segunda-feira, 7 de novembro de 2022

Fernando Gabeira - A versão tropical do ataque ao Capitólio

O Globo

O caminho do próximo governo será muito difícil. Há dificuldades econômicas para cumprir suas promessas

Depois das eleições, pensei em voltar ao velho programa de leituras. Ilusão. As estradas foram bloqueadas, Bolsonaro demorou a reconhecer a derrota, multidões foram às portas dos quartéis pedir um golpe.

Antes de voltar aos livros, limitei-me a observar os estranhos discursos destes momentos no Brasil. No dia 8 de setembro de 2021, tentei viajar do Rio a Ilhéus e encontrei vários bloqueios na estrada. Lembro que, naquele dia, muitos caminhoneiros contavam com um golpe. Chegaram a comemorar abraçados na bandeira uma decretação de estado de sítio por Bolsonaro.

Nos dias posteriores às eleições, o tom não mudou. Vi imagens de pessoas ajoelhadas, rezando porque o ministro Alexandre de Moraes tinha sido preso; gente marchando desajeitadamente na frente de um tiro de guerra; gente cantando hino e fazendo uma saudação nazista. Vi até gente cantando o Hino Nacional em torno de um pneu. Seria uma homenagem à indústria automobilística? Um extremista abraçou-se a um caminhão e foi levado pela estrada, uma espécie de bloqueio ambulante.

Miguel de Almeida - O Brasil pós-goiabeira

O Globo

Derrota foi mensagem divina, caro cristão

Não é necessário enxergar Jesus na goiabeira para concordar com a turma da Regina Duarte: a eleição foi roubada.

Mesmo alguém da altura do general Heleno consegue ver os círios à distância — se na Terra nada acontece sem a vontade de Deus, a derrota foi mensagem divina, caro cristão.

Aleluia, irmão.

Aqueles dois Fábios (mesmo o genro arrependido), mais o balila da PRF e as patifarias do posto Ipiranga (sem gasolina por causa do bloqueio de seus companheiros) acabaram punidos ao desrespeitar o sétimo mandamento.

Os 7 milhões de votos a mais, depositados no segundo turno na equipe enfim derrotada, resultam do uso descarado da máquina. Somando com Ciro Nogueira, que é bom de conta: sem a caneta e as roubadas de mão, boa parte sob o silêncio da Justiça, jamais chegariam aos 58 milhões de votos.

Antônio Gois - Novos ares no MEC

O Globo

Como sempre ocorre logo depois da eleição, o noticiário político nas próximas semanas estará repleto de especulações sobre os nomes que comporão o ministério no novo governo. Independentemente do escolhido para a educação, uma das principais necessidades na área é a formação de uma equipe com preparo técnico, capaz de executar um projeto sólido e com clareza sobre objetivos a serem alcançados. Parece óbvio, mas não foi a regra nos últimos anos.

Entre vários percalços, um dos que mais afetou o MEC foi a descontinuidade. O governo Bolsonaro abusou desse pecado nos últimos quatro anos, mas o problema é anterior a ele, pois nove ministros se revezaram no cargo nos últimos oito anos. A crise política e econômica que assolou o segundo mandato de Dilma Rousseff fez com que, em 16 meses, três ministros ocupassem o posto (Cid Gomes, Renato Janine Ribeiro e Aloizio Mercadante). No também turbulento governo Temer foram dois os titulares da pasta (Mendonça Filho e Rossieli Soares da Silva).

Celso Rocha de Barros - Jair se mostrou no fim

Folha de S. Paulo

Presidente tentou golpe de estado e incentivou golpistas com silêncio

Jair Bolsonaro não deixou que a derrota na eleição presidencial abalasse sua rotina.

Na semana passada, tentou um golpe de estado e se absteve de trabalhar, como em qualquer outra semana dos últimos quatro anos.

Bolsonaro não reconheceu a legitimidade da eleição. Incentivados pelo silêncio do presidente, seus seguidores estão tentando dar um golpe ocupando estradas e protestando em frente aos quartéis, pedindo aos militares que, como em 1964, desertem, roubem as armas da República e as usem em favor de sua facção política preferida.

Só me resta agradecer você, Jair. Se você não tivesse continuado sendo golpista semana passada, a operação para fingir que você nunca fez nada demais nos últimos quatro anos já estaria em curso.

Em todos os momentos em que o establishment tentou fingir que você era um democrata, Jair, você foi nosso melhor aliado para provar que não.

Marcus André Melo* - A reinvenção de Lula

Folha de S. Paulo

Desproporcionalidade na alocação de pastas ministeriais foi a marca dos mandatos do ex-presidente, mas pode mudar

Lula anunciou que o novo governo não será do PT, mas da aliança de forças que se forjou no segundo turno das eleições. Se essa promessa se concretizar na forma clássica de partilha de poder, equivalerá a uma radical inversão.

Ela não se deve apenas ao fato de que o PT é muito menor hoje (68 deputados), à hegemonia da oposição no Congresso ou nos estados mais importantes da federação. Aqui a variável central é o resultado renhido das urnas; o país cindido.

A característica principal das coalizões dos governos Lula, no passado, foi a desproporcionalidade na alocação de pastas ministeriais. A concentração de pastas no PT e os métodos heterodoxos de premiação da fidelidade de parceiros produziram insatisfação e estão por trás do mensalão. Antecipa-se a inversão desse padrão.

Lygia Maria = A falácia da insanidade

Folha de S. Paulo

Tratar opositores pelo viés da loucura é expressão da bolha de parte da esquerda

Rodovias fechadas, civis marchando na frente de quartéis e até militante agarrado na frente de um caminhão em movimento. Todos pedindo intervenção militar.

Quem assistiu ao desenrolar de eventos logo após as eleições teve a impressão de que abriram as portas do hospício. Pelo senso de humor, sim, mas não caiamos na patologização psicológica, que tende a objetificar seres humanos: não por acaso, ideologias totalitárias tratam pessoas como coisas.

Se queremos entender e combater manifestações antidemocráticas, e não apenas sinalizar virtude, não faz sentido usar o mesmo método que rechaçamos.

Ana Cristina Rosa - É preciso saber perder

Folha de S. Paulo

Atos insanos ameaçam a governabilidade do país

Desde a redemocratização, "nunca antes na história deste país" se viu tanta mentira, tanta violência (política, de gênero, nas relações pessoais), tanta violação às regras do jogo, tamanho desrespeito às instituições quanto neste pleito de 2022.

Como se sabe, o vale tudo pelo poder incluiu ofensas pessoais a ministros da Suprema Corte, assédio eleitoraluso indiscriminado de verbas públicas e promessas sem lastro. Nem mesmo a fé professada pela maioria do povo (50% dos brasileiros se declaram católicos) foi respeitada.

Em que pese o fato de o Estado brasileiro ser laico, pareceu absolutamente adequado quando o papa Francisco evocou a intercessão divina da padroeira do Brasil em favor do nosso povo, pedindo que Nossa Senhora "Aparecida livre os brasileiros, do ódio, da violência e da intolerância."

Entrevista | Jairo Nicolau: ‘Olhando para hoje, nós viramos os Estados Unidos’

Por Rodrigo Carro / Valor Econômico

Perfil não polarizador de Lula deverá auxiliar na distensão política, diz cientista político Jairo Nicolau

O Brasil vive um momento de máxima semelhança com os Estados Unidos em termos de polarização política, mas - ao contrário da escalada de hostilidades entre democratas e republicanos - a tendência por aqui é de uma distensão ao longo dos próximos meses e anos do governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A distensão pode se dar na medida em que Lula seja capaz de atrair o apoio de partidos fora do campo da centro-esquerda, inclusive aqueles que estiveram ao lado do presidente Jair Bolsonaro (PL) na campanha eleitoral deste ano. O cenário - traçado pelo cientista político Jairo Nicolau, professor titular do FGV CPDOC - está sujeito à influência de uma miríade de fatores, como por exemplo o papel político que Bolsonaro assumirá após deixar o Palácio do Planalto, em janeiro.

Nicolau destaca que não se confirmou o pior cenário possível previsto por analistas em caso de uma derrota de Bolsonaro por pequena margem. Não houve insurreição das polícias militares nem apoio das Forças Armadas a atos antidemocráticos, mas a direita brasileira saiu extremamente fortalecida das eleições de 2022. Mesmo assim, faltaria combustível para impulsionar a radicalização política, uma vez que partidos e governadores que apoiaram Bolsonaro - como Cláudio Castro, no Rio de Janeiro - já demonstraram disposição para negociar com o futuro governo. “Provavelmente não caminharemos para uma polarização à esquerda", sustenta Nicolau, numa referência ao que ocorreu nos Estados Unidos, onde os democratas elevaram o tom para se contrapor ao extremismo de Donald Trump e seus partidários. 

A seguir os principais pontos da entrevista ao Valor:

Bruno Carazza* - O Centrão vai embarcar no governo Lula?

Valor Econômico

Transição inaugura fase das negociações políticas

O cafezinho de Bolsonaro nem bem esfriou e os vultos da República já procuram o próximo inquilino do Palácio do Alvorada.

Gilberto Kassab já apresentou sua fatura - e ela foi reajustada após a vitória apertada de Lula. Em entrevista à “Folha de S.Paulo”, o presidente do PSD declarou que seu partido é agora de centro-direita, e para aportar seus 42 deputados e 11 senadores na base do governo, faz pesadas exigências.

Luciano Bivar, do União Brasil, disse a “O Globo” que não descarta participar da base lulista, a depender da proposta. Sua contrapartida são 59 deputados e dez senadores - embora a maioria deles seja bolsonarista.

Alex Ribeiro - Preocupações do BC com a política fiscal

Valor Econômico

Pela ata do Copom, o que conta não é exatamente a opinião do Banco Central sobre como será a política fiscal de Lula, mas sim a reação dos mercados ao que for anunciado pelo governo eleito

O Banco Central está evitando falar de política fiscal nesse período de transição para o governo Lula, mas discretamente não deixa de passar a sua preocupação com a evolução das contas públicas. Banqueiros centrais sabem que, sem o fiscal em ordem, não há independência de fato para a política monetária baixar a inflação.

Na sexta-feira, o diretor de política monetária do Banco Central, Bruno Serra Fernandes, foi questionado em um evento da Bradesco Asset Management sobre qual é o tamanho do “waiver” fiscal que seria aceitável para a autoridade monetária, permitindo cumprir o mandato de estabilidade monetária. “Vou fugir da resposta específica”, disse. Ele preferiu recontar o caso do governo de Liz Truss no Reino Unido, que foi punido pelos mercados por anunciar cortes de impostos que agravaram a situação fiscal do país. “Os mercados já não vão aceitar assim tão facilmente a expansão de gastos, como aceitaram até recentemente”, completou, ainda se referindo a situação do Reino Unido, que levou à queda de Truss.

Felipe Moura Brasil - Nunca odeie populistas

O Estado de S. Paulo

A vigilância sobre o governo Lula precisará ser mais inteligente que o choro dos derrotados

Quem assume o lado de uma patota contra a outra vai perdendo a capacidade de distinguir os fatos de cada episódio e as narrativas genéricas sobre múltiplos episódios, usadas para eximir seu lado de responsabilidades e lançar todas elas sobre terceiros.

A propaganda populista do “nós” contra “eles” elimina as nuances do mundo real para radicalizar pessoas em torno do ódio aos alegados inimigos, com a agravante contemporânea de que elas passam a viver em bolhas de redes sociais, repletas de propagandistas da guerra tribal, fazendo fortunas como mercadores do caos.

Os esforços de ativar em mentes fanatizadas algum discernimento esbarram, com frequência, na rejeição ao abandono da sensação de pertencer a uma tribo, na impressão de que qualquer socorro é uma tentativa de cooptação por parte da tribo rival e no pavor da humilhação de admitir que elas vinham sendo manipuladas.

Denis Lerrer Rosenfield* - A eleição do não

O Estado de S. Paulo

Se Lula não seguir a narrativa do discurso comemorativo e adotar fórmula do ‘nós contra eles’, entrará num terreno pantanoso que pode afundar o Brasil.

Diante da polarização entre a extrema direita bolsonarista, com apoio da direita conservadora e alguns liberais, e a esquerda petista, sem nenhuma pauta nova, crítica, em relação a seus atos passados, os eleitores defrontaram-se com uma escolha difícil. A rigor, os que votaram em Bolsonaro o fizeram contra o PT e os eleitores de Lula o fizeram contra o bolsonarismo. Na verdade, tanto o antipetismo quanto o antibolsonarismo são fortes em nosso país. Nesse sentido, não houve uma pauta positiva a ser votada, nenhum dos candidatos, fora os seus lugares-comuns, apresentou um programa de governo capaz de responder aos graves problemas nacionais.

Nos debates televisivos, ambos os candidatos se contentaram com ataques ao outro, cada um desviando-se dos seus respectivos tetos de vidro, com predomínio de questões relativas ao não combate à pandemia por Bolsonaro e à corrupção nunca enfrentada por Lula. Nenhum deles foi capaz de apresentar uma ideia nova sequer, como se suas correspondentes biografias já fossem suficientes. Neste caso, haveria uma “rigorosa” seleção por cada um dos fatos a serem apresentados. O que não convinha foi varrido para debaixo do tapete, com destaque dado à hagiografia mais apropriada para a ocasião.

Daniel Neves* - Revolução Praieira

A Revolução Praieira foi um conflito armado motivado pelas disputas entre as oligarquias pernambucanas e teve um caráter nativista impulsionado pela insatisfação popular.

A Revolução Praieira ocorreu de 1848 a 1850 e foi motivada pelas disputas entre os praieiros e os conservadores. Os principais combates travados nessa revolução aconteceram no interior da província de Pernambuco, embora um grande ataque tenha sido liderado por Pedro Ivo contra Recife. Os praieiros saíram derrotados, e os conservadores permaneceram no poder.

Pernambuco na década de 1840

A província de Pernambuco vivia grandes tensões na década de 1840, fruto, sobretudo, dos diferentes interesses econômicos, das dificuldades impostas à população mais carente e das disputas pelo poder. Essas questões convergiram de forma a fazer com que essa província sediasse a última rebelião provincial do Brasil no Segundo Reinado.

Nessa década, a província de Pernambuco vivia as tensões causadas pela disputa de mão de obra, afinal, a partir de 1845, com o início do Bill Aberdeen, a obtenção de escravos tornou-se mais complexa, fazendo com que as próprias elites disputassem entre si o acesso dessa mão de obra.

Além disso, havia a decadência da economia açucareira, que afetava a economia pernambucana como um todo, mas que no povo se refletia em maiores dificuldades, pois o custo de vida se encarecia. Para agravar a situação, havia uma insatisfação muito forte porque o comércio a retalho (varejo) estava nas mãos dos estrangeiros, sobretudo de ingleses e portugueses e, frequentemente, Recife ficava desabastecido, o que dificultava o acesso à comida.

A insatisfação popular foi canalizada pelos interesses políticos que estavam em disputa em Pernambuco e muitas vezes resultou em violência popular. O historiador Marcus de Carvalho define que as classes populares pernambucanas estavam imprensadas entre o desemprego, o latifúndio e a escravidão|1|.

Por fim, há a questão política, o grande motivador da Revolução Praieira e que veremos com mais detalhes.

Política em Pernambuco

A política brasileira durante o Segundo Reinado foi uma grande disputa entre liberais e conservadores, dois grupos políticos que tinham a mesma origem social e que muitas vezes mantinham posições parecidas (como na questão da manutenção da escravidão). Os dois grupos  diferenciavam-se em poucos aspectos.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Criar ministérios não significa fazer um governo melhor

O Globo

Lula quer agradar grupos específicos e fazer barganha política, mas deveria se preocupar com uma gestão eficaz

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva já avisou que aumentará o número de ministérios. Com a experiência de dois mandatos consecutivos, ele conhece bem as pressões em busca de espaço na Esplanada e deverá usar as pastas como agrados aos que o apoiaram. Prometeu recriar o Ministério das Mulheres e o da Cultura, voltar a desmembrar da Economia os conhecidos ministérios do Planejamento, do Trabalho e da Indústria e do Comércio, instituir o dos Povos Originários e sabe-se lá mais o quê.

Como toda medida política, criar ministérios envolve custos e benefícios. É fácil medir os custos: trata-se de toda a estrutura de gestão e burocracia atrelada ao novo ministro e à miríade de cargos abaixo dele. A criação de um ministério por si só, contudo, não representa aumento de despesa tão significativo em relação ao Orçamento da União. Se a área justificar uma gestão própria, uma nova pasta pode fazer sentido.