quarta-feira, 11 de setembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Não falta apenas dinheiro para melhorar educação

O Globo

Gasto por aluno no Brasil está abaixo do ideal. Mas reduzir desigualdade já permitiria usá-lo com mais eficiência

A despesa anual média por aluno no ensino fundamental brasileiro (US$ 3.668) é um terço do gasto nos países avançados (US$ 11.914), como demonstrou o último relatório Visão Geral da Educação, divulgado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). De acordo com o relatório, há relação entre gastos na educação entre 6 e 15 anos e o desempenho nos testes de avaliação internacional — mas apenas até certo limite.

É verdade que, em condições ideais, a despesa brasileira por aluno deveria ser maior, mas seria um erro considerar que o avanço lento da qualidade do ensino por aqui resulta apenas da falta de dinheiro. O governo brasileiro gasta em educação uma parcela do PIB (4,42%) superior à de Estados UnidosHolandaCoreia do SulCanadáAlemanhaAustráliaJapão e à média da OCDE. Países ricos hoje com gasto per capita superior ao brasileiro não chegaram à situação atual destinando fatias muito maiores. Com o orçamento atual, o Brasil ainda tem muito a avançar.

Humberto Saccomandi - Sempre no ataque, Kamala dominou Trump no debate nos EUA

Valor Econômico

Sondagens rápidas apontam para uma vitória clara da vice-presidente democrata sobre o ex-presidente republicano, que poucas vezes pareceu tão velho e tão passado

A democrata Kamala Harris provavelmente melhorou suas chances de chegar à Presidência dos EUA no debate de ontem à noite (10) com o republicano Donald Trump. Constantemente no ataque, Kamala tomou a iniciativa, comandou o show e teve talvez a performance mais sólida de um político num debate contra Trump até hoje.

Objetivamente não é fácil aferir quem ganhou um debate eleitoral. O melhor indicador são as pesquisas de intenção de voto que serão feitas a partir de agora. Mas alguns dados apontam para uma vitória clara de Kamala. Uma pesquisa rápida (e por isso menos confiável) da TV CNN indicou que Kamala venceu para 63% dos entrevistados, contra 37% que viram vitória de Trump. Pesquisa qualitativa do jornal “The Washington Post” também apontou a vitória de Kamala por ampla margem. A plataforma de previsões políticas PredictIt indicou um aumento nas chances de Kamala vencer as eleições, sugerindo assim que ela ganhou o debate. As ações da plataforma de mídia social Thuth, de Trump, caíram 7% logo após o debate, também num sinal de que o republicano foi mal.

Fernando Exman - Ecossistema partidário em processo de evolução

Valor Econômico

Partidos de centro devem sair mais fortes do pleito municipal

Já é possível esboçar alguns cenários do ecossistema partidário que emergirá das eleições municipais e das articulações para a sucessão na Câmara dos Deputados.

Partidos de centro, com MDB e PSD à frente, devem sair mais fortes do pleito municipal. Eles lançaram um número expressivo de candidatos. Conseguindo reeleger seus atuais prefeitos e atingindo uma média de 40% de sucesso em relação aos candidatos não incumbentes, o que uma fonte diz ser uma meta bastante factível, os dois partidos comandarão uma quantidade grande de municípios.

O prognóstico para os candidatos de esquerda é pessimista. E os de direita têm chances em cidades de médio e grande porte, apostam líderes partidários, mas também não estão bem nas principais capitais do país.

Bernardo Mello Franco – Outro golpe no Ruy

O Globo

Nem Ruy Barbosa escapou da fúria dos golpistas verde-amarelos. Ao invadir o Supremo Tribunal Federal, a turba avançou contra um busto do jurista baiano. A peça de bronze foi arrancada do pedestal e atirada ao chão. Apesar do choque com a violência, a ministra Rosa Weber não quis restaurar a estátua. Disse que as cicatrizes serviriam de “alerta às gerações futuras”.

Ontem o bolsonarismo voltou a vilipendiar a memória do conselheiro. Seu nome foi citado quatro vezes em relatório do deputado Rodrigo Valadares que pede anistia aos criminosos do 8 de Janeiro. Os mesmos que danificaram o busto e tentaram destruir a democracia brasileira.

No texto apresentado à Câmara, Valadares afirmou que a anistia seria necessária para “pacificar o país”. Ele descreveu os golpistas como figuras inofensivas, que “não souberam expressar seu anseio por liberdade” após a derrota do capitão.

Vera Magalhães - Congresso ignora um país que arde

O Globo

Enquanto incêndios e estiagem afetam ambiente, saúde e economia, parlamentares estão envolvidos com uma agenda que só interessa a eles

O Congresso adora se queixar de que os demais Poderes, quase sempre o Judiciário, atropelam suas atribuições e legislam em seu lugar. Mas onde está o Parlamento brasileiro no momento em que quase todo o território nacional está debaixo de fogo ou de fumaça carregada por esses incêndios, com graves consequências para o meio ambiente, a saúde pública e a economia? Está envolvido demais em suas próprias pautas, que em nada interessam ao conjunto da sociedade.

Não bastasse o segundo semestre ter sido decretado um grande ponto facultativo em razão das eleições municipais, nas poucas semanas em que se dignaram a bater ponto em Brasília, os congressistas decidiram reduzir a pauta a resolver o problema das emendas, a conchavos para a sucessão nas mesas da Câmara e do Senado e à agenda pessoal de Jair Bolsonaro. Nada mais descolado da realidade de um país que assiste a rios secarem e tem dificuldade para respirar.

Elio Gaspari - Eventos amazônicos

O Globo

Lula e ministros voaram para a Amazônia. Tudo bem, mas, enquanto o Brasil vive uma seca histórica, mais incêndios e queimadas, o que se precisa é de trabalho em Brasília. Trabalho, no sentido de não se acomodar porque o ministro assinou uma norma. Se conversa resolvesse, as secas não produziriam as desgraças habituais. Afinal, ao saber da Grande Seca de 1877 e da escassez de recursos, D. Pedro II teria dito:

— Se não há mais dinheiro, vamos vender as joias da Coroa. Não quero que um só cearense morra de fome por falta de recursos.

A Coroa, intacta, está no Museu Imperial de Petrópolis. Um ano depois dessa fala marqueteira, num só dia de dezembro morreram mais de mil pessoas em Fortaleza.

A fumaça está aí. A agência suíça IQAir, que monitora a qualidade do ar em cem grandes cidades, revelou que São Paulo está no fundo do poço (seco). Pequim, que ocupou esse desonroso posto, caiu para oitavo lugar. A máquina chinesa funciona.

A Amazônia e o Pantanal têm milhares de focos de incêndio. São Paulo teve centenas. Em São Paulo já foram presas 15 pessoas. Não há notícia de piromaníacos capturados na Amazônia ou no Pantanal. Sabe-se que 12 fazendeiros são investigados, e um foi multado. Ganha um lote grilado quem acredita nos resultados dessas investigações.

Roberto DaMatta - Brasil incendiado?

O Globo

Governo não tem instrumentos ou capacidade para lidar com os problemas fora de uma esclerosada politicagem personalista

O Brasil está em chamas, sofrendo uma amarga mudança em sua relação com a natureza. Uma transformação jamais pensada porque o país era imaginado como “coração do mundo, pátria do Evangelho”, estava protegido dos desastres naturais.

Abrigados por Deus e pela Virgem, estávamos livres para fazer tudo com nossas matas, montanhas e rios. Até que surgiu a tal “mudança climática” — obra de comunistas e malvados capitalistas. Sua última encarnação é o bandoleiro golpista Elon Musk, que abriu o perturbador baú da informação com liberdade — mercadorias funestas porque obrigam a discutir limites, sobretudo para o enraizado elitismo que os rejeita.

Estávamos a salvo e “deitados eternamente em berço esplêndido, ao som do mar e à luz do céu profundo”. Dormitávamos numa terra açucarada, movida a escravidão africana e baronatos amulatados. Não precisávamos de segregação porque todos os inferiores conheciam seus lugares. Desse modo, a massa de imigrantes-escravos finalizou a modelagem de uma cruel hierarquia social que nosso elitismo de direita e esquerda jamais percebeu.

Zeina Latif - Saída pelo setor privado

O Globo

Nossas políticas habitacionais, ineficientes, não são a solução. Mercado financeiro é mais desenvolvido e dá maior acesso ao crédito

As classes populares anseiam por boas moradias, em locais seguros, com acesso a serviços públicos e ao trabalho, e que caibam bem em seu orçamento. As demandas vão muito além do chamado déficit habitacional.

Nossas políticas habitacionais, ineficientes, não são a solução. Não só pelas restrições fiscais (vide o Minha Casa, Minha Vida – faixa 1), mas por dependerem de um custo de captação (funding) baixo, inferior à Taxa Selic, desfavorável ao poupador. No caso do FGTS, é uma poupança forçada do trabalhador com carteira. Já a caderneta de poupança vem encolhendo com a busca dos indivíduos por produtos financeiros com melhor rendimento.

Lu Aiko Otta - Por 2026, armistício no lado das despesas

Valor Econômico

Trabalho de análise de políticas públicas conduzido pelo Ministério do Planejamento enfrenta resistências na Esplanada dos Ministérios

Há uma mudança nos bastidores do governo que, na visão dos técnicos, eleva as chances de a contenção de despesas via revisão de gastos ganhar tração no ano que vem. Trata-se do apoio, cada vez mais consolidado, do ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa.

De janeiro de 2023 a meados deste ano, Costa protagonizou trombadas com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Opôs-se a qualquer discussão que envolvesse cortes de gastos. Mediu forças na definição do comando da Petrobras. Num momento particularmente ruim, deu um chá de cadeira de quase uma hora no colega.

Paulo Delgado - Mais luz!

O Estado de S. Paulo

A democracia tem sido um regime que reserva aos de cima escolhas individuais e aos de baixo arremedos coletivos. Sem crítica ou pressão, ela não tem futuro

Destaque na vida atual é a força do conveniente sobre o que é moral. O infortúnio da competição pelo individualismo ressuscita coisas e situações que pareciam mortas. O País atravessou a liberdade e não sabe mais o que fazer com ela. Fora das altas esferas, poucos estão tranquilos com a democracia brasileira. Dali foi imposto que a pessoa deveria ser mais útil do que melhor e que a inteligência não poderia ser mais ensolarada. Não há mais utilidade em preparar-se mais do que um outro. O País se entregou ao igualitarismo judicial apologético e mistificador sem investigar a morbidade de seus objetivos.

Marcelo Godoy - A cumplicidade no governo Lula

O Estado de S. Paulo

A responsabilidade não pode se tornar uma desculpa para a solidariedade a Maduro e a Almeida

Os que desafiam as plausibilidades, os portadores de más notícias, que insistem em contar as coisas como elas são, nunca foram bem-vindos e, frequentemente, não são nem mesmo tolerados. A constatação de Hannah Arendt em Responsabilidade e Julgamento explica em parte o comportamento do Planalto diante da crise da Venezuela.

Há um mês, 30 ex-presidentes latino-americanos e ex-premiês espanhóis se uniram para exortar Luiz Inácio Lula da Silva a “reafirmar seu compromisso com a democracia” e reagir “à usurpação da vontade popular” executada por Nicolás Maduro. Ao petismo foi fácil desqualificar os portadores da má notícia, como “políticos de direita”. Usar a polarização política para justificar a leniência ou o apoio ao ditador Maduro não espanta em um mundo em que não poucos resistem a ver a democracia como um valor universal.

Vinicius Torres Freire – O caminho do fogo no país que sufoca

Folha de S. Paulo

Lula promete rodovia no meio da floresta, mas não se sabe como conter destruição geral

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prometeu terminar a reconstrução da BR-319, que liga Manaus a Porto Velho (Rondônia). Mais de metade da estrada é de terra ou um atoleiro de lama em parte do ano. Um motivo para concluir a rodovia, diz Lula, é a seca que torna o rio Madeira inútil para a navegação (e até para as hidrelétricas, rio acima).

Parte da BR-319 fica entre os rios Purus e Madeira. Ambientalistas, cientistas e adeptos da causa indígena dizem que, com a obra, vai-se tentar reparar um desastre ambiental com outro. Uma estrada trafegável facilitaria a ocupação das margens e mais entradas e bandeiras no entorno: terras indígenas, parques nacionais e outras unidades de conservação. Por outro lado, Manaus é uma cidade meio isolada em termos de infraestrutura de transporte e energia.

Wilson Gomes - O governo Lula sob pressão

Folha de S. Paulo

No identitarismo, a guilhotina moral está sempre afiada

Foi uma semana difícil para a imagem do governo. E governos que surgem da promessa de mudança radical em valores e comportamentos, como Lula sucedendo Bolsonaro ou Biden sucedendo Trump, não podem negligenciar os atributos de sua imagem pública que os diferenciam do passado. Por isso, o governo Lula fez questão de prometer, entre outras coisas, ser um campeão da democracia e dos valores progressistas. Duas frentes em que não se saiu exatamente bem na semana passada.

O primeiro revés ocorreu nas relações com Nicolás Maduro. A perseguição a opositores na Venezuela se tornou prática comum e a divergência política representa como nunca um risco real à vida e à liberdade. Embora seja compreensível que na diplomacia é necessário manter canais abertos e que o Brasil considere um futuro em que possa mediar uma transição negociada, há uma diferença entre engolir sapos por necessidade e minimizar a brutalidade política quando ela se estabelece.

Bruno Boghossian - O bolsonarismo nas ruas esfriou?

Folha de S. Paulo

Último protesto de 7 de Setembro sugere que alguma coisa mudou

Por alguns anos, as manifestações convocadas por Jair Bolsonaro foram termômetro e ferramenta de coesão da direita radical. Levaram às ruas bandeiras autoritárias, deram forma a causas excêntricas como o anticomunismo e foram essenciais para cultivar o caldo golpista. Os protestos indicavam até onde o ex-presidente estava disposto a ir e dava uma pista de quanta gente topava acompanhá-lo.

O último 7 de Setembro sugere que alguma coisa mudou. Os atos se tornaram mais previsíveis, demonstram capacidade de mobilização mais limitada e, mesmo quando têm combustível à disposição, produzem menos calor.

Luiz Carlos Azedo - Oposição quer anistia de Bolsonaro e Moraes 'impichado'

Correio Braziliense

A anistia aos participantes do 8 de janeiro de 2023 e ao ex-presidente, que está inelegível, mobiliza partidários do ex-presidente e encontra espaço no Centrão

Vamos aos fatos. Deputados e senadores aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro protocolaram, na segunda-feira, um pedido de impeachment contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Alguns já começaram a retirar assinaturas por orientação dos respectivos advogados.

O pedido acusa o ministro de forjar provas, cercear a liberdade de expressão e abusar do poder à frente de investigações sob o guarda-chuva do inquérito das fake News, para o qual Moraes foi designado relator, de ofício, pelo então presidente do STF, ministro Dias Toffoli.

"Estamos aqui pedindo o impeachment de Alexandre de Moraes como último recurso para que possamos resgatar a normalidade", disse o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do ex-presidente.

Cristovam Buarque* - Desfazimentos e omissão

Correio Braziliense

A responsabilidade do Brasil é especial, por termos uma das maiores economias, sermos o maior destruidor de florestas e não usarmos com seriedade nossa força política para defesa e exemplo de desenvolvimento sustentável

Com autoridade de ministra do Meio Ambiente e símbolo mundial na defesa da natureza e do desenvolvimento sustentável, Marina Silva disse que até o final deste século o Pantanal poderá deixar de existir. A responsabilidade por esse desfazimento não é apenas do Brasil: a crise ambiental é resultado de dois séculos, sobretudo sete décadas, de progresso mundial baseado na produção e consumo desenfreados. 

Mas a responsabilidade do Brasil é especial, por termos uma das maiores economias, sermos o maior destruidor de florestas e não usarmos com seriedade nossa força política para defesa e exemplo de desenvolvimento sustentável. Apesar da ECO-92, Rio 20, da COP30, do Proálcool nos anos 1970 e do recente esforço na área de energia solar e eólica, o desfazimento que a ministra denuncia para o Pantanal pode ser percebido também para as demais florestas, inclusive a Amazônica, para os rios e as cidades. No mesmo ano em que organizamos a realização da COP30, comemoramos o aumento na produção de petróleo e estamos caminhando para autorizar sua exploração no mar a pouca distância da foz do Rio Amazonas e da cidade onde essa reunião ocorrerá. A destruição de nosso patrimônio natural é apenas uma mostra dos significativos desfazimentos que ocorrem no Brasil.

Ricardo José de Azevedo Marinho[1] - Ainda estamos aqui

Otto von Bismarck, o chanceler de ferro da Prússia que unificou os estados alemães no século XIX, tinha um carácter forte que se refletia na expressão dura do seu rosto, mas ao mesmo tempo possuía grande pragmatismo, algum cinismo e sentido de humor.

Christopher M. Clark confirma o personagem como o criador de inúmeras imagens linguísticas e uma delas é a que atribui aos EUA o seguinte: “A graça de Deus tem um lugar especial em seu coração para proteger os bêbados, os loucos e os Estados Unidos da América”.

A despeito de tudo, pode-se dizer que alguma razão há, porque à medida que se aproximava a próxima eleição presidencial em novembro, que os anos alcançaram o mandatário Joe Biden, que, enfraquecido pelo peso da idade, tomado por lapsos de toda sorte, parecia incapaz de encarnar a esperança no futuro, apesar do exercício quase findo de uma boa presidência, com mais virtudes do que erros, com decência e dignidade. Trump, até então seu adversário que nada tem de um lírio, que comete erros não forçados com uma alta frequência (na verdade não se sabe se são produto da idade ou da sua ignorância), parecia mais forte e vigoroso, brincava de gato e rato com Biden, sem piedade, com insultos e sarcasmos, usando apelidos infantis, como destacou Obama, e desfilava seguro da sua vitória, acentuando com desdém a sua mensagem reacionária, ameaçadora e exclusiva.