terça-feira, 24 de outubro de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Renovação da desoneração é medida urgente

O Globo

Adiamento de projeto fundamental para criar postos de trabalho já prejudica planejamento de empresas

A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) voltará a analisar hoje o Projeto de Lei (PL) que prorroga até o final de 2027 a desoneração da folha de pagamento de 17 setores caracterizados por empregar grande volume de mão de obra. Estão em jogo perto de 9 milhões de empregos gerados diretamente, sem contar aqueles distribuídos pelas cadeias produtivas. Para a programação orçamentária e de investimento das empresas brasileiras, é fundamental a aprovação célere do projeto que substitui a contribuição previdenciária de 20% da folha salarial por outra que varia de 1% a 4,5% do faturamento.

Um governo que quer estimular emprego não deveria mais perder tempo diante das evidências. A redução de encargos trabalhistas, em vigor há mais de dez anos, contribuiu para aumentar a arrecadação previdenciária, enquanto as empresas foram liberadas para investir mais em inovação e tecnologia, ganhando competitividade. É um caminho seguro para o crescimento sustentado de toda a economia.

Merval Pereira - Efeito Orloff reverso

O Globo

O problema da eleição presidencial argentina é saber para onde vai o eleitorado da terceira colocada, Patricia Bullright, apoiada por Mauricio Macri

Se é verdade que o presidente Lula aconselhou o candidato oficial do governo da Argentina, o atual ministro da Fazenda, Sergio Massa, a parar de “contar dólares” e ganhar as eleições, é mau sinal. Que os assessores petistas, inclusive os de marketing político, foram fundamentais na virada de Massa, nisso a imprensa argentina é unânime.

Mas o conselho de Lula corresponde, a ser verdade, aos gastos que o candidato oficial fez a partir das primárias para reverter a corrida presidencial, que devem tornar mais caótica ainda a economia do país, onde a inflação anual é de 140%, 40% estão abaixo da linha de pobreza (desses, 10% são considerados indigentes), e o PIB caiu 5%.

Massa anunciou bônus para diversos grupos sociais: os aposentados (7,8 milhões) ganharam 37 mil pesos por mês, ao custo de 234 milhões de pesos; trabalhadores de empresas privadas (5,5 milhões) ganharam 30 mil pesos, pagos compulsoriamente pelas próprias empresas; os funcionários públicos (390 mil) receberam bônus de 60 mil pesos; aposentados e pensionistas com renda mensal de até 1,5 salário mínimo (3 milhões) ganharam um vale-alimentação de 45 mil pesos. Outros 2,4 milhões de beneficiados pelo programa Tarjeta Alimentar, cartão para compra de alimentos, receberam reajuste de 30% no valor mensal creditado pelo governo.

Míriam Leitão - Força e risco de Massa e Milei

O Globo

Economia ruim da Argentina é terreno fértil para ultradireita, e próximas semanas serão longas em um país polarizado

A Argentina terá dificuldades seja qual for a decisão das eleições de 19 de novembro. A crise econômica não terá solução fácil, portanto quem assumir o país em 10 de dezembro administrará um pesadelo econômico com inflação alta, recessão, falta de dólares e déficit fiscal.

A vantagem do candidato oficial, Sergio Massa, é ao mesmo tempo sua maior fragilidade. Ele está no comando da economia, saberá que passos dar e conhece a natureza do buraco em que o país se meteu. Ao mesmo tempo, ele tem que carregar o ônus de ser a pessoa que comanda essa economia em frangalhos. A vantagem de Javier Milei é ao mesmo tempo a sua fragilidade. Ele não tem programa, pode adaptar as suas propostas a quaisquer circunstâncias. Esse vazio o trouxe até aqui, mas o medo das suas falas incendiárias pode impedir que ele vá adiante.

Uma análise que ouvi no governo brasileiro define bem o extremista de direita, Javier Milei.

– Ele faz parte dessa novidade na política que já vimos em vários países, em que um candidato se diz anti-sistema, mesmo não sendo, e que com falas radicais tem tido sucesso mundo afora em monopolizar os descontentes. A Argentina tem tido momentos tão difíceis nos últimos governos que a insatisfação levou-o a obter todo esse espaço nas eleições. Milei usa essa tecnologia de reunir ideias que chegam com muito apelo às pessoas, mas que nem sempre correspondem à verdade, ou representam um programa. A ideia é mobilizar descontentes, com o discurso de ser contra tudo e todos, enquanto a política tradicional tenta convencer as pessoas em torno de um programa de governo — disse uma autoridade que acompanha o assunto.

Luiz Carlos Azedo - Entre o peronismo e o anarco-capitalismo

Correio Braziliense

A redemocratização da América Latina, após a derrocada dos regimes militares, produziu uma espécie de “revanche do populismo“

O que não falta são tangos para embalar os corações argentinos na sucessão do presidente Alberto Fernández. No segundo turno, terão que escolher entre Volver — Volver con la frente marchita/ Las nieves del tiempo platearon mi sien/ Sentir que es un soplo la vida/ Que veinte años no es nada (Voltar com a testa franzida/ As neves do tempo pratearam minhas têmporas/ Sentir que se é um sopro de vida/ Que vinte anos não são nada) —, clássico de Carlos Gardel e seu parceiro paulista Alfredo Le Pera, e Balada para un loco — Loco! ¡Loco! ¡Loco!/ Como un acróbata demente saltaré/ sobre el abismo de tu escote/ hasta sentir que enloquecí/ tu corazón de libertad… (Louco! Louco! Louco! Como um acrobata demente saltarei/ sobre o abismo do teu decote/ até sentir que enlouqueci/ o teu coração de liberdade…), de Astor Piazzolla e o poeta uruguaio Horácio Ferrer.

Carlos Andreazza - Estado de Sérgio Cabral permanente

O Globo

José Renato Torres estava a serviço do Tribunal de Contas do Município; de onde sairia para ser — por menos de três semanas — secretário de Polícia Civil. Começou prestigiado, pinçado pelo governador para trabalho de longo prazo. (Para o mesmo cargo, Cláudio Castro já selecionara delegado que seria preso, investigado por envolvimento com o jogo do bicho.)

A indicação de Torres foi apoiada pelo presidente da Alerj — presente à posse — e seus amorins. Não era a primeira opção dos bacellares, afinal admitido sob compromisso de partilhar as divisões da Polícia Civil entre apadrinhados dos projetos de Picciani. Havia um acordo. Que Torres não cumpriria. Sua cabeça ofertada pelo mesmo governador que o empossara convicto:

Andrea Jubé - Volta de Lula joga luz sobre ministros em alta

Valor Econômico

Simone Tebet tem sido elogiada pelo empenho, lealdade e estilo “low profile”

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva havia encomendado aos auxiliares um megaevento para marcar o seu retorno ao Palácio do Planalto três semanas após a cirurgia para colocar uma prótese no quadril, e a blefaroplastia, que retirou o excesso de pele nas pálpebras. Lula queria proclamar, em grande estilo, que voltou com fôlego renovado e disposição para pilotar o governo.

“Eu estou de volta”, comemorou, em transmissão ao vivo do Palácio da Alvorada. Lembrou que a cirurgia completou 21 dias, permitindo seu retorno aos despachos presidenciais. Para viajar de avião, todavia, ainda terá de esperar mais seis a oito semanas, dado o risco de trombose. Do contrário, admitiu a interlocutores, gostaria de viajar para o Amazonas ou Pará, a fim de visitar as regiões devastadas pela seca na Amazônia.

Pedro Cafardo - Multidão de informais encheria 600 Maracanãs

Valor Econômico

Informais de aplicativos são minoria; a maior parte são pessoas espalhados pelo país, aos milhões, nas mais diversas ocupações, desde pequenos prestadores de serviços, que se viram recebendo Pix aqui e ali, até profissionais com formação superior

A geração de emprego e renda é o grande objetivo de qualquer política econômica séria, seja qual for o país. Olhando por esse aspecto, o Brasil não vai mal neste início de governo. A quantidade de trabalhadores com carteira assinada aumenta desde o início do ano, mantendo tendência de 2022. Em agosto, havia 37,2 milhões de pessoas com vínculo na CLT, 422 mil a mais do que três meses antes.

Esse número (37,2 milhões) é o maior desde fevereiro de 2015, indicando que o país se recupera da grande crise econômica iniciada oito anos atrás e ampliada durante a pandemia.

Aqui vale abrir um parêntese. Tirando a questão do déficit zero previsto pelo governo para 2024 e contestado pelos economistas de mercado, o país está em boa situação econômico-financeira. Mesmo em um ambiente global com duas guerras e com o cenário mais fraco no terceiro trimestre, a previsão de crescimento econômico deste ano foi elevada para 3,1%, índice modesto, mas em linha com a expansão média mundial projetada pela OCDE. Com juros básicos em queda, embora ainda em 7% reais, a inflação segue controlada e deve fechar o ano abaixo de 5%. O superávit da balança comercial atingirá US$ 90 bilhões, um dos maiores do mundo. O déficit previsto para as transações correntes caiu para US$ 35 bilhões e será facilmente compensado pelo investimento estrangeiro direto da ordem de US$ 65 bilhões. Com isso, as reservas cambiais do país podem ficar acima dos US$ 350 bilhões.

Eliane Cantanhêde - Entre os males, o menor

O Estado de S. Paulo

Entre o certo e o incerto, o ruim e o pior, o Brasil ficou com o certo e o ruim na Argentina

Todas as vezes que a política falha aparece um outsider como salvador da pátria, cavalgando ideias extravagantes, falso moralismo, patriotismo tosco e populismo barato, tudo assim, recheado de adjetivos. É o caso de Javier Milei, o “fenômeno” – ou seria “mito”? – na Argentina. A surpresa no Brasil foi a dianteira de Sergio Massa no primeiro turno, mas a eleição ainda vai dar o que falar – e o que escrever.

O mais estratégico parceiro brasileiro está entre o certo e o incerto, o ruim e o pior, um “anarcocapitalista” defensor não de um Estado mínimo, mas de zero Estado, e um ministro da Fazenda especialista em bater recordes, com cerca de 140% de inflação ao ano e mil pesos por um dólar. É fantástico. As pessoas devem andar nas ruas não com carteiras, mas com sacolas. O resto está em dólar mesmo, debaixo do colchão.

Hélio Schwartsman - Paradoxo argentino

Folha de S. Paulo

Duelo de rejeições explica em parte bom resultado de candidato governista

Como o ministro da Economia de um país com inflação de quase 150% consegue sair na frente numa disputa presidencial que foi para o segundo turno? É fácil. É só colocar Javier Milei como adversário a derrotar. Foi assim que o candidato governista Sergio Massa, contrariando o resultado das prévias (Paso) e as pesquisas, abriu uma dianteira de quase sete pontos percentuais sobre o postulante anarcocapitalista, cujo apelido, "El Loco", fala por si.

Os números das Paso, como escrevi aqui em agosto, deveriam ser vistos com um grão de sal. As exóticas prévias argentinas, um pleito antes do pleito cujo valor é principalmente indicativo, são, afinal, um convite ao voto de protesto. À medida, porém, que as eleições se presentificam e o eleitor começa a considerar suas consequências, ele fica mais cauteloso.

Dora Kramer - Real tamanho

Folha de S. Paulo

Soaram exageradas algumas análises sobre o papel do Brasil no Conselho de Segurança da ONU

Daqui a uma semana o Brasil deixa a presidência temporária do Conselho de Segurança da ONU. O fim do mês de outubro marca também a volta do país à sua real dimensão no contexto da guerra entre Israel e o Hamas, num cenário de muitas incertezas sobre a possibilidade da expansão do conflito na região.

Sem dúvidas há tratativas importantes das quais o Itamaraty e o presidente Luiz Inácio da Silva, ao lado do conselheiro e ex-chanceler Celso Amorim, participam, bem como é de se reconhecer o incansável esforço diplomático. Sem nos esquecermos de dar os méritos devidos à operação de resgate dos brasileiros de solo israelense.

Joel Pinheiro da Fonseca - É graças às redes que descobrimos a verdade sobre a explosão do hospital palestino

Folha de S. Paulo

Conforme o debate público se debruçava sobre a explosão, cada elemento ficava mais dúbio

"Israel bombardeia hospital em Gaza e mata 500." Variações deste tema foram manchete pelo mundo todo, inclusive no Brasil. Líderes do mundo todo reagiram. Então, o governo israelense não é melhor do que os terroristas do Hamas?

Era impossível? Vejam: Israel vinha lançando mísseis em Gaza sem parar, com milhares de civis mortos. Hospitais na região haviam recebido ordem de evacuação. Sabe-se que o Hamas já utilizou hospital como base de operações no passado. Então, era completamente inverossímil que Israel bombardeasse um hospital? Não.

Tanto não era inverossímil que um influenciador israelense e militante pró-Netanyahu, Hananya Naftali, foi um dos primeiros a confirmar a notícia, dando a ela um viés favorável a seu lado: "URGENTE: Força Aérea Israelense acertou uma base terrorista dentro de um hospital em Gaza. Muitos terroristas morreram."

Alvaro Costa e Silva - Exército vai da popularidade ao escândalo

Folha de S. Paulo

Mesmo assim ainda sobrevive o conceito de militares na política

O triplo assassinato dos médicos no quiosque da Barra mal acabara de chocar o Brasil quando Valdemar Costa Neto encontrou munição para levar adiante sua ideia fixa: fazer de Braga Netto candidato à prefeitura carioca em 2024 com ênfase na segurança pública. Na avaliação do cacique, general dá voto.

Ao ouvir a proposta pela enésima vez, o vice de Bolsonaro desconversou. Um dos oito generais do Exército indiciados no relatório da CPI do golpe, Braga Netto tem outro pepino para descascar. Desde setembro ele é investigado na operação Perfídia, da PF, que apura fraudes e compras sem licitação durante a intervenção no governo do Rio. É uma história cabeluda e confusa que mistura um doleiro de apelido "Macaco" com sicários colombianos em ação no Haiti.

Edgar Morin - O dever de rejeitar o ódio

Revista IHU On-Line

23 outubro 2023

Jerusalém "Não é impossível que o conflito se alastre, abrangendo e incendiando uma nação após outra. Há que se temer o pior", escreve o filósofo e sociólogo francês Edgar Morin, em artigo publicado em La Repubblica, 20-10-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo.

Os monstruosos massacres cometidos pelo Hamas contra os judeus israelenses em 7 de outubro causam-me profundo horror. Nada justifica esses ataques fanáticos, muito menos a questão do povo palestino, cuja justa causa é dissimulada por esses atos bárbaros. O terrorismo do Hamas ocultou e está ocultando para muitos o terror de um Estado que respondeu a esses impiedosos fanáticos de forma impiedosa contra dois milhões de habitantes de Gaza, causando já três mil mortes. E como Netanyahu anunciou, isso é apenas o começo.

O ódio não é novo. Mas agora está vindo de ambos os lados. Gera o delírio da culpa coletiva do povo inimigo, que conduz às piores crueldades e aos massacres, atingindo também mulheres, idosos e crianças.

A contextualização dos horrores do 7 de outubro, indispensável para qualquer entendimento, coloca-os, em primeiro lugar, na longa história do povo israelense, vítima milenar do antijudaísmo cristão, depois do antissemitismo racial que visava o seu extermínio, e cuja pátria israelense viu-se por muito tempo ameaçada por Estados hostis. Israel não foi um oásis de refúgio, mas uma cidadela em guerra.