domingo, 28 de agosto de 2022

Luiz Werneck Vianna* - Lembrar Maquiavel

Ainda não chegamos, mas estamos bem perto de nos livrar do governo que, por todos os meios, atuou obsessivamente no sentido de erradicar a obra da democratização do país que culminou com a promulgação da Carta de 88. Na perseguição desse objetivo tinha em mira repor o regime do AI-5 maquiado a fim de remover obstáculos, sociais, políticos e culturais que travavam uma plena imposição de um capitalismo de estilo vitoriano seguindo as pistas abertas por Margareth Tatcher, Ronald Reagan que Trump visava atualizar. Ao contrário da aparência tosca e descuidada, a rigor o governo Bolsonaro nasce orientado por uma estratégia a que não faltava sofisticação e abrangência de propósitos, animado pela convicção de que lhe era necessário destruir as bases tradicionais sobre as quais se assentava nossa cultura política, no firme objetivo de enraizá-las em terreno tecnocrático refratário à política. Seu lema foi o de que não existe essa coisa chamada de sociedade, ecoando a frase célebre de Tatcher.

A opção pelo capitalismo iliberal, defendida canhestramente por Paulo Guedes, seu ministro da Fazenda, emprestou roupagem nova ao capitalismo pirata que teve livre curso, em boa parte pela imobilidade forçada da sociedade pela disseminação da cruel epidemia que se abateu sobre o país. Esse fato funéreo foi comemorado pelo ministro do meio ambiente em tom álacre, Ricardo Salles, em frase imorredoura que aludiu a queda de resistência à passagem de boiadas à doença que mortificava o país. Não houve dimensão ignorada pelo afã destrutivo das hostes bolsonaristas, em especial na área da educação, na da saúde, e de todas as agências reguladoras do meio ambiente, sempre no objetivo declarado de torná-las docemente compatíveis à expansão da acumulação capitalista e seus valores.

‘A democracia é uma planta que devemos regar todos os dias’, diz ex-presidente do Chile Ricardo Lagos

Por Janaina Figueiredo / O Globo

Aos 84 anos, chileno destaca impacto das eleições do Brasil para a América Latina, defende políticas de distribuição de renda e reforça necessidade de fortalecimento das instituições

Não são tempos fáceis na América Latina, e a eleição presidencial brasileira desperta interesse e expectativa entre presidentes de outras épocas, que são referências regionais e mundiais. É o caso do chileno Ricardo Lagos (2000-2006), primeiro presidente socialista a assumir o poder em seu país depois de Salvador Allende (1970-1973), derrubado pelo golpe de Augusto Pinochet. Em entrevista ao GLOBO, Lagos afirmou que “as democracias devem ser cuidadas e mantidas”.

Infectado pela primeira vez pela Covid-19, o ex-presidente, de 84 anos, falou sobre o drama da desigualdade na região, defendeu reformas tributárias profundas, a necessidade de que a América Latina tenha uma única voz para enfrentar os novos desafios globais e de que os presidentes falem com franqueza de suas limitações e possibilidades. “Um presidente é o principal comunicador de um país, deve saber se conectar com as pessoas e deve dizer a verdade”, frisou Lagos.

Qual é sua expectativa sobre a eleição presidencial no Brasil?

Merval Pereira - Cabo de guerra

O Globo

Candidatos à presidência, com exceção de Bolsonaro, tentam se livrar do orçamento secreto, que dá ao Legislativo o controle sobre o Executivo

Entre os candidatos à presidência da República, apenas o presidente Bolsonaro não critica o “orçamento secreto”. É o seu “mensalão”. Os demais procuram jeito de se livrar da verdadeira tutela imposta ao Executivo pelo Legislativo, diga-se Centrão. Essa situação não nasceu da noite para o dia, deu-se como uma reação do Legislativo ao controle do Executivo sobre o orçamento, mas acabou criando outra disfuncionalidade, o controle do Legislativo sobre o Executivo.

Como já dizia o ex-deputado Ulysses Guimarães, presidente da Câmara dos Deputados três vezes, na última acumulando com a presidência da Constituinte: “Presidente da República sem o Congresso não governa. Não governa no Brasil nem em nenhuma democracia do mundo. Governo solidário, integrado, condominial, é o que ordena a Constituição. Ela repudia a ingovernabilidade do governo solitário, em que o destino de milhões de seres humanos depende de apenas uma cabeça. O que o presidente da República faz, o Congresso pode desfazer”.

Míriam Leitão - Voto dos pobres e combate à pobreza

O Globo

O Brasil está dividido em várias questões, mas uma fratura na escolha do eleitor é muito reveladora do país que somos. Os pobres votam em Lula na esperança de um ambiente econômico que os favoreça, os não pobres de qualquer nível de renda dão mais votos a Bolsonaro. O Brasil precisa ter foco no resgate dos pobres, mas isso exigirá do próximo governo políticas fortes e precisas para atacar o agudo da crise, e muita capacidade de escolha e decisão sobre o uso dos recursos públicos. O combate à pobreza é uma emergência.

Nada resolverá quem nega a existência do problema. O presidente Bolsonaro em mais uma odiosa declaração negou que a fome exista no país. Ela é uma realidade gritante e, ao dizer o que disse, Bolsonaro só mostra que governante desprezível ele é.

Na realidade, o que se vê é um país que aprofunda suas divisões de renda. Na Central das Eleições da Globonews, o comentarista Mauro Paulino fez uma pergunta à pesquisa Datafolha. O que acontece com todos os outros recortes — religião, cor da pele, região e gênero — se incluirmos a variável renda como o grande divisor. Ou seja, como votam os pobres evangélicos, católicos, negros, brancos, homens e mulheres, e de qualquer parte do país? O resultado foi impressionante, e os números foram analisados na Central sob o comando de Natuza Nery. Em resumo, os pobres votam majoritariamente em Lula. Entre os não pobres há vantagem para Bolsonaro.

Elio Gaspari - Lula precisa de um dublador

O Globo

As regras das entrevistas ao Jornal Nacional não permitem que a fala dos candidatos venha pela voz de um dublador, mas ele teria ajudado a Lula. O candidato que disse ser necessário “pacificar este país”, que política “se faz conversando” e que “adversário não é inimigo” temperou suas respostas com um tom agressivo, algumas oitavas acima do que pede um estúdio.

Ecoava mais o líder sindical falando no estádio de Vila Euclides no milênio passado do que o Lula presidente de 2003 a 2010.

Lula resolveu seguir na campanha carregando as bolas de ferro da corrupção instalada no seu governo. Primeiro a do mensalão, depois a sua responsabilidade, ainda que indireta, nas propinas cobradas em obras públicas, sobretudo na Petrobras.

Erros, (“equívocos”, nas suas palavras) quem cometeu foi a sucessora, Dilma Rousseff. Logo ela, que tentou limpar a Petrobras e não conseguiu. Ele, repetiu, foi considerado o melhor presidente que o país já teve. Nos primeiros meses de seu mandato, áulicos atribuíam aos seus poderes a remissão do câncer de um amigo. O perigo mora na possibilidade dele acreditar nisso, mesmo sabendo que o amigo morreu meses depois.

Lula mostrou-se disposto a reverter o rumo da economia e repetiu uma receita que já deu errado.

A estridência do candidato estragou a resposta em que tratou do agronegócio. A aliança de Bolsonaro com os agrotrogloditas só trouxe constrangimento para os agroempresários. Ele diz a verdade quando afirma que o Movimento dos Sem Terra de hoje é outro. Isso, contudo, não é apanágio dos governos petistas. Já não corresponde aos fatos a afirmação de que o MST só invadia terras improdutivas. Invasores cobravam até resgate para não ocupar fazendas vizinhas.

Luiz Carlos Azedo - Simone Tebet, uma grata surpresa no Jornal Nacional

Correio Braziliense

A candidata do MDB foi muito cobrada pelos entrevistadores da Globo por seu desempenho como vice-governadora do Mato Grosso do Sul, cargo que exerceu antes de ser eleita senadora

Para a maioria dos eleitores que acompanharam as entrevistas dos candidatos à Presidência aos jornalistas William Bonner e Renata Vasconcellos, no Jornal Nacional (Rede Globo), Simone Tebet (MDB) foi uma grata surpresa, quando nada porque era muito menos conhecida do que os seus concorrentes: o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que governou por dois mandatos, o presidente Jair Bolsonaro (PL), que tenta a reeleição, e Ciro Gomes (PDT), que disputa o comando do Palácio do Planalto pela quarta vez.

Simpática, bonita, firme, experiente, segura e com boas propostas, a entrevista serviu para que se descolasse dos caciques do MDB, que podem aumentar sua rejeição sem lhe dar um voto, e tentasse uma conexão direta com os eleitores, até porque não tem outra alternativa. Simone está sendo “cristianizada” abertamente pela ala da legenda engajada na volta de Lula ao poder, principalmente no Nordeste e no Sudeste, e as lideranças do Sul, Centro-Oeste e Norte do país que fazem parte da base de sustentação de Bolsonaro. Não foi à toa que citou como referências da legenda, além de Ulysses Guimarães e Tancredo Neves, apenas os ex-governadores Pedro Simon (RS) e Jarbas Vasconcellos (PE), que estão vivos.

Janio de Freitas – Nas bordas do bolsonarismo

Folha de S. Paulo

Ação contra empresários ocorre sem abusos como os de Moro e Dallagnol

Entre ricos empresários brasileiros, é comum uma capacidade muito especial, algo como um poder magnético, que se ativa com presteza automática sempre que seu portador que se vê em encrenca ou desejoso de novas benesses.

Nos inumeráveis segmentos de atividades, só militares têm capacidade semelhante, até como característica nacional, e talvez pelo entendimento mútuo das duas classes.

busca policial nas casas de oito integrantes do grupo Empresários & Política desencadeou uma chuva de urgências de desagrado, de início meio encabuladas, em sites, blogs, jornais, TVs e rádios.

Escritas e ditas por colunistas, colaboradores, advogados menos ou mais advocatícios e bolsonaristas não lembráveis. Todos com ressalvas ou críticas à "ordem" do ministro Alexandre de Moraes para a ação policial contra os empresários flagrados em considerações pró-golpe.

"Moraes assumiu um risco alto", "operação controversa da PF", "simples conversa sobre golpe não é crime", "só falas sobre golpes não indicam crimes" —as formas variaram, não a preocupação com a pureza judicial ferida pelo excesso (como dizem os militares) de um ministro do Supremo.

Muniz Sodré* - Demônios na goiabeira

Folha de S. Paulo

Desde a espantosa afirmação de uma ministra de que viu Jesus Cristo trepado numa goiabeira, a nação não tinha ouvido informação tão intrigante quanto a da primeira-dama, segundo a qual o Palácio do Planalto era antes povoado por demônios.

Até aí, o relato oscila entre o escopo sobre-humano das crenças e o das exaltações visionárias. É uma questão de afinidade privada. Torna-se pública quando ela vai mais além para garantir que o real chefe do governo é aquele já descido, não da cruz (símbolo da entrega sacrificial), e sim da goiabeira: o próprio Jesus.

Notoriamente, entidades religiosas e articulistas detectaram aí um laivo de terrorismo religioso, por contrariar o pluralismo das crenças e o princípio de laicidade do Estado. Mas o fato ganha uma conotação particular quando confrontado a um pequeno episódio da celebração democrática nas Arcadas do Largo São Francisco: a professora Eunice de Jesus Prudente, uma das leitoras da Carta aos Brasileiros, com pulseira de búzios e blazer amarelo, emocionou a todos ao se descrever como mulher preta, zeladora de Oxum.

Bruno Boghossian – Em busca do voto crítico

Folha de S. Paulo

Ex-presidente trabalha para que eleitor fora da esquerda continue a seu lado e saia de casa para votar

A campanha de Lula ainda trata com alguma cautela o que se apresenta como uma espécie de voto crítico na disputa deste ano. A entrevista ao Jornal Nacional foi um exercício do ex-presidente para consolidar e tentar ampliar o apoio de um eleitorado que não se considera totalmente alinhado a seu projeto político e, em alguns casos, chega a operar nos limites do antipetismo.

Lula levou à bancada do telejornal um discurso contra três conhecidos gatilhos de rejeição nesse segmento: corrupção, alinhamento a ditaduras de esquerda e o governo Dilma Rousseff. O petista reconheceu desvios, falou em alternância de poder e admitiu decisões equivocadas na gestão de sua sucessora.

Hélio Schwartsman - Coração imperial

Folha de S. Paulo

Recepção de órgão de d. Pedro é espetáculo grotesco (e meio nojento)

Ainda não consegui decidir se acho a recepção do coração de dom Pedro 1º com honras de Estado um espetáculo apenas grotesco ou grotesco e nojento. Estamos, afinal, falando de um músculo cardíaco já meio necrosado, que só não se decompôs inteiramente porque é guardado num jarro cheio de formol. Surpreende-me que adultos supostamente racionais dos dois lados do Atlântico cultuem um pedaço de cadáver, baseados na falsa crença de que o miocárdio retenha magicamente as virtudes de quem o portou.

Se a exibição do coração imperial tem algo de duvidoso, o fenômeno psicológico que a sustenta, o essencialismo, é dos mais fascinantes. Ele está na origem de algumas das melhores e das piores características de nossa espécie.

Eliane Cantanhêde - Ligando o botão da TV nas eleições

O Estado de S. Paulo

Na TV, religião e ‘bem contra o mal’ versus comida e ‘o pior e o melhor presidente do Brasil’

A televisão entrou com tudo na campanha eleitoral, a partir da semana passada, com as entrevistas para muitos milhões de brasileiros no Jornal Nacional, da TV Globo, e o início da propaganda eleitoral obrigatória, que recupera prestígio, investimento e sua capacidade de atingir faixas imensas do eleitorado e, assim, pesar no resultado.

Se 2018 foi um ponto fora da curva sob vários aspectos, com a internet sendo decisiva para o improvável Jair Bolsonaro, 2022 mantém a força das redes, mas recoloca a importância da TV, como sempre. Geraldo Alckmin somou o PSDB, os tradicionais aliados e o Centrão, com mais de cinco minutos na propaganda na TV, mas teve menos de 5% de votos. Já Bolsonaro captou a força da internet e, com a facada, acrescentou a isso uma fantástica exposição em rádios, televisões e jornais.

Affonso Celso Pastore* - Estados Unidos e Europa

O Estado de S. Paulo

O Brasil deixará de contar com o impulso da economia mundial para crescer

Em junho, o FMI voltou a reduzir a projeção de crescimento mundial em 2023, e novos dados dos EUA e da Europa indicam que outras reduções devem ocorrer. Uma das consequências é que o Brasil não poderá contar com o impulso da economia mundial, que em 2022 contribuiu para o crescimento do PIB acima de 2%.

Em Jackson Hole, Jerome Powell reafirmou que o Fed continuará elevando a taxa de juros, mantendo-a em território restritivo até que a inflação seja dominada. A significativa desobstrução das cadeias de suprimento revelada pelo indicador do NYFED joga por terra a tese de que a inflação atual seria de custos. E, no entanto, esta é a hipótese surpreendentemente defendida por Stiglitz, um ganhador do Prêmio Nobel, e publicada com destaque na última quinta-feira, sob a alegação de que, ao inibir os investimentos necessários para normalizar a produção e domar uma inflação supostamente de custos, a taxa de juros mais alta elevaria a inflação.

Bernardo Mello Franco – Um perdão para Olga

O Globo

Militante comunista foi morta há 80 anos na câmara de gás; tribunal concordou que ela fosse entregue à Alemanha nazista pelo governo Vargas

A ministra Cármen Lúcia propôs que o Supremo Tribunal Federal peça perdão pela deportação de Olga Benário. A militante comunista estava grávida quando o tribunal autorizou o governo de Getúlio Vargas a entregá-la à Alemanha nazista. Sua morte na câmara de gás completou 80 anos em abril.

O processo de Olga reúne algumas das páginas mais sombrias da história do Supremo. Em março de 1936, a revolucionária alemã foi presa no Rio com o marido, Luís Carlos Prestes. Os dois eram procurados desde o levante frustrado na Praia Vermelha, no ano anterior. Para atingir Prestes, o governo resolveu expulsar Olga. Nas palavras do então ministro da Justiça, Vicente Rao, ela seria “perigosa à ordem pública e nociva aos interesses do país”.

Na tentativa de salvá-la da Gestapo, o advogado Heitor Lima apostou numa estratégia incomum. Em vez de alegar sua inocência, apenas reivindicou que ela continuasse presa no país. Argumentou que a alemã estava grávida de um brasileiro, e que o bebê também seria punido com a deportação. Ele ainda sustentou que a cliente teria desistido da revolução para se dedicar à maternidade. Assim, seria a única pessoa capaz de “regenerar” o lendário Cavaleiro da Esperança.

Flora Süssekind: ‘Senti necessidade de observar o Brasil sob a extrema-direita’

Uma das principais críticas literárias do país, autora lança 'Coros, contrários, massa', seu primeiro livro em 10 anos

Por Bolívar Torres / O Globo

Há reflexões que acompanham a vida de um pesquisador por muitos anos. Uma das maiores críticas literárias do país, Flora Süssekind levou uma década para reunir em livro os seus anseios intelectuais mais recentes. O resultado é “Coros, contrários, massa” (Cepe), que põe fim a uma longa espera por lançamentos da professora e pesquisadora. Com 20 textos ampliados e dois ensaios inéditos, o livro explora diversos desdobramentos sobre a questão do coro, ao qual a autora vem se dedicando.

Na construção do pensamento crítico de Flora, o coro é uma chave para entender as multiplicidades de vozes que formam a nossa experiência contemporânea. A autora mira o inquieto horizonte cultural e político, sem tirar os olhos do retrovisor. Sobrepondo passado e presente, cinema, artes plásticas e literatura, vai de João Cabral de Melo Neto e Clarice Lispector às tirinhas de André Dahmer, passando pela produção de escritores da atualidade como Veronica Stigger e Angélica Freitas.

Contracoro

O livro chega um ano após a polêmica saída da autora da Casa de Rui Barbosa, onde ela atuou como pesquisadora por quase quatro décadas. Era o auge da tensão entre os servidores e a presidente da entidade, Letícia Dornelles. Ao ser empossada, em 2019, ela exonerou de seus cargos Flora e outros quatro chefes de pesquisa. Flora poderia ter ficado, mas resolveu se aposentar da Casa Rui.

— É claro que a conjuntura política do país teve papel decisivo na demora (em lançar o livro) — conta Flora. — Eu perdi um coro de que fazia parte desde bem jovem, o centro de pesquisa da Casa Rui. Isso é muito forte, claro. Mas senti sobretudo necessidade de observar o que aconteceria no Brasil sob um governo de extrema-direita, de observar os coros da ultradireita. E contrastá-los aos contracoros trabalhados em experiências artísticas que, nesse contexto, se imporiam com inteligência crítica e autonomia. Assim como ao desânimo, à paralisia, à espera que acometeriam a muitos de nós.

Cacá Diegues - Política criação

O Globo

'Qualquer que seja o nosso candidato, somos obrigados a lembrar o que fez e sobretudo o que pensa sobre nós'

O cinema brasileiro sempre teve problemas com o Estado e era normal que fosse assim. Os políticos sempre têm críticas à criação, pois cabe aos políticos tentar convencer a população de que ela se comporta do jeito que precisa se comportar; enquanto à criação cabe dizer que ainda há um futuro a percorrer. Enquanto aos políticos é natural afirmar que aquilo que a população desejava deles está sendo cumprido, aos criadores cabe propor cenários inéditos de acordo com sua imaginação e ideologia pessoais. Ao diálogo de quem está no poder, equivale uma reação dos que sonham em inventar um novo mundo. Se aos políticos cabe justificar os votos que receberam, aos criadores cabe inventar novas alternativas, sem ser obrigado a acertar em todas elas.

Desde o início da redemocratização do Brasil, de Sarney a Temer, esse embate produzia a energia necessária para que as forças de cada lado acertassem suas preferências. E essas se tornavam sugestões à população, que as podia aceitar ou não.

Cristovam Buarque* - Felizmente temos Lula

Blog do Noblat / Metrópoles (27/8/22)

Lula demonstra que está mais experiente e em condições de corrigir equívocos durante seus dois governos

O Brasil está sem coesão no presente e sem rumo para o futuro. Entre os candidatos atuais à Presidência da República, Lula tem mais habilidade, liderança e experiência para reunir políticos de diversos partidos, empresários e trabalhadores, universitários e iletrados, ambientalistas e agronegócio, com o intuito de buscar esta coesão. Demonstra mais capacidade para usar esta coesão com o propósito de retomar rumo para o Brasil: aproveitar as janelas de oportunidade que a crise mundial oferece e usar os recursos que dispomos para a promoção de um desenvolvimento sustentável, justo, democrático e com eficiência.

Marco Antonio Villa - O que aconteceu com o Brasil?

Revista IstoÉ

O País hoje é quase como um daqueles problemas matemáticos que permanecem séculos para serem decifrados

Não será tarefa fácil para o pesquisador quando se debruçar sobre o Brasil de 2022 como objeto de estudo. O historiador poderá contar com fontes primárias e secundárias, com arquivos pessoais e com depoimentos, se assim o desejar, de atores – protagonistas ou não – da conjuntura política. Apesar disso, não creio que conseguirá obter respostas imediatamente. Pode ser que o tempo, o desenrolar da nossa história seja um aliado. Pode ser. Contudo, a complexidade do momento histórico vai levar o pesquisador para alguns temas de difícil explicação. 

Como compreender historicamente – no sentido  de Lucien Febvre – as eleições de 2018? O que aconteceu com o Brasil? E, mais concretamente, o que aconteceu conosco? Que País era aquele que elegeu um incapaz para a Presidência da República? No primeiro turno foram apresentados diversos candidatos que tinham história, programa e compromisso com a democracia. Mas o eleitor desconsiderou. Qual a razão? Foi só um voto de protesto ou algo mais?

Eugênio Bucci - Alguma coisa no eleitor ainda é analógica

O Estado de S. Paulo (27/8/22)

Para começar, tenhamos bem claro: até aqui, o evento de maior impacto na campanha eleitoral para a Presidência da República foram as sabatinas com os candidatos no Jornal Nacional. Foi a TV, não foram as redes sociais. Não foram os canais no Youtube, não foram as correntes de baboseiras no Whatsapp ou no Telegram, mas a velha televisão de sinal aberto que gerou o fato mais determinante da corrida eleitoral. As duas entrevistas de maior repercussão, a de Bolsonaro, na segunda-feira, e a de Lula, anteontem, foram vistas por cerca de 42 milhões de pessoas (a audiência do primeiro ficou pouca coisa acima, mas, em ordem de grandeza, ambos alcançaram o mesmo patamar). Com elas, o Jornal Nacional bateu recordes de público. Algo como um quinto ou um quarto dos habitantes do País grudou na tela para ver Renata Vasconcellos e William Bonner entrevistando (e bem) o atual presidente e seu maior rival, o ex-presidente Lula.

Luiz Carlos Azedo - Lula nadou de braçada na entrevista do JN

Correio Braziliense (27/8/22)

Nas redes sociais, 15 milhões de pessoas acompanharam as postagens sobre a entrevista de Lula ao JN, mais do que a audiência de Bolsonaro, que foi de nove milhões

Quem esperava uma entrevista pesada, como a do presidente Jair Bolsonaro, na segunda-feira, certamente ficou surpreso com a sabatina do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva aos jornalistas William Bonner e Renata Vasconcellos, no Jornal Nacional (TV Globo), na quinta-feira. O clima de grande expectativa em torno da entrevista, decorrente do histórico de desentendimentos entre o líder petista e a emissora, foi desanuviado logo no começo, quando o âncora do programa jornalístico de maior audiência da televisão brasileira, ao formular sua pergunta sobre a corrupção nos governos petistas, fez a ressalva de que o ex-presidente não devia nada à Justiça.

Daí para a frente, Lula ficou à vontade, ora sorridente, ora veemente, respondendo às perguntas de acordo com sua conveniência. Algumas vezes, tergiversou; outras, mandou recados aos diferentes públicos que pretende seduzir na campanha eleitoral. Foi o caso da nomeação do novo procurador-geral da República, caso seja eleito. O petista deixou no ar se aceitará a lista tríplice tradicionalmente eleita pelos procuradores, como fez durante seu governo. Sem nunca perder a elegância, foi mais atencioso com Renata Vasconcellos do que com Bonner. O Lula ressentido dos palanques eleitorais deu lugar à nova versão do Lulinha Paz e Amor, 20 anos depois. O petista estava de bem com a vida e convicto de que sua volta ao poder, em parceria com o ex-tucano Geraldo Alckmin, é a chave para resolver os problemas do país.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

Privatizar é bom

Folha de S. Paulo

Cumpre desfazer falsas noções sobre o bem-sucedido programa de desestatização

O enriquecimento dos povos depende da produtividade do trabalho. Quanto mais bens e serviços produzidos por hora trabalhada, mais próspera será a sociedade.

A fórmula historicamente mais eficaz de impulsionar a produtividade é deixar a tarefa de empreender a indivíduos livremente associados em organizações privadas, as quais competem entre si para obter o maior lucro possível.

Aos governos cumpre zelar pelos bens públicos —saúde, educação, renda mínima, segurança, infraestrutura, isonomia e competição— seja diretamente, seja por intermédio de operadores privados devidamente monitorados e fiscalizados por agências reguladoras.

Se o mercado funcionar adequadamente, haverá mais bem-estar material a ser partilhado pelo Estado. Se o setor público for eficiente nas suas tarefas precípuas, indivíduos instruídos, a despeito de sua origem familiar, catapultarão a produtividade, e as desigualdades serão reduzidas. Os dois polos completam uma engrenagem que se autoalimenta rumo ao progresso.

Cerca de três décadas depois de iniciado o bem-sucedido processo de venda de empresas estatais e concessões de serviços públicos, no entanto, o tema ainda suscita controvérsias na sociedade brasileira.