domingo, 19 de maio de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Ajuste fiscal é imperativo para o país

O Globo

Diante da deterioração das contas públicas, Executivo e Legislativo não podem ignorar a tarefa

Não foi surpresa que o governo tenha enviado ao Congresso uma proposta orçamentária relaxando as metas fiscais que ele próprio propusera um ano antes. Desde o início havia dúvidas sobre a viabilidade das regras que substituíram o antigo teto de gastos. Além de afrouxar as metas, o Planalto se esforçou por mexer no novo arcabouço fiscal nem bem ele entrara em vigor, para antecipar despesas extraordinárias de R$ 15,7 bilhões, inserindo um jabuti numa lei sobre seguro obrigatório de veículos. Diante do recado que transmite a mudança de regras com o jogo em andamento, quem acreditará que o governo leva a sério o ajuste fiscal? Ao protelar qualquer perspectiva de equilíbrio para 2027, Executivo e Legislativo revelam não ter noção da dimensão dos riscos que criam para o país.

Míriam Leitão - Discutir tudo menos o essencial

O Globo

Se não houver uma agenda de futuro, todo o país pagará um preço alto. A longa agonia dos gaúchos deveria nos ajudar a ver o essencial

Petrobras está no centro do debate, de novo. E, como das outras vezes, não se discute o essencial. Qual o futuro de uma petrolífera num mundo em que a mudança climática já está cobrando uma conta alta do país em vidas humanas e em devastação material e econômica? Esse é o essencial, mas não é uma questão que tenha provocado a troca de Jean Paul Prates por Magda Chambriard. A mudança na estatal tem a ver apenas com o grau de simpatia ou antipatia que cada pessoa desperta no Palácio do Planalto. Ambos têm a mesma agenda e a mesma aceitação de interferências políticas na gestão.

Bernardo Mello Franco - A desconstrução de Castro

O Globo

Desembargador disse ter certeza “plena e inequívoca” de que político montou esquema criminoso para desviar recursos e se reeleger; ele nega irregularidades

Cláudio Castro passou a semana em Nova York, onde se vendeu como um gestor empenhado em “reconstruir” o Rio de Janeiro. Enquanto o governador palestrava, o Tribunal Regional Eleitoral iniciou o julgamento que pode desconstruir seu mandato.

Na sexta-feira, o desembargador Peterson Barroso Simão leu um voto arrasador. Disse ter certeza “plena e inequívoca” de que Castro montou um esquema criminoso para desviar dinheiro público e garantir a reeleição em 2022.

O relator votou pela cassação de Castro, do vice-governador Thiago Pampolha e do presidente da Assembleia Legislativa, Rodrigo Bacellar. O julgamento foi interrompido por pedido de vista e deve ser retomado na próxima quinta.

Ana Lucia Azevedo – Hostilidade não é só do Clima

O Globo

Leis e medidas podem agravar a emergência climática ao permitir a destruição das áreas que protegem vidas

O clima nunca esteve tão hostil no Brasil. O Rio Grande do Sul submergiu na maior catástrofe climática da História do país. A água que afoga o Sul falta no Sudeste e no Centro-Oeste. Em São Paulo, o reservatório Cantareira recebeu só 6% do volume de chuva esperado para abril. O Pantanal está sob seca excepcional.

A previsão do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) para o trimestre de maio a julho é de agravamento dessas condições. Mais chuva no Sul e menos nessas duas regiões, com o Pantanal caminhando para um recorde histórico de seca. Há ainda 5 milhões de quilômetros quadrados de áreas ameaçadas pelo fogo, com risco especial para a Amazônia.

A hostilidade não está apenas no clima. O Congresso Nacional tem se mostrado preponderantemente avesso à segurança ambiental. O ser humano não tem o poder de controlar extremos de chuvas associados às mudanças do clima que ele mesmo fomentou. Mas os efeitos dos extremos podem ser amenizados ou amplificados ao sabor de decisões humanas. Leis e medidas podem agravar a emergência climática ao permitir a destruição das áreas que protegem vidas. Ou, ao contrário, contribuir para a adaptação.

Dorrit Harazim - Fábula

O Globo

Como já disse um sábio, a verdadeira generosidade com o futuro consiste em dar o melhor de si no presente

A história circulou no rastro do Furacão Katrina, que em 2005 devastou Nova Orleans e deixou a cidade 80% submersa. Também foi lembrada em várias línguas durante a pandemia mundial de Covid-19 e seu agoniante corolário de mais de 7 milhões de mortos. Agora, diante da destruição pelas águas de todo um modo de viver gaúcho, ela volta à baila. Compreende-se: em tempos de dor coletiva, referências edificantes viram bálsamo — mesmo quando não são, necessariamente, verdadeiras. Conta-se que a cultuada antropóloga americana Margaret Mead, quando questionada sobre que marcador da evolução considerava ser a primeiríssima evidência de uma sociedade civilizada, citou um fêmur humano de 15 mil anos atrás, encontrado num sítio arqueológico. Nem ferramenta primitiva, nem artefato religioso, nem qualquer forma rudimentar de organização comunal, mas um fêmur — um fêmur fraturado que havia sarado.

Eliane Cantanhêde - Na direção certa

O Estado de S. Paulo

Se Lula acertar no Sul, sobe nas pesquisas; se errar, cai. É do jogo

O pior já passou? Não, não passou. A previsão é de tempos ainda muito difíceis e dolorosos no Rio Grande do Sul, com chuvas e enchentes ao sul do Estado e aumento do risco de doenças por toda parte onde a água começa a secar e a lama fica, com uma profusão de bactérias, dejetos e dor. O foco, neste momento, está na saúde e na ajuda emergencial para famílias, municípios, Estado e produtores, sem descuidar da reconstrução.

Em Pelotas e Rio Grande, cidades banhadas pela Lagoa dos Patos, atenção total para a piora da situação, com mais água escoando para o oceano e os níveis da lagoa subindo, ameaçando com inundações, deslizamentos e a destruição de casas, comércios, empresas. Logo, a vida de pessoas.

Celso Lafer - Vencer pela ciência: Fapesp

O Estado de S. Paulo

Redução dos recursos previstos à fundação na Constituição estadual compromete seu papel estratégico para a sustentabilidade do amparo à pesquisa e dos seus tempos próprios

Os Estados Unidos no pós-Segunda Guerra conceberam um bem-sucedido sistema de ciência e inovação, levando em conta a complementaridade entre governo, indústria e universidades. Esse foi um dos componentes do seu poder no plano internacional.

O sistema norte-americano motivou os proponentes da criação da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) na Constituição paulista de 1947, que estipularam os meios para efetivar seus objetivos: uma renda especial de sua privativa administração, proveniente de uma porcentagem do total da receita ordinária estadual.

A ideia a realizar de amparo à pesquisa levou o seu tempo. Tornou-se uma realidade graças ao descortino do governador Carvalho Pinto, que teve a iniciativa da lei autorizando o Poder Executivo estadual a instituir a Fapesp, que passou a existir em 1962.

Luiz Carlos Azedo - Um novo desafio do SUS para Nísia Trindade

Correio Braziliense

O Ministério da Saúde está diante de outro desafio, que não tem a mesma escala da pandemia, mas é de inédita complexidade: o colapso do sistema de saúde gaúcho

O sanitarista e cirurgião Luiz Antônio Santini, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e ex-diretor do Instituto Nacional do Câncer, lançou em Brasília, no dia 8 de maio, um pequeno grande livro: SUS, uma biografia, lutas e conquistas da sociedade brasileira (Record). Entre outras coisas, conta os bastidores da criação do Sistema Único de Saúde (SUS), pela Constituinte de 1987.

Desde 1977, a saúde pública no Brasil estava a cargo do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps). Para o grande público, era um órgão totalmente desmoralizado pelas inúmeras denúncias de corrupção e absurda ineficiência na administração direta de hospitais e contratação dos serviços privados aos segurados da Previdência. Prestava péssimo serviço a 20 milhões de brasileiros, apenas, de um total de 135 milhões. Só atendia quem tinha vínculo empregatício e dependentes.

Vinicius Torres Freire - O país da soja se torna o país do petróleo

Folha de S. Paulo

Exportações petrolíferas podem passar as de soja; país depende mais do ouro preto

Que a Petrobras tenha estado no centro do noticiário e das controvérsias políticas sociais é um sintoma de que o Brasil se tornou um país petroleiro. Mas talvez não tenhamos percebido o quanto o ouro preto é central na economia brasileira.

No entanto, já está na pauta do debate se devemos dar fim à exploração do petróleo e começar uma transição energética, para a qual também ainda não há rumo. Enquanto isso, torramos as receitas petrolíferas públicas, "do governo", no dia a dia, sem que o país invista em capacidade produtiva e em transição verde ou melhore a situação das contas públicas.

Nos anos do governo das trevas (2019-2022) e no início de Lula 3, a Petrobras era notícia por causa do preço dos combustíveis. No momento, discute-se outra vez se a petroleira deve bancar investimentos e subsídios de acordo com os planos do presidente da República. Não é por menos, pois a estatal prevê investir cerca de R$ 100 bilhões anuais de 2023 a 2028, quase o dobro dos recursos que o governo dispõe para investimentos.

Celso Rocha de Barros - Resposta a Eduardo Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Na pandemia, Lula seguiria as recomendações dos cientistas, compraria vacina e cooperaria com governadores

Na semana passada, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) tuitou: "Imagina o que seria do Brasil e dos brasileiros com Lula presidindo-o na pandemia!".

Já vou imaginar, Eduardo, mas, antes, vamos começar imaginando como seria o desastre no Rio Grande se o golpe de seu pai, denunciado pelos ex-chefes do Exército e da Aeronáutica, tivesse dado certo.

Nesse cenário, e só nele, Jair Bolsonaro ainda seria presidente em 2024.

Quando as enchentes começassem, Jair negaria a existência de enchentes e as chamaria de "chuvazinha". Em suas lives de quinta, divulgaria teorias da conspiração sobre como a China causou a enchente. Com base em uma estimativa de Osmar Terra, afirmaria que menos chuvas cairiam no Rio Grande em 2024 do que no ano anterior. Ao lado de Paulo Guedes, declararia que a evacuação das áreas inundadas seria completamente desnecessária e atrapalharia a economia.

Bruno Boghossian - As duas trilhas do bolsonarismo

Folha de S. Paulo

Pesquisa da Quaest sobre desempenho de Michelle e Tarcísio ilustra desafio de transferência de votos e rejeição

A passagem de bastão no bolsonarismo envolve um aspecto peculiar. A derrota em 2022 refletiu o descolamento de uma parte da base eleitoral de Jair Bolsonaro e levou a direita a encarar duas trilhas distintas (embora convergentes em preferências e no destino) rumo a uma recomposição para a próxima disputa.

Números de uma pesquisa da Quaest compilados para a coluna indicam fatores que devem pesar nesse caminho. O instituto testou os nomes de Michelle BolsonaroTarcísio de Freitas e outros bolsonaristas. A ex-primeira-dama aparece como um fenômeno completo de recall: herda os votos do marido em nichos estratégicos, mas também carrega sua rejeição.

Hélio Schwartsman - A gangue de três

Folha de S. Paulo

Livro descreve as ideias de Sócrates, Platão e Aristóteles e as põe no contexto histórico e biográfico

Neel Burton (Oxford) escreve copiosamente sobre psiquiatria, filosofia e vinhos. "The Gang of Three: Socrates, Plato, Aristotle" é o primeiro de seus livros que leio. Gostei. Não é que Burton ofereça uma nova interpretação revolucionária sobre o pensamento desses filósofos. Pelo contrário, ele vai numa linha bem clássica, que descreve o surgimento da filosofia como uma passagem do "mýthos", isto é, do discurso poético ou religioso, para o "lógos", a razão.

Muniz Sodré - Valente Caramelo

Folha de S. Paulo

A reação do senso comum ao perigo inclui sempre os animais

Ainda corre mundo, comovendo, a foto de Caramelo quatro dias equilibrado no telhado de uma construção submersa em Canoas, na calamidade gaúcha. No Vale do Taquari, uma mãe agarrou-se a seu bebê num telhado durante o mesmo tempo. Mas a imagem do animal, valente resiliência, circula como símbolo do desespero assim como do afeto em meio à catástrofe.

A reação do senso comum ao perigo inclui sempre os animais. Há bases materiais e emocionais: mais de 60% das famílias brasileiras possuem pets. Cada vez mais se recorre a cães e cavalos para terapias psicológicas de idosos e crianças excepcionais. No âmbito dos jovens, pertence ao folclore roqueiro dos anos 1970 a imagem do gótico Alice Cooper vestido apenas por sua jiboia de estimação.

Poesia | Sou guardador de rebanhos, de Fernando Pessoa

 

Música | Xote das Meninas - Petrobras Sinfônica e Lucy Alves

 

sábado, 18 de maio de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Não dá para tolerar reconstruções em área de risco

O Globo

Como Nova Orleans no pós-Katrina, Rio Grande do Sul deverá manter desocupadas as regiões vulneráveis

Respondendo ao clamor público diante da enchente no Rio Grande do Sul, o governo federal tem feito anúncios quase diários de ajuda para os atingidos pela catástrofe. Dinheiro é, sem dúvida, crucial para o socorro imediato e para a reconstrução do estado. Mas os recursos só contribuirão para evitar novas tragédias se as três esferas de governo aprenderem com os erros cometidos nas anteriores. É, antes de tudo, preciso desocupar áreas de alto risco. Não dá mais para tolerar casas e moradias em locais sujeitos a repetidas inundações, como partes de Lajeado e cidades vizinhas. Mesmo quando a memória da enchente de 2024 perder a força, é preciso manter desocupadas as áreas vulneráveis.

Oscar Vilhena Vieira – Código de conduta

Folha de S. Paulo

Para 58% nos EUA, Suprema Corte não tem se conduzido a adequadamente

A Suprema Corte norte-americana atingiu em 2023 um dos mais baixos níveis de confiança junto à população desde que a mensuração começou a ser feita, em 1973, pelo instituto Gallup. Enquanto 41% dos entrevistados aprovam o trabalho do tribunal, 58% entendem que a Suprema Corte não tem se conduzido adequadamente.

Há hoje uma percepção de que a Corte se voltou muito à direita, tornando-se "extremamente conservadora". A decisão no caso Dobbs, que transferiu aos estados o poder de regulação sobre o aborto, além de decisões graves no campo ambiental e a não responsabilização das plataformas em relação a discursos de ódio por elas veiculadas, confirmam essa guinada à direita.

Hélio Schwartsman - O problema da esquerda

Folha de S. Paulo

Excesso de otimismo quanto ao futuro e de pessimismo em relação ao presente configura erro de avaliação

É difícil não simpatizar com José "Pepe" Mujica, o ex-presidente do Uruguai que se tornou o símbolo mesmo das lideranças de esquerda na região.

Pepe começou sua trajetória na luta armada (queria instalar uma ditadura do proletariado), mas soube se reinventar como político democrata. Saiu da Presidência tão pobre quanto entrou e demonstrou um incomum desapego ao poder. Mais importante, não trocou a clareza moral por tribalismo ideológico. Ao contrário de Lula, não hesitou muito antes de condenar os abusos de Nicolás Maduro.

Alvaro Costa e Silva - Os terroristas do like

Folha de S. Paulo

Até o Exército, antes idolatrado pelos 'patriotas', hoje é vítima da desinformação

Programado para o segundo semestre, no clima das eleições municipais, o Femeapá —Festival de Mentira que Assola o País— começou bem antes e de maneira incontrolável. Mais eficiente para propagar desinformação em doses industriais, a edição deste ano promete superar os piores momentos das turnês de 2018, 2020 e 2022. Portando celulares na mão e rolando a timeline sem parar, parte do público delira com a autopromoção e o discurso "libertário"; outra parte se revolta, já cansada de denunciar a má-fé.

Um dos maiores patrocinadores do espetáculo é o presidente da Câmara, Arthur Lira, que em abril anunciou a criação de um grupo de trabalho para discutir a regulação das big techs. Desde 2020 tramita o PL 2.630, que já passou por dezenas de audiências públicas. Na prática, o que Lira fez foi enterrar, mais uma vez, o projeto.

Dora Kramer - Cartucho queimado

Folha de S. Paulo

Lula ignora o eleitorado da frente ampla com o qual talvez não conte em 2026

A realidade afirma, o bom senso reafirma e as pesquisas confirmam: Lula queimou o cartucho da frente ampla e em 2026 não contará com esse recurso para tentar a reeleição, caso seja mesmo o seu plano.

Ao contrário do que dizem, o presidente entende sim que ganhou a eleição por um triz e que deve isso ao pavor provocado pela perspectiva de mais quatro anos do horroroso governo do antecessor. Tanto que está constantemente a relembrar aos brasileiros o que foi aquilo.

Só parece não compreender que a comparação não basta. Não dá mostra de perceber que o eleitorado fiel da balança em 2022 é volátil e precisa ser fidelizado.

Demétrio Magnoli - Israel não chora mais

Folha de S. Paulo

Tortura não é novidade na Terra Santa; novidade, porém, está na motivação

Khirbet Khizeh, de S. Yizhar, a história ficcional da expulsão dos palestinos de seu povoado pelas forças do proto-Estado judeu, na guerra de 1948, foi publicado no ano seguinte. "Atirar –e, depois, chorar": o remorso do narrador, um jovem soldado que cumpre a ordem de remoção dos habitantes, pertence ao mito nacional de Israel. Hoje, porém, sob um governo controlado por extremistas, Israel não chora mais: atira e, depois, tortura.

Tortura não é novidade na Terra Santa. Agentes israelenses torturam prisioneiros palestinos. Policiais da Autoridade Palestina torturam prisioneiros do Hamas e vice-versa, na Cisjordânia e em Gaza. O Hamas cometeu abusos sexuais contra reféns israelenses. A novidade, porém, está na motivação.

Bolívar Lamounier - O fio da lâmina

O Estado de S. Paulo

Como compreender que um país facilmente governável permaneça neste estado de miséria e malquerenças políticas estúpidas como a que teve início na eleição presidencial de 2018?

Alguns dos leitores que me honram com sua atenção consideram como “exagerado” o meu pessimismo sobre o Brasil atual.

Não sei se pessimismo é o termo adequado, mas reconheço a relevância do questionamento, pois, de fato, exageros (pessimistas ou otimistas) comprometem a objetividade de qualquer reflexão sobre as condições da sociedade. Assíduo leitor das publicações diárias, admito que raramente encontro nelas alguma razão para alívio. Um exemplo: na página A8 da edição de 11 do corrente mês, este jornal estampou a seguinte manchete: Com RS em crise, Lula envia texto ao Congresso que eleva salários no STF. Não ficaria chocado se entendesse que os mais altos magistrados vivem como miseráveis, mas esse não me parece ser o caso. Na edição de 16 de maio, na primeira página, o jornal voltou ao tema: No RS, Lula anuncia ajuda federal aos gaúchos com tom de comício. Por aí se vê que nosso principal aspirante a estadista não se preocupa sequer em disfarçar sua sensibilidade meramente eleitoreira.

Carlos Andreazza - Ode ao corpo mole

O Estado de S. Paulo

Haddad deveria se ver em Prates. A engenharia da queda de um é a mesma da carga sobre o outro

Jean Paul Prates caiu. Caiu o caído. A morte e a morte de. História que lembra a do arcabouço fiscal: o natimorto que vai morrendo até morrer. Só ele terá sido pego de surpresa. Insuficientemente petista, aquém do índice Gabrielli de pasadenismos. Haviam lhe dado o veredicto: corpo mole.

Talvez seja o elogio possível à sua gestão. Ode ao corpo mole! O que – quantos ímpetos “reindustrializantes” – a moleza terá atrasado? Homem “do mercado”, assim como Haddad é “fiscalista”. Classificações que só fazem sentido na métrica do ecossistema petista, por oposição a Gleisi Hoffmann.

Pablo Ortellado - Como lidar com a desinformação?

O Globo

Não foram os fatos que formaram as convicções; foram as convicções que convocaram os fatos

Vou pedir licença ao leitor para retomar o assunto da semana passada, com enfoque ligeiramente diferente. Creio que a gravidade da situação no Rio Grande do Sul justifica minha insistência.

Estamos todos chocados com a profusão de conteúdos desinformativos sobre a atuação do governo na crise humanitária no Rio Grande do Sul: informações distorcidas, exageradas, retiradas de contexto ou simplesmente falsas infestaram as mídias sociais e os aplicativos de mensagens. Segundo essas mensagens, os governos federal (PT) e estadual (PSDB) não apenas não fazem o necessário, como criam ativamente obstáculos para o auxílio às vítimas das cheias, retendo doações nos centros de distribuição e impondo entraves burocráticos à doação de remédios, à operação de barcos e jet-skis ou à chegada de caminhões com alimentos. Ao povo vítima das cheias, restaria apenas recorrer aos cidadãos brasileiros que lutam como podem para contornar os obstáculos criados pelos governos (“de esquerda”). Dados colhidos nas mídias sociais e em pesquisas de opinião sugerem que esse discurso pegou.

Eduardo Affonso - A próxima revolução

O Globo

Pleitear igualdade moral para os animais ainda soa absurdo para muitos. Afinal, os ‘Homo sapiens’ seriam superiores por direito divino

Em 2022, Bolsonaro autorizou que os brasileiros repatriados da Ucrânia trouxessem consigo, nos aviões da FAB, seus animais de estimação. Um ano depois, Lula fez o mesmo em relação aos cidadãos resgatados de Gaza. Diferentes em (quase) tudo, os dois presidentes estiveram de acordo ao reconhecer os vínculos entre os humanos e seus companheiros de outras espécies. Não se cogitou deixar ninguém para trás.

A história se repete, agora, no Rio Grande do Sul. Cerca de 11 mil animais — entre domésticos e silvestres — foram salvos e levados para abrigos (isso sem contar os milhares de resgates feitos por prefeituras, ONGs e voluntários). Um hospital veterinário de campanha foi montado em Porto Alegre. Reencontros de cães e seus tutores renderam momentos emocionantes. O cavalo impassível sobre uma improvável ilhota metálica, que um dia fora um telhado, se tornou símbolo ao mesmo tempo de vulnerabilidade e resistência. Do frágil equilíbrio em que estamos todos — e da esperança que não podemos perder.

Haddad: ‘Não se corrigem dez anos em seis meses’

Haddad diz que busca trajetória de ajuste nas contas após dez anos de déficit

Bernardo Lima / O Globo

Ministro alega que ‘distorções’ estão sendo corrigidas, mas que não é possível ‘corrigir 10 anos em 6 meses’

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou nesta sexta-feira que o governo busca uma trajetória de ajuste nas contas públicas após 10 anos seguidos de déficit primário, nas suas palavras. O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva fixou como zero (ou seja, receitas iguais às despesas) a meta de resultado das contas públicas de 2024.

— Nos últimos 10 anos foram R$ 2 trilhões de déficit público e eu tenho dito que isso não favorece um crescimento maior da economia brasileira. O que está garantindo isso é justamente fazer o que estamos fazendo, recompondo a base fiscal do estado brasileiro, que foi erodida ao longo desses anos — disse o ministro.

Segundo Haddad, o governo está buscando uma trajetória de ajuste.

— Nós estamos procurando justamente fazer uma trajetória de reajuste, depois de 2022, onde houve um enorme desarranjo em função do processo eleitoral — disse Haddad a jornalistas no Ministério da Fazenda nesta sexta.

Economistas apontam uma piora no quadro das contas públicas a curto e longo prazo, o que, segundo especialistas, dificulta o crescimento da economia brasileira.

Carlos Alberto Sardenberg - O governo gastará. Só falta o dinheiro

O Globo

A situação tende a piorar, pois os gastos obrigatórios crescem mais rápido que o PIB e a arrecadação

Diante do colapso do Rio Grande do Sul, muita gente aproveitou para defender a política de gastos públicos. Disseram: “Estão vendo? O governo precisa gastar. Se não fizer isso, quem atenderá a população?”.

Fraco argumento.

Óbvio que o governo precisa gastar. Ou terá passado pela cabeça de alguém lançar uma megaprivatização de atendimento a tragédias ambientais? Também não, claro. Isso mostra que o tema é bem mais complexo.

Carlos Góes - Lições de uma tragédia climática

O Globo

O mais importante é mobilizar recursos para salvar vidas. Mas quando os restos sedimentarem, será necessário pensar em meios para adaptar o país, a economia e a vida a esta nova realidade de extremos

A crise que hoje ocorre no Rio Grande do Sul tem sido corretamente tratada como uma crise climática. Mas o que isso quer dizer — e que lições desta crise devem ficar para o futuro?

O clima é um sistema complexo, sendo muito difícil estabelecer a causalidade da mudança climática sobre qualquer evento em particular. Mas o que os climatologistas conseguem afirmar definitivamente é que eventos extremos (de muita chuva e muita seca, por exemplo) devem ocorrer com maior frequência à medida que a temperatura do planeta aumenta.

José Eduardo Agualusa - O rancor do populismo

O Globo

Contrariar o avanço do pensamento autoritário, com a sua cultura da mentira, da demagogia e do ódio, é um grande desafio do nosso tempo

Um menino de 9 anos, de origem nepalesa, foi espancado por cinco colegas, que gritavam “volta para a tua terra!”, enquanto um sexto filmava a cena.

O episódio, ocorrido numa escola de Lisboa, é mais um, entre vários, que testemunham o crescimento do racismo e da xenofobia em Portugal.

O surgimento do Chega — partido de extrema direita que nas eleições do passado mês de março conseguiu 50 lugares no parlamento português — vem legitimando e fortalecendo movimentos radicais, alguns deles assumidamente neonazis, que até há poucos anos não mobilizavam senão meia dúzia de sujeitos espiritualmente deformados.

Marcus Pestana - Flexibilidade de gestão e resultados para a população

Acompanhei com interesse natural a intenção do Governo de Minas de entregar a gestão dos hospitais da FHEMIG à um Serviço Social Autônomo e a polêmica inicial envolvendo a Assembleia Legislativa, os servidores públicos e a sociedade civil organizada. Longe de ser um assunto restrito à Minas, a discussão permanente é sobre a reforma do Estado e a melhor forma de viabilizar a prestação de serviços públicos com eficiência, eficácia e qualidade.

A busca da transição de um modelo de intervenção burocrático, com foco em processos, estruturas e controle das atividades-meio, para uma gestão pública gerencial, com foco em resultados para a população, ganhou corpo em 1995, no governo Fernando Henrique Cardoso, com a apresentação do “Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado”, desenvolvido sob a liderança do Ministro Bresser Pereira.

Luiz Gonzaga Belluzzo - Trombadas da desglobalização

CartaCapital

O protagonismo da grande empresa e a relação de gato e rato entre protecionismo e livre-comércio continuam a dar o tom na economia internacional

Em sua edição de segunda-feira 13 de maio, o jornal Valor apresenta um artigo de ­Assis Moreira. Empenhado em advertir os leitores para o recrudescimento do conflito entre os espaços econômicos nacionais e o retrocesso da globalização, o autor abre a matéria dedilhando os acordes sensíveis dos desarranjos em curso:

“A taxação adicional dos EUA contra carros elétricos e outros produtos ambientais chineses, esperada para esta semana, será uma ilustração a mais da persistente erosão do sistema comercial e mais turbulências à frente nas trocas globais. Isso ocorre em meio à aceleração das transições ambientais e tecnológicas que estão mudando profundamente a forma como vivemos e produzimos”.

Peço licença aos leitores de nossa ­CartaCapital para reproduzir o que escrevi no livro Os Antecedentes da Tormenta.

Marcus Cremonese - Notícias gratuitas? Podem custar caro

Observatório da Imprensa

Mundo afora, jornais e revistas deram bastante atenção ao atrito entre o Facebook e o governo australiano por volta de fevereiro de 2021. O conflito tende a se repetir agora, neste maio de 2024.

Como sempre, ao tentar entender o presente é bom dar uma olhada no passado. Em 1631 o francês Théophraste Renaudot criou a primeira publicação periódica impressa, o La Gazette. Seu objetivo inicial foi a publicação de anúncios. La Gazette existiu até 1917.

Assim sendo, a venda de espaço para a publicidade – que ali acabara de nascer – foi a alavanca que levantou todas as publicações periódicas desde então. Algumas delas se tornaram verdadeiras entidades corporativas que – sob o pretexto de divulgar fatos, apenas – passaram a manipular a opinião pública, até mesmo colocar ou retirar governantes.

Poesia | O Auto-Retrato, de Mário Quintana

 

Música | Zeca Pagodinho, Rildo Hora, Zé Menezes, Rogério Caetano - Diz que fui por aí

 

sexta-feira, 17 de maio de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Brasília atrapalha integração com governos locais ao politizar a tragédia

O Globo

Medidas anunciadas por Lula vão na direção certa, mas seu uso político prejudica ajuda à população atingida

Em sua terceira visita ao Rio Grande do Sul desde as chuvas que devastaram o estado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou uma secretaria extraordinária, comandada in loco pelo ex-ministro da Secretaria de Comunicação Paulo Pimenta. O objetivo, diz o Planalto, é facilitar a articulação entre os governos federal, estadual e dos 497 municípios gaúchos.

Não se discute a necessidade de criar canais para dar celeridade às decisões envolvendo os três níveis de governo na assistência às vítimas e na reconstrução. Mas a nomeação de Pimenta, candidato potencial ao governo do Rio Grande do Sul pelo PT sem experiência na gestão de catástrofes, transparece mais oportunismo político que preocupação genuína com a população que perdeu tudo e, mais que nunca, depende da ajuda do Estado.

Fernando Abrucio – Os perigos da postura negacionista

Valor Econômico

Cresceram nos últimos meses o irracionalismo, a barbárie no comportamento público e a defesa de posições autoritárias e sectárias. É preciso denunciar e superar esse fenômeno

Um mal vem se impondo de várias maneiras na realidade política brasileira: o negacionismo em suas múltiplas formas. Pensava-se que com o fim da pandemia, a derrota (re)eleitoral de Bolsonaro e o fracasso do golpe de 8 de janeiro, o país estaria livre dessa ameaça e voltaria a ter um debate mais racional e pluralista. Depois de quatro anos de obscurantismo, sonhava-se em ter todos os principais atores políticos comprometidos com a democracia e a civilidade. Ledo engano. Cresceram nos últimos meses o irracionalismo, a barbárie no comportamento público e a defesa de posições autoritárias e sectárias. É preciso denunciar e superar esse fenômeno, antes que as portas do futuro se fechem para o Brasil.

José de Souza Martins: A tragédia gaúcha

Valor Econômico

Nestes momentos, os defeitos de nosso caráter nacional submergem para que emerja a nossa tradição camponesa do auxílio mútuo, da ajuda incondicional ao desvalido

A tragédia das enchentes e escorregamentos no Rio Grande do Sul, apesar de todas as mudanças negativas havidas na mentalidade do povo brasileiro desde 2013, mobilizou mais uma vez o espírito comunitário da nação. O sentido ocultamente transformador dessa grande tradição de silêncio social criativo revela-se na desconstrução da estrutura social brasileira, cada vez mais marcada por tensões e antagonismos sociais.

Desde o regime militar, acentuada e estimulada no regime negacionista recente, essa grande tradição social tem sido satanizada como comunista, que não é. Ainda nestes dias, em meio ao desamparo e à morte, os agentes do mal, por ação e omissão, conspiram e omitem-se.

O que é estranho a nossas tradições de cordialidade, as da precedência dos sentimentos em relação ao afã de riqueza e poder, como sugere, de outro modo, a famosa interpretação de Sérgio Buarque de Holanda.

César Felício - Lula dá partida às eleições de 2026 no RS

Valor Econômico

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva antecipou deliberadamente o calendário eleitoral do Rio Grande do Sul, ao nomear o ministro da Comunicação Social Paulo Pimenta para a pasta extraordinária que vai coordenar a reconstrução do Estado e o auxílio à população flagelada pela catástrofe.

Lula tinha opção. Seria possível manejar esforços em relação ao socorro ao Estado sem uma estrutura nova. A escolha de Lula, contudo, surpreende pouco. Um dirigente compromissado com a direita gaúcha ponderou, sob reserva: uma vez criado cargo dessa natureza, a única alternativa plausível ao nome de um político seria a indicação de um militar, o que daria um protagonismo às Forças Armadas, uma das coisas que o atual governo quer evitar.

Luiz Carlos Azedo - Lula já politizou socorro aos gaúchos

Correio Braziliense

Lula e Leite têm um adversário comum, Jair Bolsonaro. A força do ex-presidente no estado é inequívoca: foi o mais votado entre os gaúchos

Era meio inevitável, em se tratando do volume de recursos da União que serão destinados ao Rio Grande do Sul, a criação de uma autoridade federal para coordenar, controlar e direcionar os mais de R$ 50 bilhões em ajuda aos gaúchos que já estão anunciados pelo governo federal. Entretanto, ao escolher o ministro da Comunicação Social, Paulo Pimenta (PT-RS), para o cargo de ministro extraordinário de apoio à reconstrução do estado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva politizou o socorro aos gaúchos, irremediavelmente. Pimenta é deputado federal, tem o estilo “bateu, levou” e não esconde a ambição de ser governador.

O governador Eduardo Leite (PSDB), durante o ato organizado por Lula em São Leopoldo, um dos redutos do PT no Rio Grande Sul, deu uma de bom cabrito e não berregou, porém, não gostou nem um pouco. As críticas à decisão de Lula ficaram a cargo das lideranças do PSDB, entre as quais o deputado federal Aécio Neves (MG), o principal defensor de uma candidatura tucana à Presidência em 2026 e opositor sistemático ao governo federal. A resposta de Eduardo Leite foi intensificar sua presença nas ruas e antecipar a liberação de recursos da ordem de R$ 2 mil, via Pix, para 45 mil famílias flageladas.

Vera Magalhães - Não há protagonismo sobre escombros

O Globo

Se assumir papel de disputa com Estado e municípios, Pimenta pode expor Lula num Estado que hoje tem perfil eleitoral mais à direita

A tragédia do Rio Grande do Sul é um epílogo de décadas de descaso com prevenção a desastres, com medidas recentes que retiraram recursos para dotar o estado de mais resiliência a intempéries, a despeito de o histórico e a situação geográfica sugerirem a tendência de que sejam recorrentes e severas, e com o afrouxamento do arcabouço ambiental que poderia reforçar a proteção a esses eventos.

O resultado é um estado destruído e submerso. Pensar que governantes possam cometer, além de todo esse histórico de erros, a bobagem de buscar protagonismo no manejo do caos é imaginar que sejam suicidas. Não costuma ser uma característica dos políticos. A cautela é necessária num momento em que não se tem a mais vaga ideia da quantidade de recursos e do tipo de ação que serão necessários para tirar o Rio Grande do Sul dos escombros.