Hugo Henud / O Estado de S. Paulo
Encerrada a eleição, esquerdas têm de pensar
em como atrair ‘centristas’, diz professora da USP
“Para superar a rejeição da maioria, ele
(Guilherme Boulos) precisará construir uma outra persona política. A de líder
de movimento social que aposta na ação direta tem alta rejeição dos eleitores”
Em meio aos desafios enfrentados pela
esquerda nas eleições de 2024, a cientista política e professora emérita da USP
Maria Hermínia Tavares de Almeida defendeu em entrevista ao Estadão uma tática
mais eficaz para atrair o eleitor centrista, considerando o fortalecimento das
legendas de direita e de centro, e sugeriu que Guilherme Boulos (PSOL) terá de
construir nova “persona política” para superar a rejeição.
O pragmatismo da política local ganhou mais
força do que projetos ideológicos?
Tudo indica que Ricardo Nunes fez coisas, que
a Prefeitura esteve presente nos bairros mais pobres e que o prefeito tem o que
mostrar. Mas não é possível deixar de lembrar que o que parece estar
acontecendo aqui – ou seja, a reeleição – ocorreu em muitas outras cidades e
costuma ocorrer. Prefeitos se reelegem. Nunes tem uma enorme coalizão e muitos
recursos do fundo eleitoral. A máquina da Prefeitura é poderosa. Entre um
prefeito que mostra o que fez e um candidato que diz que fará, o eleitor
prudente pode estar inclinado a votar no primeiro.
O que acha que faltou à campanha de Boulos
para obter um desempenho mais favorável?
Não teve a ver com a campanha propriamente.
Para superar a rejeição da maioria, ele precisará construir outra persona
política. A de líder de movimento social que aposta na ação direta tem alta
rejeição.
Quem sai mais fortalecido na chamada
“primária” da direita em São Paulo?
Em São Paulo, saem fortalecidos o prefeito e
o governador (Tarcísio de Freitas). No País, do PSD de Gilberto Kassab, a
direita pragmática, ávida de recursos e poder. Direita pragmática que sempre
predominou nas eleições municipais e para a Câmara Federal desde 1985.
Tarcísio pode consolidar uma nova liderança à
direita, fora do bolsonarismo?
O governador apostou e ganhou. Saiu com uma
imagem mais nítida. A liderança à direita está em disputa: há outros candidatos
fortes, como o governador (Ronaldo) Caiado (de Goiás). Jair Bolsonaro tem força
e catalisa eleitores de extrema direita. Por enquanto, tem que ser levado em
conta por qualquer político que aspire a ser governador ou presidente
unificando as forças de direita. O discurso do governador continua mostrando
sua lealdade ao ex-presidente e sua identificação com propostas caras aos
bolsonaristas, na educação especialmente. O empenho de separá-lo de Bolsonaro é
maior entre os analistas, que buscam figuras de direita mais “razoáveis”, do
que do próprio governador.
Os resultados municipais podem influenciar a
eleição presidencial de 2026?
Não creio. O pleito presidencial tem outra
lógica. De toda forma, essas eleições confirmaram que as direitas são muito
fortes, o centro tende a gravitar em torno delas, e as esquerdas são
minoritárias e precisam pensar em como atrair, de maneira consistente,
centristas mais resistentes a ideias escancaradamente reacionárias como escolas
cívico-militares, cura gay, proibição total do aborto, predação ambiental.
*Cientista política, é pesquisadora do Centro
Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e professora emérita da USP