segunda-feira, 24 de novembro de 2025

Prisão rara indica robustez institucional, por Carlos Pereira

O Estado de S. Paulo

Democracias têm enorme dificuldade em julgar e impor penas de prisão a chefes do Executivo

A prisão de Jair Bolsonaro e a perspectiva de início de cumprimento de uma pena severa têm produzido interpretações polares — para uns, justiça; para outros, perseguição. Reações semelhantes ocorreram quando Lula foi preso e, depois, solto. Como demonstrei no artigo escrito com André Klevenhusen, In Court we Trust? Political Affinity and Citizen’s Attitudes Toward Court’s Decision, a forma como indivíduos avaliam decisões judiciais é amplamente afetada por vieses políticos e afetivos.

Mas o ponto central é outro: democracias encontram enorme dificuldade em julgar e impor penas privativas de liberdade a chefes do Executivo. Quando conseguem fazê-lo, demonstram força institucional – não fragilidade.

Bolsonaro preso, mas a página não foi virada, por Joel Pinheiro da Fonseca

Folha de S. Paulo

Um espectro sempre acompanhou o bolsonarismo, o de que a força pode se impor sobre as instituições

Realisticamente, contudo, ele ainda detém uma carta poderosa: a escolha de seu sucessor em 2026

Foi um anticlímax. Veio num momento em que ninguém esperava, cedo da manhã do sábado, dias antes do aguardado "transitado em julgado". Flávio Bolsonaro conclamara os militantes para uma vigília, uma "luta" espiritual pedindo ao "Senhor dos Exércitos" que corrija os erros da Justiça humana. Mas não deu tempo de colocar as tropas em posição. As câmeras da mídia também não estavam prontas. A prisão de Jair Bolsonaro em nada lembrou o espetáculo da prisão de Lula em abril 2018 na sede dos metalúrgicos, quando uma multidão veio defender o ex-presidente e dificultar o trabalho da polícia.

A ordem de Alexandre de Moraes foi correta. A aglomeração de defensores fora do condomínio poderia gerar tumulto e violência. Além disso, Bolsonaro tentou violar a tornozeleira com um ferro de solda. Não está claro se houve algum plano mirabolante ou se —o que é mais provável— foi puro fruto de um surto psiquiátrico. Seja como for, o mais seguro para todos os envolvidos —especialmente Bolsonaro— é o que aconteceu: sua transferência para a superintendência da PF com o devido acompanhamento médico constante.

Direita não precisa mais de Bolsonaro, Camila Rocha

Folha de S. Paulo

Pá de cal foi jogada pelo próprio Jair, que derreteu sua tornozeleira e seu capital político

Candidaturas alternativas de direita ainda têm longo caminho e grande pedra chamada PF

Jair Bolsonaro derreteu sua tornozeleira e seu capital político. Se antes era a direita que precisava do bolsonarismo, agora o cenário mudou.

Há meses o bolsonarismo estava em crise. O número de apoiadores em protestos de rua declinou, assim como seu impacto nas redes sociais. Para piorar, o fim do tarifaço para produtos agrícolas enterrou de vez a estratégia de Eduardo Bolsonaro para salvar o pai.

O fracasso retumbante de Eduardo fez com que passasse o bastão para o irmão mais velho, Flávio Bolsonaro. Porém, após o fiasco de uma caminhada promovida em outubro, na qual compareceram 2.000 pessoas, Flávio tentou reacender o ânimo dos apoiadores, mas apenas acelerou o enterro político de sua família.

Prisão de Bolsonaro é ponto fora da curva entre democracias em crise, por Ana Luiza Albuquerque

Folha de S. Paulo

Independência do Judiciário garantiu prisão de líder autoritário populista condenado

Medida não é suficiente para mudar condições que permitiram sua chegada ao poder

Jair Bolsonaro é o primeiro dos grandes líderes da leva de autoritários populistas do século 21 a ser preso por atentar contra a democracia. Seus aliados internacionais seguem não apenas livres, mas firmes.

Nos Estados UnidosDonald Trump voltou à Presidência antes que o julgamento de seus processos atrapalhasse seus planos eleitorais. Na HungriaViktor Orbán se prepara para uma difícil eleição, mas os 15 anos que acumula no poder podem ser um trunfo para garantir sua permanência como primeiro-ministro.

Enquanto isso, Bolsonaro passará seus dias, ao que parece, em uma sala da Superintendência da Polícia Federal em Brasília. Cabe perguntar: por que o ex-presidente teve um destino diferente dos seus pares?

Em primeiro lugar, a manutenção de uma Suprema Corte independente foi fundamental para fazer valer a lei e punir a ameaça democrática. Cientistas políticos que estudam a qualidade das democracias costumam identificar o Judiciário como o último bastião frente aos avanços de um autocrata.

Opinião do dia - Karl Marx* - Democracia

“Dignidade pessoal do homem, a liberdade, seria necessário primeiramente despertá-la no peito desses homens. Somente esse sentimento que, com os gregos, desaparece desse mundo, e que, com o cristianismo, se evapora no azul do céu pode de novo fazer da sociedade uma comunidade dos homens, para atingir seus fins mais elevados: um Estado democrático.”

*Karl Marx (1818-1883), Euvres, III, Philosophie, p. 383, citado em “A democracia contra o Estado”, p.54. Editora UFMG, 1998.

Poesia | Sentimento do Tempo, de Paulo Mendes Campos

 

Música | Chico Buarque - A Moça do Sonho