sexta-feira, 31 de maio de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Suspensão unilateral de planos de saúde desrespeita usuários

O Globo

Diante da omissão de ANS e Executivo, Lira negocia acordo capaz de satisfazer a cidadãos sem desequilibrar empresas

Daniel Simões, de 9 anos, fazia sessões semanais de fisioterapia e fonoaudiologia, por sofrer de paralisia cerebral. Até que seu plano de saúde foi cortado pela operadora sem motivo. Não se trata de caso isolado. Desde o início do ano, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) recebeu quase 6 mil queixas sobre a rescisão unilateral de contratos. Diante da multiplicação de episódios e da omissão incompreensível da ANS e do Executivo, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tomou a iniciativa de negociar um acordo para que os planos revoguem o cancelamento de contratos cujos usuários estejam em tratamento, enquanto esperam uma solução legislativa.

Fernando Abrucio* - Carta a uma jovem sobre o século XXI

Valor Econômico

Muita coisa ruim ou complicada está se espalhando, e a humanidade não está conseguindo sair desse buraco, mas o desfecho não está definido de antemão

Uma ideia não me saiu da cabeça desde que, na semana passada, ouvi uma mãe em situação de rua chamar sua filha. Andava pela avenida Paulista e via o cenário de crescimento da pobreza urbana que ganhou uma enorme magnitude a partir da pandemia - e da forma desastrosa que o Brasil lidou com ela. Não consegui compreender bem qual era o nome da menina, mas sonhei com a cena e no meu devaneio noturno ela se chamava Esperança. Daí em diante senti a necessidade de lhe falar sobre o presente nebuloso que gera um futuro incerto, quase um não futuro. Na minha impotência, o que me sobrou foi escrever uma carta:

Entrevista | Sérgio Abranches: Presidencialismo de coalizão chegou ao ‘pior dos mundos’

Por Fabio Murakawa / Valor Econômico

Para sociólogo, ante a atual fragmentação partidária, nenhum governo conseguirá formar uma maioria “minimamente coesa” para apoiá-lo

Sociólogo, cientista político pós-doutorado pela Universidade Cornell, nos EUA, foi Sérgio Abranches que, em 1988, cunhou o termo “presidencialismo de coalizão” para definir o modelo político que se desenhava na recém-nascida democracia do Brasil.

À época em que escreveu o artigo, o país escrevia a Constituição que vigora até hoje. Abranches percebeu, na composição da Assembleia Constituinte, três características que tornavam o modelo brasileiro diferente do de qualquer outro país do mundo: “Além de combinar a proporcionalidade, o multipartidarismo e o ‘presidencialismo imperial’, organiza o Executivo com base em grandes coalizões”.

“A esse traço peculiar da institucionalidade concreta brasileira chamarei, à falta de melhor nome, ‘presidencialismo de coalizão’”, escreveu à época.

Mais de 35 anos depois, esse modelo está sob questão, sobretudo com o controle cada vez maior do Orçamento público pelo Congresso. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), já chegou a defender a criação de um sistema “semipresidencialilsta”, para abandonar o atual modelo.

Nesta entrevista ao Valor, Abranches diz que o presidencialismo de coalizão vive uma crise, à medida que, ante a atual fragmentação partidária, nenhum governo conseguirá formar uma maioria “minimamente coesa” para apoiá-lo.

Eu me arriscaria a dizer que 90% dos deputados brasileiros não sobreviveriam ao parlamentarismo”

Para Abranches, o modelo está no “pior dos mundos”, em que os parlamentares alocam uma parcela substancial do Orçamento”, via emendas, sem o ônus de serem responsabilizados pelos eventuais fracassos das políticas públicas.

A seguir os principais trechos:

Luiz Carlos Azedo - Lula não tem uma agenda pactuada com o Congresso

Correio Braziliense

O governo pode ter uma agenda social liberal exequível, desde que calibrada de acordo com a correlação de forças no Congresso e com apoio dos principais agentes econômicos

As sucessivas derrotas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Congresso, principalmente em relação a vetos como os das desonerações tributárias das folhas de pagamento e das “saidinhas” de presos, têm repercussão no mundo político e desgastam o governo na opinião pública, num momento em que quase todos os indicadores econômicos estão melhorando — entre os quais os do emprego formal e da renda. Há um descolamento da sociedade.

Em parte, essas derrotas refletem um movimento de cerco da oposição e busca de alternativas ao seu governo por parte dos adversários de sempre e de aliados contingenciais. Suas motivações ideológicas e interesses econômicos são hegemônicos no Congresso, mas não controlam o Poder Executivo. Existe, ainda, a falta de sintonia de Lula com a sua base parlamentar ampliada, que não pode ser atribuída exclusivamente aos seus articuladores políticos. Lula se movimenta de forma errática, não tem uma estratégia clara.

Vera Magalhães - Lula precisa resgatar aliança que o elegeu

O Globo

O que de pior pode acontecer a um presidente é virar um pato manco tanto tempo antes do término do governo

As sucessivas derrotas do governo no Congresso em praticamente qualquer agenda que não tenha sido abraçada previamente por Arthur Lira mostra que a governabilidade de Lula hoje é refém de um grupo que não esteve com ele em 2022.

É urgente para o presidente sair das cordas, diminuir essa dependência e resgatar a aliança que o elegeu, mas, para isso, será preciso repactuar a relação com bons nacos desse grupo.

Lira começou sua aproximação com o governo ainda em 2022, na costura e votação da PEC da Transição, movido pelo pragmatismo. Eleitor de Jair Bolsonaro e beneficiário de seu governo, viu que precisava descartá-lo para construir sua reeleição ao comando da Câmara sem sobressaltos.

Bernardo Mello Franco - Nocaute no Congresso

O Globo

Antes de novas derrotas, presidente disse viver situação de "muita tranquilidade"

Em café recente com jornalistas, Lula tentou negar a crise na articulação política do governo. “Sinceramente, não acho que a gente tenha problema no Congresso”, desconversou. “A gente tem as situações que são as coisas normais da política”, prosseguiu.

Parlamentares ameaçavam o Planalto em voz alta, mas o presidente insistiu que tudo estava sob controle. “Nós estamos numa situação, eu diria, de muita tranquilidade com o Congresso”, afiançou.

Nesta terça, a realidade voltou a se impor. Em sessão conjunta, deputados e senadores impuseram novas derrotas ao governo. Derrubaram vetos de Lula e ressuscitaram agrados de Jair Bolsonaro à sua tropa.

César Felício - Leniências saíram barato para as empresas

Valor Econômico

O impasse a respeito da repactuação dos acordos de leniência da Lava-Jato deve ter um desfecho em junho, a se cumprir os prazos estabelecidos pelo ministro André Mendonça para decidir sobre a ação apresentada pelo Psol e PC do B a favor das empreiteiras. Independentemente do que se resolva, há indícios de que os acordos, do ponto de vista de ressarcimento de danos ao erário, passaram longe de ser o retrato do “pau de arara do século 21”, para se usar a imagem criada pelo ministro Dias Toffoli ao invalidar o uso das provas produzidas pelo acordo da ex-Odebrecht em processos judiciais. Foram, em um certo sentido, não injustos, mas inúteis.

José de Souza Martins - Começar de novo

Valor Econômico

À medida que as águas baixam, emerge o principal da realidade. O problema da reconstrução social das comunidades e famílias nas áreas atingidas

A tragédia das inundações e escorregamentos no Rio Grande do Sul fez vítimas invisíveis que até este momento não foram reconhecidas pelos que se preocupam com o ocorrido. Neste caso, como em outros acontecidos no Brasil nos últimos anos, não são indivíduos. Os verdadeiros sujeitos da tragédia são sujeitos sociais, famílias e comunidades, sujeitos historicamente mais relevantes e menos reconhecidos da sociedade brasileira, cada vez mais ideologicamente individualista.

Os governos e a classe média, inquietos com essas ocorrências, pensam nos danos econômicos, nas perdas materiais, no desabrigo, no temor de que possam se tornar danos eleitorais. Desconhecem que os humanos não são coisas. São seres relacionais que se expressam em identidades sociais.

Flávia Oliveira - Jovem negro vivo

O Globo

Após adoção do equipamento em São Paulo, mortes decorrentes de intervenção policial caíram

O Ministério da Justiça (MJ), na Portaria sobre as diretrizes para uso de câmeras corporais por órgãos da segurança pública, listou oito valores a nortear as recomendações que condicionarão repasses federais a estados e municípios. A lista vai do respeito aos direitos fundamentais à promoção da cidadania; do reconhecimento aos agentes da lei aos princípios da legalidade e da transparência. Aos bem-intencionados, bastava uma justificativa: manter vivos os jovens negros favelados, vítimas (tragicamente) habituais da letalidade violenta, das abordagens policiais por perfilamento racial, do encarceramento em massa. É sobre isso a política pública que São Paulo, anos atrás, pôs de pé e ora desmonta.

Laura Karpuska – A juventude e a extrema direita

O Estado de S. Paulo

O contexto social e econômico pode deixar jovens suscetíveis a qualquer populismo

extrema direita está ganhando a mente e o coração dos jovens europeus. “Na França, surpreendentes 36% dos jovens de 18 a 24 anos apoiam o Rally Nacional (RN), de Marine Le Pen, enquanto 31% apoiam o Partido da Liberdade (PVV), de Geert Wilders, nos Países Baixos”, diz uma das reportagens mais lidas no Financial Times desta semana.

É difícil destacar um único motivo para a ascensão da extrema direita. Na história, a ascensão de grupos extremistas está correlacionada a crises econômicas. O mundo viveu uma grande crise em 2008 e, agora, com a pandemia, mais uma crise. Crises econômicas podem fazer com que expectativas sejam frustradas. Uma forma de canalizar a frustração é um descontentamento generalizado contra o “establishment”, abrindo a porta para candidatos extremistas.

Bruno Boghossian – O voto na renda média paulistana

Folha de S. Paulo

Grupo é quase tão numeroso quanto eleitorado mais pobre e, até aqui, tem corrida imprevisível

Um recorte da pesquisa Datafolha segundo a renda do eleitor fornece pistas importantes sobre a disputa pela Prefeitura de São Paulo. Com a vantagem de Guilherme Boulos (PSOL) e Ricardo Nunes (MDB) até aqui, dois segmentos ganham atenção.

O primeiro grupo é a faixa com renda de até dois salários mínimos, 43% do eleitorado. Nunes lidera com 25%, seguido por Boulos (17%) e José Luiz Datena (10%). Nenhum outro candidato passa de 6%. Outros 15% declaram voto em branco ou nulo, e 6% não sabem em que votar.

Vinicius Torres Freire - Lula 3 perde e perderá no Congresso

Folha de S. Paulo

Mesmo que azeite sua política, governo tem pouco a fazer com um Parlamento reacionário

Causou impressão o baile com rasteiras que o governo Lula tomou no Congresso nesta semana. O ano inteiro tem sido assim. A consternação era menor porque as derrotas foram espalhadas.

Não se viam tantos corpos boiando de uma vez só. Mas essa estatística de fracassos políticos não é importante. O essencial é que Lula 3 quase não tem o que fazer para mudar a situação, nem jamais teve.

É possível especular que derrotas e goleadas seriam menos frequentes caso se trocassem articuladores ou se azeitasse o sistema de pagamentos para a cooperativa de feudos e currais político-financeiros que é o Congresso.

Mas tabelas de votações mostram que dinheiros ou cargos não evitam "traições" nem mesmo daquelas parcelas dos partidos que fizeram acordos mais estáveis com o governo.

Marcos Augusto Gonçalves - Direita bate tambores e Lula leva baile político

Folha de S. Paulo

Derrota em votação dos vetos, naufrágio da articulação política e acenos de elites a Tarcísio pressionam governo

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva passa por momento crítico, um inferno astral que já submeteu a grande risco a possibilidade da reeleição do petista, como se comentou aqui na semana passada. O baile na votação pelo Congresso dos vetos presidenciais do mandatário e de seu antecessor, Jair Bolsonaro, veio como sinal alarmante de que a maioria parlamentar não hesitará em desestabilizar a atual gestão para impor seus interesses pecuniários e sua agenda reacionária e irresponsável.

Hélio Schwartsman - Perigos do moralismo

Folha de S. Paulo

Brasil ainda não abraçou integralmente o liberalismo, o que explica atraso no reconhecimento de direitos

Uma das primeiras providências do Taleban depois que retomou o poder no Afeganistão foi recriar o Ministério para a Propagação da Virtude e Prevenção do Vício. O nome vistoso não esconde a verdadeira natureza do braço estatal encarregado de impor, pela violência, se necessário, os padrões de comportamento favorecidos pelos governantes.

Ruy Castro - Descontribuição de Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Seu estilo de dar os assuntos por encerrados e sem discussão infesta hoje as redes sociais

Uma das descontribuições de Bolsonaro à língua portuguesa, além do já clássico "talkei", era a forma taxativa de encerrar suas ameaças contra a ordem constituída e as instituições democráticas. Despenteado à moda Hitler e com o desvario de um anormal, bradava "Assunto encerrado!" e, com isso, decretava o silêncio da nação sobre o tal assunto. Assunto quase sempre gravíssimo, como no dia em que, aos ouvidos de militares mochos e apalermados, decretou num palanque à porta de um quartel que não acataria mais a palavra do STF.

Luiz Gonzaga Belluzzo e Nathan Caixeta - Financeirização, confusões, história

CartaCapital

No irreconhecível capitalismo de sempre, a forma financeira é onipresente

A palavra “Financeirização” passou a circular com ares de grã-fina elegante nos bailes em que se exibem as celebridades do nosso tempo. A dama Financeirização está sempre acompanhada de seu fiel companheiro, senhor Neoliberalismo, e da comadre inquieta, Dona Globalização.

Estimulados pelos demais convivas, a trinca dança ao som dos acordes e batuques da orquestra “Capitalismo Contemporâneo”. Os críticos se dividem entre simpáticos e detratores, uns e outros exibindo laivos de moralismo que turbam a avaliação do desempenho dos dançarinos.

É mister reconhecer que muitos observadores dos rodopios um tanto abruptos da senhora Financeirização tiveram a ventura de viver ou estudar os passos suaves e elegantes das dançarinas do Bem-Estar que por 30 anos ofereceram seus talentos à fruição de mulheres e homens de seu tempo.

quinta-feira, 30 de maio de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Economia ilegal afeta país de forma implacável

O Globo

Pirataria, contrabando, sonegação, desvio de água, luz, TV e internet drenam recursos de áreas essenciais

Práticas criminosas como pirataria, contrabando, sonegação fiscal, furto de serviços como água, luz, TV e internet têm custo alto para o país, apontou o evento “Caminhos do Brasil”, iniciativa dos jornais O GLOBO e Valor Econômico e da rádio CBN, com o patrocínio de entidades vinculadas ao setor comercial. Pelas contas do levantamento “Brasil ilegal em números”, produzido pelas maiores associações industriais brasileiras, o prejuízo chegou a R$ 454 bilhões em 2022, ou quase 5% do PIB. As perdas registradas por 16 setores econômicos somaram R$ 297 bilhões.

Os tributos que deixaram de ser arrecadados são estimados em R$ 136 bilhões. São recursos que poderiam ser destinados a setores prioritários como educação, saúde ou segurança. Só os furtos de água — equivalentes a 2,6 vezes o volume armazenado no sistema Cantareira, em São Paulo — representaram R$ 14 bilhões. Os de energia alcançaram R$ 6,3 bilhões.

Míriam Leitão - Coronelismo, emenda e voto

O Globo

O cientista político Carlos Melo diz que parlamentares se comportam como 'vereadores federais' e que, através das emendas, distorcem a relação legislativa

O Brasil está dominado pelo “coronelismo, emenda e voto” e por parlamentares que se comportam como “vereadores federais”. É o que pensa o cientista político Carlos Melo, professor do Insper, sobre a crise política brasileira. Há uma hipertrofia do Legislativo e a atrofia do Executivo, que foi eleito para executar o Orçamento e já não consegue pelo crescimento das emendas parlamentares. O outro lado ruim do fenômeno é terem desaparecido os congressistas que pensavam as grandes questões nacionais, como havia no passado.

— A lógica hoje no Congresso Nacional é basicamente de interesses dos parlamentares em relação aos municípios. Outro dia, num ato falho, o presidente da Câmara falou “nos meus municípios”. É o velho patrimonialismo. Há deputados que carregam recursos em emendas para os seus municípios, seus currais eleitorais, fazem prefeitos, fazem vereadores e, portanto, garantem a base política, os cabos eleitorais, que vão reelegê-los — disse Melo, em entrevista que me concedeu na GloboNews.

Ricardo Patah* - Um novo modelo sindical

O Globo

É fundamental que existam sindicatos fortes para a defesa dos interesses dos trabalhadores num governo democrático

As mudanças no mundo do trabalho mostram um futuro cheio de desafios inéditos. Eles surgem no bojo da inteligência artificial e das tecnologias que emergem a todo instante, além das estratégias de negócios que comportam a terceirização sem limites. Tudo isso ampliado pela crise ambiental devastadora. A velocidade crescente das transformações exige que o movimento sindical promova estudos e estratégias para encará-las.

Vencer esses desafios é essencial para garantir a representatividade da classe trabalhadora. É fundamental que existam sindicatos fortes para a defesa dos interesses dos trabalhadores dentro de um governo democrático. Os sindicatos, historicamente, estão no nascedouro da democracia moderna. Vale lembrar que as democracias têm sido duramente atacadas pela ultradireita, pelo fascismo e pelo neoliberalismo, que difundem o ódio e o individualismo exacerbado.

Thiago Prado* - Marielle e a verdade que incomoda

O Globo

Sequência de problemas na investigação começa a ser questionada após meses de silêncio na esquerda

No último domingo, reportagem do Fantástico exibiu pela primeira vez os vídeos da delação premiada do ex-policial militar Ronnie Lessa, assassino confesso da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, em 2018. Com o depoimento, a Polícia Federal (PF) indiciou, e a Procuradoria-Geral da República (PGR) denunciou como mandantes do atentado, os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão, além do delegado da Polícia Civil do Rio Rivaldo Barbosa. Os três estão presos desde o fim de março, acusados pelo crime. Uma voz solitária começou a expor nesta semana a verdade incômoda só reconhecida pela esquerda em conversas reservadas. Enquanto celebravam o encerramento do caso em entrevistas e postagens na internet, parlamentares do PT ao PSOL admitiam privadamente que há uma série de problemas no fato de a investigação estar toda baseada na delação de Lessa.

Maria Hermínia Tavares - Os danos de uma decisão

Folha de S. Paulo

Se os templários da Lava Jato desmoralizaram o combate à corrupção, definitivamente não a inventaram

O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), cravou mais um prego no caixão da Operação Lava Jato, ao anular todos os atos da turma de Curitiba contra Marcelo Odebrecht.

Em fevereiro último, Toffoli suspendera os pagamentos de multas que somavam bilhões de reais, estabelecidas pelo acordo de leniência firmado entre o Ministério Público e a empreiteira fundada pelo avô de Marcelo, Norberto Odebrecht.

Cinco meses antes, o mesmo Toffoli anulara as provas entregues pela Odebrecht (hoje rebatizada como Novonor). As evidências expunham a corrupção em 49 contratos firmados com órgãos públicos nacionais e em uma dúzia de países estrangeiros, nos quais a construtora reconheceu ter desembolsado US$ 788 milhões em propina.

Malu Gaspar - A sinuca de Lula

O Globo

Não chegou a ser surpresa para ninguém que acompanhe os debates no Congresso Nacional ver o governo Lula ser derrotado nas votações da autorização para a saidinha de presos e do artigo da nova Lei de Segurança Nacional que previa a punição à disseminação de fake news. Era o caminho natural num parlamento dominado pela direita, ainda mais em ano eleitoral.

Já faz tempo que a cúpula lulista compreendeu que, nas “pautas de costume”, não há o que fazer a não ser marcar posição e torcer para não perder de muito. Sempre que entram na ordem do dia, temas como saidinha, demarcação de terras indígenas, descriminalização das drogas ou restrição a fake news vão direto para a coluna dos prejuízos da contabilidade governista.

Luiz Carlos Azedo - Derrota do governo foi recado de Pacheco e Lira

Correio Braziliense

O revés mais sério do governo foi o Congresso manter o veto de Jair Bolsonaro, de 2021, à criminalização das fake news eleitorais, que violam as regras democráticas

Há que se ter certa cautela na avaliação das derrotas sofridas pelo governo na derrubada dos vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo Congresso, na noite de terça-feira. Do ponto de vista do jogo democrático, faz parte de um cenário em que o governo luta pelo restabelecimento do “presidencialismo de coalizão”, enquanto os partidos do Centrão que integram a sua própria base parlamentar, com os petistas docemente constrangidos, pretendem impor um “semipresidencialismo” informal e irresponsável.

A diferença entre um conceito e outro não é o compartilhamento do governo com os aliados, o que já existe, mas o grau de compromisso de suas respectivas bancadas com os interesses da sociedade e a qualidade de investimentos em políticas públicas. Uma análise atenta dos vetos derrubados e dos que foram mantidos mostra isso com clareza. As derrotas impostas ao governo foram mais simbólicas da agenda conservadora hegemônica no Congresso do que realmente um xeque-mate na governabilidade, para que o presidente Lula faça uma reforma ministerial. Não haverá reforma antes das eleições municipais.

Bruno Boghossian - Morte cruzada

Folha de S. Paulo

Acordo levou em conta prejuízo político diluído, mas é um negócio melhor para Câmara que para o presidente

O acordo para aprovar a taxação de compras internacionais começou a sair da caixa há uma semana. Enquanto o governo anunciava que vetaria a tributação, Fernando Haddad dava a senha. "Temos que buscar uma solução conjunta", disse o ministro, na Câmara. "Não pode recair sobre uma pessoa a responsabilidade por resolver esse problema."

Alguns ministros sempre foram favoráveis à cobrança de tributos sobre encomendas de até US$ 50 que chegam do exterior. Haddad e Geraldo Alckmin ouvem queixas da indústria e do comércio desde os primeiros dias de mandato, mas nunca haviam conseguido convencer Lula a queimar pontos de popularidade para proteger as empresas nacionais.

Vinicius Torres Freire - Tarcísio e o caldeirão do Huck

Folha de S. Paulo

Frustrados com Lula buscam alternativa, mas ricos 'frente ampla' rejeitam bolsonarismo

Certa elite brasileira adotou a candidatura de Tarcísio de Freitas a presidente em 2026, por gosto e por pragmatismo bruto, pois ainda não há alternativa na direita. A campanha midiática para passar um verniz no governador de São Paulo é cada vez mais legível, audível e visível.

Figuras típicas dessa turma aceitam Tarcísio assim como ele é. Outras, não. Mas podem se render a ele. Essa a novidade.

Gente com aversão ao programa destrutivo do bolsonarismo pensa em adotá-lo, dar-lhe polimento e expandir as alianças do governador paulista. O problema é como uma candidatura Tarcísio pode ser viável sem a transfusão de sangue de Jair Bolsonaro. Um Tarcísio muito limpinho levaria Bolsonaro a ameaçar um apoio a Caiado?

Thiago Amparo - No Congresso, a derrota é do país

Folha de S. Paulo

Fim da saidinha é motivo de festa para facções recrutarem novos membros

Congresso, as facções criminosas agradecem o fim da saída temporária. Toda vez que vossas excelências diminuem a progressão de pena no país, as mais de 70 facções que dominam o já abarrotado sistema carcerário fazem festa com a prospecção de recrutar novos membros. O Parlamento age como o departamento de recursos humanos do crime, capaz de transformar ladrão de galinha ou usuário condenado como traficante no novo integrante do Comando Vermelho e do PCC, facções presentes em 25 das 27 unidades da Federação.

William Waack - Jogo do perde-perde

O Estado de S. Paulo

As principais questões de mérito em disputa entre os dois Poderes estão subordinadas ao embate político ideológico de curtíssimo prazo

Uma das bolhas comemora e a outra lamenta o fato de o Congresso ser forte e o governo fraco. Para o País, é um jogo de soma zero.

Lula diz que sabia da extraordinária mudança na relação de forças entre os Poderes Legislativo e Executivo, mas preferiu confiar no gogó e no STF para enfrentar um problema que se tornou estrutural. O resultado não são apenas derrotas para o governo, como aconteceu nesta semana. É paralisia.

As principais questões de mérito em disputa entre os dois Poderes estão subordinadas ao embate político ideológico de curtíssimo prazo – e à popularidade do presidente, agora sob os cuidados de sua mulher (que ocupou parte do antigo estado maior petista). O exemplo mais evidente foi a questão da taxação das “blusinhas”.

Eugênio Bucci - A Polícia Militar ficou mais arrogante?

O Estado de S. Paulo

Em tempos de democracia, o governo paulista corteja o autoritarismo. A arrogância da repressão parece pior do que em 1984

Na sexta-feira à tarde, um episódio medonho na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco machucou o espírito de quem ama aquela escola. Perfilados diante das portas do Salão Nobre, policiais militares armados – e muito à vontade – barravam a entrada de estudantes que protestavam contra a presença do governador no recinto. Dentro do auditório mais solene da velha academia, tomava posse o novo procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo, Paulo Sérgio de Oliveira e Costa. Além do chefe do governo paulista, a cerimônia reuniu ministros do Supremo Tribunal Federal, o prefeito da cidade e mais uma porção de autoridades. Do lado de fora, nos corredores, a juventude que gritava palavras de ordem pacificamente era tratada aos empurrões. Há vídeos em portais noticiosos de grande credibilidade, como o G1. No meio da escaramuça, um policial leva a mão ao coldre, como se quisesse sacar a arma. Professores e professoras, numa prova de coragem e lucidez, se posicionaram como escudos físicos entre o contingente policial e os manifestantes. Foi a forma que encontraram de proteger seus alunos.

Fernando Exman - A economia gaúcha ontem, hoje e amanhã

Valor Econômico

Desolada, uma mulher contou à comitiva presidencial que visitava os flagelados no Rio Grande do Sul os dramas que enfrentava com o filho. Era dia 15 de maio. O abrigo onde estavam instalados em São Leopoldo abrigava 1.500 pessoas atingidas pela catástrofe climática que devastou o Estado.

“Ele fica pedindo os brinquedos, não está entendendo porque eu não estou dando os brinquedos dele”, lamentou, devastada, acrescentando que o garoto também não parava de perguntar se realmente procedia o que um amiguinho dizia. “É verdade que a escola foi levada pela água?”, repetia ele à mãe, que não sabia o que responder.

Àquela altura, não havia mesmo como prever quando voltariam para casa. Nem o retorno às aulas.

Carolina Nalin – Desemprego tem menor taxa em dez anos, e emprego bate recorde

O Globo

Emprego no setor privado bate recorde no país, e taxa de desocupação fica estável em abril

Número de trabalhadores com carteira chega a 38,1 milhões e sem carteira atinge 13,5 milhões, os maiores níveis desde 2012. Rendimento médio do trabalhador cresce 4,7% no ano

A ocupação no setor privado bateu recorde no país no trimestre encerrado em abril, com o emprego com e sem carteira atingindo os maiores níveis da série histórica, iniciada em 2012. A renda média do trabalhador cresceu 4,7% no ano (R$ 3.151), e a massa de rendimentos também chegou ao seu maior patamar da série (R$ 313,1 bilhões).

quarta-feira, 29 de maio de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Justiça também precisa aprender a conter gastos

Folha de S. Paulo

É inaceitável que Judiciário, protegido pelo corporativismo, mantenha conduta perdulária com o dinheiro do contribuinte

As despesas do Brasil com o Poder Judiciário atingiram no ano passado a cifra exorbitante de R$ 132,8 bilhões, um recorde na série histórica documentada pelo Conselho Nacional de Justiça desde 2009.

Excessivo em si, o montante torna-se abusivo quando comparado aos R$ 84 bilhões registrados pelo CNJ no início da compilação —cujos valores anuais são corrigidos. Seria despiciendo pesquisar um ganho de eficiência que pudesse justificar essa expansão da ordem de 60% no orçamento do Judiciário.

Segundo o CNJ, 90% do custo se dá com pagamentos a funcionários, juízes, desembargadores e ministros de cortes superiores. Vale lembrar, os magistrados percebem a maior remuneração média entre 427 ocupações em um ranking publicado pela Folha em 2023.

Manuel Castells - Ruptura - A crise da democracia liberal* (continuação)

*2ª parte do primeiro capítulo do livro. Editora Zahar, Rio de Janeiro, 2018

As raízes da ira

A crise da democracia liberal resulta da conjunção de vários processos que se reforçam mutuamente. A globalização da economia e da comunicação solapou e desestruturou as economias nacionais e limitou a capacidade do Estado[1]nação de responder em seu âmbito a problemas que são globais na origem, tais como as crises financeiras, a violação aos direitos humanos, a mudança climática, a economia criminosa ou o terrorismo. O paradoxal é que foram os Estados-nação a estimular o processo de globalização, desmantelando regulações e fronteiras desde a década de 1980, nas administrações de Reagan e Thatcher, nos dois países então líderes da economia internacional. E são esses mesmos Estados que estão recolhendo as velas neste momento, sob o impacto político dos setores populares que em todos os países sofreram as consequências negativas da globalização. Ao passo que as camadas profissionais de maior instrução e maiores possibilidades se conectam através do planeta em uma nova formação de classes sociais, que separa as elites cosmopolitas, criadoras de valor no mercado mundial, dos trabalhadores locais desvalorizados pela deslocalização industrial, alijados pela mudança tecnológica e desprotegidos pela desregulação trabalhista. A desigualdade social resultante entre valorizadores e desvalorizados é a mais alta da história recente. E mais, a lógica irrestrita do mercado acentua as diferenças entre capacidades segundo o que é útil ou não às redes globais de capital, de produção e de consumo, de tal modo que, além de desigualdade, há polarização; ou seja, os ricos estão cada vez mais ricos, sobretudo no vértice da pirâmide, e os pobres cada vez mais pobres. Essa dinâmica atua ao mesmo tempo nas economias nacionais e na economia mundial. Assim, embora a incorporação de centenas de milhões de pessoas no mundo de nova industrialização dinamize e amplie o mercado mundial, a fragmentação de cada sociedade e de cada país se acentua. Mas os governos nacionais, quase sem exceção até agora, decidiram unir-se ao carro da globalização para não ficarem de fora da nova economia e da nova divisão de poder. E, para aumentar a capacidade competitiva de seus países, criaram uma nova forma de Estado – o Estado-rede –, a partir da articulação institucional dos Estados-nação, que não desaparecem, mas se transformam em nós de uma rede supranacional para a qual transferem soberania em troca de participação na gestão da globalização. Esse é claramente o caso da União Europeia, a construção mais audaz do último meio século, como resposta política à globalização. Contudo, quanto mais o Estado-nação se distancia da nação que ele representa, mais se dissociam o Estado e a nação, com a consequente crise de legitimidade na mente de muitos cidadãos, mantidos à margem de decisões essenciais para sua vida, tomadas para além das instituições de representação direta.

Vera Magalhães - A segurança no palanque de 2026

O Globo

Lula escolhe rivalizar com Tarcísio em tema no qual o governo não sofre derrotas no parlamento

A segurança pública será um dos temas centrais da campanha presidencial de 2026, e Lula parece decidido a encarar a disputa com a direita bolsonarista por alguns aspectos espinhosos de um dos temas mais suscetíveis aos vieses ideológicos do eleitorado. Pisa em campo minado, portanto.

A sessão de votação dos vetos presidenciais pelo Congresso ontem escancarou a polarização em torno do assunto, e o placar evidenciou as dificuldades da esquerda para fazer seu discurso ganhar aderência entre os parlamentares — e, portanto, na sociedade, pois o Parlamento nada mais é que uma antena que capta movimentos com grande precisão.

O contraste entre a manutenção de um veto de Jair Bolsonaro à nova Lei de Segurança Nacional que considerava crime a disseminação em massa de notícias falsas em período eleitoral e a derrubada de outro veto, de Lula, à proibição da “saidinha” de presos para visitar familiares, ambos por placares para lá de dilatados, foi uma derrota acachapante para o governo.

Bernardo Mello Franco - Pedagogia do cassetete

O Globo

O governador Tarcísio de Freitas sancionou a lei que institui as escolas cívico-militares em São Paulo. O programa virou bandeira eleitoral do bolsonarismo. Agora será implantado no estado mais rico e populoso do país.

O anúncio mobilizou a bancada da bala, que foi aplaudir o governador no Palácio dos Bandeirantes. O deputado Coronel Telhada definiu o aliado como “exemplo de homem público”. “A cada dia, nos faz mais felizes por sermos do seu time”, derramou-se. Tarcísio disse que os alunos vão “desenvolver o civismo” e “cantar o Hino Nacional”. Faltou explicar no que isso pode contribuir para melhorar o ensino.

Bruno Boghossian -Um governo atropelado

Folha de S. Paulo

Aliança direita-centrão derruba vetos em temas que esbarram em políticas populistas e na agenda moral

O governo teve um dia doloroso no Congresso. Parlamentares derrubaram vetos considerados importantes pela equipe de Lula, o bolsonarismo aproveitou para reanimar alguns de seus principais espantalhos ideológicos, e certos partidos da base aliada tiveram mais uma recaída em seu eterno romance com a direita.

A sessão exibiu sintomas de um problema crônico do governo. O centrão se uniu à oposição para atropelar as orientações do Planalto em temas que esbarram na agenda moral e em visões populistas das políticas públicas —palanques explorados com gosto pelo bolsonarismo.

Vera Rosa - As noites insones de Padilha e Haddad

O Estado de S. Paulo

‘Maracanã’ e ‘Vila Belmiro’ batizam reuniões da articulação política, mas governo precisa ter mais jogo

A polarização que domina o cenário político fez uma curva na Praça dos Três Poderes e desembarcou no Palácio do Planalto. Na noite de ontem, após o Congresso derrubar o veto do presidente Lula ao projeto que restringe a “saidinha” de presos, a derrota da articulação do governo ficou evidente.

Dias antes, ao olhar atentamente para o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, Lula havia estranhado as madeixas do auxiliar. “Padilha, você pintou o cabelo?”, perguntou Lula. “Só se for de branco, presidente”, respondeu ele.

Almir Pazzianotto Pinto - O país do faz de conta

O Estado de S. Paulo

Encontrar recursos financeiros e humanos destinados a tentar resolver o problema angustiante e visível dos menores carentes e abandonados é o desafio inadiável

O Estadão cumpre a missão que se espera de jornal engajado no debate dos graves problemas sociais. O editorial A tragédia das crianças pobres (17/4, A3) recoloca em discussão o drama da infância carente ou abandonada. Deixou de apontar, porém, que não se trata de fenômeno recente. Arrasta-se há mais de 50 anos, como fruto da combinação de vários fatores, entre os quais a urbanização, o crescimento da população, a desagregação familiar.

O livro Geografia da Fome, de Josué de Castro, teve a primeira edição publicada em 1960. Lançou, secundando Os Sertões, de Euclides da Cunha, um contundente libelo contra a miséria. Custou ao autor a cassação dos direitos políticos e o exílio na França, em 1964.