sexta-feira, 19 de maio de 2023

Opinião do dia – Antonio Gramsci* (a força das ideias)

“De resto, a organicidade de pensamento e a solidez cultural só poderiam ocorrer se entre os intelectuais e os simples se verificasse a mesma unidade que deve existir entre teoria e prática, isto é, se os intelectuais tivessem sido organicamente os intelectuais daquelas massas, ou seja, se tivessem elaborado e tornado coerentes os princípios e os problemas que aquelas massas colocavam com a sua atividade prática, constituindo assim um bloco cultural e social. Tratava-se, pois, da mesma questão já assinalada: um movimento filosófico só merece este nome na medida em que busca desenvolver uma cultura especializada para restritos grupos de intelectuais ou, ao contrário, merece-o na medida em que, no trabalho de elaboração de um pensamento superior ao senso comum e cientificamente coerente, jamais se esquece de permanecer em contato com os “simples” e, melhor dizendo, encontra neste contato a fonte dos problemas que devem ser estudados e resolvidos? Só através deste contato é que uma filosofia se torna “histórica”, depura-se dos elementos intelectualistas de natureza individual e se transforma em “vida”.”

*Antonio Gramsci (1891-1937). Cadernos do Cárcere, v.1. p. 100. Civilização Brasileira, 2006.

Vera Magalhães - 'Déjà-vu'?

O Globo

Impasse sobre exploração de petróleo na foz do rio Amazonas prenuncia reedição do embate entre a ministra do Meio Ambiente e desenvolvimentistas do PT e do governo

A saída do senador Randolfe Rodrigues da Rede está longe de ser o ponto principal da controvérsia em torno da negativa do Ibama de conceder licenciamento ambiental para a exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas. O que o episódio evidencia é a possibilidade de, cedo demais, começar uma queda de braço entre Marina Silva e a ala mais desenvolvimentista do partido e do governo, como aconteceu no primeiro mandato do presidente Lula, acarretando a saída da ministra do Meio Ambiente do time.

Marina saiu vencida em todos os embates que travou contra a visão de que a exploração mineral e as grandes hidrelétricas seriam passaportes do Brasil rumo ao desenvolvimento econômico, pouco importando se, para tanto, fossem sacrificadas populações locais e a preservação da Amazônia, no caso das usinas, embora diga que não foi isso que motivou seu pedido de demissão.

Bernardo Mello Franco – A CPI dos agrotoscos

O Globo

Dominada por bolsonaristas, comissão estreia com palavrões e ataques aos sem-terra

A CPI do MST mal começou, mas já mostrou a que veio. Será uma trincheira do bolsonarismo para atacar os sem-terra, o governo e a esquerda em geral. A comissão é um consórcio entre a bancada ruralista e a bancada da bala. Os dois grupos indicaram o presidente, o relator e a maioria dos titulares e suplentes.

Os trabalhos serão comandados pelo tenente-coronel Luciano Zucco. Em discurso na tribuna, ele deixou claro que não pretende esperar a investigação para dar a sentença. “Esta CPI vai mostrar que o MST não é um movimento social, e sim criminoso”, disse.

O relator será Ricardo Salles, ex-ministro de Bolsonaro que já defendeu receber os sem-terra à bala. Em sua primeira campanha, ele fez apologia explícita à violência no campo. Defendeu o uso do fuzil como antídoto “contra a esquerda e o MST”.

Luiz Carlos Azedo - A segunda morte de Collor de Melo

Correio Braziliense

No poder, enfrentou uma sucessão de crises financeiras e fracassou no combate à hiperinflação. Os planos Collor I e Collor II foram desastrosos. Mas o colapso de seu governo foi ético e político

Velha raposa política britânica, o primeiro-ministro do Reino Unido, Winston Churchill, dizia que “a política é quase tão excitante como a guerra, e não menos perigosa: na guerra, a pessoa só pode ser morta uma vez, mas, na política, diversas vezes”. É o caso do ex-presidente Fernando Collor, que a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) condenou, ontem, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro em um processo da Operação Lava-Jato. A sessão foi suspensa com o placar de 6 x 1 e deve ser retomada na próxima quarta-feira. Relator, o ministro Edson Fachin recomendou a pena de 33 anos e 10 meses de prisão.

Votaram pela condenação os ministros Alexandre de Moraes, André Mendonça, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia. O ministro Nunes Marques votou pela absolvição de Collor. Para ele, não ficou comprovado que o ex-presidente tenha se beneficiado de desvios na BR Distribuidora. A pena total de Collor ainda não foi definida. Ele foi responsabilizado por indicações políticas para a BR Distribuidora, empresa subsidiária da Petrobras, e teria recebido R$ 20 milhões como contraprestação à facilitação da contratação da UTC Engenharia. A ação penal tramitava desde 2017 e os crimes teriam sido cometidos entre 2010 e 2014, ou seja, no primeiro mandato da ex-presidente Dilma Rousseff, que não está envolvida no caso.

Reinaldo Azevedo - TSE impede uso da lei para fraudar a lei

Folha de S. Paulo

Por que Deltan perdeu ganhando e este escriba ganhou perdendo. Coisas da vida

Deltan Dallagnol perdeu o mandato, mas não o rebolado do baixo jacobinismo reaça, indo até o chão do messianismo barato. O TSE cassou por unanimidade o registro de sua candidatura, e ele anunciou uma nova cruzada contra os três Poderes. Se termina de novo em depredação, não sei. Acho que os "tiozão" vão preferir encher o tanque com combustível mais barato... Convocou um levante contra os tribunais, evidenciando não ter a menor esperança de que a decisão vá ser revertida. Comparou-se a José, o filho de Jacó; a Daniel, o da cova dos leões, e a Jesus, o nazareno. Mas sem exageros: no papel de mártir, dispensa os rigores da prisão, a fuça das feras ou o sofrimento da cruz. Na fronteira do ridículo, esse rapaz nunca hesitou em dar o passo seguinte.

Antes que volte a seu discurso doidivanas da quarta (17), é preciso corrigir uma inverdade que se espalhou na imprensa. O relator do caso, Benedito Gonçalves, não fez uma "interpretação extensiva" do conceito de Processo Administrativo Disciplinar (PAD). Advogados tarimbados e alguns com tarja de "juristas" incorreram no que, em certos casos, é erro decorrente de opinião que precede a leitura do voto e, em outros, má-fé. "Então você não admite opinião divergente?" É certo que sim. Desde que se divirja do que está escrito, não de uma inferência sem amparo no texto.

Hélio Schwartsman - Leis e democracia


Folha de S. Paulo

Não faz sentido tentar limitar o poder do eleitor de fazer más escolhas

Nunca gostei da Lei da Ficha Limpa. Ela impediria a população de colocar no poder um herói como Robin Hood. Não acho que Lula seja um Robin Hood, mas lamentei que essa norma o tenha impedido de concorrer em 2018. De modo análogo, lamento que tenha sido agora usada para cassar Deltan Dallagnol, que tampouco considero um herói.

Há, contudo, uma diferença importante. A declaração de inelegibilidade de Lula era consequência automática da aplicação da letra da lei, já que, à época, ele sofrera condenação judicial proferida por órgão colegiado e por crimes inabilitantes. No caso de Dallagnol, a inelegibilidade não é tão óbvia. Na verdade, os ministros do TSE que o cassaram fizeram uma interpretação bem expansiva da legislação.

Bruno Boghossian - Centrão acelera o plano Tarcísio

Folha de S. Paulo

Trio bolsonarista fala de inelegibilidade e desenha articulações partidárias por governador paulista

Na política, mesmo as hipóteses costumam ser tratadas com cautela. Um presidente impopular não admite publicamente que corre risco de sofrer impeachment. Um candidato pouco competitivo evita especulações sobre o apoio que dará no segundo turno, sob pena de reconhecer a derrota com antecedência.

Aliados de Jair Bolsonaro deixaram a fase da hipótese para trás quando o assunto é a inelegibilidade do ex-presidente. Na mesma semana, Valdemar Costa Neto, Ciro Nogueira e Flávio Bolsonaro falaram do cenário com desenvoltura e deitaram cartas na mesa sobre a sucessão na direita.

Vinicius Torres Freire - CPIs e guerrilhas no Congresso

Folha de S. Paulo

Inquéritos e movimentos para derrubar iniciativas de Lula mostram desordem política do governo

Congresso está livre, pesado e solto. Ainda é má notícia para o governo. Note-se a quantidade de CPIs que vão sendo aprovadas, algumas delas capazes de produzir espuma tóxica. Há também planos para derrubar iniciativas de Luiz Inácio Lula da Silva tais como os decretos anti-armas ou demarcações de terras indígenas.

Por enquanto, são escaramuças e focos de guerrilhas políticas. Mas indicam a grande dificuldade do governo de fazer um acordo suficiente para pacificar em particular a Câmara, o que quer dizer Arthur Lira (PP-AL), seu presidente, e lideranças agregadas.

O acordo é intragável e pode ser venenoso. Basicamente, significa entregar a Lira e seu comando colegiado uma variante do controle sobre o fluxo de emendas parlamentares.

Eliane Cantanhêde - A invasão da CPI

O Estado de S. Paulo

A CPI do MST, que é contra Lula, vai inflacionar os preços da votação da âncora fiscal

Cumpriu-se a profecia (inclusive de Fernando Haddad) de que a nova âncora fiscal teria mais de 300 votos na decisão sobre a urgência, que é apenas o primeiro passo. Depois o caminho costuma ficar mais íngreme e árido, com grande risco de surpresas, e o problema não é do (ou só do) governo, mas principalmente do Congresso.

Diferentemente do PL das Fake News e das mudanças no Marco do Saneamento, há um consenso favorável à nova âncora fiscal. Daí o placar de 367 votos a favor e 102 contra a urgência. Mas já há 40 emendas à proposta e, por exemplo, PSOL e Rede, aliados do governo, votaram contra a urgência. Eles, de um lado, o Centrão, do outro, e o PT atrapalhando o tempo todo, acenam com muita negociação, o que corresponde a muita cobrança.

Laura Karpuska* - Redes de intrigas

O Estado de S. Paulo

O PL das Fake News mostra a dificuldade do Congresso, bem como a complexidade do assunto

No filme Rede de Intrigas de 1976, Howard Beale, um apresentador de noticiário na televisão, é demitido devido à baixa audiência do seu programa. Em um surto emocional ao vivo, Beale anuncia que vai se matar na televisão na semana seguinte. A emissora decide mantê-lo no ar e estreia o programa A Hora da Raiva, onde Beale desabafa sua raiva contra a sociedade e o sistema.

Em uma cena clássica do cinema, Beale grita “I’m mad as hell and I am not going to take it any longer” (“Estou furioso e eu não vou mais tolerar isso”, na minha tradução livre). Ouvem-se pessoas gritando o mesmo por suas janelas na cidade de Nova York. É a previsão do entretenimento dominando a comunicação saudável. O que importa é a distração em si.

Se Paddy Chayefsky, o criador do roteiro do filme Rede de Intrigas, encontrasse Orwell e Huxley, a distopia resultante poderia ser muito parecida com o que vivemos hoje com as redes sociais.

Maria Cristina Fernandes - Barradas no baile da política

Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

No país com uma das piores desigualdades de gênero na política, levantamento mostra que a maior parte das prefeitas são do NE, com nível superior e do serviço público. Um quarto delas são solteiras

Em outubro de 2020, Francisca das Chagas Costa da Silva, registrada na Justiça Eleitoral como Tica Costureira, candidatou-se a vereadora pelo PSDB de Mossoró (RN), mas não gastou um tostão, não divulgou sua candidatura e não obteve sequer seu próprio voto.

O Tribunal Regional Eleitoral potiguar considerou que Francisca havia desistido da candidatura e rejeitou a ação de investigação judicial eleitoral, mas o recurso à decisão acabaria por ser acolhido pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Na semana passada, o TSE reconheceu fraude à cota de gênero, anulou os votos recebidos pelo PSDB e cassou o mandato da vereadora Larissa Rosado, eleita pela legenda e hoje no União Brasil. Era a única vereadora da Câmara de Mossoró.

César Felício - A LDO poderá amarrar o governo

Valor Econômico

Relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias quer diminuir discricionaridade do Executivo

O projeto de arcabouço fiscal poderá significar para o governo Lula, na prática, um teto de gastos, mas agora por lei complementar, e não como matéria constitucional. A depender dos partidos que formam a maioria na Câmara, este será o caminho.

Um sinalizador nessa direção são as intenções do relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) deste ano, deputado Danilo Forte (União Brasil-CE). A LDO, como dispõe o projeto do arcabouço fiscal logo em seu artigo 2, estabelecerá “as diretrizes da política fiscal e as respectivas metas anuais para o resultado primário”.

O tema deve começar a tramitar com força no Congresso assim que a tramitação do arcabouço encerrar. E será feita sem pressa: Forte não descarta a aprovação apenas no segundo semestre, embora em tese a LDO devesse ser votada antes do recesso do meio do ano. O “timing” será decidido pelo dono da pauta na Câmara, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), com quem o relator da matéria é muito bem entrosado. Toda a negociação para a aprovação do arcabouço está sendo feita pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, diretamente com Lira.

Naercio Menezes Filho* - Tecnologia, trabalho e Bolsa Família

Valor Econômico

Não haverá solução no futuro a não ser transferir renda para um número cada vez maior de pessoas

A desigualdade de renda entre os brasileiros caiu em 2022 para o nível mais baixo da última década, segundo dados divulgados recentemente pelo IBGE. Esta queda ocorreu tanto devido à recuperação do mercado de trabalho para os trabalhadores menos qualificados no período pós-pandemia, como pelo aumento das transferências de renda do programa Auxílio Brasil, na tentativa de Bolsonaro de ganhar a eleição presidencial. Mas a desigualdade por aqui permanece entre as mais elevadas do mundo.

Muitos analistas destacaram que esta queda da desigualdade foi bem-vinda, mas esperam que as futuras quedas dependam mais do trabalho do que de transferências, pois não haveria como aumentar ainda mais os gastos com o Bolsa Família. Outros analistas aventaram a possibilidade de que a queda na oferta de trabalho que ocorreu no final de 2022 teria sido causada por esse aumento das transferências, pois os beneficiários prefeririam receber as transferências do que procurar um trabalho formal. Quão realistas são estas preocupações?

Bruno Carazza* - Reflexões sobre o caso Dallagnol

Valor Econômico

Fim prematuro da carreira do ex procurador da Lava Jato poderia deixar um legado para o país

A imagem do powerpoint virou meme, mas ela esconde uma lição para o combate à corrupção no Brasil. A cassação de Deltan Dallagnol, em muitos sentidos, remonta àquele 14 de setembro de 2016. Olhando retrospectivamente, o slide com círculos, setas e Lula no centro foi o primeiro erro crucial da Operação Lava Jato.

Os procuradores, policiais federais e fiscais da Receita, além do próprio ex-juiz federal Sérgio Moro, nunca esconderam que a Operação Mãos Limpas italiana foi o modelo seguido pela Força Tarefa de Curitiba para investigar e condenar os envolvidos no maior escândalo de corrupção já descoberto no Brasil.

Além do uso de novos e velhos instrumentos como conduções coercitivas e acordos de colaboração premiada, os integrantes da Lava Jato se valeram da espetacularização das ações e a comunicação ostensiva na imprensa e nas redes sociais para angariar apoio popular – e judicial – para as suas ações contra os políticos e executivos de grandes empresas envolvidos.

Curiosamente, a Operação Mãos Limpas começou a perder credibilidade e sofrer retrocessos quando alguns de seus expoentes cederam ao canto da sereia da política. Por aqui aconteceu o mesmo.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

PEC da Anistia só faz aumentar o desgaste da política

O Globo

Que garantia terá o eleitor de que nos próximos pleitos o Congresso não mandará às favas regras que aprovou?

Sem nenhum constrangimento, parlamentares das mais variadas legendas e inclinações ideológicas aprovaram na terça-feira, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que promove a maior anistia da História recente a partidos que cometeram irregularidades na prestação das contas eleitorais ou que descumpriram as cotas destinadas a aumentar a participação de mulheres e negros nos pleitos.

Ninguém tem o direito de se dizer surpreso com a insólita e oportunista coalizão de apoio à PEC da Anistia, aprovada na CCJ por 45 votos a 10. O arco se estende do líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), ao líder da oposição, Carlos Jordy (PL-RJ), passando por parlamentares de direita, de esquerda e de centro — tudo para livrar as legendas de qualquer mordida nos fartos recursos públicos distribuídos pelos fundos eleitoral e partidário. Apenas o Novo e a federação PSOL-Rede foram contra a proposta.