sábado, 17 de junho de 2023

Oscar Vilhena Vieira* - De volta aos trilhos

Folha de S. Paulo

Postura militante da corte deve refluir para ser menos interventiva

A democracia brasileira muito deve ao Supremo e a Alexandre de Moraes. Difícil imaginar onde estaríamos se à frente dos inquéritos que investigam atos antidemocráticos, e do próprio processo eleitoral, tivéssemos um juiz mais contemporizador, que imaginasse poder alimentar o crocodilo na expectativa de ser o último a ser engolido, para parafrasear Winston Churchill.

O fato é que a democracia saiu da zona de risco existencial. Voltou aos trilhos. As ameaças que vinham do centro do poder, pois perpetrados pelo próprio presidente da República, comandante máximo das Forças Armadas, não mais existem. Não se nega que grupos golpistas e bolsonaristas ressentidos ainda estejam por aí, exalando autoritarismo. Mas os riscos impostos por esses radicais são muito distintos daqueles impostos por um presidente extremista.

Nesse sentido, a postura militante do Supremo deve refluir para uma atitude menos interventiva. É fundamental que o tribunal tome cuidado para não estabelecer precedentes que, no futuro, ameacem o próprio debate democrático.

A democracia constitucional é um regime superior aos demais exatamente por essa sua capacidade de assegurar que visões distintas de mundo possam conviver, ainda que em forte tensão, desde que não transborde em violência. A liberdade de expressão serve exatamente para proteger discursos impróprios. Para habilitar que o conflito não fique escamoteado e reprimido, mas que ganhe a luz do dia; até para que saibamos o que pensam os nossos adversários.

Dora Kramer - Direita identitária

Folha de S. Paulo

Governo vai colecionar derrotas enquanto ignorar o novo ambiente congressual

As chamadas jornadas de junho de 2013 ainda são, dez anos depois, um enigma a ser perfeitamente desvendado. O assunto é complicado mesmo, pois, embora a gênese tenha sido a insatisfação do público pagante de impostos, os efeitos são vários e seguem em processo de compreensão.

Já a razão pela qual o país transitou de um presidencialismo de coalizão para uma rotina de colisões entre os Poderes Executivo e Legislativo não é um mistério tão difícil assim de ser elucidado. As causas não são ocultas, e as consequências, evidentes.

No Parlamento predomina uma visão de mundo diferente daquela preponderante no Palácio do Planalto e área de influência. Não é um dado novo e, em governo eleito por um triz, cenário mais que esperado.

Alvaro Costa e Silva - O reizinho Arthur Lira

Folha de S. Paulo

Presidente da Câmara está de olho grande nas verbas da Saúde

Em 2021, quando o general Eduardo Pazuello deixou o Ministério da Saúde, suspeito de crimes, investigado pela Polícia Federal e com o país batendo recorde de mortes na pandemia de Covid, o governo Bolsonaro já brincava de ciranda com o centrão. Olho grande, Arthur Lira tentou impor um apaniguado para comandar a pasta (quer dizer, as verbas da pasta), o deputado federal Dr. Luizinho, que agora ressurge como indicação do presidente da Câmara para substituir a ministra Nísia Trindade.

Mesmo pressionado, o ex-presidente resistiu. Queria alguém com o perfil de Pazuello, um cumpridor de ordens que não o desautorizasse, como fizera Luiz Henrique Mandetta nas ações de combate ao coronavírus. Escolheu Marcelo Queiroga, mais bolsonarista do que médico. Resta saber o que o atual presidente fará.

Demétrio Magnoli - República dos amigos

Folha de S. Paulo

Cristiano Zanin não cumpre o 'notável saber jurídico' requerido para o STF

"Não é democrático o presidente da República querer ter os ministros da Suprema Corte como amigos. Você não indica o ministro da Suprema Corte pra ele votar favorável a você ou te beneficiar." O farsante que pronunciou tais frases chama-se Lula da Silva –mas foi antes, como candidato, no debate eleitoral na Band. Agora, presidente, ele indicou um amigo, seu advogado pessoal, "pra ele votar favorável a você".

A Constituição, artigo 101, estabelece o "notável saber jurídico" como condição para ocupar uma das cadeiras do STF. Cristiano Zanin não cumpre o requisito legal. Nunca escreveu obra jurídica significativa e nem mesmo tem pós-graduação. É um advogado como outro qualquer –ou melhor, um advogado muito mais bem relacionado que a imensa maioria de seus pares, pois amigo do rei. Lula preside a república dos amigos.

Pablo Ortellado - Junho de 2013 abriu crise da democracia

O Globo

Como passamos dos gritos de “Não me representam!” de 2013 para os gritos de “Eu autorizo!” dos golpistas de 2022?

Intuitivamente, parece que a inquietação social despertada pelos protestos de junho de 2013 está de alguma maneira relacionada ao populismo radical de direita que ascendeu no Brasil em 2018. Em junho de 2013, os jovens nas ruas gritavam “Sem partido!” e “Não me representam!”, mas sua crítica da representação e dos partidos políticos apontava para algum tipo de democracia direta, simbolizada pelas centenas de câmaras municipais ocupadas por jovens entre o final de junho e começo de julho e pelas práticas assembleístas de movimentos como o Passe Livre (São Paulo), Assembleia Popular Horizontal (Belo Horizonte) e Bloco de Lutas (Porto Alegre).

No bolsonarismo, não há sinal de horizontalismo ou democracia direta que pretenda aprofundar a democracia, mas algo que parece a rejeição da democracia liberal, com a afirmação de um líder forte, sem os embaraços das limitações constitucionais nem o contrapeso dos outros Poderes da República. Como passamos dos gritos de “Não me representam!” de 2013 para os gritos de “Eu autorizo!” dos golpistas de 2022?

Carlos Alberto Sardenberg - Fazer o quê? E como?

O Globo

Primeiro, é preciso saber quais são as propostas. Segundo, quando se sabe, qual prevalece. E terceiro, quem será nomeado para tocar as coisas

No início deste mês, dava-se como certo que a ministra do Turismo, Daniela Carneiro, seria demitida nesta semana. Não foi. Na próxima, o presidente Lula vai para a Europa, de modo que a ministra, também deputada federal pelo Rio, pode ganhar mais alguns dias, se escapar neste final de semana. Estaria o governo avaliando a política para o turismo? Teria a ministra fracassado em apenas cinco meses de governo?

Ingenuidade.

Há uma intensa discussão sobre o futuro desse ministério, mas ninguém, entre amigos e adversários da deputada, fala sobre programas para desenvolver o turismo interno ou para atrair mais estrangeiros para este belo país.

Eduardo Affonso - No ar, TV PT

O Globo

Por que a Câmara não aprovaria um canal de TV para que pessoas com foro privilegiadíssimo pudessem se perpetuar no poder?

Imagine um horário eleitoral “gratuito” 24 horas por dia, sete dias por semana. Um palanque eletrônico montado onde nenhum núcleo de militância virtual jamais esteve: na sala de sua casa. Pois isso pode não ser apenas uma fantasia distópica: o PT solicitou ao governo (a si mesmo) a concessão de um canal de televisão — para promover o “debate” e a “educação política”. E, claro, levar às massas sua “ideologia”.

Como os outros partidos não pensaram nisso antes? Teríamos tido a TV Arena, canal 64, com carros-chefes como a novela “Cavalo de aço” (escrita pelo general Figueiredo) e os programas “Com censura”, “Linha indireta (Já)” e “Almoço com as (cinco) estrelas”.

A redemocratização nos brindaria com a TV MDB, canal 15, cujos maiores ibopes seriam “O rei do gado” (mais especificamente, do boi gordo), “Donas de casa desesperadas” (com a remarcação diária de preços) e “A indomada” (no caso, a inflação).

Marco Antonio Villa - Que Brasil é esse?

Revista IstoÉ

Precisamos entender que Brasil é esse, para daí traçar um quadro de como poderemos retornar ao desenvolvimentismo com o formato do século XXI

O Brasil mudou. E não necessariamente para melhor, especialmente nas últimas décadas. Os grandes clássicos “explicadores do Brasil” hoje não dão conta de um outro País, mas na mesma configuração geográfica. A política se desenvolve de forma rotineira, como se nada estive acontecendo. O positivo é que, finalmente, temos eleições regulares a cada dois anos e com amplas liberdades democráticas. Contudo, há uma clara dissociação entre os processos eleitorais e uma realidade mutável, que não consegue se comunicar com a esfera política.

É como se, no mínimo, tivemos dois Brasis: o que se apresenta nas eleições e o cotidiano de milhões de brasileiros deserdados e sem perspectiva de um futuro melhor. O Brasil perdeu o rumo. Não sabe para onde vai. E não é um processo que começou ontem. Não. É um desgaste paulatino do que poderia ser e do que é — com a tendência, se nada de profundo e eficaz por realizado, ficar ainda mais empobrecido em ideias, realizações, projetos e principalmente na construção da cidadania e de um País próspero. A elite rastaquera nada vê. Para ela tudo está ótimo. Afinal, somos um País com uma das maiores concentrações de renda.

João Gabriel de Lima* - Entre o otimismo e o trabalho duro

O Estado de S. Paulo

Lula sabe que os números da economia só se traduzem em votos quando se refletem na vida real

Na política, seguem as divergências entre governo e Congresso – pão de cada dia nas democracias. Na economia, esta semana foi marcada por boas notícias. O dólar caiu, a Bolsa subiu e melhorou a nota de crédito do Brasil na agência Standard & Poor’s. “Achávamos em dezembro passado que o País cresceria 1% em 2023, e agora aumentamos a projeção para 2%”, diz Samuel Pessôa, pesquisador e professor da Fundação Getulio Vargas, demonstrando um certo otimismo com os rumos do País.

Para ele, parte dessa boa perspectiva se deve ao agronegócio. “Prevíamos que a expansão da agropecuária seria da ordem de 8% e, na realidade, deve chegar a 15%”, diz Pessôa, entrevistado no minipodcast da semana. “Com isso, o preço dos alimentos caiu, melhorando a vida dos cidadãos mais vulneráveis, num país que aumentou o investimento em programas sociais.”

Bolívar Lamounier* - Faz sentido tanto pessimismo?

O Estado de S. Paulo

Num país instável como o nosso, não é concebível que a maioria dos cidadãos se sinta satisfeita o tempo todo. O normal é uma lamúria interminável

Alguns de meus leitores veem como exagero o pessimismo expresso nos textos que publico neste espaço. Essa questão é de suma importância e muito oportuna. Oportuna, de um lado, porque começam a aparecer sinais de ativação na economia. De outro, porque o governo está estabelecendo o que denomina “um novo arcabouço fiscal”, que seria um avanço no sentido de uma futura reforma tributária.

Os dois pontos mencionados são importantes à luz da impressão de pessimismo que meus textos possam ter causado. Importantes e oportunos dependendo, é claro, do que venhamos a entender por pessimismo. Num país instável como o nosso, não é concebível que a maioria dos cidadãos se sinta satisfeita o tempo todo. O normal é uma lamúria interminável, quase constante, cujo teor subjetivo nada esclarece e nada contribui para melhorar a situação vigente. A presente discussão valerá a pena se por pessimismo entendermos uma avaliação de realidades objetivas, que possam ser comprovadas por meio da análise de estatísticas e da existência ou não de um sentimento semelhante entre os demais segmentos da sociedade. Dessa forma, podemos aquilatar se a economia permanecerá estagnada ou em retrocesso, como tem estado há vários anos, ou se aponta para um horizonte de efetiva recuperação.

Luiz Gonzaga Belluzzo* - Sociedade da despersonalização

Carta Capital

O morador de rua e o trabalho escravo retratam a destruição ideológica do conceito de pessoa

O filósofo italiano Roberto ­Fineschi, no livro Capitalismo Crepusculare, lança uma indagação crucial. “Na perspectiva do indivíduo moderno, o que se pode fazer para ser pessoa?” Fineschi responde: “Tenha uma renda”.

Em meio à leitura das considerações filosóficas de Fineschi, fui informado que 62 mil paulistanos sobrevivem como moradores de rua, desprovidos de um emprego ou atividade que lhes proporcione uma renda monetária.

Não bastassem as dores dos que vivem na rua, o Brasil registra inúmeros casos de trabalho escravo. Entre tantos, são chocantes os episódios que registram a escravidão de empregadas domésticas a serviço dos bacanas do pedaço.

Fineschi segue perseguindo as agruras dos homens que não conseguem alcançar a condição de pessoas no capitalismo contemporâneo: “Como se pode obter um rendimento se as condições de emprego não existem? Aqui começa estruturalmente uma dinâmica pela qual muitos indivíduos estão inclinados a ter uma renda de qualquer forma; ilegal não significa simplesmente trabalhar ilegalmente, mas também significa recomendação, ter uma pensão graças ao primo do ministro etc., etc., todas as dinâmicas que permitem que você seja gente tendo uma renda. Mas – e este é o ponto decisivo – ter este rendimento e ser pessoa viola o próprio conceito de pessoa porque não se respeita, mesmo a nível formal, a liberdade e a igualdade das outras pessoas”.

José de Souza Martins* - Por duas caixas de bombons

Eu & / Valor Econômico

Quatro policiais armados contra um homem desarmado. Um supermercado contra um ladrão de doces. Devem existir outros argumentos e técnicas e regras sociais para defender a propriedade privada

Um ato de violência policial praticada, na Vila Mariana, em São Paulo, contra um homem preto ocorreu nestes dias por roubo de duas caixas de bombons num supermercado. Ele foi agarrado por PMs, derrubado, os pés e as mãos amarrados com cordas, carregado até uma maca e, depois, colocado numa viatura.

As reações de leitores, em cartas publicadas no jornal que dera a notícia, indicam um outro componente da situação que ali se definiu e seu desdobramento. Não estando a polícia sob risco, os leitores foram unilaterais ao apoiar o ato. O direito de opinião do leitor é legítimo, mas não necessariamente lúcido. É um direito necessário para despertar sentimentos contraditórios que levem à consciência social de que nesse campo a sociedade brasileira está mal servida e atrasada.

Marcus Pestana* - Reforma Tributária: necessidade e obstáculos (I)

Boa parte das necessidades humanas podem ser supridas no mundo privado. Outros serviços essenciais para a vida comunitária dependem da órbita pública. O Estado surgiu para preencher essa lacuna. Inicialmente, o Estado Mínimo tinha escopo limitado a funções ligadas à defesa nacional, à segurança pública, ao cumprimento das Leis e à defesa da moeda. Educação e saúde ficavam a cargo da própria sociedade. Previdência social só no século XX. Foi aí, com o surgimento do “Welfare State”, que o setor público se agigantou respondendo por uma gama enorme de serviços públicos. Além disto, surgiram empresas estatais. E a política econômica governamental passou a ter um peso crescente na economia.

Por menor que fossem a máquina estatal e suas atividades, ela precisava ser financiada. Daí a existência dos impostos. É uma forma compulsória a partir da qual o Estado, dentro da legislação vigente, extraí uma parte da renda gerada pela sociedade para financiar a máquina, as políticas e os serviços públicos. Ninguém gosta de pagar impostos. Se fosse agradável não se chamariam impostos, seriam contribuições voluntárias. A carga tributária oscila conforme o modelo de Estado de cada país, seu papel e os direitos garantidos aos cidadãos.

Maria Cristina Fernandes - A liderança, segundo Kissinger

Eu & / Valor Econômico

Quem acredita que o diplomata foi o mentor da política externa que coloca o interesse nacional acima da ideologia deveria lê-lo. Quem acredita no inverso, também

Num espaço de duas semanas o mundo terá assistido ao indiciamento de Donald Trump, à renúncia de Boris Johnson ao parlamento britânico, à morte de Silvio Berlusconi e ao iminente julgamento de Jair Bolsonaro no TSE.

A tormenta do populismo de extrema direita já bastaria para a leitura do mais recente livro de Henry Kissinger, “Liderança” (Objetiva, 2023). Conselheiro de quase todos os presidentes americanos desde Richard Nixon, foi em sua passagem como assessor de segurança nacional e secretário de Estado deste último que os Estados Unidos restabeleceram relações com a China.

A iniciativa projetou um triângulo numa guerra fria crescentemente polarizada e deu a Kissinger, com 100 anos recém-completados, a fama de mentor de uma política externa que coloca o interesse nacional acima da ideologia, valor abandonado pela extrema direita que emergiu no século XXI.

Quem acredita que Kissinger fez o inverso tem razões igualmente fortes para encarar o livro. O decano da diplomacia americana também revela o apelo ideológico com que validou o apoio a ditaduras latino-americanas.

Ao fazê-lo, dá uma aula de como manejou os instrumentos da diplomacia e da guerra para projetar o poder de seu país de adoção - a começar pelos critérios que guiaram a escolha dos perfis a que se dedica: Konrad Adenauer, Charles de Gaulle, Nixon, Anwar Sadat, Lee Kuan Yew e Margareth Thatcher.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

STF deve ir a fundo na investigação da trama golpista

O Globo

Mas é preciso que tenha cautela para não cometer excessos, restringindo liberdades de quem não violou a lei

Os detalhes da conspiração que culminou no vandalismo golpista do 8 de Janeiro em Brasília vêm sendo paulatinamente desmascarados. O show macabro contra a democracia foi captado minuto a minuto por câmeras de TV e de segurança. Dias antes, militares e figuras vinculadas ao ex-presidente Jair Bolsonaro conspiravam para mantê-lo no poder, ainda que fosse necessário dar um golpe de Estado à moda antiga, com Exército nas ruas, violação de direitos e prerrogativas constitucionais.

Novas mensagens e arquivos encontrados pela Polícia Federal (PF) no celular do tenente-coronel Mauro Cid, fiel ajudante de ordens de Bolsonaro, mostram a extensão e a audácia da trama golpista. Com o sugestivo título “Forças Armadas como poder moderador”, um dos documentos, esmiuçado em relatório da PF revelado pela revista Veja, traça um plano minucioso para a quebra da ordem democrática.

Pelo roteiro, embasado na tese estapafúrdia de fraude eleitoral, Bolsonaro enviaria aos comandantes das Forças Armadas ofício identificando atos do Judiciário que julgava inconstitucionais. Os militares, em desafio à Constituição, nomeariam um interventor para afastar do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) os ministros Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski e investigá-los. Seriam convocados a substituí-los os ministros Nunes Marques, André Mendonça e Dias Toffoli, para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e, em tese, marcar nova eleição (promessa jamais cumprida por golpistas).