sexta-feira, 29 de março de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Mesmo tímida, crítica do governo à Venezuela é avanço

O Globo

Demorou para Lula esboçar reparo a Maduro. Brasil precisa reforçar a defesa da democracia no continente

Nicolás Maduro fala, pensa e governa como um ditador. Não aceita nenhum risco de perder eleições, promovidas com o único objetivo de dar a seu regime uma fachada de legitimidade. Todos sabem ser remota a chance de candidatos populares da oposição disputarem eleições livres e justas. Para vencer o pleito marcado para 28 de julho, ele não confia apenas no controle dos organismos encarregados de organizá-lo e fiscalizá-lo. Persegue e barra adversários competitivos. Primeiro, impediu a candidatura da ex-deputada María Corina Machado, principal nome da oposição ao chavismo. Nesta semana, sua substituta Corina Yoris foi impedida de registrar a candidatura on-line e até em pessoa no Conselho Nacional Eleitoral.

Precisou o cerceamento da liberdade política chegar a tal ponto para o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva enfim criticar o regime chavista. Em nota divulgada na última terça-feira, o Ministério das Relações Exteriores afirmou “acompanhar com expectativa e preocupação” o processo eleitoral. Ressaltou a inexistência de decisões judiciais para justificar o bloqueio de Yoris, descrito como incompatível com os acordos de Barbados (negociação multilateral em que a Venezuela se comprometeu a organizar eleições livres). “É grave que ela não possa ter sido registrada”, afirmou Lula nesta quinta-feira, em crítica inédita ao regime venezuelano.

Cristovam Buarque* -Tarefa histórica

Revista Veja

Precisamos debater escolas e não prisões

Em 2026 o Brasil terá sua décima eleição presidencial desde a redemocratização. Depois de quatro décadas, porém, a democracia está em dívida com a nação e o povo ao deixar a maior parte da população no analfabetismo para o mundo contemporâneo. Mas tudo indica que o próximo pleito ainda não será o momento em que os eleitores escolherão pagar essa dívida, enfrentando os desafios e custos necessários para assegurar educação de qualidade para todas as crianças brasileiras. Os temas centrais dos debates serão outra vez crescimento econômico, segurança pública, saúde, distribuição de renda, pobreza, corrupção — pode ser até mesmo mais universidades, dificilmente educação de base, que continuará sendo questão relegada aos municípios, pobres e desiguais.

Hélio Schwartsman - Tudo para ontem

Folha de S. Paulo

Baixa na popularidade assustou governo, mas situação de Lula é boa se comparada com a de outros líderes democráticos

A baixa na popularidade de Lula (PT) fez disparar os alarmes dentro do governo. Mas será que a situação é assim tão ruim? Na comparação com outros líderes mundiais, não.

Pelo Datafolha, a rejeição a Lula é de 33%. É um índice confortável se cotejado com os de outros governantes de países democráticos. Olaf Scholz é gongado por 73% dos alemães; Macron, por 71% dos franceses; a rejeição a Fumio Kishida, do Japão, é de 70%; a de Sunak, no Reino Unido, chega a 66%. Joe Biden, que tenta a reeleição, tem 54% de avaliações negativas. Há decerto um problema em comparar diretamente as taxas de aprovação de dirigentes que estão em diferentes fases de seus mandatos, mas a confluência de tantos registros negativos tem cor, cheiro e gosto de anomalia.

Luiz Carlos Azedo - Venezuela caminha do “iliberalismo” para a ditadura

Correio Braziliense

Denúncias de prisões arbitrárias, ameaças, torturas e mesmo a execução de opositores do regime são constantes. A Venezuela vive um caos econômico

Fez bem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao demarcar distância regulamentar do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, que manipula as eleições para não correr o risco de não ser eleito e, para isso, impede a candidatura de seus oponentes. Primeiro, havia sido o Itamaraty a manifestar preocupação com as eleições em nome do governo brasileiro, agora foi o próprio Lula que criticou Maduro e considerou “grave” que Corina Yoris não tenha conseguido registrar sua candidatura à Presidência da Venezuela.

A representante do principal grupo de oposição a Maduro não conseguiu inscrever a candidatura no prazo previsto e, por isso, está sendo impedida de concorrer. “Eu fiquei surpreso com a decisão. Primeiro, a decisão boa, da candidata que foi proibida de ser candidata pela Justiça indicar uma sucessora”, disse Lula. É que Maria Corina Machado indicou sua xará, Corina Yoris, para substituí-la como candidata de oposição.

Bruno Boghossian - Eleição de faz de conta

Folha de S. Paulo

Reação de Lula é sinal de que petista não está disposto a suportar desgaste se venezuelano não entregar disputa que ao menos pareça justa

Por duas décadas, Lula buscou conforto no fato de que, de tempos em tempos, a turma que comanda a Venezuela chama os cidadãos às urnas, conta os votos e declara vitória.

Em 2005, enquanto Hugo Chávez instalava uma máquina que ampliava seu poder e limitava a competição eleitoral, Lula rejeitou as críticas ao bolivariano e afirmou que a Venezuela tinha democracia "em excesso". Dois anos mais tarde, o petista repetiu o argumento: "O que eu sei é que a Venezuela já teve três referendos, três eleições não sei para quê e já teve quatro plebiscitos".

Bruna Fantti - O caveirão e as urnas

Folha de S. Paulo

Expansão do CV torna instável planejamento para as eleições

A porta do caveirão é aberta. Um policial salta com fuzil e balaclava no rosto, olha para os lados e dá sinal positivo para o colega de farda pular. O outro desce, com cuidado. Em suas mãos, em vez da arma, está uma caixa de papelão na qual está escrito "urna eletrônica".

A cena pode ser presenciada em dias de eleições no Rio de Janeiro em locais de votação localizados no interior de comunidades que são classificadas de risco pelas polícias, devido à alta possibilidade de confrontos armados. É obrigatória a presença policial com as urnas.

André Roncaglia* - O retorno do Estado investidor

Folha de S. Paulo

Transição ecológica comandada por setor privado não deve ser realidade

A promessa de que o setor privado se encarregaria de fazer a transição ecológica não tem mais salvação. Evan Halper, do Washington Post, mostrou que apenas 4% de uma amostra de mil empresas que se comprometeram a zerar suas emissões até 2050 estão fazendo o mínimo para atingir a meta do Acordo de Paris.

Em face da inépcia de corporações motivadas pelo lucro, as agências nacionais de desenvolvimento ganham destaque. Contando com subsídios estatais e garantias dos tesouros nacionais, estas instituições financeiras estatais atuam como catalisadoras de investimentos —públicos e privados— em setores-chave, como energias renováveis, transporte e agricultura sustentáveis.

Vera Magalhães - Silêncio sobre o 31/3 expõe feridas do 8/1

O Globo

O que mais se ouve de quem participou da deliberação de que não haveria manifestações ‘dos dois lados’ é: ‘Para quê?’

O desconforto na esquerda e na academia com a decisão de Lula de não associar seu governo a atos alusivos aos 60 anos do golpe militar de 1964 é palpável. Embora no entorno do presidente se admita que essa divergência pode causar alguma decepção no eleitorado histórico e mais fiel a ele, a orientação será mantida e é defendida pelos aliados mais próximos. O que mais se ouve de quem participou de alguma forma da deliberação de que não haveria manifestações “dos dois lados” — nem das pastas ligadas aos diretos humanos nem das Forças Armadas — é: “Para quê?”.

Não se trata de minimizar a gravidade de um golpe que mergulhou o país numa ditadura de 21 anos capaz de transformar tortura, desaparecimentos e execuções em porões em política de Estado. Ninguém em sã consciência ou que debata com honestidade intelectual poderia, a partir de uma decisão de governo, achar que Lula ou o PT tergiversem quanto ao repúdio à ditadura militar.

Eliane Cantanhêde - A quem interessa?

O Estado de S. Paulo

‘Recalibrar os contornos’ do foro privilegiado para manter Bolsonaro no STF?

Assim, como não quer nada, o ministro Gilmar Mendes levou a julgamento pelo plenário virtual do Supremo, em plena Sexta-Feira Santa, uma questão deveras complexa sobre foro privilegiado. Por que agora? Por que no meio do feriadão? Por que no plenário virtual? Há quem tenha ficado com a pulga atrás da orelha: será que é para garantir que os inquéritos de Jair Bolsonaro sejam mantidos no STF, evitando recursos em sentido contrário? É uma dúvida.

Em 2018, o Supremo decidiu que o foro seria mantido para crimes praticados durante o exercício da função pública e relacionados a essa função, mas só enquanto o deputado, senador, ministro ou presidente da República, no caso dos que têm foro no Supremo, mantivessem o cargo. Depois, o processo cairia para a primeira instância.

Bernardo Mello Franco – Operação Hungria

O Globo

Depois de se esconder na embaixada da Hungria, ex-presidente quer convencer STF a devolver seu passaporte

Em agosto de 2023, Jair Bolsonaro foi a Goiânia receber um título de cidadão honorário. A homenagem havia sido proposta pelo Sargento Novandir, dublê de vereador e policial militar. O capitão estava em apuros. Preso desde maio, seu ex-ajudante de ordens negociava uma delação.

Mesmo cercado por sua claque, Bolsonaro parecia tenso. Na tribuna, lembrou sua escapada para Orlando na véspera do fim do mandato. “Estive três meses nos Estados Unidos, no estado da Flórida. Realmente, um estado fantástico”, elogiou. “Apesar de ter sido acolhido muito bem, não existe terra igual a nossa. Sei dos riscos que corro em solo brasileiro, mas não podemos ceder”, prosseguiu.

Fernando Gabeira - Caso Marielle abre a janela para o futuro

O Estado de S. Paulo

Apesar de toda dificuldade, o êxito na segurança pública seria um marco em toda a história da redemocratização

A elucidação do assassinato de Marielle Franco cria uma oportunidade para o Rio e, por meio dela, uma experiência importante para todo o País. É possível abalar o edifício viciado da segurança pública, desfazendo os elos entre polícia, milícia e estrutura política.

Aliás, o próprio assassinato é um exemplo emblemático, pois envolveu, na linha de frente, um deputado, um conselheiro do Tribunal de Contas e o chefe da polícia.

Há bastante tempo se amadureceu a ideia de que sozinho, dadas as características da trama criminosa, o Rio de Janeiro não conseguiria resolver o problema. Era preciso uma ajuda de fora, como de fato aconteceu com o caso Marielle. O ex-ministro da Segurança Pública Raul Jungmann é um defensor dessa tese. Mas, numa entrevista após a elucidação do crime, alinhou as dificuldades que o governo federal tem para cumprir um papel de liderança neste campo, não só no Rio, como em outros Estados.

Flávia Oliveira - Com a conivência do Estado

O Globo

A putrefação institucional fluminense não chega ao fim; pelo contrário, persiste e renova-se

Enfim, foi da nefasta aliança entre crime, polícia e política no Rio de Janeiro, tão antiga quanto conhecida, que brotaram mandantes e, ao menos, um motivo da execução de Marielle Franco e Anderson Gomes. Da prisão de Domingos Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ), Chiquinho Brazão, deputado federal, e Rivaldo Barbosa, delegado e ex-chefe da Polícia Civil —sobretudo deste último —, emergiu um par de certezas. De um lado, a putrefação institucional fluminense que não chega ao fim; pelo contrário, persiste e renova-se. De outro, o que parecia incompetência, descuido era, em verdade, dolo, cumplicidade. Como tão bem definiu, voz embargada, a vereadora Monica Benicio, viúva de Marielle, o policial, que conquistara a confiança da família, “não foi só negligente, foi conivente”.

É desolador deparar com a traição de quem é remunerado pelo Estado para amparar. De um criminoso nada se espera; do titular da Divisão de Homicídios, do chefe de Polícia Civil, o compromisso devido é correção, ética, eficiência. Tudo isso faltou intencionalmente nos seis anos que separam o 14 de março de 2018, a quarta-feira do crime bárbaro, do último Domingo de Ramos, sagrado para os cristãos, quando a Polícia Federal capturou os três suspeitos de encomendar e articular o assassinato da quinta vereadora mais votada da capital fluminense nas eleições de 2016 e do motorista que a acompanhava.

Pedro Doria - Lula não entendeu nada

O Globo

Chegamos ao ponto em que o presidente da República que foi vítima de uma nova tentativa de golpe escolhe não lembrar 1964

O golpe de 1964 não é passado. Não é um ponto distante na História, que olhamos com aquele enfado escolar com que se acompanham o Descobrimento ou os bandeirantes. A ditadura que nasceu na madrugada daquele 2 de abril, quando um senador solitário tornou vaga a Presidência, está ainda viva e pulsando, hoje, no Brasil. Está nas ruas. Não faz nem dois anos, quatro generais de Exército e um almirante de esquadra se sentiram confortáveis o suficiente para planejar um novo golpe militar. Fizeram isso enquanto milhares de brasileiros acampavam na frente dos quartéis pedindo assim: um golpe que impedisse o candidato eleito de assumir a Presidência. Pois aquele presidente, nosso atual presidente, inacreditavelmente decidiu que o governo não deve lembrar o golpe.

Luiz Gonzaga Belluzzo* - Marionetes

CartaCapital

Os militares, insuflados pelos senhores, deram o golpe. Mas quem puxava as cordas eram os norte-americanos

No início dos anos 60, a sociedade brasileira vivia uma era de saudável e promissora agitação política. Batizado, na época, como “luta de classes”, o fenômeno era decorrência inevitável de quatro décadas de industrialização, modernização econômica e rápida transformação social. O progresso material das sociedades modernas suscita inconvenientes e transtornos, mas é mobilizador de energias e ideias. Os sindicatos, as associações de classe e as organizações estudantis fervilhavam. Os centros acadêmicos, a UEE e a UNE participavam ativamente do debate nacional.

Ainda não se sabe se a despeito ou por conta do jogo estratégico entre as duas grandes potências, o pós-Guerra foi generoso com alguns países da periferia, sobretudo com o Brasil. Entre seus pares, o país tropical era líder no campeonato de taxas de crescimento e de incorporação de novas atividades e de trabalhadores ao mundo da indústria e das cidades. Havia entusiasmo e, provavelmente, muita ilusão. Mas já disse alguém que as ilusões são necessárias e, em muitos casos, estimulantes.

Era, então, possível e razoável imaginar o País cada vez mais próximo de uma sociedade justa e contemporânea, expurgada da herança colonial e de seus humores subalternos. Alguns chamavam essa esperança de socialismo. Outros almejavam que a utopia se assemelhasse às condições de vida e aos padrões de convivência que estavam em construção na Europa Ocidental com o avanço do Estado do Bem-Estar Social.

Andrea Jubé - Despolitização dos quartéis continua a representar um desafio

Valor Econômico

Passados 60 anos do golpe, governo e Forças Armadas tentam clima de pacificação

Às vésperas da data que marcará os 60 anos do golpe militar, que instituiu uma ditadura de 21 anos, e após 15 meses dos atentados antidemocráticos, que envolveram civis e militares, a relação do governo federal com a cúpula das Forças Armadas é de pacificação. Mas a despolitização dos quartéis ainda é um desafio, enquanto o Congresso resiste ao projeto do Executivo que proíbe militares da ativa de disputarem eleições.

Em declarações recentes, o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, reiterou que as relações entre o governo e as Forças Armadas estão “pacificadas”. Com o objetivo de preservar esse ambiente de estabilidade, um pacto velado, selado nos bastidores entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Ministério da Defesa e os comandos das três Forças estabeleceu que não haverá protestos, pelo lado do governo federal, nem comemorações ou leitura de ordem do dia nos quartéis pela passagem deste 31 de março. A palavra de ordem da vez é silêncio.

O Valor procurou os ministros da Defesa, José Múcio, e dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, bem como as assessorias dos comandos das três Forças para que se manifestassem sobre esse acordo de discrição, mas nenhuma das partes quis se pronunciar.

Entrevista | Almino Affonso: ‘Generais sugeriam fechar o Congresso’

César Felício / Valor Econômico

Ex-ministro do Trabalho reflete sobre 1964 e diz que não faltou oportunidade para que o então presidente João Goulart desse um golpe

Prestes a completar 95 anos, o ex-vice-governador de São Paulo Almino Affonso é o último ex-ministro de João Goulart vivo. Foi titular da pasta do Trabalho em 1963 e na ocasião do golpe de 1964 era líder do chamado “Grupo Compacto”, ala esquerda do PTB, partido do presidente deposto.

Em entrevista ao Valor em seu apartamento no Alto de Pinheiros, em São Paulo, Almino destaca que não foi por falta de oportunidade que Goulart deixou de dar um golpe. A proposta para que o então presidente fechasse o Congresso chegou a ser feita por pelo menos um general ligado ao então presidente. Goulart, contudo, não quis embarcar no golpismo. O ex-ministro também dá o seu testemunho de como o Congresso viveu o dia do golpe e diz ver com preocupação o relacionamento entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o Legislativo. Diz que Lula deveria negociar mais.

A seguir os principais pontos da entrevista ao Valor:

O dia do golpe

“31 de março, eu era deputado federal, líder da bancada do PTB. Fui à Câmara e estava uma polvorosa de quantidade de gente reunida, parlamentares falando alto, discussão. E era tudo paradoxal, porque não era hábito esse tipo de concentração na manhãs de uma terça-feira. A Câmara se reunia mesmo à tarde e à noite, não pela manhã. Era algo surpreendente. Entro em uma das rodas e eles começam: ‘Você não está a par?’ ‘A par do quê?’ Começou o movimento militar, começou o movimento militar’. ‘Qual movimento militar?’ ‘Como? Como ? Por favor’ ‘A notícia é de que já haveria um Exército bastante grande marchando de Minas Gerais para depor o presidente’. Eu disse: ‘Isso é um absurdo, não é possível, como é que eu não saberia?’. Bem ou mal, era líder do PTB, tinha a vaidade de achar que acompanhava as coisas. Fui para minha casa, que era ao lado da casa do senador Arthur Virgílio Filho, também líder do PTB, do Amazonas. Ligo para o Arthur, ele fala ‘Também não estou a par disso, não tenho nenhuma notícia a esse respeito. Você não quer vir aqui e ligamos para o presidente?’. Ligamos para o presidente, que estava no Palácio das Laranjeiras, no Rio de Janeiro. Arthur Virgílio narra o que estou dizendo a você e o presidente reage, eu ouvindo pela extensão. ‘Arthur, isso é coisa da oposição, querendo criar notícia para tumultuar e criar dificuldades para a gente no parlamento. Tudo falso’. Ele chama o chefe da Casa Militar, general Fulano . Tenho muita dificuldade de dizer o nome dele, porque tenho má vontade com esse cidadão e demonstrarei no relato a seguir [ Argemiro de Assis Brasil]. O presidente diz ‘General, o que há?’. Ele fala ‘É nada, presidente, fantasias. Isso é hábito militar de fazer alguns exercícios de marcha , nada mais’. Goulart pergunta ‘Tu ouviste, Arthur?”. O Arthur pergunta: ‘Presidente, eu posso transmitir isso ao Senado logo mais? “Podes não, deves transmitir’. Eu ao lado, ouvindo tudo. Era o chefe da Casa Militar se pronunciando de maneira que matava tudo o que eu tinha ouvido na Câmara de maneira tão tumultuada, por muitos. Volto para a Câmara, com absoluta normalidade, me preparando para a sessão que começaria às 15h. Às 14h30 o tumulto tinha se multiplicado. Era visível a quantidade de pessoas aqui e acolá e o tema era esse. Eu entro numa roda e tento desfazer como falsidade uma verdade. Falo: ‘Ouvi do presidente, ainda há pouco que tudo isso são falsidades”. Eu dizendo isso com autoridade, de líder do PTB. Estava na roda o deputado Carlos Murilo, sobrinho do Juscelino . Ele ouviu, me tira da roda e diz: ‘Almino, o que você está dizendo ouviu do presidente?’ ‘Ouvi’ ‘Almino, se o presidente está dando essa versão, como forma quem sabe de criar um clima antagônico ao que esteja havendo no começo, não sei no que isso pode resultar. Mas se ele disse isso porque acredita, está perdido. Porque essa realidade já é absoluta desde essa madrugada em Belo Horizonte. O governador Magalhães Pinto já assumiu a chefia civil do movimento. E já há um comandante militar em Minas, o Carlos Luís Guedes. Isso é real. Como é que o presidente não sabe?’ Não tenho o direito de dizer que o ministro da Casa Militar traiu a confiança falsificando notícias, mas tenho o direito de dizer que ele era de uma incompetência absoluta. Porque naquela hora o chefe da Casa Militar não saber o que já era público na Câmara em Brasília era chocante. Passou-se o dia. O clima era esse, mas o presidente continuava no Rio. Os fatos estavam cada vez mais se acentuando, o general Mourão em marcha para ir ao Rio depor o presidente fisicamente. Soubemos de uma série de pessoas que estavam no Rio e puderam ter acesso a ele, opinar o que podiam opinar naquele instante, como por exemplo o presidente Juscelino. Às 18h, precisamente, vai visitá-lo no Rio um general em nome do Estado Maior do Exército, para propor ou sugerir que o presidente pudesse fazer uma declaração para atenuar a marcha, em nome da manutenção da ordem. Antes que Jango pudesse responder, chega o ministro da Justiça, Abelardo Jurema, e transmite ao presidente a informação que as tropas do general Mourão já estavam às portas do Rio. Só nesse momento que ele teve a informação completa.”