terça-feira, 16 de setembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Normalização da violência política ameaça a democracia

Por Correio Braziliense

Tem-se perdido a capacidade de diálogo em detrimento de práticas covardes que abalam um dos pilares da democracia: o pluralismo

Em tempos de polarização exacerbada, os embates políticos ficam limitados aos fatos que "fogem da curva": sejam eles verdadeiros ou não. Assim, a notícia de um golpe bilionário em assistidos pelo INSS e a invenção de que creches públicas recebem mamadeiras eróticas mobilizam agentes políticos e cidadãos comuns da mesma forma, em uma falta de filtros que atravanca a condução de pautas imprescindíveis para o bom funcionamento do país. Essa agenda deslocada vai além: é cáustica para a convivência democrática, levando a uma espécie de normalização da violência política.

A execução a tiros de Charlie Kirk, nos Estados Unidos, na semana passada, é a prova mais recente de como esse fenômeno contamina o Brasil e o resto do mundo. A troca de acusações sobre as motivações do atirador se deu na mesma velocidade com que as imagens do influenciador sendo baleado no pescoço se disseminaram pelas redes sociais. Um suspeito chegou a ser preso logo em seguida ao crime, e o presidente Donald Trump tratou de inflar a disputa ideológica imediatamente. Culpou a "esquerda radical" por "demonizar aqueles de quem se discorda". O desenrolar das investigações evidenciou que veredictos não podem ser instantâneos.

Nova página. Por Merval Pereira

O Globo

Veremos se Tarcísio, com a radicalização que demonstrou nos dias recentes, não perdeu boa parte da centro-direita, da direita dita civilizada, abrindo espaço a outro governador, como Ratinho Junior, do Paraná, ou Ronaldo Caiado, de Goiás

A manobra que o presidente da Câmara, Hugo Motta, articula nos bastidores — derrotar a proposta de anistia ampla, geral e irrestrita para, em seu lugar, aprovar outra, que abra a condição de o Supremo Tribunal Federal (STF) reduzir penas já dadas aos integrantes da “massa de manobra” da intentona do 8 de janeiro de 2023, mas sem atingir os organizadores e financiadores da tentativa de golpe — pode ser arriscada, mas é uma solução para não pressionar o Supremo, que acabou de condenar os integrantes do “núcleo crucial”.

Sócios do golpismo sob a mira de mais delações. Por Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Benefícios de Cid aquecem novamente o mercado de delações e facilitam a captura daqueles que, na política e no setor privado, engancharam os vagões seculares do atraso na carona da locomotiva golpista

O Supremo Tribunal Federal não se limitou a promover uma condenação inédita na história das quarteladas do país, também abriu as portas para que as delações sejam novamente recebidas na sala de visitas do combate à impunidade. O julgamento coincide com uma operação policial que pode levar ao banco dos réus aqueles que pegaram carona na irresponsabilidade bolsonarista que colocou o país no pódio de mortes da covid-19. Impunes, prosseguiram no assalto aos aposentados. E não apenas.

O ministro Flávio Dino foi o primeiro a demonstrar que as ações sob seu comando também podem ganhar um gás com a ressurreita delação. Nesta segunda, o ministro suspendeu repasses às emendas Pix de nove municípios, entre os quais duas capitais (Rio de Janeiro e Macapá), com base em relatório da Controladoria-Geral da União, e ainda encaminhou o apanhado para a Polícia Federal investigar os indícios de crime.

Mesmo condenado, Bolsonaro pauta agenda política. Por Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

A chamada “pacificação nacional” é defendida pelos bolsonaristas como eufemismo para impunidade. É uma encruzilhada: anistiar o crime de golpe de Estado ou enfrentar o risco de radicalização e instabilidade institucional

Menos de uma semana depois de ter sido condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a 27 anos e três meses de prisão por tentativa de golpe de Estado e outros quatro crimes, o ex-presidente Jair Bolsonaro segue ditando a pauta política em Brasília. Embora em prisão domiciliar, continua articulando com aliados para reverter o efeito de sua condenação. Ontem, sua defesa pediu ao ministro Alexandre de Moraes autorização para receber visitas de lideranças estratégicas, entre elas o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e o relator do projeto de anistia na Câmara, deputado Rodrigo Valadares (União Brasil-SE), que já apresentou parecer favorável à medida.

Bolsonaro conserva a capacidade de mobilizar sua base parlamentar e tensionar as instituições. Na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a proposta de anistia avança com o apoio do PL e de setores do Centrão, sob a narrativa de “pacificação nacional”. Mas, na prática, funciona como um instrumento para esvaziar a decisão histórica do STF e abrir caminho para sua reabilitação política.

Como dialogar com o discurso do ódio. Por Fernando Gabeira

O Globo

Quem não assume cegamente um dos lados do conflito estará sujeito sempre a um nível de hostilidade

Tirei férias das atividades cotidianas na televisão. Tempo de estudo tranquilo para chacoalhar a ignorância, matar a curiosidade. A última semana foi intensa. Um longo júri no Brasil, Nepal em chamas, tensão na França, o assassinato de Charlie Kirk em Utah. Uma das questões que me vieram à cabeça durante o julgamento de Bolsonaro: seria possível fazer júris simulados nas universidades como organizávamos no passado?

Neles, os estudantes eram os defensores e promotores. Pelos conflitos da mesma semana passada na Universidade Federal do Paraná, creio que um júri desse tipo poderia terminar em pancadaria.

Sinto saudades do tempo em que se debatia com respeito pelas posições alheias. E a pergunta é esta: será que, diante da hostilidade atual, o gênio pode voltar para a lâmpada?

A força. Por Pedro Doria

O Globo

Não importa se Tyler Robinson é de direita ou de esquerda. Ele é movido a ódio

Existe uma razão para tanto a esquerda quanto a direita jogarem para o lado adversário o acusado do assassinato do ativista americano Charlie Kirk. É porque os sinais emitidos por Tyler Robinson, em sua vida, são mesmo confusos. Nas balas que estavam no rifle usado no crime havia inscrições como “Bella Ciao”, hino antifascista italiano, ou acenos em favor de pessoas trans. Ao mesmo tempo, ele vem de uma família profundamente trumpista, e em sua vida on-line está clara uma aproximação dos groypers, movimento de extremíssima direita. O certo é que Robinson, de 22 anos, é um gamer ativo nesses lugares da internet frequentados por muitos rapazes como ele. Solitários. Ressentidos. E, se paramos para reconhecer que ele simplesmente não tem ideologia definida, os sinais que emitiu podem nos trazer clareza não só sobre o assassinato, como também sobre o momento da política.

É unânime: houve uma tentativa de golpe de Estado no Brasil. Por Maíra Fernandes e João Vicente Tinoco

Correio Braziliense

Mesmo a análise divergente do ministro Luiz Fux — tão festejada pelo bolsonarismo — reconhece que a prova dos autos mostra a existência do atentado contra a democracia

Nas últimas semanas, o Supremo Tribunal Federal (STF) foi palco de dias históricos para o país. Pela primeira vez por aqui, um ex-presidente da República foi julgado por tentar golpear a democracia e subverter o Estado Democrático de Direito. Ao lado de Jair Bolsonaro, ocuparam o banco dos réus, na condição de próceres da aventura golpista, militares das Forças Armadas e influentes integrantes de seu governo. Com a sonora condenação proclamada na última quinta-feira, a Corte anuncia que golpes e quarteladas — práticas, infelizmente, frequentes na história brasileira — não encontram mais lugar em nossa experiência democrática pavimentada pela Constituição Cidadã. 

A anistia e a aberração sistêmica. Por Lenio Streck, Pedro Serrano e Mauro Menezes

Correio Braziliense

Seria um monumento à insensatez dizer que, se a Constituição proíbe anistia a grupos armados civis e militares, poder-se-á permitir anistia a quem tenta destruir a democracia

Uma falsa polêmica está no ar. Condenados os golpistas, começam a leituras jurídicas deformadas. Agora sobre anistia, assim já foi com o artigo 142 da Constituição Federal (CF), quando alguns defendiam que as Forças Armadas seriam uma espécie de poder moderador. Acreditaram naquilo que o Supremo Tribunal Federal (STF) denunciou como "terraplanismo jurídico". Deu no que deu. A fraude interpretativa fomentou o golpismo, culminando com o 8 de Janeiro.

Agora, a lenda em construção é: a anistia seria constitucional porque não haveria vedação expressa na Constituição. Já adiantaremos nossa tese: a CF proíbe, sim, a anistia. E o STF, lendo corretamente o texto constitucional, já disse ser inconstitucional. 

O bem que Bolsonaro fez. Por Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Quem condenou generais à prisão e à desgraça não foi Alexandre de Moraes, foi Jair Bolsonaro

Quiseram os deuses, o destino, as circunstâncias e a história que fosse justamente um “mau militar”, cadete medíocre e capitão insubordinado, o agente do que nem os grandes juristas ou políticos haviam conseguido até este 2025: prisão, desonra e desgraça de oficiais das maiores patentes por tentativa de golpe de Estado. Quem condenou generais, um tenente-coronel e um almirante, além de dois delegados federais, não foi Alexandre de Moraes, foi Jair Bolsonaro.

Traição light. Por Carlos Andreazza

O Estado de S. Paulo

O mundo real se impõe e faz acelerar. O julgamento dos golpistas acuou o bolsonarismo puro-sangue, decretou o fim de 2025 e projetou no porvir a perspectiva de um novo esquema de poder. A rapaziada saliva ante a chance de partilhar a esplanada – de controlar a corda e a caçamba – com Jair encostado, seja preso ou indultado. A perspectiva de trair com respeito.

Estamos no pós-Bolsonaro, em função do que todos os agentes políticos e econômicos se orientam; até os Bolsonaro, ora empurrados à condição de reagentes. (Condição sine qua non para o exercício do imponderável, da qual poderá ascender uma dissidência desafiante como a encarnada por Pablo Marçal.)

Creem os militantes em seus mitos? Por Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Caso do Pizzagate mostrou que a maioria dos que diziam acreditar numa narrativa ideológica não agiram de acordo com a crença

Militantes políticos acreditam de verdade nas narrativas que seus grupos impulsionam? Um experimento natural mostra que não ou, pelo menos, não cegamente.

Em 2016, durante a campanha presidencial americana, ganhou corpo a teoria conspiratória do Pizzagate, segundo a qual membros do Partido Democrata, incluindo Hillary Clinton, faziam parte de uma quadrilha que aprisionava crianças no porão de uma pizzaria em Washington, a Comet Ping Pong, para utilizá-las como escravas sexuais. Pelas pesquisas, milhões de americanos "acreditavam" no Pizzagate, mas um único indivíduo, Edgar Welch, tomou a atitude compatível com sua crença e tentou libertar as crianças. Armado, ele invadiu a Comet. Após cerco policial, foi preso.

A hora do vamos ver. Por Dora Kramer

Folha de S. Paulo

A direita vive um paradoxo, porque onde impera o radicalismo não é possível prosperar a moderação

Enterrada a fantasia de que Jair Bolsonaro (PL) possa pela arte do impossível vir a ser candidato à Presidência da República em 2026 ou enquanto estiver submetido à pena de quase três décadas imposta pelo Supremo Tribunal Federal, a direita terá de falar sério sobre a próxima eleição.

A realidade impõe o desafio de herdar os votos dos radicais e, ao mesmo tempo, conquistar o apoio dos moderados. Tarefa difícil, dado o paradoxo. Onde reina o radicalismo, por óbvio não viceja a moderação.

Chefes da direita já ignoram o mito em desgraça. Por Alvaro Costa e Silva

Folha de S. Paulo

Ao acatar a decisão do STF, presidente do PL revela o enfraquecimento do clã Bolsonaro

E o mundo não se acabou... Na esteira da condenação de Bolsonaro a 27 anos e três meses de prisão, não houve registros de alguém dançando em trajes de maiô e beijando a boca de quem não devia. O sol não nasceu antes da madrugada. Houve sim um pequeno Carnaval improvisado em ruas e bares, com o Rio na vanguarda da folia, mas nada que lembrasse a catarse coletiva descrita no samba de Assis Valente gravado por Carmen Miranda.

Charlie Kirk vive. Por Joel Pinheiro da Fonseca

Folha de S. Paulo

Influenciador tinha muitas opiniões detestáveis, mas sua única arma era a palavra

É de se imaginar que, dentre aqueles que se creem defensores da democracia, seria consenso que assassinar adversários políticos é um ato reprovável. Aparentemente, não é. E isso ficou claro com as reações ao assassinato do ativista americano de direita Charlie Kirk.

Não foram poucas as celebrações e mesmo as defesas do atirador. As posições de Kirk eram tão horríveis, e sua veiculação tão violenta contra diversos grupos, que a bala que o matou era quase uma legítima defesa das minorias oprimidas.