sábado, 21 de setembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Recuo do X dá ao STF oportunidade de arrefecer ânimos

O Globo

Firmeza foi necessária para Musk ceder, mas todos ganhariam se a plataforma voltasse a operar no Brasil

Não são mais que obrigatórios os passos recentes da plataforma digital X, do empresário Elon Musk, para se adequar à legislação e às ordens da Justiça brasileira. A rede retirou do ar contas suspensas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), pagou multas de R$ 18,3 milhões, contratou novos advogados e afirmou trabalhar para que volte o mais breve possível a operar “para o povo brasileiro”. Em sinal de recuo na posição arrogante de confronto assumida por Musk, o X informou que a recente restauração do serviço no país, contrariando ordem do Supremo, foi involuntária — e a plataforma voltou a sair do ar. Os movimentos dão ao ministro Alexandre de Moraes, do STF, a oportunidade de também contribuir para arrefecer os ânimos, suspendendo as ordens que foram além do razoável.

Oscar Vilhena Vieira - Regime facultativo de direitos

Folha de S. Paulo

Diversos ministros do STF estão entre os principais responsáveis pela difusão da ideia de que o respeito aos direitos do trabalhador é voluntário

Pablo Marçal tem feito da carteira de trabalho uma arma de sua campanha para Prefeitura de São Paulo. Quando perguntado sobre o fato de algumas de suas empresas não terem nenhum empregado com carteira assinada, respondeu sem cerimônia: "a maior parte é terceirizada, pois a gente mexe com muita tecnologia". Como se a economia digital não estivesse subordinada às regras da Constituição.

A resposta fala não apenas dos princípios do controvertido candidato, ou da falta deles, mas reflete também uma percepção, cada vez mais generalizada, de que o regime dos direitos fundamentais do trabalhador, tal como estabelecido pelo artigo 7º da Constituição Federal, tornou-se facultativo. Respeita quem quiser.

Marcos Mendes - Cartas de1988 1946 se parecem cada vez mais

Folha de S. Paulo

Desequilíbrio entre os Poderes dificulta estabilidade e governabilidade

Sérgio Abranches escreveu "Presidencialismo de Coalizão: o Dilema Institucional Brasileiro" durante os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, apontando o risco de a nova Carta criar instabilidade similar à vivida sob a Constituição de 1946. Ambas foram escritas em contexto de retorno à democracia, com ampliação dos poderes do Legislativo.

Assim como em 1946, a Constituinte combinou voto proporcional para a Câmara com presidencialismo. Uma singularidade, visto que países presidencialistas usualmente têm sistemas majoritários nas eleições legislativas.

Alvaro Costa e Silva - Os micos do delegado bolsonarista

Folha de S. Paulo

Longe de Paes, bolsonarista se comparou a otário e já gastou R$ 21 milhões

Ancorado na maior quantia de verba pública de toda a história das eleições municipais, o PL já investiu mais de R$ 21 milhões para fazer de Alexandre Ramagem o prefeito do Rio. O valor supera a soma de todos os outros candidatos que fizeram prestações de contas, e os gastos devem aumentar até outubro. O resultado é risível. O delegado corre o risco de se transformar no novo mico da política carioca –superando o voto de protesto no Macaco Tião, em 1988.

Dora Kramer - A política se degrada

Folha de S. Paulo

A lama da campanha de São Paulo é a parte mais visível de um todo deteriorado

O lamaçal que assola a disputa eleitoral em São Paulo à parte, mas ele incluído como símbolo do fenômeno de que falaremos a seguir, nosso ambiente político sofre acelerado processo de degradação e não é de hoje.

Há pelo menos uns 20 anos o nível dos meios e modos na política vem baixando de modo permanente. Uma maravilha nunca foi, mas havia qualidade em meio a nichos de desqualificação nos partidos e no Congresso.

Tanto que a Constituição que nos rege, lembremos, foi elaborada, votada e aprovada por senadores e deputados há 36 anos. Em legislatura anterior, senadores e deputados rejeitaram o candidato à Presidência da ditadura e, antes disso, fizeram a Lei da Anistia. Imperfeita? Era o possível à época.

Luiz Gonzaga Belluzzo- A várzea e a cadeira

CartaCapital

O debate na TV Cultura me fez lembrar as “peladas” nos campos de Piratininga, onde as desavenças eram resolvidas no braço

Nos anos 50 e 60, São Paulo de Piratininga se transmutava de capital da província para metrópole. Terminou por seguir os descaminhos da megalópole cosmopolita periférica. Dizem que suas formas – feias, desconjuntadas, híbridas – são o avesso da urbanidade e do urbanismo.

Os desleixos e mau jeitos da urbe não foram contemplados nos debates que ora antecedem à escolha do prefeito da cidade. A cadeirada de José Luiz Datena em Pablo Marçal apontou para a replicação das formas feias, desconjuntadas e perversas que nos esperam.

Minha nostalgia paulistana encontra o olhar do menino adolescente, fanático pelo dito esporte bretão. Esse olhar via São Paulo como um imenso campo de futebol, interrompido por impertinentes avenidas e arranha-céus. Jogava-se futebol nas ruas, nos becos, nos terrenos baldios, nos quintais, em todos os cantos. No vale que iria receber a Avenida 23 de Maio, entre a Liberdade e o Paraíso, assistia, nos fins de semana, sentado nos barrancos, a bola dos adultos correr solta. Nos dias úteis, a molecada cabulava aula e se juntava nos terrões que simulavam campos de futebol. Os gazeteiros ora celebravam os gols marcados, ora se estapeavam por conta de faltas controvertidas. Socos e pontapés eram desferidos com lealdade e até mesmo com amizade. Tudo acabava bem, descontadas as fraturas de crânio e de nariz.

Cristovam Buarque - “A infância é nossa”

Revista Veja

Que tal tratar a educação como se fez na defesa do petróleo?

Na discussão da Lei Áurea, em 1888, houve quem defendesse a ideia de abolir a escravidão em cada município que desejasse replicar o feito da cidade hoje chamada de Redenção, no Ceará, em 1884 — e não de modo nacional. Se essa ideia tivesse prevalecido, a escravidão provavelmente teria sobrevivido por décadas. Felizmente, o Império tratou a questão com um olhar para todo o país, de modo equânime. Na educação, porém, a República trata o país como soma de municípios, cada um cuidando de suas crianças de acordo com a vontade de prefeitos e a disponibilidade de recursos. Essa divisão deixou nossa educação entre as piores do mundo e certamente a mais desigual.

Bolívar Lamounier - Brasil, sociedade de castas

O Estado de S. Paulo

O que mais espanta é vermos a própria máquina do Estado configurar-se como um agravante das desigualdades

Em 2021, o grande jurista Modesto Carvalhosa, com a intenção de estimular o debate público sobre reforma da Constituição, publicou um denso projeto, com o subtítulo “De um país de privilégios para uma nação de oportunidades”.

Como toda a (minúscula) parcela pensante de nossa sociedade, o nobre jurista antevê nossos já inaceitáveis índices de desigualdade social afundando-se de vez numa desabrida sociedade de castas. Termo de origem incerta, o Dicionário Aurélio define casta como uma “camada hereditária e endógama, cujos membros pertencem à mesma etnia, profissão ou religião”, podendo o termo também designar, num plano mais geral, “raça, linhagem ou classe”. Ouso fazer uma ressalva a essa definição, que me parece distar anos-luz do conceito que ora nos interessa. Sociedades de casta são obscenamente desiguais e excludentes. Antepõem todos os obstáculos concebíveis à mobilidade social ascendente, mantêm-se virtualmente petrificadas e submetem as camadas mais baixas a extremos de humilhação.

Rolf Kuntz - Dinheiro caro ainda será entrave ao crédito e aos investimentos

O Estado de S. Paulo

“O governo pode favorecer a confiança dos empresários mostrando eficiência, indicando objetivos claros e críveis, controlando seus gastos, diminuindo as complicações burocráticas e garantindo uma razoável previsibilidade”

Com crescimento econômico de 1,4%, o Brasil conseguiu no segundo trimestre o dobro da expansão média do Grupo dos 20 (G20), formado pelas maiores potências capitalistas e também pela China e pela Rússia. Só as economias do Canadá e da Índia cresceram tanto quanto a brasileira. No confronto com o mesmo trimestre do ano passado, o avanço brasileiro, de 2,8%, foi superado pelos da Índia (6,8%), da Indonésia (5%), da China (4,7%) e dos Estados Unidos (3,1%). Apesar da perda de ritmo em julho, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, aumentou sua aposta no dinamismo econômico e já indicou expansão pelo menos igual a 3% em 2024.

Carlos Andreazza - Negligência, guerra e oportunidades

O Estado de S. Paulo

O governo dos símbolos criará a autoridade climática, promessa de Lula na campanha, ora materializada no improviso, enquanto as florestas queimam, quase 21 meses depois de a democracia haver fechado a porteira à passagem da boiada.

Nem precisaria. Flávio Dino é a autoridade climática, extrapolando a função que lhe fora designada, a de líder do governo no Supremo, hoje ministro da Casa Civil, do Meio Ambiente e da Justiça. A liberdade executiva do senador-togado ordenou a mobilização imediata de tropas e deu prazo a que o governo trabalhasse.

Nota à heterodoxia: Dino se expande por meio da condição de relator num julgamento de ADPF – já com acórdão – em que partidos de esquerda exigiam, em 2020 e 21, providências contra queimadas havidas durante o período Bolsonaro.

Antonio Lavareda* - as pesquisas influenciam as eleições?

O Globo

Em artigo, presidente de honra da Abrapel destaca efeitos positivos e negativos da divulgação dos levantamentos

No mundo, a resposta prevalecente é afirmativa na maioria dos países. Predomina o entendimento de que sua publicação pode prejudicar de alguma forma a higidez das disputas, ao menos na fase final, nos dias que antecedem as votações. Dois terços das nações que fazem eleições regulares em cinco continentes determinam algum período de blackout, de vedação da divulgação de pesquisas antes das eleições. Enquanto nos EUA, sob o manto da 1ª Emenda, não há qualquer proibição a respeito, na Europa, dos 41 países com processos eleitorais frequentes apenas 11 não têm interdições, as quais costumam variar entre um e seis dias. No Brasil, a resposta também vai na mesma direção, porque é expressamente proibido divulgar pesquisas no dia do pleito até o fechamento das urnas, conforme a Lei 9504/1997 que visa evitar influências de última hora no comportamento dos eleitores.

Mas, afora o exame do tema através desse enquadramento legal, essa pergunta pode ser respondida a partir de três perspectivas.

Pablo Ortellado - Como Marçal driblou as regras

O Globo

Seu esquema de campeonato de cortes rompeu com a paridade entre os candidatos

A ação que corre na Justiça Eleitoral acusa Pablo Marçal de driblar a legislação de duas maneiras: usando recursos não declarados e fazendo impulsionamento ilícito nas mídias sociais. Segundo a Lei das Eleições e resolução do TSE, candidatos são obrigados a declarar todas as doações e todos os gastos à Justiça Eleitoral. Podem fazer impulsionamento, mas apenas por meio das ferramentas fornecidas pelas plataformas, seguindo as diretrizes do TSE.

Impulsionamento é o aumento do alcance de postagens nas mídias sociais por meio de pagamento. Hoje, apenas o Facebook permite impulsionamento eleitoral — YouTube e TikTok optaram por não oferecer o serviço nestas eleições. Essas regras todas buscam garantir, por um lado, transparência (qualquer eleitor pode ver como cada candidato impulsiona sua propaganda) e, por outro, algum tipo de equidade ou paridade de armas na corrida eleitoral.

Eduardo Affonso - O Sistema, a dadeira e o tubarão

O Globo

Quando o coach encontra a candidatura antissistema, temos a tempestade perfeita

Coach é, em estado de dicionário, o indivíduo que conduz os cavalos numa carruagem. Para os que ainda pensam com os próprios neurônios e se expressam em língua pátria — sem o insight de que é preciso mentoring para dar um empowerment no reframe do mindset e entrar no flow —, essa palavra não é mais que o bom e velho “cocheiro” do tempo dos nossos bisavós. A diferença é que o cocheiro de antes efetivamente levava as pessoas do ponto onde estavam para o lugar onde queriam estar — valendo-se, para isso, da exploração de uma criatura irracional na qual se colocavam antolhos, que entrava na história contra a sua vontade. Já o coach de agora...

A manipulação da boa-fé alheia remonta à serpente no Paraíso — anterior, portanto, ao surgimento da Humanidade. Passou pelo cavalo de Troia, por Zeus fingindo ser touro e cisne em suas investidas eróticas, por Labão entregando a Jacó a filha mais velha em vez de a mais nova, pela venda de terrenos na Lua, a caça aos marajás, pelo estelionato eleitoral de Dilma Rousseff, pela cloroquina etc.

Carlos Alberto Sardenberg -Sobram os truques, falta dinheiro

O Globo

No oficial, o governo poderá dizer que cumpriu a meta de déficit zero. No paralelo, terminará o ano mais endividado

— Eu nunca vi na História dos povos alguém parar uma guerra por teto fiscal.

Mas a História já viu muitos países perderem a guerra por causa do teto fiscal, pela falta de dinheiro. Mal comparando, é disto que se trata no caso brasileiro: da falta de dinheiro para investimento e custeio das ações voltadas às questões climáticas.

O ministro sacou a frase de efeito ao justificar a liberação de R$ 513 milhões para o governo federal gastar no combate aos incêndios. O dinheiro entrou na rubrica de crédito extraordinário. Portanto não será contado no Orçamento como gasto primário, que exigiria a definição de uma receita equivalente.

Resumindo: no fim do ano, quando fizer a conta de receitas menos despesas, para verificar se a meta de déficit zero foi cumprida, o governo deixa de lado aqueles R$ 513 milhões. Sim, é isto mesmo que você está pensando: o governo gastará, mas isso não entra como gasto na contabilidade oficial.