domingo, 7 de abril de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Antes ímã para imigração, Brasil virou terra de emigrantes

O Globo

Comunidade brasileira no exterior já soma 4,5 milhões. Fuga de cérebros é prejudicial ao desenvolvimento

Conhecido como terra de oportunidades acolhedora para imigrantes, o Brasil tem se transformado em país de emigrantes. A comunidade brasileira no exterior soma 4,5 milhões, sem contar aqueles em situação ilegal. Mais da metade desses brasileiros que vivem no exterior, ou 2,6 milhões, emigrou na década de 2012 a 2022, um período de crises, com destaque para a debacle econômica e política da gestão Dilma Rousseff. As estatísticas de emigração são especialmente elevadas entre 2013 e 2020, segundo a série de reportagens que o GLOBO tem dedicado ao tema.

Em 2013, o consumo das famílias brasileiro registrou o décimo ano de crescimento consecutivo, mas a cada ano inferior ao anterior. A partir daí, vieram a recessão e o aperto que estimularam a busca por novas oportunidades fora do país. “As pessoas que haviam ascendido socialmente e formado uma nova classe média passaram a ter dificuldades para manter a posição conquistada”, afirma o sociólogo Rogério Baptistini, da Universidade Mackenzie.

É a perda da esperança numa vida melhor que leva sobretudo os mais jovens a pensar em emigrar. Uma pesquisa do Datafolha feita em 2022 com jovens em 12 capitais brasileiras constatou que 76% tinham “muita” ou “alguma” vontade de sair do Brasil. Quanto mais novos, maior o desejo de emigrar. Sem base para um crescimento econômico sustentado, capaz de gerar empregos e renda para que a população realize seus projetos de vida, o Brasil perdeu a imagem, cultivada durante muito tempo, de “país do futuro”. O resultado é que, na última década, o número de brasileiros no exterior aumentou 47%, enquanto a população vivendo dentro das fronteiras cresceu apenas 6,5%.

Marcos Augusto Gonçalves - Ziraldo usou humor como arma contra a ditadura no Pasquim

Folha de S. Paulo

Cartunista e autor de 'O Menino Maluquinho' foi um dos fundadores do semanário, que se tornou marco no jornalismo

Um homem que se escora com um braço numa parede, que é a própria margem do desenho, está perpassado por um facão –ou uma espada– que lhe foi cravada nas costas e vazou pelo seu tórax. Com uma expressão dolorida e de certa forma estóica, o personagem explica para quem o observa: "Só dói quando eu rio".

A charge icônica de Ziraldo Alves Pinto, publicada no semanário O Pasquim, é uma dolorosa metáfora de uma época. Expressa não apenas a opressão política promovida pela ditadura militar como também a situação existencial daquele tempo, o modo como a atmosfera sufocante se materializava no corpo e no ânimo –ou no desânimo– de quem tentava sobreviver ao cerco que se impunha às liberdades.

Tratando-se de um chargista, que dedicou grande parte de sua obra ao humor, o cartum se revestia de significados também autobiográficos. Como situar o riso, essa reação tão humana, num contexto que seria, na realidade, de chorar?

A aparente contradição, com toda sua dimensão trágica, foi enfrentada pelo artista e explorada de maneira surpreendente e brilhante pelo grupo de chargistas do Pasquim, que reunia, entre outros, craques como Jaguar, Fortuna, Henfil, Claudius e Millôr Fernandes.

Ignácio de Loyola Brandão - Nunca esquecer 64

O Estado de S. Paulo

Jornalistas estavam desaparecidos. Vlado, que trabalhara na ‘UH’, nunca mais voltou. Foi morto

Para Clarice Herzog

Dia 31 de março de 1964. Ao chegar ao jornal Última Hora, dei com a porta de ferro baixada. Pequena abertura me deixou entrar. Duas da tarde, redação superlotada e silenciosa. Soubemos que o general Mourão, à frente das tropas, descia para o Rio de Janeiro, aguardando a adesão de Amaury Kruel, chefe do Exército em São Paulo. UH era pró-Jango Goulart, herdeiro de Getúlio. Havia dias o noticiário nos deixava inquietos. A polícia viria nos empastelar. Nessa tarde, o que nos atemorizava era a informação de que o Comando de Caça aos Comunistas, armado, deixara o Mackenzie e descia rumo ao Anhangabaú, onde estávamos. Diretores pediram que as mulheres saíssem, UH tinha muitas jornalistas, colunistas, diagramadoras, telefonistas. Sabíamos que o encontro poderia ser violento. Nenhuma arredou pé. A grega Alik Kostakis, poderosa colunista social, com sua voz rouca, dizia: “Pensar que vamos morrer aos pés do convento de São Bento é ironia”. Soubemos que o CCC desviou na Praça Ramos de Azevedo e foi atazanar os estudantes de Direito da São Francisco. Mas ficou a tensão. Até que, 6 da tarde, um batalhão da Força Pública, hoje PM, invadiu o jornal, quebrou teletipos, telefones, máquinas de escrever, rasgou jornais e livros, estourou armários, prendeu alguns. Naquela noite, fui ao Gigetto, onde se reunia a classe artística. A certa altura, Maurício Loureiro Gama e o repórter Tico-Tico (conhecido como um dedo-duro), jornalistas da Tupi, abriram a porta gritando: “Vencemos o comunismo!”.

Muniz Sodré - Longe vá, temor servil

Folha de S. Paulo

O silêncio como desculpa para não melindrar casta melindrosa é tentativa inequívoca de lavagem da história do golpe militar

Nenhuma organização criminosa subsiste hoje sem lavagem de dinheiro. E todo sistema de poder político precisa lavar a sua história das origens criminosas, assim como da eventual trilha corruptiva na estabilização de um Estado. Seja qual for sua natureza. O Vaticano tenta há muito tempo lavar a Igreja do sangue derramado no escravismo, na queima inquisitorial de milhões de mulheres e nos holocaustos de conquista, do mesmo modo que as antigas potências coloniais, fazendo penitências. Ética hipócrita do arrependimento.

Na memória dos 60 anos do golpe cívico-militar de 64 pesam sobre a consciência coletiva frases de síntese como a do general ao presidente militar: "As coisas estão melhorando depois que começamos a matar". Impossível de esquecer, uma dívida do Estado à Nação jamais paga. Por isso, o silêncio como desculpa para não melindrar uma casta melindrosa é tentativa inequívoca de lavagem da história. Na galega, sem arrependimento, corroborada pela apatia da Comissão dos Mortos e Desaparecidos, já a caminho do que antigamente se chamava obra de Santa Engrácia: começa, não termina. Há nesse remancho laivos do "temor servil" que Evaristo da Veiga incrustou na letra do Hino da Independência, musicado por D. Pedro 1º. O temor de agora é o da honesta mediação entre passado e presente.

Míriam Leitão – Economia e a popularidade

O Globo

A conexão não está tão clara, mas se a inflação estivesse alta, seria fator de queda de aprovação

O governo se perde no emaranhado dele mesmo, numa gestão que tem muitos pontos positivos e muitos ruídos desnecessários. Na economia, a administração surpreendeu os céticos, mas trava uma batalha por dia, sem união do governo em torno do projeto que está entregando ao país a inflação baixa e algum crescimento. Há uma impressão errada de que a economia não está trazendo popularidade. Experimentasse o governo uma política que levasse à alta de inflação, para ver no que isso resultaria. O mundo está com uma conjuntura muito específica, com o adiamento sucessivo do início da queda dos juros americanos. Num cenário assim, há menos tolerância de investidores com os erros nos países emergentes, como essa bagunça em torno da Petrobras.

Bruno Boghossian - Lula sentiu uma encrenca

Folha de S. Paulo

Agitação na Petrobras e inquietação com ministros marcam urgência precoce que acomete o petista

Quando um marqueteiro se integra ao estafe palaciano, é sinal de que o presidente sentiu uma pontada de encrenca. Na política, esse especialista costuma ser comparado a um médico. Fora da época de campanha, pode-se procurá-lo para fazer exames de rotina, talvez a cada seis meses. Ele só precisa ficar de prontidão quando a situação aperta.

Nas últimas semanas, Sidônio Palmeira esteve em pelo menos duas reuniões com Lula. O marqueteiro da campanha petista em 2022 virou um conselheiro do presidente. Além disso, passou a dar orientações para ministérios estratégicos e foi escalado para melhorar a imagem da gestão de Nísia Trindade (Saúde).

Bernardo Mello Franco - Lula no púlpito

O Globo

“Vocês acreditam em Deus? Vocês acreditam em milagre?”

As duas perguntas poderiam abrir a pregação de um pastor. Na quinta-feira, abriram o discurso do presidente da República.

Lula foi a Arcoverde, no interior de Pernambuco, inaugurar uma elevatória de água. Diante da plateia sertaneja, descreveu a transposição do São Francisco como uma obra divina.

“Então, qual foi o primeiro milagre? O primeiro milagre é a gente estar vivendo o que a gente está vivendo hoje aqui”, afirmou.

O presidente recordou a infância no agreste, quando buscava água num açude barrento. Lembrou doenças causadas pela falta de saneamento, como a esquistossomose. Criticou a demora para a canalização do rio, prometida desde o Império.

“Esse é um milagre que aconteceu com um cara que viveu a seca”, disse. Em seguida, ele definiu sua própria eleição como um “ato de fé” dos brasileiros. “Isso só pode ser feito porque Deus existe. O homem lá de cima falou: ‘Eu vou ajudar o nordestino através de um nordestino’. E cá estou eu”, empolgou-se.

Merval Pereira - STF na gangorra

O Globo

O verdadeiro papel do STF é o de Suprema Corte, e não o de tribunal criminal de primeiro grau

A preocupação com a prescrição dos crimes sempre foi tema central do Supremo Tribunal Federal (STF), tanto que em seis anos está mudando pela segunda vez seus critérios sobre o foro privilegiado para tapar supostas brechas na legislação. Tamanho cuidado, no entanto, leva a que os juízes de nossa mais alta Corte de Justiça andem em círculos, e voltem à origem do problema, sem resolvê-lo.

Historicamente, o entendimento do Supremo sobre o que se chama tecnicamente de “foro por prerrogativa de função” era ampliativo, para abarcar todas as autoridades incluídas na Constituição Federal, ainda que o crime tivesse sido praticado antes da investidura no cargo e que não guardasse qualquer relação com o seu exercício. Foi esse entendimento ampliado do instrumento que provocou, em 2018, a mudança restritiva, proposta pelo ministro Luis Roberto Barroso.

Celso Rocha de Barros - Dez anos da Lava Jato

Folha de S. Paulo

Brasil lidou muito mal com revelações da operação

Operação Lava Jato está fazendo dez anos em 2024. Nada na política brasileira desse período pode ser entendido sem referência a ela.

Hoje é claro que o impeachment de Dilma Rousseff foi feito para parar as investigações da Lava Jato, que já começavam a chegar na direita. A opinião pública parece ter percebido a manobra: em 2018, ao invés de votar nos partidos que fizeram o impeachment, votaram no fascista Jair Bolsonaro. No fim, foi Bolsonaro, com a ajuda de seu procurador-geral Augusto Aras, quem matou a Lava Jato. O sistema político pagou Jair pelo serviço não o impichando após o assassinato em massa da pandemia.

Vinicius Torres Freire - BBB 24 da Petrobras

Folha de S. Paulo

Após quase um terço do mandato, governo não tem política para a estatal, petróleo e energia

Os assuntos mais importantes da Petrobras são política de preços, pesquisa e plano de investimento —quanto vai para petróleocombustíveis fósseis ou energia renovável. A petroleira é a única estatal, talvez a única empresa do país, que se possa chamar de "estratégica", como a esquerda gosta de dizer até de barraca de dogão.

Mais importante é a política nacional de petróleo e energia. Isto é, saber quanto mais petróleo se vai explorar e quais as alternativas econômicas que preservem a segurança do abastecimento de energia. Ou saber o que se vai fazer de impostos, dividendos e outros dinheiros petrolíferos. Por ora, tais receitas mal ajudam a cobrir as despesas do governo muito deficitário. Como seria possível, então, que a exploração de petróleo ajudasse a bancar pesquisa e desenvolvimento de energias renováveis? O que se pode fazer a respeito?

Elio Gaspari - Em Pindorama, a corrupção ganha

O Globo

Em janeiro passado, a Transparência Internacional divulgou que o Brasil havia perdido dez posições no Índice de Percepção da Corrupção, caindo para o 104º lugar, atrás de Uruguai, Chile, Cuba e Argentina numa lista de 180 países. Na origem da desclassificação, entre outros fatores, estava o desmanche da Operação Lava-Jato.

Dias depois, o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que a Procuradoria-Geral da República investigasse as atividades da Transparência nas negociações de acordos de leniência firmados com o Ministério Público. (Existia um ofício da PGR, de 2020, tratando do assunto, sem ter encontrado anormalidades.) Se um ministro do STF quer que se investigue, é melhor que haja investigação e que, no menor tempo possível, seu resultado seja conhecido.

Numa malvadeza dos deuses, passados dois meses dessa saia-justa, a multinacional Trafigura aceitou pagar US$ 127 milhões ao governo americano por conta dos propinodutos mantidos entre 2003 e 2014 em inúmeros países, inclusive no Brasil.

Eliane Cantanhêde – Fé em que?

O Estado de S. Paulo

Petrobras: o que vem aí, passado ou futuro, liberdade ou intervencionismo?

O presidente Lula chamou Jean Paul Prates nesta segunda-feira para uma “conversa definitiva”, como exigia o próprio Prates, mas ele já é considerado passado. O que interessa, e não só ao mercado, é o futuro da Petrobras e o que ele desvenda sobre a política econômica e sobre o governo daqui em diante. Afinal, Lula quer continuar a olhar para trás, ou vai aproveitar a troca na principal empresa do País para olhar para frente?

O fim do PSDB é melancólico, constrangedor. E o que projetar para o PT, seu antagonista durante décadas, até o bólido bolsonarista atropelar os dois? 

Lourival Sant’Anna - Desordem global desafia lideranças

O Estado de S. Paulo

Com Maduro voltando à carga contra a Guiana, liderança do Brasil na região se perdeu

Os desafios que a crescente desordem internacional impõem à liderança dos EUA – ou de qualquer país que tente exercê-la – se apresentaram de forma condensada na última semana: a violência desenfreada de Israel na Faixa de Gaza, a vulnerabilidade da Ucrânia frente à Rússia, de Taiwan frente à China e da Guiana frente à Venezuela.

O presidente Joe Biden comunicou ao premiê Binyamin Netanyahu que sua política em relação a Gaza depende da adoção de medidas por parte de Israel para frear a punição coletiva de civis. Traduzindo: o governo americano pode suspender a ajuda militar anual de US$ 3,8 bilhões se Israel continuar atacando alvos civis e bloqueando entrada de ajuda humanitária.

Luiz Carlos Azedo - O Mito da Caverna e a degradação das nossas cidades

Correio Braziliense

É preciso romper o círculo vicioso de degradação urbana, com políticas disruptivas e audaciosas. Periferias e favelas estão sendo tomadas pelo crime organizado

A partir de hoje, a pré-campanha das eleições municipais está na rua. Após mais um troca-troca de legendas, encerrado ontem, com o fim do prazo de filiação partidária, em todas as cidades do país armam-se as candidaturas a prefeito e vereador, com seus respectivos apoiadores. É um movimento pautado pela grande circulação de recursos financeiros, seja de fundos eleitorais, seja de caixa dois proveniente do desvio de recursos públicos, cuja origem, em parte, são contratos de fornecedores e as emendas ao Orçamento da União. Candidaturas nascem e desaparecem num passe de mágica, no grande balcão de negócios em que se transformou esse momento da pré-campanha.

É um mundo de sombras, como na alegoria da caverna de Platão, descrito no clássico dos clássicos da política: A república. Nele, o filósofo grego discute o papel do conhecimento, da linguagem e da educação no Estado ideal. Na caverna, resumidamente, prisioneiros estão acorrentados e veem sombras bruxuleantes projetadas pela luz de uma fogueira. São homens, animais e plantas imaginárias. Um dos prisioneiros, porém, se livra das correntes e percorre a caverna. Descobre que as imagens não são reais, mas de estátuas cujas silhuetas eram projetadas pela fogueira. E que passara a vida inteira julgando sombras e ilusões.

Sérgio Magalhães* - Mais cidade, menos violência

O Globo

O Estado absteve-se de prover infraestrutura e serviços públicos. Áreas significativas tornaram-se invisíveis ao poder público – mas visíveis ao “poder paralelo”

Depois de décadas de fracasso de políticas de segurança pública, tratada como tarefa policial, é inegável que o tema, amplo, complexo, não aceita apenas respostas setoriais.

Em recente artigo no GLOBO, Fernando Gabeira aborda a dominação territorial bandida no Rio de Janeiro e, premonitoriamente, os vínculos milicianos e do tráfico com a política. E admite: “não há esperança de que as eleições resolvam o problema”. Buscando uma saída, sugere que o tema “seja posto à mesa do ministro Haddad, para convencê-lo de que a insegurança inibe novos investimentos e expulsa os existentes”.

No mesmo jornal, Miguel de Almeida, ao tratar metrópoles acossadas pela violência, São Paulo e Rio, considera que do “banal lero-lero” político polarizado só “sobressaem descaso e despreparo diante de uma realidade áspera e cada vez mais desumana”.

Uma lágrima: morreu Ziraldo

Uma lágrima. Faleceu Ziraldo (1932-2024). Um intelectual, democrata. Combateu a ditadura militar e foi preso várias vezes, nos tempos de chumbo.