segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

Opinião do dia – Luiz Werneck Vianna*

“Durante quatro anos, dia a dia, fomos testemunhas de ações liberticidas que intencionavam abater quaisquer laços orgânicos em nossa vida comum, negando-se realidade fática à existência dessa coisa chamada de sociedade. O fascismo e sua pregação neoliberal das hostes bolsonaristas só admitiam o indivíduo isolado, mônada de interesses privados somente postos em ordem pela intervenção mítica do chefe da nação. Nesse sentido, havia algo de misticismo no chienlit brasileiro de 8 de janeiro, em que uma massa de indivíduos ignaros, à falta física do seu chefe, tentou baixar o seu espírito como num culto religioso a fim de realizar a obra que lhe cabia no sentimento de todos. Bolsonaro encarnou, assim em unção mística, a depredação em que cada manifestante em êxtase destruía um ícone nacional.

Os alemães, depois de 1945, solenemente prometeram que sua tragédia nacional não mais se repetiria, e conseguiram. Seremos capazes do mesmo?”

*Luiz Werneck Vianna. Sociólogo, PUC-Rio. “A patologia brasileira e seus remédios”, Blog Democracia Política e novo Reformismo, 15/1/2023.

Fernando Gabeira - A ditadura da realidade

O Globo

A superstição domina as mentes quando não se preocupam mais em distinguir fatos de notícias falsas

 ‘Abaixo a ditadura da realidade.’ Este cartaz numa charge da imprensa francesa sobre os eventos no Brasil diz muito para mim.

Na semana do tsunami em Brasília, escrevi um artigo prevendo os rumos da extrema direita. Examinei as possibilidades de uma evolução como na França ou mesmo na Itália. Concluí, entretanto, que o modelo que seguia era do trumpismo americano.

A influência da extrema direita americana é muito grande por aqui. Já é falta de imaginação imitar a tomada do Capitólio. Não sei o que dizer sobre copiar uma experiência claramente fracassada.

Deniers, esse é o nome usado para descrever os extremistas americanos. Negacionistas como os brasileiros, que negam o aquecimento global, a pandemia, os benefícios da vacina e o resultado das eleições.

Miguel de Almeida - Complexo Penitenciário da Papuda

O Globo

Ao contrário do que ocorria sob a ditadura militar, golpistas presos não estão em local ignorado

Os familiares dos golpistas presos — tias, primos, sogras e outros agregados — podem ficar tranquilos. Ao contrário do que ocorria sob a ditadura militar, não estão em local ignorado, mas na Papuda ou na Colmeia.

Aos parentes dos terroristas que ainda devem ser presos e condenados, outro alívio. Seus entes queridos — enteados, madrinhas, noras — não serão torturados, queimados com cigarros, pendurados no pau de arara, como aconteceu no regime exaltado pelo capitão.

Os deputados que devem ser cassados por incitação à desordem — terroristas, enfim, com o dinheiro público — merecem uma palavra de conforto. Não terão o mesmo destino de seus colegas, como Rubens Paiva, até onde se sabe, jogado de um avião em meio ao mar. Entre outros parlamentares de oposição cujos corpos ainda hoje continuam desaparecidos.

Irapuã Santana - Colapso geral

O Globo

Por que não evitaram que isso tudo acontecesse? Quem deixou livremente a organização do grupo violento surgir?

No dia 8 de janeiro, o país ficou atônito ao ver cenas de depredação na capital federal. Pessoas invadiram os prédios dos Três Poderes da República e destruíram tudo o que viam pela frente.

Segundo reportagens, um dia antes, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) havia encaminhado vários avisos a quase todos os órgãos alertando sobre o que ocorreria naquele fatídico domingo.

Foi o dia em que tivemos uma amostra do que é terrorismo doméstico, que, conforme define o FBI (a polícia federal americana), pode se verificar por meio de “atos violentos e criminosos cometidos por indivíduos e/ou grupos para promover objetivos ideológicos decorrentes de influências domésticas, como as de natureza política, religiosa, social, racial ou ambiental”.

Bruno Carazza - Quando saberemos o que realmente aconteceu?

Valor Econômico

O difícil equilíbrio entre apurar os fatos e tocar o governo

Se havia até uma minuta para decretar Estado de Defesa e, assim, tomar posse do Tribunal Superior Eleitoral para “o pronto restabelecimento da lisura e correção do processo eleitoral presidencial”, não resta mais dúvidas de que Bolsonaro e seus asseclas tinham um plano para dar um golpe de Estado e não entregar o poder em primeiro de janeiro.

A pergunta que não quer calar é: por que ele não foi executado? Em outras palavras: quem ou o que fez Bolsonaro recuar e fugir para Miami?

Lancei essas perguntas no meu Twitter e recebi quase duas centenas de respostas.

Importantes acadêmicos argumentaram que as instituições funcionaram mais uma vez, apontando que um Judiciário atuante (Roberto Jefferson diria: “Xandão!”) aumentou consideravelmente os custos para que segmentos relevantes das Forças Armadas, do empresariado e da classe política embarcassem na aventura do golpe. O próprio Bolsonaro teria mudado de ideia diante da possibilidade de acabar preso.

Alex Ribeiro - Qual será a meta de inflação de Haddad?

Valor Econômico

Dúvida já está provocando seus primeiros efeitos nas expectativas de inflação e na curva de juros futuros

O mercado financeiro e o próprio Banco Central vivem sob a incerteza sobre qual será a meta de inflação de longo prazo defendida pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Essa dúvida já está provocando seus primeiros efeitos nas expectativas de inflação e na curva de juros futuros.

Até agora, o Conselho Monetário Nacional (CMN) definiu a meta de inflação até 2025. Será uma escadinha: foi 3,5% no ano passado, cairá para 3,25% em neste ano e será de 3% no próximo. Assim, finalmente a meta, que vem sendo reduzida desde 2019, chegará ao objetivo de longo prazo.

A meta de inflação de 2025 também já está oficialmente definida pelo CMN, em 3%. Em junho próximo, o conselho vai definir a meta que será válida em 2026, último ano do mandato do presidente Lula.

Marcus André Melo* - O assalto ao Capitólio

Folha de S. Paulo

Nem frisson imitativo nem tomada crível do poder dão conta do episódio

Alguns analistas apontaram um paradoxo do "assalto ao Capitólio" no Brasil: o que queriam os invasores, se o atual governo já tinha tomado posse? Para Anne Applebaum, os eventos só fazem sentido se vistos como "uma tentativa de criar um eco visual dos eventos de Washington". Ross Douthat, por sua vez, afirmou que se tratava de "ato de pura encenação desvinculado das realidades do poder", marcado por "frisson imitativo": "Estavam envolvidos em uma brincadeira, não numa intervenção política séria". Para Yascha Mounk, a cena é surreal: "Pareciam querer fazer cosplay de rebeldes americanos".

Angela Alonso* - Três rampas


Folha de S. Paulo

Cenas da invasão aos três Poderes exprimem urgência contra autoritarismo

A criança tem apenas 15 dias, mas parece destinada a honrar o mote do pai: "nunca antes na história desse país". O governo viveu ineditismo, intensidade e risco, tudo em grau elevado, nessas suas duas semanas de vida. Foi um tobogã de emoções: euforia, medo, alívio.

O coração subiu à boca do país todo, mas batia em ritmos diferentes. Isso se viu nas três cenas brasilienses, a da posse, a da invasão e a da retomada.

A da posse deu capa no New York Times e circulou o mundo, graças à foto que Bolsonaro, sem querer, produziu. Subida de rampa inédita porque o representante carregou os representados.

Lygia Maria - Dissonância petista

Folha de S. Paulo

Não faz sentido combater pobreza e preconceito a partir de política econômica dispendiosa e retrógrada

A retórica do PT gira em torno do combate à pobreza e da proteção de minorias, como mulheres, negros, indígenas e LGBTQIA+. Discurso louvável, o problema são os meios propostos para alcançar os objetivos.

O ministro da Fazenda apresentou um pacote para reduzir o rombo de R$ 231,55 bilhões nas contas públicas. Prometeu-se uma melhora fiscal na casa dos R$ 242,7 bilhões (R$ 192,7 bilhões com elevação de receitas e só R$ 50 bilhões com redução).

Especialistas, contudo, apontam que apenas R$ 120 bilhões seriam factíveis. O déficit ficaria em 1,8% do PIB, diferentemente do 1% anunciado. Para conter a crise, seria necessário um superávit de 2% do PIB.

Felipe Moura Brasil - A origem do poder de Alexandre de Moraes

O Estado de S. Paulo.

Captura bolsonarista da PGR abriu um caminho enviesado para o superpoder monocrático de Moraes

Areação aos atos golpistas de 8 de janeiro uniu lideranças dos três Poderes contra reacionários aloprados e exibicionistas, dispostos não apenas a cometer crimes publicamente, mas também a divulgar imagens deles, como fizeram durante invasão e depredação de Congresso Nacional, Palácio do Planalto e STF.

Os autores de crimes de corrupção, peculato e lavagem de dinheiro, geralmente, não são tão imbecis. Eles subornam, são subornados ou desviam recursos públicos longe das câmeras, e disfarçam a propina ou a verba desviada sob a forma (e reforma) de imóveis, remuneração por palestras, contratos advocatícios de serviços jamais prestados, sobrepreços, joias, chocolates, entre outros esquemas tão ou mais complexos.

Denis Lerrer Rosenfield* - A democracia militante

O Estado de S. Paulo.

Na ascensão de Hitler houve uma extrema complacência em nome de um formalismo jurídico ancorado na defesa das liberdades

Situações de exceção exigem medidas excepcionais. Não se combate a violência, especialmente de cunho autoritário ou totalitário, com instrumentos paliativos, como se se tratasse de um mero acidente de percurso de pessoas inocentes ou supostamente bem-intencionadas. A defesa da democracia requer atitudes firmes, que não compactuem com o crime, a desordem e, enfim, com a sublevação ou insurreição. Houve sim uma tentativa de golpe conduzida pela extrema direita, pelo bolsonarismo e seus apoiadores, que se insurgiram contra o resultado das eleições, o que vale dizer contra a própria Constituição.

Francisco Carlos Teixeira da Silva* - Com que farda eu vou?

Folha de S. Paulo / Ilustríssima

Depois do ataque de milhares de bolsonaristas às sedes dos Poderes em Brasília, setores das Forças Armadas esperavam o recurso à GLO (garantia da lei e da ordem) pelo governo Lula, o que permitiria a um general estabelecer um regime de tutela sobre a capital. A repressão dos extremistas por meio de uma inédita "intervenção civil" rompe com a prática usada à exaustão nos últimos anos e pode levar à superação do cacoete secular de tratar militares como responsáveis por sanear os problemas da República.

Passados os primeiros momentos do grande susto de domingo (8), quando grupos bolsonaristas atacaram as icônicas sedes dos três Poderes projetadas por Oscar Niemeyer, começamos a refletir sobre a destruição do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal e a vandalização das duas casas do Congresso.

Os primeiros depoimentos dos presos começam a dar conteúdo àquilo que já sabíamos: (1) Não foi um movimento espontâneo ou uma explosão repentina de ódio que motivou os milhares de bolsonaristas; calcula-se que a mobilização reuniu 20 mil pessoas, das quais ao menos 4.000 participaram do ataque às sedes dos Poderes; (2) Houve não só uma mobilização prévia, que se valeu de meios como WhatsApp e Twitter, como uma ampla rede de suporte com pelo menos 150 ônibus que levaram, boa parte com todas as despesas previamente pagas, os extremistas a Brasília; (3) A PM do Distrito Federal fugiu de suas funções básicas quando seu contingente foi reduzido; mais que isso, uma parcela importante dos policiais do DF apoiou, por ação ou inação, a marcha até os palácios, inclusive escoltando o grupo de extremistas, com quem, em vários momentos, confraternizaram.

Após instantes de perplexidade inicial, o Ministério da Justiça iniciou, ainda na noite de domingo, um decisivo processo de intervenção na Segurança Pública do DF, ordenando a desocupação dos prédios e a prisão dos invasores-depredadores. À ação do ministério, se somou uma cirúrgica intervenção do STF, por meio de decisão do ministro Alexandre Moraes, que conduz o inquérito contra atividades antidemocráticas no governo Bolsonaro.

Entrevista | Eduardo Giannetti*: ‘Sinais têm de ser consistentes com as ações’

Economista elogia equipe do novo governo, mas alerta que não se deve ‘frustrar as expectativas’

Luciana Dyniewicz / O Estado de S. Paulo

Eleitor de Lula em 2022, o economista Eduardo Giannetti alerta o novo governo para o fato de que as expectativas dos consumidores, investidores, trabalhadores e empresários definem o resultado da economia. “A economia é uma espécie de meteorologia em que a previsão do tempo afeta o próprio tempo. O que as pessoas acreditam que vai acontecer acaba se materializando porque as pessoas passaram a acreditar nisso”, diz.

Portanto, acrescenta, é preciso ter cuidado para não frustrar as expectativas dos agentes, pois isso pode resultar em crise econômica. “Não se pode enfrentar essas crenças muito enraizadas no mercado, especialmente no mercado financeiro.

(Essas crenças) não podem ser afrontadas de maneira grosseira. Elas têm de ser respeitadas”, afirma.

Conselheiro econômico da hoje ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, quando ela era candidata à Presidência, Giannetti diz que os sinais que o governo vem dando na área econômica, até agora, são em geral positivos. Ele pondera, porém, que o anúncio de um pacote para reduzir o déficit fiscal, feito na última quintafeira pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não é suficiente para firmar as expectativas de que o problema fiscal será resolvido.

A seguir, leia trechos da entrevista.

Ignácio de Loyola Brandão* - Curtas histórias

O Estado de S. Paulo

Assim como quem tomou vacina não virou jacaré, o golpe mesmo não aconteceu

Livros registram catástrofes que nos assombraram ao longo dos tempos. Diques romperam em Brumadinho, mataram centenas de pessoas, famílias perderam tudo o que tinham, e ficou por isso. Caso nunca resolvido.

Nero incendiou Roma e ficou a tocar harpa (fake news?) enquanto o fogo comia a cidade. Uns dizem que foi capricho de uma alma atormentada. Outros, que ele tinha a intenção de culpar os cristãos (estes deviam ser a esquerda na época) e acabar com eles. Depois de uma vida conturbada, marcada por assassinatos, orgias, corrupção e desmandos, Nero foi condenado a suicidar-se.

Abiblioteca de Alexandria foi incendiada no ano de 640 a.C. por ordem do califa Omar. Os livros foram destinados às fornalhas que aqueciam as águas dos balneários da cidade. Foram 700 mil volumes queimados para deleite da elite nas saunas.

Aylê-Salassié Filgueiras Quintão* , Alexandre Quintas Filgueiras Quintão ** - A transversalidade da Marina

Quando fala em "transversalidade"(1), a  ministra do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, Marina Silva,  não está blefando; nem o Presidente Lula, ao anunciar que vai  trazer para o Brasil (Belém) a Conferencia Mundial de Mudanças Climáticas (COP-30) em 2024. Eles pretendem  recolocar no palco as organizações não governamentais  sem fins lucrativos , as ONGs, grandes cabos eleitorais neste mundo, defensoras do chamado  "ambientalismo emancipatório" (2).

E o propósito, Marina não escondeu: é levar  Lula a ser indicado ao prêmio Nobel e, quem sabe, ela própria  à condição de candidata à Presidência da República em 2027. Afinal, afirmou, nossa causa é universal,  a sustentabilidade, e não faz distinção entre  capitalistas, nacionalistas, comunistas ou socialistas.

Tentemos entender o cenário meio profético ...Certa vez, numa palestra  em Londres  sobre a questão ambiental, na qual estava  presente o príncipe  Charles, hoje o rei Carlos III, da Inglaterra,  o ambientalista brasileiro José Lutzemberger, surpreendeu o auditório ao concluir sua fala dizendo:  " O meio ambiente é uma questão religiosa!" (3)

No Rio Grande do Sul,  de onde viera,   era já meio mitificado pelas grandes mobilizações  ambientais. Convocado por Collor para a recém criada Secretaria   de Meio Ambiente da Presidência da República, ele, já nos seus 70 anos, optou por morar, solitariamente no Parque Nacional de Brasília(Água Mineral), e ter apenas um  motorista que o  buscava pela manhã  e o deixava de volta no final da tarde. Vivia quase como um ermitão, e seu comportamento  assustava, de certa maneira, muita gente, inclusive os servidores ao redor. 

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Promessas de reindustrialização exigem cautela

O Globo

O histórico de políticas industriais no Brasil é pródigo em prejuízos astronômicos e resultados pífios

A intenção de reindustrializar o país, lançada ainda na época da campanha eleitoral por Luiz Inácio Lula da Silva, ganhou status de mantra desde a posse do novo governo. “Reindustrialização” virou palavra corriqueira em declarações e discursos de diferentes autoridades. Se a meta do novo governo for fazer com que a participação da indústria na economia volte ao seu pico histórico, é melhor esquecer. A fatia hoje em cerca de 23% do PIB, de acordo com a Confederação Nacional da Indústria (CNI), teria de crescer a 48%. Isso não acontecerá. Ainda que o objetivo seja mais modesto, há bons motivos para ser reticente. A História brasileira está cheia de políticas industriais que tiveram resultados pífios e prejuízos astronômicos.