quarta-feira, 31 de maio de 2023

Vera Magalhães – O passado é uma roupa que não nos serve

O Globo

Presidente brasileiro teve de ouvir, ‘em casa’, pitos dos presidentes do Uruguai, Luis Lacalle Pou, e do Chile, Gabriel Boric

Em poucas áreas o governo Lula dá tantos sinais de envelhecimento de ideias quanto em política externa. Aguardado por governos do mundo todo e de diferentes matizes políticos com a expectativa de uma nova fase de inserção global do Brasil graças às novas diretrizes, sobretudo concernentes à política ambiental, o presidente decidiu tomar o caminho, também nesse front, de revisitar um passado que a ele parece mais glorioso que aos que olham de fora. O resultado tem sido frustração e um grande grau de constrangimento.

Depois do vaivém retórico relativo à possibilidade, nunca transformada num plano de ação factível, de que o Brasil liderasse um grupo de países para buscar o fim da guerra da Rússia contra a Ucrânia, que teve no desencontro com Volodymyr Zelensky no Japão um último capítulo meio pastelão, Lula resolveu usar uma cúpula de que era anfitrião para lustrar a biografia de Nicolás Maduro e reescrever a História atual da Venezuela, produzindo justamente aquilo que apontou nos críticos ao ditador vizinho: uma narrativa falsa.

Luiz Carlos Azedo - Lacalle e Boric deixaram Lula numa saia justa

Correio Braziliense

Ao tratar o regime autoritário da Venezuela como uma “narrativa”, o que colocou a democracia em segundo plano, Lula desnudou o ponto fraco de sua política externa: afastar o Brasil dos EUA

É preciso ter cuidado para não jogar a criança fora com a água da bacia. A reunião dos presidentes sul-americanos, oito anos após o colapso da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), ontem, em Brasília, foi um passo importante para a integração dos países do subcontinente, num momento de reestruturação das cadeias globais de valor e de uma mudança importante na conjuntura política mundial, na qual a centralidade da democracia está se impondo no Ocidente.

O erro político do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao tratar o regime autoritário da Venezuela como uma “narrativa”, o que colocou a democracia em segundo plano, ofuscou a relevância do encontro e desnudou o ponto fraco de sua política externa: a busca de alianças que podem afastar o Brasil dos Estados Unidos. Os presidentes do Uruguai, o conservador Luis Lacalle Pou, e do Chile, Gabriel Boric, de esquerda, criticaram a fala de Lula e, duramente, a falta de democracia e violações aos direitos humanos na Venezuela.

Bernardo Mello Franco – Lula precisa ler Bachelet

O Globo

Presidente teve chance de se corrigir, mas insistiu em negar fatos para defender Maduro

Gabriel Boric tem 37 anos. É o presidente mais jovem da América do Sul. Quando nasceu, em fevereiro de 1986, Lula já iniciava sua segunda campanha. Nove meses depois, seria eleito o deputado mais votado da Assembleia Constituinte.

A julgar pela experiência de cada um, o brasileiro teria lições a dar ao chileno. Não foi o que ocorreu na cúpula de ontem em Brasília. Diante de uma dúzia de chefes de Estado, Boric desmontou o discurso de Lula sobre a Venezuela. Ao fim do encontro, resumiu a questão em oito palavras: “Não é uma construção narrativa. É uma realidade”.

Elio Gaspari - Hoje o STF dirá a pena de Collor

O Globo

Aos 73 anos, o ex-presidente e ex-senador Fernando Collor poderá ser condenado a uma pena de algo entre sete e nove anos de cadeia em regime fechado, com direito a alguns recursos. Se dependesse do ministro Edson Fachin, seriam 33 anos, dez meses e dez dias. Nessa conta, Collor seria libertado com 107 anos.

Desde a semana passada, quando o tribunal condenou-o por malfeitorias praticadas como senador, entre 2010 e 2014, calcula-se a dosimetria da pena. Esse caso nada tem a ver com o período em que Collor ocupou a Presidência e dela afastou-se em 1992. Esse processo, onde se detalhava o aparelho corrupto de seu governo, foi mandado ao arquivo pelo mesmo Supremo Tribunal Federal.

Decisão judicial não se discute, mas balbúrdia não se entende. As acusações contra Collor vieram da falecida Operação Lava-Jato, com suas delações premiadas. Passaram os anos, um cidadão folheia o jornal e, nas páginas pares, a turma do juiz Sergio Moro é ré. O então procurador Deltan Dallagnol perdeu o mandato de deputado federal. Nas ímpares, é símbolo do combate à corrupção, permitindo a condenação de Collor. Votando pela absolvição do ex-senador, o ministro Gilmar Mendes recusou-se a sentenciá-lo porque as acusações vieram de delatores, inclusive de delinquentes confessos.

Zeina Latif - Duas histórias de construção institucional


O Globo

Regras fiscais precisam estar acompanhadas de compromisso de governantes com as contas públicas e com reformas

As políticas fiscal e monetária se entrelaçam, mas têm histórias de construção institucional diferentes no Brasil, com atraso do lado fiscal e maior solidez do lado monetário. Não há sinalização de mudança desse quadro, em ambos os lados.

A autonomia do Banco Central (BC) não se resume à aprovação do projeto de lei complementar em 2021. Ainda que um passo essencial, não é suficiente, pois leis podem ser revogadas, como foi o caso da autonomia do BC em sua criação, em 1964. A diferença agora é que a lei decorreu de uma longa construção institucional, desde a redemocratização. Assim, sua reversão é pouco provável.

Um primeiro passo para autonomia foi acabar com a conta-movimento entre o Banco do Brasil e o BC, o que implicava repasses automáticos de recursos para financiamento de políticas públicas. Era um desenho que não provia o BC de instrumentos para exercer sua função de controle monetário.

Wilson Gomes* - Por que importa a liberdade de expressão?

Folha de S. Paulo

Não há pensamento livre se não pudermos dizer o que pensamos

Diante das escaramuças constantes entre os que defendem ou atacam a liberdade de expressão, a tentação é sempre responder: faça o que acha que tem que fazer, mas pelo menos use argumentos de melhor qualidade. Afinal, quem ainda aguenta receber, à guisa de argumento final, o meme com a falsa citação de Voltaire: "Eu discordo do que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo"? Jura? Devo morrer para que você diga, p. ex., que vacina causa autismo e, com isso, mate outras tantas pessoas?

E quem ainda confia na crença numa tal de "liberdade absoluta de expressão" defendida por quem, na semana passada, estava perseguindo autores, fechando exposições, proibindo filmes e removendo posts?

Numa época em que grupos ideológicos fazem vertiginoso revezamento entre uma defesa intransigente da liberdade de fala e a gritaria furiosa por "remova, interdite, cale-se", parece que todas as justificativas à liberdade de expressão não passem de argumentos de conveniência política sem qualquer princípio que as sustente. Não é verdade. Há algumas boas razões pela liberdade de expressão, assim como há argumentos para sustentar que a limitação de certos tipos de discurso é compatível com a democracia liberal. Apresentarei os primeiros hoje, prometendo voltar para falar sobre discurso de ódio na próxima semana.

Bruno Boghossian - O falso atalho para a Venezuela

Folha de S. Paulo

Petista acerta ao liderar reabilitação da Venezuela, mas mancha processo ao tratar violações como ilusão

O presidente Lula foi mais generoso com Nicolás Maduro do que o candidato Lula. Na campanha, o petista reclamava das sanções impostas ao regime venezuelano, mas driblava os críticos do ditador ao reconhecer os benefícios da alternância de poder. "Desejo para a Venezuela e para todos os países. Não há presidente insubstituível", disse, em agosto.

No Planalto, Lula deixou a concessão de lado. Ao receber Maduro, o brasileiro ignorou as violações democráticas do venezuelano, pintou o companheiro como vítima de "uma narrativa" e agraciou o regime com uma absolvição: "Nossos adversários vão ter que pedir desculpas pelo estrago que fizeram na Venezuela".

Mariliz Pereira Jorge - Lula tapa o sol com a peneira

Folha de S. Paulo

Lula pediu que fosse cobrado; pois vamos cobrá-lo

Ao ver Lula e Maduro na maior confraternização, não há como não pensar: cadê um amigo para dar um toque? Não tem. Apoiadores e aliados políticos tratam o presidente como uma criança mimada que não deve ser contrariada. Imaginam que, com o silêncio, conseguem falsear apoio irrestrito do eleitorado às ações do presidente, quando, de fato, servem de trampolim para que ele se jogue na fogueira.

Lula, por sua vez, usa a Presidência em situações delicadas para fazer seu próprio cercadinho para o militante incondicional. Sabemos o que acontece com quem governa assim. Não pegou bem nem entre os líderes no encontro de sul-americanos. O uruguaio Luís Lacalle Pou, por exemplo, estranhou o encontro bilateral antecipado e o endosso de Lula de que a crise democrática na Venezuela é "narrativa": "É tapar o sol com a mão", disse Pou.

Vinicius Torres Freire - Lula, Ucrânia, Venezuela e ambiente

Folha de S. Paulo

Acossado no front doméstico do Congresso, Lula ainda comete disparates internacionais

Apesar dos delírios de grandeza de Lula 3, não há hipótese de seu governo ser capaz de fazer algo que preste pelo fim da guerra da Rússia contra a Ucrânia. O Brasil mora longe, é mal pago, não tem dinheiro ou armas.

Haveria chance pequena de fazer algo pela Venezuela. Por exemplo, um acordo de líderes regionais para elaborar um plano de transição no país vizinho. Não costuma dar certo, mas é o que temos. Além do mais, a maioria da América Latina está mal das pernas, para variar, em crises mais ou menos graves na economia e em surtos de burrice e violência, recorrentes. Mas, pelo menos, poderia ser uma alternativa ao projeto cruel e fantasista dos Estados Unidos de entregar o país à direita lunática e de matar os venezuelanos de fome.

Vera Rosa - Lira quer a cabeça de Renan Filho

O Estado de S. Paulo

Presidente da Câmara está inconformado com ataques de Calheiros e impõe derrota a governo

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), mandou um duro recado, na noite desta segunda-feira, ao Palácio do Planalto: quer a demissão do ministro dos Transportes, Renan Filho (MDB). Lira ficou furioso com um tuíte do senador Renan Calheiros (MDB-AL), que é seu adversário político e pai do ministro. Na postagem, Calheiros escreveu que Lira é “caloteiro”, “desvia dinheiro público” e “bate em mulher”.

Inconformado com os ataques, o presidente da Câmara avisou os articuladores políticos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que, enquanto Renan Filho não sair, a vida do governo na Câmara ficará ainda mais difícil. Em público, porém, Lira nega a ameaça. “Não pedi a cabeça de ninguém, mas quero respeito”, afirmou. “O problema do senador é psiquiátrico.” As acusações de violência doméstica que pesam contra Lira foram rejeitadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Lu Aiko Otta - Agenda Haddad na corrida de obstáculos

Valor Econômico

Há momentos em que decisões de Lula parecem contraproducentes para o próprio governo

Não é de hoje, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem atropelado a agenda do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Chefe tem esse direito. Mas há momentos em que essa prática parece contraproducente para o próprio governo.

O caso do incentivo fiscal ao consumo de automóveis é um exemplo. Para socorrer as montadoras, que amargam uma taxa de ociosidade de 50%, o governo aceitou dar descontos no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e nas contribuições PIS/Cofins, que somarão entre 1,5% e 10,96%.

Abrir mão de receitas não parece boa ideia nesse momento. A principal dúvida do mercado em relação ao novo arcabouço fiscal é se ele será capaz de entregar o prometido, pois para isso será necessário elevar fortemente a arrecadação. A ajuda às montadoras vai na direção contrária.

Fernando Exman - Entre a teoria e a prática da articulação política

Valor Econômico

Até agora contida, a reação da ministra Marina Silva ao esvaziamento da pasta do Meio Ambiente é um contundente sinal de que o governo passa, enfim, a reconhecer em público as limitações de sua base de sustentação no Congresso.

Em teoria, interlocutores do governo ponderam que o Executivo mantém uma boa margem de manobra na Câmara. Mas precisará calibrar a estratégia de interlocução com os deputados para usufrui-la e virar o jogo. Afinal, a “frente ampla” que reconduziu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Palácio do Planalto ainda não se replicou em uma aliança congressual sequer capaz de manter o texto de uma medida provisória.

Bruno Carazza - Três partidos ajudam a passar a boiada do marco temporal

Valor Econômico

Maioria da Câmara dos Deputados é contrária à agenda ambiental, revela levantamento

Minha conta é imprecisa, porque o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deixa a critério dos próprios candidatos preencherem a sua declaração de bens e a classificação feita pelos servidores do Judiciário não traz os detalhamentos necessários. Segundo o meu levantamento, porém, dos 513 deputados federais eleitos em 2022, pelo menos 449 (87,5%) são proprietários rurais.

A conta foi feita levando em consideração apenas aqueles que declararam possuir fazendas, sítios, chácaras, glebas de terras, tratores, colheitadeiras, cabeças de gado, cavalos e afins – e não investigou sua participação em empresas agropecuárias.

Obviamente trata-se de uma medida aproximada, pois há uma grande diferença entre um deputado que possui um pequeno sítio para passar o final de semana e outro que seja um grande produtor de soja. Da mesma forma, ser proprietário rural e defender a sustentabilidade ambiental ou a instituição de reservas indígenas não são necessariamente características e posturas antagônicas.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Improvisos e indefinições no caminho do carro popular

Valor Econômico

Incrível que um governo que diz pretender colocar a agenda verde no centro de seu planejamento tente ressuscitar uma má ideia em circunstâncias tão inoportunas

O programa de incentivo ao carro popular foi ajeitado às pressas, sabe-se lá com que finalidade, e parece ter nascido morto. Ele foi concebido sem que se definam contrapartidas de receitas para a redução de impostos, que também não foram definidos - os mais cotados são IPI e PIS-Cofins, mas o IOF no crédito pode ser incluído. Mesmo com os descontos nos preços, os automóveis populares, ainda que passem a custar um pouco abaixo dos R$ 60 mil, continuarão inacessíveis. Eles seguirão três condicionantes, o que torna impossível estimar seu custo a priori. A conta dos especialistas varia de R$ 2 bilhões a R$ 8 bilhões, enquanto a do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, fala em menos de R$ 1 bilhão. Os detalhes do plano, anunciado na semana passada, serão divulgados em 15 dias, mais um caso de uma ideia (ruim) anunciada, correndo depois atrás do dinheiro, que não se sabe se existe.