segunda-feira, 24 de novembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

COP30 deixa sabor de frustração

Por O Globo

Conferências multilaterais não têm se mostrado à altura do desafio de conter a emergência climática

Nada mais simbólico que o incêndio na Zona Azul, área oficial da COP30, em Belém. O fogo, felizmente controlado, foi a última evidência da desorganização que prejudicou a conferência do clima desde o início — sentida nos preços extorsivos de diárias de hotel e alimentação, na qualidade sofrível do ar-condicionado (movido a diesel) ou na reprimenda oficial da ONU aos organizadores. Tudo isso poderia ser encarado como mero transtorno se a COP30 tivesse obtido sucesso em sua missão principal: gerar instrumentos capazes de conter outro fogo, o aquecimento da atmosfera que desarranja o clima na Terra. Mas também nisso ela deixou a desejar.

Era, é verdade, possível prever resultados modestos. A Cúpula dos Líderes que antecedeu a COP30 atraiu pouco mais de 30 chefes de governo e Estado, menos da metade do registrado no ano passado e um terço dos presentes na Rio-92. Entre os ausentes, Donald Trump, presidente do país que mais poluiu desde a Revolução Industrial, e Xi Jinping, líder do maior emissor de gases. Sem aval dos dois, qualquer avanço já seria relativo. Também não compareceram líderes de países como Austrália, Indonésia, Turquia, Argentina ou Japão. A COP30 passou a ser encarada como encontro de “implementação” de decisões tomadas. E, mesmo com metas pouco ambiciosas, as conquistas ficaram aquém do necessário.

A vida nas favelas que o Brasil insiste em não ver, por Preto Zezé

O Globo

O país gosta de apontar o criminoso como inimigo, mas ignora que ele é produto das próprias omissões

Desde “Falcão — meninos do tráfico” e das imagens da invasão do Alemão, muita coisa mudou e, ao mesmo tempo, nada mudou. A pesquisa Raio-X da Vida Real, feita pela Data Favela com quase 4 mil pessoas envolvidas no crime, revela dinâmicas que o país evita encarar. Não é só tráfico, é um Brasil que produz, abandona e depois pune seus próprios filhos.

Metade dos entrevistados tem até 26 anos. Na favela, a juventude é curta porque a oportunidade também é. Para muitos, o tráfico vira primeiro emprego e primeiro reconhecimento num país onde o Estado chega tarde com a escola e cedo com a viatura. Estamos formando uma geração que envelhecerá sem Previdência, renda ou proteção — uma bomba-relógio que nem entrou no Orçamento.

O crime se nacionalizou, mas a base continua sendo o cria: o jovem que conhece cada viela e morre primeiro. Nada disso é novidade. Está nas músicas de MV Bill — “Soldado do morro”, “Falcão, soldado morto”. O país apenas não quis ouvir.

Cai também o mito da família desestruturada. A pesquisa mostra que 52% têm filhos e metade vive em casal. São famílias reais, com afeto e rotina, vivendo sem direito. Falta proteção, não laço.

Caso Master deixa lições, por Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

Empresas e instituições financeiras públicas são geridas conforme múltiplos interesses políticos

Está no documento da Polícia Federal que levou à liquidação do Banco Master: as letras financeiras (LFs) dessa instituição “não eram atrativas a investidores privados”. O Master oferecia aos compradores dessas letras uma rentabilidade de encher os olhos: 130% do CDI (Certificado de Depósito Interbancário). E qualquer pessoa mais ou menos informada sobre o mercado financeiro sabe como é difícil bater o CDI. Por que então esse tipo de papel era rejeitado por investidores privados? Três motivos: o prazo excessivo, dez anos; a falta de credibilidade do emissor; e a falta de cobertura do Fundo Garantidor de Créditos (FGC).

Master é um banco político, por Demétrio Magnoli

O Globo

O Brasil é um país de portas giratórias. O banqueiro patrocinava, oficial ou informalmente, eventos dos grupos de lobby

Tudo o que ronda o escândalo do Banco Master é estranho, do ponto de vista dos analistas econômicos. Nada no caso, porém, provoca genuína estranheza entre os analistas políticos.

A operação de venda do Master ao Banco de Brasília (BRB) foi anunciada em março, mas apenas em setembro barrada unanimemente pelo BC. Há tempos, o radar detectava objetos estranhos no céu. O banco de Daniel Vorcaro cresceu, ao longo dos últimos anos, oferecendo CDBs com taxas de juros muito superiores às dos concorrentes.

— O Master vinha apresentando problemas desde o ano passado, pois tinha ativos incertos e passivos certos. O BC realmente dormiu no ponto e só acordou agora — registra o ex-diretor do BC Carlos Eduardo de Freitas.

Por que a demora, diante da pilha de evidências do esquema de alavancagem radical?

Uma semana para provar que assunto nunca falta, por Bruno Carazza

Valor Econômico

Banco Master, COP30, Messias no STF, reação de Alcolumbre, recuo de Trump no tarifaço e prisão de Bolsonaro: de tédio a gente não morre

Há sete anos recebi o convite improvável de Maria Cristina Fernandes para ser colunista do Valor. Depois do impensado impulso de aceitar (“a hora do ‘sim’ é o descuido do ‘não’”, já cantava Vinicius de Moraes), dois pensamentos passaram a me aterrorizar.

Acima de tudo estava a responsabilidade de escrever num espaço que, desde o lançamento do jornal, havia sido ocupado por grandes analistas políticos como Fernando Limongi, Marcos Nobre, Renato Janine Ribeiro, Luiz Werneck Vianna, Fábio Wanderley Reis e Fernando Abrucio. Como se isso não bastasse, ainda havia a pressão da periodicidade: será que eu teria repertório para um texto semanal, numa publicação com um público tão qualificado e exigente?

Cenário de divisão da direita sem Bolsonaro é provável

Valor Econômico, por César Felício

Preso e sem perspectivas de socorro, ex-presidente tem pouco estímulo para transferir eleitorado a liderança de fora da família

A antecipação da prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro abre portas para um cenário de consolidação da divisão da direita na eleição presidencial de 2026. Bolsonaro mantém como ativo a força eleitoral, hoje com viés de baixa, não de alta. Encarcerado, sem perspectivas de construção de uma saída política no Congresso para anular sua condenação, mesmo com pressão dos Estados Unidos, não há estímulos para a transferência do legado.

Especialistas em pesquisas eleitorais e em marketing político já calculam o que é reserva de mercado do bolsonarismo puro dentro do eleitorado antipetista, avaliado em cerca de 50% do total nacional. Há unanimidade entre eles de que o ex-presidente representa a faixa majoritária dos que se dizem de direita, mas não tem mais as exclusividade deste contingente, o que tende a torná-lo mais radical.

“Pesquisa nossa feita depois da condenação judicial mostra que 35% do eleitorado brasileiro se classifica como sendo de direita e 63% nominam Bolsonaro como principal liderança. Isso no eleitorado total indica 22% de bolsonaristas puros”, comenta o cientista político Antonio Lavareda, diretor do Ipespe, que avalia ser esse o potencial de transferência.

Aliados de Bolsonaro veem crescer favoritismo de Tarcísio, por Andrea Jubé e Joelmir Tavares

Valor Econômico

Governador de São Paulo é visto como nome que une centro, direita e bolsonaristas

Aliados do núcleo principal de Jair Bolsonaro avaliam que o episódio da prisão preventiva, que revogou a domiciliar e remanejou o ex-presidente para uma cela na sede da Polícia Federal, dificulta as comunicações, mas não interdita as discussões sobre quem será o herdeiro político do líder da oposição. A percepção é de que o fato fortalece o favoritismo do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), ao mesmo tempo em que esvazia a possível candidatura do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).

Um desses aliados disse ao Valor que Tarcísio continua sendo o nome que une o centro, a direita e o bolsonarismo, especialmente se for ungido pelo ex-mandatário como o seu candidato à Presidência. Na visão desta fonte, a retirada de Bolsonaro do regime domiciliar deverá alertá-lo para a importância de ele escolher o nome mais competitivo de seu campo político para ganhar o seu apoio e enfrentar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva na eleição de 2026.

Só a busca por blindagem une o bolsonarismo e o Centrão, por Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Grupo político mais renhido do entorno de Bolsonaro parece ter visto uma senha para a resistência

A perspectiva de que viesse a perder a possibilidade de uma prisão domiciliar, pelo indício de fuga, é suficiente para o ex-presidente ter mudado a versão sobre sua motivação para a violação da tornozeleira de “curiosidade” para “alucinação”. Se a mudança de versão não lhe devolverá, tão cedo, a chance de ficar preso em casa, tampouco será suficiente para arrefecer a resistência do bolsonarismo a uma candidatura única do campo da direita.

Por mais desmoralizante que a história da tornozeleira possa parecer, e o silêncio dos advogados sobre a violação é reveladora, a “paranoia” da qual Jair Bolsonaro se diz possuído reforça a vitimização como narrativa. Um dos poucos a se pronunciar sobre o tema, a partir do depoimento do ex-presidente na audiência de custódia, foi o influenciador Paulo Figueiredo.

Antecipação de prisão pode forjar aliança do Centrão com bolsonarismo, por César Felício

Valor Econômico

A possibilidade de um alinhamento pleno entre os dois blocos levou deputados de esquerda a baixarem a euforia com a tão esperada prisão

As notas em redes sociais do ex-presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), e do presidente nacional do PSD, Gilberto Kassab, em defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro, preso preventivamente nesse sábado (22), são as mais sugestivas das primeiras consequências políticas de um evento esperado desde o início do ano. O Congresso Nacional deve retomar os trabalhos esta semana com uma aliança tácita entre o Centrão e o bolsonarismo para beneficiar o líder condenado.

Lira ainda mantém em mãos muitas das rédeas que operam as emendas parlamentares na Câmara e é a eminência parda na gestão do sucessor, o presidente da Câmara Hugo Motta (PP-PB). Com a centena de parlamentares da "União Progressista" (PP mais União Brasil) alinhada à oposição, Kassab é o fiel da balança que forja uma maioria parlamentar.

Prisão rara indica robustez institucional, por Carlos Pereira

O Estado de S. Paulo

Democracias têm enorme dificuldade em julgar e impor penas de prisão a chefes do Executivo

A prisão de Jair Bolsonaro e a perspectiva de início de cumprimento de uma pena severa têm produzido interpretações polares — para uns, justiça; para outros, perseguição. Reações semelhantes ocorreram quando Lula foi preso e, depois, solto. Como demonstrei no artigo escrito com André Klevenhusen, In Court we Trust? Political Affinity and Citizen’s Attitudes Toward Court’s Decision, a forma como indivíduos avaliam decisões judiciais é amplamente afetada por vieses políticos e afetivos.

Mas o ponto central é outro: democracias encontram enorme dificuldade em julgar e impor penas privativas de liberdade a chefes do Executivo. Quando conseguem fazê-lo, demonstram força institucional – não fragilidade.

Bolsonaro preso, mas a página não foi virada, por Joel Pinheiro da Fonseca

Folha de S. Paulo

Um espectro sempre acompanhou o bolsonarismo, o de que a força pode se impor sobre as instituições

Realisticamente, contudo, ele ainda detém uma carta poderosa: a escolha de seu sucessor em 2026

Foi um anticlímax. Veio num momento em que ninguém esperava, cedo da manhã do sábado, dias antes do aguardado "transitado em julgado". Flávio Bolsonaro conclamara os militantes para uma vigília, uma "luta" espiritual pedindo ao "Senhor dos Exércitos" que corrija os erros da Justiça humana. Mas não deu tempo de colocar as tropas em posição. As câmeras da mídia também não estavam prontas. A prisão de Jair Bolsonaro em nada lembrou o espetáculo da prisão de Lula em abril 2018 na sede dos metalúrgicos, quando uma multidão veio defender o ex-presidente e dificultar o trabalho da polícia.

A ordem de Alexandre de Moraes foi correta. A aglomeração de defensores fora do condomínio poderia gerar tumulto e violência. Além disso, Bolsonaro tentou violar a tornozeleira com um ferro de solda. Não está claro se houve algum plano mirabolante ou se —o que é mais provável— foi puro fruto de um surto psiquiátrico. Seja como for, o mais seguro para todos os envolvidos —especialmente Bolsonaro— é o que aconteceu: sua transferência para a superintendência da PF com o devido acompanhamento médico constante.

Direita não precisa mais de Bolsonaro, Camila Rocha

Folha de S. Paulo

Pá de cal foi jogada pelo próprio Jair, que derreteu sua tornozeleira e seu capital político

Candidaturas alternativas de direita ainda têm longo caminho e grande pedra chamada PF

Jair Bolsonaro derreteu sua tornozeleira e seu capital político. Se antes era a direita que precisava do bolsonarismo, agora o cenário mudou.

Há meses o bolsonarismo estava em crise. O número de apoiadores em protestos de rua declinou, assim como seu impacto nas redes sociais. Para piorar, o fim do tarifaço para produtos agrícolas enterrou de vez a estratégia de Eduardo Bolsonaro para salvar o pai.

O fracasso retumbante de Eduardo fez com que passasse o bastão para o irmão mais velho, Flávio Bolsonaro. Porém, após o fiasco de uma caminhada promovida em outubro, na qual compareceram 2.000 pessoas, Flávio tentou reacender o ânimo dos apoiadores, mas apenas acelerou o enterro político de sua família.

Prisão de Bolsonaro é ponto fora da curva entre democracias em crise, por Ana Luiza Albuquerque

Folha de S. Paulo

Independência do Judiciário garantiu prisão de líder autoritário populista condenado

Medida não é suficiente para mudar condições que permitiram sua chegada ao poder

Jair Bolsonaro é o primeiro dos grandes líderes da leva de autoritários populistas do século 21 a ser preso por atentar contra a democracia. Seus aliados internacionais seguem não apenas livres, mas firmes.

Nos Estados UnidosDonald Trump voltou à Presidência antes que o julgamento de seus processos atrapalhasse seus planos eleitorais. Na HungriaViktor Orbán se prepara para uma difícil eleição, mas os 15 anos que acumula no poder podem ser um trunfo para garantir sua permanência como primeiro-ministro.

Enquanto isso, Bolsonaro passará seus dias, ao que parece, em uma sala da Superintendência da Polícia Federal em Brasília. Cabe perguntar: por que o ex-presidente teve um destino diferente dos seus pares?

Em primeiro lugar, a manutenção de uma Suprema Corte independente foi fundamental para fazer valer a lei e punir a ameaça democrática. Cientistas políticos que estudam a qualidade das democracias costumam identificar o Judiciário como o último bastião frente aos avanços de um autocrata.

Dulce/Márcia, por Ivan Alves Filho

Eu a conheci como Márcia, militante aguerrida do Partido Comunista Brasileiro, o velho Partidão. Somente alguns anos depois, apesar de eu viver com sua irmã, Ana Cláudia, é que eu soube seu verdadeiro nome: Dulce Rosa.

Um nome inspirado por alguma canção popular mexicana, dir-se-ia. Um nome bonito demais da conta, como falariam os mineiros. Um nome que ela, devido à luta clandestina, tinha que omitir de quase todo mundo.

Tendo convivido com ninguém menos do que Luiz Carlos Prestes em Moscou, atuou politicamente com Salomão Malina e Givaldo Siqueira, Dulce/Márcia foi ainda amiga pessoal de Gregório Bezerra, cujas memórias datilografava na antiga União Soviética. Dela, pode-se dizer que pautou sua vida pela defesa intransigente da Democracia, tanto no plano político quanto no social. E pagou por isso um preço muito alto, traduzido por clandestinidades e exílios.

Opinião do dia - Karl Marx* - Democracia

“Dignidade pessoal do homem, a liberdade, seria necessário primeiramente despertá-la no peito desses homens. Somente esse sentimento que, com os gregos, desaparece desse mundo, e que, com o cristianismo, se evapora no azul do céu pode de novo fazer da sociedade uma comunidade dos homens, para atingir seus fins mais elevados: um Estado democrático.”

*Karl Marx (1818-1883), Euvres, III, Philosophie, p. 383, citado em “A democracia contra o Estado”, p.54. Editora UFMG, 1998.