-se que desta vez os ministros concluam a votação, determinando que portar pequenas quantidades de entorpecentes não é crime.

O caso analisado envolve um detento condenado por ter sido flagrado com apenas 3 gramas de maconha na prisão. A ação foi movida pela Defensoria Pública de São Paulo, para quem o artigo viola os princípios constitucionais de intimidade, vida privada, honra e autodeterminação. Pela legislação em vigor, é crime “adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou trazer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal”, não importando a quantidade. É uma formulação absurda, já que mesmo quem usa maconha com fins medicinais viola essa lei.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Amar

 

Música | Paulinho da Viola - Quem é do mar, não enjoa