domingo, 26 de outubro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

IA desperta temor de bolha similar à da internet

Por O Globo

O paralelo é intrigante, mas ninguém deve ter dúvida sobre o impacto futuro na produtividade

Desde que a OpenAI lançou o ChatGPT, em 2022, o mercado acionário americano valorizou-se 75% — e as empresas cujo negócio está atrelado à inteligência artificial (IA) responderam por 80% dessa valorização. Ao mesmo tempo, a geração de empregos nos Estados Unidos caiu 30% no período (apesar de o nível de desemprego continuar baixo). Não há registro de divergência semelhante, com alta nas ações e queda na criação de postos de trabalho.

Passado e presente, por Luiz Sérgio Henriques

O Estado de S. Paulo

Neste governo Trump está de volta o mau presságio, ou a realidade já em curso, da autocratização política e do acirramento das tensões sociais

Comecemos com uma curiosidade de duas ou três décadas atrás. Um respeitado historiador das coisas do comunismo, perguntado sobre a queda do Muro de Berlim, a implosão do edifício soviético e os naturais efeitos sobre sua disciplina, reconheceu sentir-se bastante deslocado no novo contexto. É que, sem poder negar o longo período de estudos e os muitos livros lidos e escritos, percebia ter passado subitamente da condição de historiador do presente para a de arqueólogo. Daí por diante, seus temas de eleição soariam esotéricos. O que teriam a dizer aos contemporâneos as escolhas dos antigos partidos comunistas – seja no poder, seja na oposição –, seus momentos de ascensão e declínio, suas incessantes idas e vindas diante da “questão democrática”?

Cadeia para as mulheres, por Paulo Celso Pereira

O Globo

Aborto é assunto evitado da centro-esquerda à centro-direita pelo risco de perda de votos

Em junho do ano passado, o Supremo Tribunal Federal tomou uma decisão histórica: ignorando a opinião de 67% da população, a Corte definiu que qualquer usuário poderia portar até 40 gramas de maconha sem risco de ser preso. A grita no Congresso foi grande. O então presidente da Câmara, Arthur Lira, anunciou a criação de uma comissão para analisar uma Proposta de Emenda à Constituição de autoria do comandante do Senado na ocasião, Rodrigo Pacheco, para reverter a decisão. Hoje, passados 16 meses, ninguém debate mais sobre o assunto. A regra estabelecida pelo STF está em vigor, e nenhum índice de violência disparou.

A descriminalização da maconha foi colocada em pauta em 2023 pela então presidente da Corte, Rosa Weber. Sóbria e coerente, a ministra passou quase 12 anos no Supremo sem dar nenhuma entrevista e tendo como marca a defesa institucional do tribunal. Em sua despedida, ela decidiu dar mais um passo histórico na defesa das liberdades individuais e proferiu um voto de 129 páginas para descriminalizar o aborto realizado até a 12ª semana de gestação.

Deus e o diabo na Câmara, por Bernardo Mello Franco

O Globo

Diabo. Demônio. Satanás. Os três nomes do coisa-ruim foram invocados por deputados na noite de quarta-feira. Faltou citarem Tinhoso, Asmodeu, Lúcifer, Capiroto, Cramunhão, Belzebu...

Numa semana cheia de assuntos urgentes, a Câmara parou para debater o projeto que cria a bancada cristã. A ideia foi apresentada pelos líderes das frentes católica e evangélica. Eles se uniram para tentar emplacar uma nova instância de poder subordinada à fé.

A proposta significa um retrocesso em múltiplas dimensões: atropela a laicidade do Estado, discrimina adeptos de outras religiões, põe a Bíblia à frente da Constituição.

As cartas do embaixador, por Míriam Leitão

O Globo

Com linguagem poética e raciocínio lógico, o presidente da COP tem comunicado a urgência da ação, e o custo de nada fazer contra a crise climática

O embaixador André Corrêa do Lago escreve cartas. Já foram oito. É parte natural da presidência da COP que ele exerce. O alerta da semana passada lembrava um princípio da evolução das espécies. “Os sobreviventes não são os mais fortes, são os mais cooperativos”. Nós, os humanos, não temos cooperado. Os riscos são existenciais. Mas, perdidos em nossas emergências e fraturas, não vemos o essencial. As conferências da Convenção do Clima são o chamado à consciência, mais profundo do que em qualquer outra reunião da ONU, de que corremos perigo extremo diante do problema criado por nós mesmos. “A inação não representa uma falha técnica, mas sim uma escolha política sobre quem vive e quem morre.”

Lula atravessou o Pacífico para escorregar numa folha de coca em Jacarta, por Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

O Brasil deixou de ser apenas consumidor da droga, produzida na Bolívia, Venezuela e na Colômbia, para se tornar um corredor de exportação

Uma frase infeliz do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre o tráfico e o consumo de drogas, durante entrevista em Jacarta, na Indonésia, virou a nova dor de cabeça do governo — justamente quando o petista começava a voar em céu de brigadeiro nas pesquisas de opinião. Sua popularidade vinha em recuperação, apesar de contingenciada por problemas econômicos (déficit fiscal) e sociais (segurança) objetivos, que o governo tenta contornar com medidas voltadas à classe média e à população de baixa renda. Volta e meia, porém, Lula fala o que não deveria, como agora, e colide com o senso comum da maioria da sociedade.

Brasil e Sudeste Asiático: ampliando horizontes estratégicos, por Mauro Vieira

Correio Braziliense

A presença do Brasil na cúpula da Asean é um gesto de confiança na força do diálogo político como instrumento de transformação, com decidido apoio da diplomacia presidencial

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva realiza, na atual visita à Ásia, mais uma missão diplomática inédita: será o primeiro presidente brasileiro a participar de uma reunião de cúpula da Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean). A visita inaugura uma nova etapa nas relações entre o Brasil e uma das regiões mais dinâmicas e estratégicas do mundo. A Asean é um exemplo de grande êxito na construção de confiança entre os países do Sudeste Asiático, por meio do diálogo político e da expansão de laços econômicos, em especial nas últimas três décadas.

Em 2023, durante visita a Jacarta, tive a honra de inaugurar oficialmente a Parceria de Diálogo Setorial Brasil-Asean, a única que a associação mantém com um país da América Latina. Desde então, em minhas viagens à região, pude constatar sua impressionante pujança econômica e diversidade. Com cerca de 680 milhões de habitantes e um PIB de aproximadamente US$ 4 trilhões, os 10 países-membros da Asean, em conjunto, equivalem à quarta economia do planeta.

Lula entre Jacarta e a luta pelo voto, por Rolf Kuntz

O Estado de S. Paulo

Num quadro de polarização política, a disputa eleitoral do próximo ano poderá ser mais dura e mais custosa, do que talvez se calcule neste momento

O mundo terá de recuar milênios, voltando talvez à fase inicial do comércio entre gregos e fenícios, para ficar ao gosto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Guiado em assuntos internacionais por ideias singularíssimas, ele consegue misturar no mesmo discurso a defesa do multilateralismo e a pregação do comércio com moedas emitidas pelos parceiros – ou até sem moedas, como se fazia na aurora da civilização mediterrânea. Essa arenga foi retomada em Jacarta, em cerimônia com o presidente indonésio Prabowo Subianto, na reunião de líderes da Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean).

Com o fortalecimento da União Europeia e com a crescente importância comercial da China, talvez o sistema de pagamentos evolua para novas formas de operação e para a consolidação de novas moedas de uso global. Mas essas transformações, normalmente complexas, podem ser lentas, envolvem a combinação de interesses variados e muito dificilmente – talvez nunca – se resolverão no interior de grupos como o Brics.

Mais que ‘um pedacinho de bolo’, por Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

A Argentina ‘está morrendo’, mas o Brasil está muito vivo e oferece lucro, alegria e bolo para Trump

Aqueda de braço com Lula na Malásia pela revisão do tarifaço e a vitória ou derrota de Javier Milei nas eleições legislativas da Argentina, neste domingo, serão duas ótimas oportunidades simultâneas para Donald Trump definir os rumos das relações dos EUA com a América do Sul e sua estratégia para retomar a influência norte-americana na região. Dois testes de fogo.

Para o bem ou para o mal, Trump mira nas maiores economias da América do Sul e as diferenças são estridentes. Como define um sagaz embaixador, as relações com o Brasil são de “lucro e alegria”, a Argentina virou “um peso”, ou um custo de bilhões de pesos, E a Colômbia, como a combalida Venezuela, atrai chuvas, trovoadas e até um ameaçador porta-aviões bem perto. O Chile e o Peru? Não estão no radar.

O jogo para 2026, por Fernando Schüler

O Estado de S. Paulo

As pesquisas mostram que uma maioria consistente de eleitores não gostaria de ver nem Lula nem Bolsonaro em 2026. Seria ótimo uma esquerda e uma direita renovadas, no País, discutindo o futuro. Mas não irá acontecer. Por vezes me lembro de meus 20 e poucos anos. Era a primeira eleição da Nova República, em 1989, e Lula já estava lá. Agora vamos para a décima eleição, e algo soa como a reprise infinita de um velho filme.

Lula sai na frente. Das quatro reeleições que tivemos, apenas uma não funcionou: Bolsonaro, em 2022. Na América Latina, o índice de reeleição chega a 85%.

Há exatos cinco meses, o governo chegou ao fundo do poço, com cerca de 40% de aprovação. De lá para cá, vem se recuperando. Grosso modo, uma reeleição é muito improvável com aprovação abaixo de 40%, e muito provável acima de 50%. Lula sabe disso. Se o governo crescer mais 4 ou 5 pontos, é difícil perder. Se a inflação está sob controle, desemprego baixo e as gratuidades correndo soltas, o curto prazo está bem resolvido. E o curto prazo é 2026.

O tiro pela culatra no agro americano, por Lourival Sant’Anna

O Estado de S. Paulo

As tarifas não poderiam ter vindo em pior momento para a carne bovina dos EUA

Donald Trump está em condição mais vulnerável, do ponto de vista comercial, do que quando anunciou a tarifa de 50% sobre os produtos brasileiros, no dia 9 de julho. A carne e o café estão caros nos EUA e não houve impacto sobre as principais exportações do agro brasileiro.

As tarifas não poderiam ter vindo em pior momento, para a carne bovina dos EUA, que vive a pior queda de produção em 70 anos. Todo setor tem os seus ciclos. Dentro de um ou dois anos a produção pode aumentar de novo. Mas a escassez levou a aumento de 14% do preço da carne americana nos 12 meses encerrados em agosto.

Para uma economia estável como a americana, é muita coisa. O churrasco de hambúrguer no fim da tarde é sagrado para a família americana. Diante das pressões, Trump falou em importar carne argentina. Provavelmente para ajudar Javier Milei nas eleições para o Congresso argentino, hoje – como fez ao condicionar o swap cambial de US$ 40 bilhões à vitória de seu aliado nas urnas.

Trump tutela Argentina, ameaça Venezuela, se acerta com a Ásia. E Lula com isso? Por Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Presidente tem muita experiência para negociar, país tem pouca estratégia pensada

EUA preparam guerra na América Latina e transformam Argentina em protetorado financeiro

Luiz Inácio Lula da Silva tem meio século de experiência em negociações, a contar pelo menos desde quando assumiu o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, em 1975, conversando com a Fiesp e liderando um movimento político que contribuiu para o fim da ditadura. Disputou seis eleições presidenciais, ganhou três. Governou o país já por 11 anos, sempre em minoria no Congresso. Etc.

Não há líder político no Brasil com fração da experiência de Lula. Não obstante, Lula confia por demais no seu "taco", quando não diz disparates, em especial quando em boa fase e o "fracasso sobe à cabeça", vide a arenga de sexta passada sobre usuários de drogas que prejudicam traficantes. Parece também confiante de que vai levar Donald Trump na conversa, falando "de tudo", "igual para igual". Mas terá de pensar muito mais no que diz; o Brasil precisa de planos estritos, muito além de vago, velho e ideológico sul-globalismo.

Democracia no Brasil é um grande sucesso, por Vinicius Mota

Folha de S. Paulo

Esperar que regime corrija grandes problemas do país é exigir demais de um instrumento

O que quer dizer democracia? A resposta vai variar conforme o gosto do freguês, e o livro "A Palavra e o Poder" (Civilização Brasileira) traz um rico painel desse debate no contexto brasileiro ao longo dos 40 anos da Nova República.

Ao pé da letra grega, democracia é o poder do povo. É mais simples entendê-la no experimento ateniense da Antiguidade, pelo qual os cidadãos se juntavam na praça para deliberar, ao peso de um voto por cabeça, sobre temas da coletividade.

No seu mínimo denominador comum, a democracia é meio de satisfazer o apetite humano pelo poder sem recurso à violência. Nesse sistema, ninguém precisa decapitar o rei ou derrotar a milícia inimiga para tornar-se governante. Basta vencer as eleições. Simples de formular, difícil de implementar.

Há um componente da realidade que complica essa equação. As pessoas podem ser consideradas iguais diante da lei, mas elas não se sentem nem se comportam como se fossem iguais. Uma teia de relações de parentesco, de hierarquia e de posicionamento econômico desafia o ideal normativo.

Fux deu Nobel para o golpe, por Celso Rocha de Barros

Folha de S. Paulo

Auge da performance do ministro foi comparação dos golpistas de Bolsonaro com María Corina Machado

Fux já começou tratando como indiscutível o que a defesa dos acusados nunca conseguiu provar

A polícia provou que Jair Bolsonaro e seus cúmplices sabiam que as urnas eletrônicas eram seguras.

Na investigação do golpe foram encontradas evidências irrefutáveis de que nem a auditoria do Exército nem a auditoria do PL encontraram qualquer irregularidade nas urnas eletrônicas. Há uma mensagem de Mauro Cid para outro oficial golpista dizendo com todas as letras: "Nada...nenhum indício de fraude".

Quantos brasileiros sabem que a polícia fez essa descoberta?

Suspeito que poucos.

Só por isso ainda há gente dizendo que o STF atacou a liberdade de expressão quando combateu o golpe: porque muita gente acha que os golpistas acreditavam, sinceramente, que a eleição havia sido roubada.

Essa hipótese da crença sincera na eleição roubada também ajuda a dar a impressão de que as ofensivas golpistas daqueles meses foram apenas explosões irracionais, realizadas sem comando central por cidadãos que, embora equivocados, exerciam seu direito ao protesto e à liberdade de expressão.

Tudo mentira.

Lula e o projeto Boulos, por Dora Kramer

Folha de S. Paulo

A ida do deputado para o Palácio não é uma troca como outras; tem jeito de plano estratégico

Primeiro, o presidente abre espaço em SP para deputados do PT, depois investe na formação de um sucessor

A substituição de Marcio Macêdo (PT) por Guilherme Boulos (PSOL) na Secretaria-Geral da Presidência não foi uma troca qualquer, como tantas outras nestes dois anos e dez meses de governo Lula.

Guarda alguma semelhança com o revezamento de lugares entre os petistas Gleisi Hoffmann e Alexandre Padilha nas pastas das Relações Institucionais e Saúde, devido ao perfil mais esquerdista e combativo da ministra. A simetria fica por aí.

Uma demanda de urbanidade política, por Muniz Sodré

Folha de S. Paulo

Em biorritmo encapsulado, a capital do país é mais federal do que do Brasil

A desastrosa ditadura e a degradação civil desligaram Brasília da criação

É possível que a cidade de Brasília tenha algo a ver com a deterioração qualitativa do Congresso. No governo Kubitschek, a transferência da capital para o Planalto Central não espelhava nenhuma grande transformação social, mas era a marca de uma reorganização simbólica, marketing do ímpeto industrialista da burguesia nacional. No sistema-mundo, vivia-se o apogeu do princípio anticolonial de autonomia dos povos periféricos, o Brasil despontava no Terceiro Mundo, com a ideologia do desenvolvimento à frente.

Brasília seria um símbolo forte disso tudo. Já em 1916, o sociólogo norte-americano Robert Park afirmava que cidade era algo mais que "um amontoado de homens, ruas, edifícios, luz elétrica, linhas de bonde e telefone. A cidade é um estado de espírito, um corpo de costumes, tradições e sentimentos" (em "A Cidade: sugestões para a investigação do comportamento humano no meio urbano").