sexta-feira, 1 de agosto de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Banco Central acerta ao pausar ciclo de alta da Selic

O Globo

Com juro real próximo de 10%, Copom acredita ser possível fazer frente a cenário desafiador da inflação

O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) interrompeu na quarta-feira o ciclo de alta da Selic, a taxa básica de juros. De setembro até o mês passado, foram sete aumentos consecutivos e um salto de 10,5% para 15% ao ano. Aclamada por unanimidade, a decisão pela manutenção era esperada pelo mercado e foi acertada.

A pausa na Selic acontece quando alguns resultados positivos começam a aparecer. Neste mês, a projeção de analistas e economistas para a inflação de 2026, agora o alvo do Copom, finalmente recuou. A deste ano já retrocede há nove semanas. Esses desdobramentos são sinais reconfortantes para o BC. Quando o último ciclo de alta da Selic teve início no ano passado, muitos duvidaram da capacidade do Copom de reverter o quadro. Ante um governo disposto a gastar de forma irresponsável para manter a economia aquecida, a arma da alta dos juros parecia enfraquecida. Essa impressão mudou.

O futuro da soberania brasileira - Fernando Abrucio

Valor Econômico

Ela será mais profundamente defendida quando a sociedade compreender o risco da nova ordem trumpista e defender de baixo para cima o país e suas instituições

O Brasil consolidou dois tipos de soberania desde a redemocratização. O primeiro diz respeito à autonomia do país frente às outras nações. Embora tenha origens na Independência, esse processo só se firmou com o final da Guerra Fria, quando o nosso lugar soberano ficou mais claro e destacado no cenário internacional.

O outro sentido da soberania é a sua faceta popular: a raiz do poder do Estado nacional está na sociedade e nas instituições que ela própria criou, por meio da Constituição e de seus representantes. Foi o que a democracia nos legou de forma inédita. A proposta de nova ordem mundial feita por Trump coloca em jogo essas duas enormes conquistas.

O tarifaço chegou, mas com muitas exceções que reduzem bem o impacto da medida. Mas muitas coisas poderão ser feitas ainda por Trump em temas estratégicos, de modo que a soberania brasileira, em seu duplo sentido, estará em jogo pelo menos até as eleições de 2026.

O modelo de poder de condomínio - José de Souza Martins*

Valor Econômico

O esquema montado por Bolsonaro e sua família é o de um modelo de condomínio familiar. Usa a trama do parentesco como um único e peculiar sujeito político

O golpe de Estado, segundo os indícios, planejado por Bolsonaro e em julgamento no STF pode não ter sido mera tentativa. Um conjunto extenso de ocorrências, de comportamentos e de reiterações de conduta continuados após o fim do governo Bolsonaro sugere que o golpe foi dado e instituiu um regime político paralelo, alienado, disseminado e ativo.

Utilizando as próprias normas da lei, os Bolsonaros mostraram competência familística para atrair, aliciar e sujeitar gente como os bolsonaristas. Os que têm a mesma ambição de agregar e dominar. A espantosamente larga massa de políticos com vontade de poder. Os que, como eles, não têm nenhum talento para a democracia.

Não só eles são carentes de talento para o exercício das funções próprias da política, que são impessoais funções de Estado. Também os que deles se diferenciam mais por fatores de circunstância. São políticos de segunda classe.

Oposição vê Lula como maior adversário de Lula - Andrea Jubé

Valor Econômico

Avaliação é que economia será determinante

 

A se confirmar essa hipótese, voltaria a se impor na eleição a já manjada frase de James Carville, estrategista de Bill Clinton em 1992, de que “é a economia, estúpido”, que move o eleitor.

Governo tenta evitar que sanção abra precedentes - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Na avaliação de um ministro, sanção não foi o desfecho de uma escalada de ameaças contra a soberania brasileira mas o começo


O governo brasileiro avalia que a sanção do ministro Alexandre de Moraes pela Lei Magnitsky não foi o desfecho de uma escalada de ameaças contra a soberania brasileira, mas o começo. E que se o Brasil não se insurgir, será criado um precedente com consequências mais amplas para o Estado nacional.

A manifestação de duas senadoras democratas, Jeanne Shaheen, de New Hampshire, e Elizabeth Warren, de Massachusetts, sinalizou, a integrantes do primeiro escalão do governo, não apenas o alcance pretendido por Trump como a chance de uma ação do Brasil vir a ter apoio da oposição americana. Nesta nota, as senadoras classificam de “absurda” a sanção contra Moraes por meio da Lei Magnitsky, por desvirtuar finalidade de coibir “abusos sérios aos direitos humanos” ao redor do mundo.

Disputa Trump-Lula sobre tarifas será prolongada até eleições de 2026 - Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Pesquisa do Datafolha de julho mostram que 63% dos brasileiros se opõem à interferência de Trump nos assuntos internos do país, mas esse número cai para 48% entre os evangélicos e 42% entre eleitores de Bolsonaro

Não devemos nos iludir. A imposição de tarifas de 50% pelos Estados Unidos sobre produtos brasileiros, sob a justificativa de ameaça à segurança nacional e como retaliação indireta ao processo judicial contra Jair Bolsonaro (PL), marca o início de uma disputa política que tende a se estender até as eleições de 2026. O gesto do presidente norte-americano Donald Trump vai além da medida comercial. Sinaliza um alinhamento explícito da Casa Branca à extrema-direita brasileira e representa uma interferência inédita nos assuntos internos do Brasil.

Trump vincula o processo de Bolsonaro à sua própria narrativa de “perseguição judicial” e, ao fazer isso, espelha a polarização política em seu país no Brasil. Trabalha para enfraquecer a confiança mundial nas instituições brasileiras, principalmente no Supremo Tribunal Federal (STF), que conduz o julgamento do ex-presidente. O tarifaço é uma arma geopolítica, uma forma de chantagem para obter ganhos eleitorais, tanto nos EUA quanto entre os aliados de extrema-direita no Brasil.

Espada sobre a cabeça do mundo - Vera Magalhães

O Globo

Trump pune o Brasil pelo fato de a Justiça ter processar aqueles que, como ele, tentaram dar um golpe de Estado, e ter aprovado responsabilização das big techs

São duas as principais razões da perseguição do governo dos Estados Unidos ao Brasil, em múltiplas frentes, e elas não se referem a nenhuma razão comercial relevante ou minimamente justificável, pois são apenas políticas. O país está sendo sancionado com um tarifaço de 50%, e a Lei Magnitsky está sendo desvirtuada para atingir Alexandre de Moraes porque o Judiciário brasileiro está processando e condenando aqueles que, como Donald Trump, tentaram dar um golpe de Estado.

A segunda razão é o fato de o próprio STF ter aprovado recentemente a responsabilização das big techs, quando reconheceu a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet.

A tática de Trump - Bernardo Mello Franco

O Globo

Assassinos, terroristas, ditadores, traficantes. Esses são os alvos rotineiros da Lei Magnitsky, recém-usada contra o ministro Alexandre de Moraes. O governo americano já havia anunciado o tarifaço sobre produtos brasileiros e a revogação de vistos de juízes do Supremo. Agora aplica a chamada “pena de morte financeira” ao relator do processo contra Jair Bolsonaro.

Embora seja dirigida ao ministro como pessoa física, a punição mira algo maior: a independência do Judiciário no Brasil. Donald Trump quer garantir impunidade a seu aliado golpista. Para defendê-lo, ataca o Estado de Direito e a soberania do país.

Como todo autocrata, o republicano acha que as leis existem para servir à vontade dos poderosos. Desde que voltou à Casa Branca, ele tem deturpado a legislação americana a seu favor. Uma das primeiras medidas foi desenterrar a Lei de Inimigos Estrangeiros, de 1798. O texto não era aplicado desde a Segunda Guerra Mundial. Nas mãos de Trump, virou arma para acelerar deportações arbitrárias.

O conservadorismo se isola - Pablo Ortellado

O Globo

A recente imposição de tarifas pelo governo Trump sobre produtos brasileiros, motivada por pressões políticas da família Bolsonaro, expõe a dependência do conservadorismo brasileiro em relação à família do ex-presidente. Os conservadores realmente esperam que a medida que pune trabalhadores e empresários brasileiros seja colocada na conta de Lula e Alexandre de Moraes, e não na de Eduardo Bolsonaro? Eles conseguem explicar por que os trabalhadores da indústria da carne em Mato Grosso ou os trabalhadores da indústria de calçados do Rio Grande do Sul deveriam pagar, com seus empregos, a conta das disputas entre o Supremo e os bolsonaristas? E qual a estratégia por trás da medida? Eles esperam que o Supremo se reoriente por medo de sanções comerciais — ou mesmo da Lei Magnitsky?

Um pesado agosto - Fernando Gabeira

O Estado de S. Paulo

As relações de dois séculos entre o Brasil e os EUA vivem o seu pior momento. Será necessária uma longa luta de reconstrução

Hoje é primeiro de agosto e este sempre foi um mês difícil no Brasil. Esperamos o tarifaço com a mesma ansiedade que o mundo esperou o bug do milênio. Será que a realidade se mostrará menos grave?

Ao longo desse curto período, desde a carta de Donald Trump, examinamos todas as possibilidades de atenuar ou mesmo neutralizar a disposição de impor um tarifaço ao Brasil.

É um tipo de medida que prejudica também os norte-americanos. Imaginei que a pressão interna iria demover Trump. Houve manifestações importantes: um Nobel de Economia, Hillary Clinton, The Economist. Mas a força maior virá dos empresários – são muitos – e dos consumidores prejudicados com o processo inflacionário que as tarifas estão estimulando. O café, por exemplo, impacta nas refeições matinais.

O processo vai desaguar na Justiça, pois são necessárias algumas condições para que se decretem tarifas tão altas. Estão ausentes no caso brasileiro. Pode ser que investigando o Brasil com base na Seção 301 da Lei do Comércio de 1974 Trump encontre argumentos legais. Mas a investigação mal começou, como fundamentar decisões antes de concluir o trabalho?

O golpe continua - Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Como as Forças Armadas disseram ‘não’, Bolsonaro recorreu aos EUA para o golpe. Haja patriotismo!

O ex-presidente Jair Bolsonaro e seus filhos não desistem de dar um golpe no Brasil. Como as Forças Armadas não embarcaram na aventura em 2023, eles recorreram a Donald Trump, que é presidente dos Estados Unidos e se acha imperador do mundo, para terminar o serviço. “Cuidado com o andor, porque o santo é de barro”, segundo o ditado. Pois o andor “Deus, Pátria e Família” ruiu e foram todos parar na lama da História.

Eduardo Bolsonaro dizia, sem ruborizar, que “bastavam um cabo e um soldado para fechar o Supremo”. Seu pai assumiu a Presidência e escalou, não cabos e soldados, mas sim generais, almirantes e brigadeiros, para lacrar as instituições e a democracia brasileira. As cúpulas militares não caíram na esparrela e, agora, a família põe uma potência estrangeira acima das Forças Armadas. Haja patriotismo!

O que mais Trump pode aprontar? - Celso Ming

O Estado de S. Paulo

Há enorme desproporção entre o tamanho da ameaça “extraordinária” do Brasil aos Estados Unidos, que o presidente Trump diz que existe, e as providências por ele tomadas para garantir esse futuro em risco.

Nas justificativas expostas para o pacote tarifário, Trump afirma que é um revide às “políticas práticas e ações recentes do governo brasileiro que constituem ameaça incomum e extraordinária à segurança nacional, à política externa e à economia dos Estados Unidos”.

É quase como dizer que o Brasil prepara o lançamento de uma bomba sobre Washington. E, no entanto, por mais que se deplore, o tarifaço atenuado e o enquadramento do ministro do Supremo Alexandre de Moraes às sanções previstas na Lei Magnitsky, destinada a produzir a morte financeira de ditadores, terroristas e narcotraficantes, estão longe de eliminar as supostas insegurança e debilidade econômica dos domínios do Grande Khan.

Ninguém ainda espera demonstrações de lógica aristotélica dos textos divulgados pelo presidente Trump. Em carta anterior, ele afirmara que o tarifaço seria inevitável porque o Brasil mantém um enorme rombo nas suas relações comerciais com os Estados Unidos, o que é uma falsidade estatística. No entanto, convém ter claro que as premissas ao pacote assinado por Trump, ainda que capengas, podem estar preparando novas porretadas sobre o Brasil.

Trump acordou Brasil da fantasia do isolamento; vamos voltar a dormir? - Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

País sonhava ser imune ao jogo bruto da economia e da política mundiais, agora piorado

A agressão do governo de Donald Trump contra o Brasil parece nos ter acordado de um sonho tranquilo. Isto é, da fantasia de que o país fazia tempo não corria grandes riscos de sofrer ataques diretos no jogo bruto da política mundial (como em 1964).

Sujeitos às idas e vindas da economia mundial e a ações e derivas dos países dominantes sempre estivemos, levados pelas correntes da geoconomia e geopolítica, de um modo inadvertido, para ser gentil.

A dúvida agora é saber se vamos voltar a dormir, se é que Trump e outros fatores de conflito mundial não vão nos deixar insones. Vamos ter de pensar naquele clichê, na nossa "inserção mundial". Temos de pensá-lo agora em marcha forçada, em situação mais perigosa, em um mundo em rápida degradação no que diz às relações políticas, de força bruta, talvez guerra, e de racionalidade econômica alguma.

Lula cresce e é hora de cassar Eduardo Bolsonaro - Marcos Augusto Gonçalves

Folha de S. Paulo

Sanção de Trump ao Brasil vem em meio a intervenção agressiva na ordem mundial com apoio de forças internas que devem ser contidas

O anúncio feito pelo governo Donald Trump de sanções ao ministro Alexandre de Moraes, do STF, por meio da Lei Magnitsky é uma nova agressão ao Brasil, num contexto em que o presidente norte-americano procura promover, de porrete tarifário na mão, uma reconfiguração agressiva da ordem mundial.

A decisão, esperada, veio com um abrandamento das sanções econômicas, um ponto a mais para o presidente Lula, que não pegou o telefone, mas mandou seu recado.

Se há insatisfações quanto ao ministro Alexandre de Moraes, a questão faz parte do debate e do enfrentamento político internos, uma vez que se vive no Brasil um quadro de normalidade institucional e independência dos Poderes. Não são aceitáveis chantagens externas que ultrapassem a esfera diplomática e os fóruns apropriados. Muito menos com o argumento delirante de que o Brasil representa uma "ameaça extraordinária" aos EUA.

Arena política deixa cicatrizes - Dora Kramer

Folha de S. Paulo

Trump compra briga com o Brasil por motivações que põem em risco o futuro das relações bilaterais

chegada da hora do tarifaço, com exceções importantes, não altera o fato de que o cenário das relações entre Brasil e Estados Unidos é de incerteza total daqui em diante. Como será o amanhã?

Da parte de Donald Trump, é claro o intuito de dar uma canseira no Brasil, causar prejuízos políticos ao presidente Lula (PT) e promover ataque ao Judiciário na forma de cerco financeiro ao ministro Alexandre de Moraes. As motivações são tão variadas quanto obscuras.

Trump está a fim de briga e Lula tem reagido no mesmo diapasão. É nítido o entusiasmo com que o petista abraça a oportunidade de obter ganho de popularidade com a posição algo delinquente do colega do Norte.

Trump está vencendo? - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

No curto prazo, EUA vêm obtendo ganhos com tarifas, mas terão de lidar com inflação e com perda de credibilidade entre países aliados

Donald Trump está vencendo? Por algumas contas, sim. Ele está conseguindo impor sobretaxas a seus parceiros comerciais sem encontrar resistência organizada. Nessa brincadeira, o Tesouro americano já arrecadou US$ 150 bilhões com tarifas, valor que deve pelo menos dobrar até o final deste ano.

A fórmula para lidar com valentões como Trump é não apenas conhecida como está inscrita em nossos DNAs de primatas gregários. É a reciprocidade, direta ou indireta. Na literatura de teoria dos jogos, as estratégias vencedoras ganham nomes como "tit-for-tat" e "win-stay, lose-shift".

O túnel no fim da luz para Bolsonaro - Ruy Castro

Folha de S. Paulo

Cavalhadas, lanchaciatas, jet-skíadas e outras sugestões para os seus últimos 50 dias ao ar livre

Com ou sem Lei MagnitskyTrump espumando pelo canto da boca e sequestro da economia do Brasil orquestrado em Washington por repelentes traidores, o desfecho de todo esse bullying jurídico-econômico não se altera —a hora da condenação está chegando para Bolsonaro. Como a Justiça brasileira não se ajoelhará para Trump, os entendidos calculam que, em 50 dias, Bolsonaro estará apto a se mudar para as instalações que a lei lhe destinar. Aqui vão sugestões para que ele, ante o inevitável, relaxe e aproveite ao máximo seus últimos 50 dias ao ar livre.

Brasil e Estados Unidos: Uma Guerra Assimétrica -Cláudio Carraly

A ordem executiva assinada por Donald Trump impondo tarifas de 50 % sobre produtos brasileiros e citando nominalmente Jair Bolsonaro e o blogueiro Paulo Figueiredo, não é apenas uma escalada comercial, é uma declaração de guerra econômica contra o povo brasileiro. É a confirmação definitiva de uma nova fase da guerra assimétrica que os Estados Unidos travam contra países que ousam exercer sua soberania, e representa o momento em que a máscara da "parceria" finalmente caiu. Ao misturar interferência política direta com chantagem econômica, Trump revelou o que há de mais arcaico e desesperado na política externa estadunidense.

A justificativa apresentada pela Casa Branca de que o governo brasileiro representa uma "ameaça incomum e extraordinária" à segurança nacional dos EUA expõe a paranoia de um império em decadência. Declarar emergência nacional com base na Lei de Poderes Econômicos de Emergência Internacional de 1977 contra o Brasil, enquanto simultaneamente sanciona o ministro Alexandre de Moraes pela Lei Magnitsky, demonstra o desespero de quem perdeu a capacidade de exercer influência através de meios diplomáticos convencionais.

Durante décadas, os EUA mantiveram sua posição hegemônica no mundo através de uma combinação de uma diplomacia agressiva, força militar, influência econômica e dominação cultural. No entanto, essa hegemonia já não se sustenta mais, a emergência de novos atores globais e o fortalecimento de blocos alternativos como os BRICS, que buscam consolidação de projetos multilaterais de desenvolvimento e cooperação, têm progressivamente minado o poder unilateral dos EUA. O mundo já não gira em torno de Washington e isso os incomoda profundamente.

Cultura e mestiçagem. Cultura é mestiçagem. - Ivan Alves Filho

O exame da formação da Europa ajuda a entender a força de um fenômeno como o da síntese cultural. Pois a História ensina que o que fez a grandeza do Velho Continente foi a sua extraordinária capacidade de assimilar uma religião oriental – no caso, o Cristianismo – e todo o legado da Grécia – uma área-entroncamento, uma vez que cruza Europa, Ásia, Oriente Médio e mesmo África. Nem é preciso dizer o quanto a Democracia, a Filosofia e as Artes em geral devem a essa formidável assimilação. Isso, sem contar toda a gama de encontros com a Índia e a China, que também viveram o seu Renascimento, tal qual a Europa

No fundo, a Civilização nasce das trocas: como imaginar a geometria de Pitágoras, que visitou o Egito das fabulosas pirâmides, obras inigualáveis pela precisão arquitetônica, sem o conhecimento dos cálculos que possibilitaram essas construções? Ou pensar a edificação do Estado no mundo de hoje sem o contributo do Direito romano? A História, muitas vezes, é o cruzamento das mais diversas geografias. Se a História vez por outra estabelece fronteiras, a Geografia teima em desdenhá-las. 

Houve um tempo, aquele do nomadismo, em que "as nossas pernas eram o único passaporte requisitado", conforme indicou Eduardo Galeano. 

No Brasil, não tem sido muito diferente, a nossa geografia assimilando as contribuições histórico-culturais de povos das mais diferentes regiões. Por aqui, os mitos indígenas têm milhares de anos, assim como os orixás africanos. E a língua portuguesa, na qual escrevemos todos, possui cerca de oitocentos anos. 

Os documentos coloniais portugueses não atestaram que os lundus - tão "lascivos", música de origem acentuadamente africana - tinham invadido os lares das sinhazinhas em Minas Gerais? E a documentação  relativa à história do samba carioca não informa que o então estudante de Medicina Noel Rosa deixava o asfalto de Vila Isabel e subia as ladeiras do Morro dos Macacos, situado no mesmo bairro, para aprender piano com Sinhô? Ainda no terreno da música e dos encontros que ela possibilita, revelando aquele que talvez seja o rosto mais verdadeiro do Brasil: Heitor Villa-Lobos era autodidata e Pixinguinha teve formação erudita. Foram unidos pelo chorinho e pelo amor às canções. Orestes Barbosa morou um período no Morro da Mangueira e chegou a se candidatar a uma vaga na Academia Brasileira de Letras. E os exemplos se multiplicam ad aeternum.   

As raízes são antigas, mas os galhos são novos. No Brasil, o que é de fato autóctone é a síntese, a mestiçagem. Essa é a originalidade nacional - e é também a minha convicção. 

Historiador

POESIA PRA QUE TE QUERO, Marcelo Mario Melo

A Janice Japiassu


Para eles a poesia

é uma donzela

que não pisa no chão

e passeia de armadura

numa bolha de nuvem.

 

A poesia

não tem leite nos peitos

nem cheiro no sexo

e não constitui

nova versão

da Virgem Santíssima

que pariu sem pecado

mas sujou-se com o parto

e as radicalizações de mãe eleita.