Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
quinta-feira, 17 de setembro de 2020
Opinião do dia – Karl Marx* (sociedade do conhecimento)
Entrevista | ‘Candidato terá que fazer referência à crise econômica, diz cientista político
- José Álvaro Moisés, cientista político e professor da USP
Para o professor José Álvaro Moisés, tendência é que temas globais, como desigualdade social e crise financeira, tenham tanto apelo quanto questões locais
Matheus Lara | O Estado de S.Paulo
O cientista político José Álvaro Moisés, professor da Universidade de São Paulo (USP), prevê uma disputa municipal entre quem defende e quem se opõe ao presidente Jair Bolsonaro. Em função da pandemia do coronavírus, a tendência apontada pelo pesquisador é que temas globais, como desigualdade social e crise financeira, tenham tanto apelo quanto questões locais.
Qual será o impacto dos debates nacionais na eleição 2020?
Eleições municipais tem muito a ver com o poder local pela proximidade com as pessoas comuns, pelo acesso. Porém, essa eleição é excepcional por ocorrer no contexto da pandemia, que afetou o País de maneira severa, tanto pelo número de mortes, mas também pelo desemprego, perda de renda, mudanças culturais. A pandemia chamou a atenção do cidadão para esses temas e a importância do Estado. Essa percepção desloca o eleitor do contexto local para o nacional. A eleição 2020 vai combinar dimensões locais e nacionais. No radar do eleitor, estão temas como mobilidade urbana e saúde, mas também desigualdades sociais e raciais.
Há também uma forte influência da polarização política.
Sim, é a outra face nacional que estará em debate. Isso já fica claro em São Paulo com os movimentos do presidente Jair Bolsonaro para apoiar Celso Russomanno, por exemplo, e do outro lado o posicionamento de Bruno Covas como centro-moderado, se opondo à candidatura ligada ao presidente. Muito provavelmente os dois devem protagonizar a eleição. A aliança de Russomanno com o PTB (anunciada nesta quarta-feira) confirma esta hipótese de oposição entre candidatos apoiadores e contra Bolsonaro.
Que espaços ocuparão as demais candidaturas de apelo à direita, mas contra Bolsonaro, como Joice Hasselmann, do partido que elegeu o presidente?
Essa eleição vai desempenhar um papel de reorganizar o sistema partidário, que se desorganizou em 2018. O ‘PT vs PSDB’ desapareceu e os partidos que eram fortes com esses dois, como MDB e DEM, também viram suas bancadas diminuírem. O fim das coligações proporcionais e a cláusula de barreira fazem candidatos próprios aparecerem, e aí aparecem essas candidaturas. Parte dos bolsonaristas que viu as críticas da Joice a Bolsonaro ainda vai vê-la como candidata do PSL, partido que elegeu o presidente. Não sei se ela vai conseguir fazer a distinção. Na medida em que isso não está inteiramente claro para todos, dado que o presidente não conseguiu criar o novo partido (Aliança Pelo Brasil), essa confusão de sinais para o eleitor não deve ajudar candidaturas como essa.
Covas tem resgatado bandeiras tradicionais da social-democracia tucana. Como vê esse movimento?
O PSDB foi um dos partidos que foram vítima da crise de desorganização do sistema partidário em 2018. O ex-governador Geraldo Alckmin teve porcentual baixo de votos, indicando um distanciamento do eleitor tradicional do PSDB do partido. A partir daí, o partido sinalizou que faria uma espécie de renovação e mudança com direção à direita, com o governador João Doria, mas ele não conseguiu plena hegemonia no partido. Ao mesmo tempo, há no interior do partido tentativa de retomar teses tradicionais da social-democracia. Vejo uma sinalização diferente entre que o faz Doria e Covas.
O PT se mantém isolado na disputa pela Prefeitura e vê o crescimento da adesão à chapa do PSOL enquanto PSB se alia com o PDT. O que indica a divisão da esquerda em São Paulo?
Indica uma crise política muito séria. Mostra que a esquerda tem uma dificuldade de se unificar mesmo em situações que são uma ameaça à própria esquerda. Mesmo no contexto que pediria aliança, há uma divisão maior. O PT demonstra dificuldade em buscar uma ‘frente ampla’ e se mantém isolado, insiste desde 2018 numa política voltada para salvaguardar a posição de seu líder máximo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O PT está mais voltado para isso do que para competir a eleição. De qualquer forma, vejo essas alternativas à esquerda com menos expressão do que a polarização Russomanno x Covas.
O que exatamente a eleição municipal pode nos adiantar sobre 2022?
Aquilo que a pandemia nos trouxe com mais clareza. O tema do desemprego, das desigualdades sociais, raciais. Os eleitores vão carregar essa realidade. Não dá para o candidato falar só das questões locais. Ele vai ter que fazer referência à crise econômica e social que o País está vivendo. Quem conseguir criar uma imagem mais próxima do eleitor, estará traçando uma perspectiva de resposta para 2022.
Qual será o impacto da necessidade de uma campanha mais online neste ano por causa da pandemia?
A influência das redes na política e nas eleições veio para ficar e vai ter um papel importante. Como desta vez teremos poucas atividades presenciais, é possível que o horário eleitoral ganhe nova importância. Vai ser um meio de comunicação pelo qual as pessoas vão falar. É provável que, com muitas pessoas tendo que ficar em casa, haja uma reabilitação da TV o horário eleitoral. As redes continuam com força, mas acho possível um retorno ao que parecia ser uma página virada.
Carlos Alberto Sardenberg - 2022, o único projeto de Bolsonaro
- O Globo
Confusões do governo fizeram reaparecer o risco
fiscal
O
pior não foi o ministro Rogério Marinho anunciar a mixaria de R$ 3,8 milhões
para combater o fogo no Pantanal. Conforme a conta feita pelo pessoal do
“Jornal da Globo”, isso mal daria para pagar 540 horas de voo de aviões
aparelhados para debelar esse tipo de incêndio. O pior foi o ministro dizer que
estava liberando aqueles 3,8 milhões porque havia projetos para o uso do dinheiro.
E que soltaria mais recursos — 5, 10 milhões, quanto fosse — se houvesse outros
projetos.
Há
quantas semanas ocorre o atual fogo? Há quantos anos se sabe que há incêndios
nessa época do ano? E só tem projeto para aplicar menos de R$ 4 milhões de
reais?
Pior
ainda: não é apenas aí que faltam projetos.
Considerem
o Renda Brasil. Deveria ser o sucessor do auxílio emergencial e o substituto do
Bolsa Família. Ocorre que o próprio auxílio nasceu sem projeto. O Ministério da
Economia sugeriu a distribuição mensal de R$ 200 para os mais vulneráveis —
cujo número se desconhecia. O Congresso, nos debates, elevou o benefício para
R$ 500 e, na véspera da votação, o presidente Bolsonaro mandou: põe aí logo R$
600.
Acabou
saindo um programa de R$ 51 bilhões de reais por mês para algo como 60 milhões
de pessoas. Por isso, aliás, ocorreram aquelas confusões nas agências da Caixa.
A instituição obviamente não esperava tanta gente.
Houve
muita fraude, mas o programa melhorou a renda das faixas mais pobres. E elevou
a popularidade do presidente, que resolveu perpetuar a benefício com o Renda
Brasil. Seria muito mais que o Bolsa Família, o grande eleitor do PT no
Nordeste, que gasta “apenas” R$ 32 bilhões por ano para pagamentos a 14 milhões
de famílias.
Mesmo
descontando as fraudes do auxílio e reduzindo para R$ 300 reais ao mês por
pessoa, o custo continua insustentável.
A
despesa total prevista pelo governo federal para 2021 é de R$ 1,5 trilhão, sem
qualquer provisão para o Renda Brasil, sequer mencionado no projeto de Orçamento.
Desse gasto total, nada menos de R$ 1,2 trilhão vai para o pagamento de
aposentadorias, pensões e salários do funcionalismo. Sobram R$ 300 bilhões para
todos os demais gastos de custeio e investimentos.
Se
reduzido para a metade, o custo do Renda Brasil alcançaria R$ 300 bilhões/ano.
Ou seja, ou o governo funciona ou paga o Renda Brasil.
Aí,
fica o pessoal do Guedes procurando de onde tirar uns trocados para um Renda
Brasil desidratado.
Sem
chance. A menos que o governo decida imprimir aqueles 300 bilhões, ou tomar
emprestado ou aumentar impostos — e reaparece a CPMF. Se não fosse
politicamente inviável, levaria a um aumento da dívida pública, com consequente
alta dos juros e da inflação. Lembram-se da recessão da Dilma? Pois então.
Essas
confusões do governo Bolsonaro fizeram reaparecer o tal risco fiscal — a ameaça
de descontrole das contas públicas, um temor que se expressa na alta dos juros
no mercado futuro. Se a taxa básica (Selic) está em 2% ao ano, um papel do
governo com vencimento em janeiro de 2023 é vendido a juros de 4%. E de 8% para
vencimento em dez anos.
Eis
o ponto a que chegou o governo Bolsonaro. Perdeu a bandeira do combate à
corrupção (com a saída de Moro) para se transformar em alvo do combate à
corrupção. Sua sorte é que muita gente lá de cima está ansiosa para acabar com
a Lava-Jato.
Com
os seguidos percalços da política econômica, o governo perde o apoio de parte
da elite e da classe média que estava farta do intervencionismo e da
roubalheira do PT. E não tem o dinheiro para fazer o populismo do Renda Brasil.
Daí
a anistia às igrejas e aos templos. Só o perdão da cobrança da Contribuição
Social sobre o Lucro Líquido daria para pagar mais 142 mil horas de voo para
combater o fogo no Pantanal.
Mas
o presidente precisa agora garantir suas bases mais fiéis e, digamos, mais
sinceras, para obter ao menos os 30% que o levem a um segundo turno em 2022,
com sorte contra um candidato inviável de esquerda.
Aqui,
sim, tem um projeto. Que pode ser atrapalhado se aparecer um candidato viável
ao centro.
E nem falamos da pandemia.
Ascânio Seleme - Onde mora o perigo
- O Globo
Presidente já percebeu que seu governo precisa produzir marcos
O presidente Jair Bolsonaro fez política trivial quando desautorizou e ameaçou com um cartão vermelho a equipe econômica, por ter sugerido taxar as aposentadorias e cortar benefícios de idosos e pobres com deficiência para fazer caixa para o programa Renda Brasil. Seu gesto foi tratado como mais do mesmo, como inevitável, pois, se a proposta prosperasse e fosse enviada ao Congresso (para ser derrotada), seria uma catástrofe política a dois meses das eleições municipais. Verdade, foi um gesto político, mas foi forte, consequente e, convenhamos, correto.
Alguém pode dizer que Bolsonaro agiu dessa forma apenas para não se ferrar. Está certo. Mas, se houver alguém aqui que goste de se ferrar, que levante a mão. Pode ter sido um simples instinto de autopreservação, sem dúvida. O fato é que a ação rendeu pelo menos um resultado concreto, os aposentados e excluídos não vão pagar a conta do ato eleitoreiro. Mesmo que se possa atribuir ao capitão um sem-número de equívocos, como o próprio Renda Brasil, neste caso é forçoso reconhecer seu mérito.
Ele foi além. Ao proibir “a palavra” Renda Brasil, devolveu ao dicionário político o Bolsa Família, mesmo que temporariamente. Mais do que dar um chega para lá em Paulo Guedes, Waldery e companhia, Bolsonaro reconheceu que o seu era um simples “copia e cola” do programa petista que ajudou o partido de Lula a ganhar eleições. Ainda assim, detonou o plano que a turma do Guedes bolou para engordar o seu. Mesmo não sendo lá essas coisas em cálculo político, Bolsonaro entendeu que, de imediato, colheria apenas perdas políticas importantes, sem nenhum ganho acessório.
Jogou para a plateia, claro. Não fosse assim, chamaria Paulo Guedes no escurinho do Palácio do Planalto e mandaria seu time recuar. Não há qualquer problema em jogar para a torcida, faz parte do cardápio. O problema é o depois. Embora diga o contrário, é evidente que, mais cedo ou mais tarde, o presidente vai exigir um programa social para chamar de seu, apesar de ter preferido recuar para não destratar aposentados e pensionistas. Como a receita liberal não vai mesmo conseguir encontrar recursos para tanto, o cartão vermelho virtual dado a Guedes pode virar real.
Bolsonaro já percebeu que seu governo precisa produzir marcos. Por ora, ao contrário, sua gestão é reconhecida pela ineficiência e pela bateção de cabeças, além dos insultos e agressões produzidos em série contra instituições e contra a democracia. Desde sua posse, seu único trunfo foi a reforma da Previdência, cujo mérito é muito mais de Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, como se sabe.
O caso do incêndio sem precedentes no Pantanal é um exemplo da falta de eficácia governamental. Somente depois de dois meses de queimadas, os primeiros sinais de apoio foram dados pelo Planalto aos governadores do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul. E, ainda assim, por ora, os sinais são apenas retóricos. O presidente prometeu “recursos ilimitados”, embora antes tenha negado o apoio do Exército no combate ao fogo, como denunciou o secretário da OAB-MT, Flávio José Ferreira.
O capitão sabe que a alta nos seus índices de popularidade, que nem é tão grande assim, deve-se exclusivamente ao pacote de ajuda aos mais pobres durante a pandemia. Um mito, na verdade. Porque quem deu o auxílio emergencial aos brasileiros necessitados foi o Estado, não o governo. Mas isso pouco importa para Bolsonaro, porque foi sob sua guarda que os cheques foram assinados. E é assim que veem e entendem os que receberam os R$ 600 ao longo dos últimos três meses.
Mesmo com o Renda Brasil provisoriamente sepultado, segue em vigor o Bolsa Família do PT, mas cujos cheques quem assina hoje é Bolsonaro. Ainda assim, é bastante provável que, mais adiante, queira assinar outros cheques, mais gordos, para larga distribuição, sobretudo no Nordeste. A questão é onde ele vai buscar dinheiro para garantir fundos a esses cheques. É aí que mora o perigo.
Luiz Carlos Azedo - Biruta de aeroporto
- Nas entrelinhas | Correio Braziliense
Bolsonaro transferiu para o Congresso a criação do Renda Brasil, e a desindexação das aposentadorias, ampliando o conflito entre a base do governo e a equipe econômica
O governo parece biruta de aeroporto. Um dia após o presidente Jair Bolsonaro declarar que não pretende mexer com o Bolsa Família e outros programas de transferência de renda para as populações mais pobres antes de 2022, cancelando o projeto de programa Renda Brasil, o relator do Orçamento da União, senador Marcio Bittar (MDB-AC), anunciou que foi autorizado pelo presidente da República a incluir no seu relatório um novo programa social, para auxiliar a população de baixa renda, após o fim do auxílio emergencial.
Disse Bittar: “Tomei café da manhã com o presidente da República. Antes do almoço conversamos mais um pouco, e eu fui solicitar ao presidente, se ele me autorizava a colocar dentro do Orçamento a criação de um programa social que possa atender a milhões de brasileiros que foram identificados ao longo da pandemia e que estavam fora de qualquer programa social. O presidente me autorizou”. O secretário de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues, cuja cabeça está a prêmio por ter anunciado o congelamento das aposentadorias por dois anos para financiar o programa, continua no cargo, depois de receber “cartão vermelho”de Bolsonaro.
Traduzindo a conversa com Bittar, o presidente Bolsonaro transferiu para o Congresso a responsabilidade pela criação do Renda Brasil, ampliando o conflito entre as lideranças da base do governo e a equipe econômica. O problema central continua existindo: a falta de recursos para criar o novo programa sem inviabilizar o funcionamento da administração federal. O pulo do gato para isso é a chamada desindexação, palavra mágica para acabar com os reajustes automáticos de despesas decorrentes da inflação oficial. Isso significa congelar ou reduzir o valor real de todos os programas que estão vinculados ao salário mínimo, o caso das aposentadorias e o do Benefício de Prestação Continuada (o salário mínimo destinado aos idosos sem nenhuma fonte de renda) para criar um novo programa que sirva de bandeira para a reeleição de Bolsonaro, no lugar do Bolsa Família.
Tudo indica que estamos caminhando para um orçamento de fantasia, no qual a estimativa de arrecadação é aumentada e a projeção da inflação, reduzida, para permitir um encontro de contas artificial entre receitas e despesas. No Congresso Nacional, não será a primeira vez que isso pode acontecer, mas é uma contradição com tudo o que Paulo Guedes anunciou até agora e uma ameaça à manutenção do chamado “Teto de Gastos”. Depois da conversa com Bolsonaro, o relator do Orçamento se recusou a “especular” sobre a origem dos recursos para viabilizar o novo programa, mas prometeu apresentar um relatório na próxima semana com a essa definição do novo programa.
Bolsonaro também participou de um almoço com a bancada evangélica, organizada pelo deputado Fábio Ramalho (MDB-MG), no qual se discutiu a derrubada do veto presidencial à anistia das dividas das igrejas evangélicas com a Receita Federal, aprovada pelo Congresso. Bolsonaro vetou a emenda aprovada com o argumento de que era inconstitucional e que poderia ser punido por irresponsabilidade fiscal se não agisse dessa forma. Mas recomendou a seus aliados no Congresso que derrubassem o veto, o que reiterou duramente esse encontro.
Saúde
Entretanto, o evento mais concorrido do Palácio do Planalto, ontem, foi a posse
do ministro Eduardo Pazuello como titular do Ministério da Saúde, depois de
quatro meses de interinidade. Foi um oba-oba, no qual o presidente Bolsonoro
reiterou tudo o que já disse sobre a pandemia, fez apologia da
hidroxicloroquina, criticou prefeitos e governadores por causa do isolamento
social, condenou o fechamento das escolas e encheu a bola do ministro,
convidando-o para saltar de pára-quedas no Lago Paranoá. Pazuello fez um
balanço baluartista de sua própria atuação à frente do ministério, mas destacou
o papel do SUS e a atuação do pessoal da saúde na linha de frente do combate à
pandemia. Disse que a pandemia está em declínio, principalmente no Norte e no
Nordeste.
Pazuello
entrou na pasta em meados de abril. “Literalmente, tivemos que trocar a roda do
carro andando. A responsabilidade era enorme e tivemos a liberdade total para
implementarmos as medidas que eram necessárias”, disse. O ministro destacou “a
solidariedade de todo o povo brasileiro, mostrando o valor de nossa nação, onde
empresários, cidadãos e entidades das mais diversas se mobilizaram e continuam
mobilizados na certeza de que, juntos, estamos vencendo essa guerra”. O general
assumiu o ministério depois da saída do ministro Nelson Teich, que substituiu
Luiz Henrique Mandetta e teve uma passagem relâmpago pela pasta. Na ocasião, o
Brasil contabilizava 14 mil mortes; hoje, são 133,3 mil. A média móvel de
mortes nas últimas semanas, porém, caiu para 813 mortos/dia nas duas últimas
semanas, e 31.311 novos casos no mesmo período.
William Waack* - Desentendimento ao quadrado
- O Estado de S.Paulo
Sufoco fiscal está levando o governo a um notável bate-cabeça
Como indivíduo, o ministro da Economia, Paulo Guedes, está provando ao mercado que resiste mais a pancadas do que inicialmente se supunha. Mas o que importa para agentes econômicos – a confiança na reputação – foi bastante danificada.
Nem tanto por um presidente errático que só pensa naquilo (reeleição) – isto estava, como se diz em economês, “precificado”. Mas, sobretudo, pela rápida e imprevisível mudança dos dados da realidade que impuseram ao governo uma radical alteração de rumo para adaptar assistencialismo (imperativo imediato político e humanitário) à catástrofe fiscal que o próprio Guedes anunciou (problema que vem de longa data).
Se é que existia anteriormente um rumo claramente definido e sendo implementado. Parece que não havia, além de um conjunto de diagnósticos sobre causas de um país estagnado aliado a frases fortes de efeito eleitoral prometendo “mudar tudo que está aí”. O que se evidencia agora, porém, é a ausência de plano para além da contingência.
Bolsonaro entrou numa armadilha nem um pouco original: obrigado a gastar o que não tem. Está, de fato, tolhido por um orçamento engessado que a falta de vontade e articulação políticas contribuíram para deixar no lugar. Sufocado por uma crise fiscal cujo tratamento depende (sim, é repetitivo) de eficaz movimentação POLÍTICA para superar obstáculos rumo a reformas essenciais, como a tributária e a administrativa.
E pressionado pelo calendário eleitoral dos deputados, já voltados para as eleições municipais, e o dele mesmo, o da reeleição. Nesse ambiente, Bolsonaro se rebela com seus característicos arroubos (“cartão vermelho para quem falar em Renda Brasil”) como quem de repente é confrontado com uma realidade profundamente desagradável: a da situação para a qual não existem saídas mágicas.
Foi essa singela constatação que o levou a esbravejar contra a própria equipe econômica, da qual ele obviamente desconfia que lhe prometeu mais do que seria capaz de entregar. Quer continuar prestando ajuda emergencial, que proporciona excelentes dividendos políticos? Então vai ter de cortar em algum outro lugar. Quer criar um benefício social permanente, para chamar de seu? Então precisa rever outros.
Não se sabe exatamente quanto Bolsonaro ouve do tanto que Guedes fala, mas até aqui o mantra tem sido repetido com ênfase: não haverá furo no teto de gastos. Pode-se chamar investidores internacionais ou detentores de títulos brasileiros de míopes ou abutres (palavra preferida por argentinos, por exemplo), mas é fato que eles estão com a atenção concentrada num só aspecto, que é a questão fiscal.
Vem daí – do acompanhamento da evolução da dívida bruta do País em relação ao PIB, e como a política trata disso – uma outra constatação relevante para a equipe econômica: o principal fiador de sua credibilidade hoje lá fora já não é tanto Paulo Guedes, mas, sim, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. É a supremacia da questão fiscal escrita com letras garrafais.
Como se sabe fartamente, não é um problema técnico, mas de natureza essencialmente política. No sentido de que o governo é obrigado a fazer escolhas, não vai conseguir agradar a todos, e essas escolhas são condicionadas por fatores políticos e acarretam consequências idem. E o principal problema de Bolsonaro parece ser o de ter de tomar decisões.
No espetáculo público que seguiu à decepção do presidente com a ausência de fórmulas mágicas, Bolsonaro e Guedes assumiram, contou Guedes, que um não entende de economia e outro não entende de política. É o tipo de observação engraçada numa conversa de boteco, mas que leva os agentes econômicos, que não acham graça em perder tempo ou dinheiro, a uma conclusão cínica: juntar dois maus entendedores não resulta, eventualmente, em um meio entendedor.
Acaba em desentendimento ao quadrado. Ou se chama rápido o Centrão, que é o que está acontecendo.
*Jornalista e apresentador do jornal da CNN
Bernardo Mello Franco - A festa do general
Depois de quatro meses, Jair Bolsonaro se lembrou de nomear um ministro da Saúde. O escolhido foi o general Eduardo Pazuello, que já ocupava a cadeira como interino. Quando ele assumiu, em maio, o país contava 13 mil mortos pela Covid. Ontem o número ultrapassava os 133 mil. Isso significa que nove entre dez vítimas morreram na gestão do militar.
Pazuello é o terceiro titular da Saúde desde o início da pandemia. Os dois anteriores caíram por resistir à pressão de Bolsonaro para distribuir remédio sem eficácia comprovada. O general chegou com uma vantagem: como não é médico, não precisa rasgar o diploma para fazer as vontades do chefe.
Na primeira semana no cargo, ele mostrou que sabe obedecer e receitou o uso da cloroquina. Em seguida, dedicou-se à tarefa de transformar o ministério num quartel. Demitiu técnicos em saúde para abrir espaço a coronéis, majores e capitães.
O general foi apresentado como um especialista em logística. Mesmo assim, não conseguiu evitar a falta de suprimentos nos hospitais. Sua gestão só mostrou eficiência para esconder informações. Os veículos de comunicação precisaram montar um consórcio para manter o público informado sobre a evolução da doença.
A posse de Pazuello foi coerente com sua obra até aqui. Em tom festivo, o general afirmou que o Brasil tem “um dos maiores quantitativos de pessoas recuperadas no mundo”. Faltou dizer que o país aparece em segundo lugar no ranking de mortes.
O governo ignorou as recomendações sanitárias e voltou a aglomerar convidados no Planalto. Bolsonaro aproveitou para atacar a imprensa e fazer propaganda da cloroquina. Na contramão dos epidemiologistas, ele afirmou que o país não deveria ter fechado as escolas na pandemia. Depois disse que 30% das mortes teriam sido evitadas com o falso remédio milagroso.
Segundo o Capitão Corona, os governadores que decretaram medidas de distanciamento foram “tomados pelo pânico” e “impulsionados pela mídia catastrófica”. Ele, ao contrário, teria sido ousado e corajoso. “Não me acovardei, não me omiti”, elogiou-se.
Maria Hermínia Tavares* - Um espectro ronda o PT
- Folha de S. Paulo
É importante ouvir Lula, goste-se ou não de suas palavras
O colapso político-eleitoral do PT em 2018, que abriu as portas do Planalto a Bolsonaro, fez encolher a sua bancada no Congresso. Mas não o tirou do pódio entre as 24 legendas ali representadas. Ainda que as próximas eleições municipais confirmem —ou mesmo agravem— a sangria de votos sofrida em 2016, o Partido dos Trabalhadores continuará sendo até onde a vista alcance o alicerce de qualquer barreira oposicionista ao predomínio da direita radical do capitão-presidente.
Por isso, é importante ouvir o seu comandante-chefe, goste-se ou não de suas palavras. E, no 7 de Setembro, ele fez afirmações num tom que de há muito não se ouvia. Na sua fala, é possível reconhecer o Lula capaz de ser íntimo dos que perderam pessoas queridas ou sua fonte de renda por causa da pandemia; dos que dependem do SUS; dos que sofrem discriminações de toda ordem e dos que têm medo do amanhã; ao lado da defesa da democracia e das liberdades ameaçadas pelo bolsonarismo.
Para os seus septuagenários coetâneos, porém, o discurso soou parecido ao do PT dos velhos tempos. Tempos do partido da crítica social radical, do igualitarismo social e do nacionalismo, da denúncia das oligarquias e dos poderosos —em suma, da agremiação que se fechava a alianças porque se apresentava como porta-voz sem par da “classe trabalhadora”. Oposição pura e dura, aversa à negociação política, o PT votou contra todos os planos de estabilização —do Cruzado ao Real— e não assinou a Constituição de 1988.
A retórica incisiva e a estratégia de apresentar candidatos próprios em eleições para cargos executivos importantes, além de disputar a Presidência sempre com o seu maior nome, deram frutos. Em 20 anos, o PT se transformou no maior partido da esquerda brasileira, e Lula, no político mais popular do país, conhecido mundo afora.
Mas o que serviu para fortalecer o PT na oposição não bastou
para fazê-lo chegar ao governo. Só o conseguiu ao moderar o discurso na Carta ao Povo Brasileiro e
trazer o centro para a vice-presidência, com José Alencar, em 2002, e o MDB
para a coalizão de governo, em 2006.
Entre 2002 e 2016, o PT governou com um amplo enlace, que atravessava o espectro político da esquerda até a centro-direita —sem esquecer que, antes, a moderação política já havia tingido campanhas municipais do partido.
Repetir a retórica da recusa aos “pactos pelo alto” e a estratégia eleitoral dos primórdios pode confortar a militância fiel, mas não tem a amplitude necessária para afastar do horizonte o pesadelo da extrema direita. É um espectro a rondar o PT.
*Maria Hermínia Tavares, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.
Míriam Leitão - Fingir não ver o que propõe
- O Globo
A surpresa do presidente Bolsonaro com as propostas da política econômica é falsa ou ele nunca entendeu coisa alguma do que sua equipe vem prometendo desde a campanha. Quando o ministro Paulo Guedes fala em desindexar as despesas do orçamento, o que é? É não corrigir pela inflação os gastos, entre eles, as pensões e aposentadorias. Em outras palavras, congelar. Este governo fez várias propostas polêmicas. Sugeriu adiar o BPC, reduzir acesso ao abono, cobrar imposto de desempregado e até o emprego sem salário. Onde estava Bolsonaro em seu próprio governo que nada viu?
Ele sempre soube o que estava sendo proposto, tanto que ontem autorizou o senador Márcio Bittar a continuar os estudos para um programa social amplo. Bittar está tentando encaixar no orçamento ou na PEC do Pacto Federativo. Entre as medidas que estuda está o congelamento do salário mínimo para financiar o Renda Brasil, conforme o próprio senador revelou ao repórter Marcello Corrêa de O GLOBO. Ou seja, tirar do pobre para o paupérrimo.
Todas as ideias que o governo tem apresentado têm essa característica que o presidente demagogicamente atribuiu à “gente que não tem coração”. Tudo em seu governo possui essa marca. Na proposta original da reforma da Previdência estava a ideia de que o beneficiário do BPC — idoso muito pobre ou deficiente — ao chegar aos 65 anos recebesse apenas R$ 400 em vez de salário mínimo. E só aos 70 anos tivesse direito ao valor integral. O Congresso derrubou. Propôs também reduzir de dois para um salário mínimo a renda dos que recebem abono salarial. O Congresso derrubou.
Depois o projeto enviado era o de criar um programa chamado de “emprego verde e amarelo” que seria financiado por um imposto cobrado de quem ficasse desempregado e recebesse o seguro-desemprego. Essa forma esdrúxula de financiar o programa acabou caindo também. Não foi a única ideia ruim. Em geral elas são abatidas pela reação da opinião pública, dos políticos ou da Justiça. Em março, o governo baixou uma MP que permitia a suspensão do salário por quatro meses. Depois das críticas, revogou a própria MP.
O Ministério da Economia quer “quebrar o piso” dos gastos públicos. Há muito tempo o país precisa sim flexibilizar o Orçamento, mas antes é preciso perguntar de onde tirar. Se acontecer o que o governo propõe, naquele projeto dos três Ds, desindexar, desvincular e desobrigar, todos os percentuais fixos para áreas como saúde e educação poderão cair. O problema é onde serão realocadas as despesas. Nesse governo é certo que serão mais afetados os gastos mais necessários. Enquanto se fala em desvincular as outras despesas, o Ministério da Defesa tenta vincular a sua. Quer 2% do PIB anual.
Esse governo chegou a propor que no ano de 2021 não houvesse o Fundeb, o que provocaria uma tragédia na educação brasileira. Pensou em adiar o Censo para transferir os recursos para o Ministério da Defesa. Antes da pandemia havia sido reduzido em mais de um milhão o número de beneficiários do Bolsa Família, 60% deles moradores dos estados do Nordeste. Os governadores da região tiveram que ir ao Supremo contra isso.
Sensibilidade social não há no atual governo. Mesmo quando eles têm razão em parte, o método é errado. A tese sobre o abono salarial é que jovens da classe média acabam recebendo quando estão no início da carreira. Por que então não introduzir um recorte de renda familiar como exigência para receber o benefício? No caso do BPC, o que se diz é que há gente recebendo que não teria direito, porque tem renda acima do que a lei estabelece. Isso se resolve com fiscalização e cruzamento de dados. Aliás, esse acompanhamento tem que ser constante nas políticas públicas.
No ajuste fiscal quais são as despesas que se deve atacar? É fundamental saber escolher, ter um projeto e comunicá-lo de forma clara e transparente. Na democracia todas as despesas têm defensores, mesmo as mais injustas, como acaba de se ver na ambiguidade presidencial em relação aos gastos tributários com as igrejas.
Bolsonaro manipula os fatos com o objetivo de enganar. Quer que os outros fiquem com os ônus de qualquer medida impopular do governo, para que ele fique apenas com o bônus. Finge não ver inclusive o que ele mesmo assinou e propôs.
Vinicius Torres Freire - Morte e destruição não afetam Bolsonaro
Presidente
se descola de epidemia, queimada, fracasso de renda básica, carestia de comida
O Pantanal que queimou até agora é do tamanho de metade do estado do Rio de Janeiro. É mais ou menos o triplo da área da região metropolitana de São Paulo, onde vivem quase 22 milhões de pessoas em 39 cidades. É maior que o estado de Sergipe inteiro.
Algumas pessoas se comovem com a imagem horrível dos pobres bichos mortos ou fugindo do fogo queimados e asfixiados, pedindo água nas estradas e nas ruas das cidades à beira do inferno. Sabe-se lá quantas poucas se preocupam com o tamanho do desastre ambiental, da calamidade irreversível que pode ter havido.
No mais, parece que o sentimento nacional de emergência definha quanto mais cresce nossa tolerância com a morte e a destruição. Sempre grande, a indiferença parece maior nos tempos de Jair Bolsonaro.
Ainda morrem 800 pessoas por dia de Covid-19. É como se todos os dias morressem todas as crianças de uma escola das grandes aqui de São Paulo. Talvez imaginar todos os pequenos cadáveres estendidos no pátio ajudasse a suscitar alguma comiseração. Mas talvez na verdade argumentem que três de cada quatro mortos são velhos, gente de mais de 60 anos, “e daí?”, como se faz numa dessas trocas quaisquer de insultos sórdidos e burrice feroz das redes insociáveis.
A indiferença pela epidemia é crescente, notam jornalistas e especialistas que medem a atenção da audiência, do público. Os abatidos pela Covid-19 mais e mais fazem parte da natureza mortal do Brasil, das dezenas de milhares de assassinados ou mortos no trânsito, para as quais quase ninguém liga. No Natal deste ano horrível de 2020 os mortos pelo vírus talvez sejam 200 mil.
Como se sabe com muito asco, o governo federal jamais juntou uma comissão dos melhores cientistas ou pensadores e administradores de calamidades a fim de conter o espalhamento da morte pelo coronavírus. Ao contrário, escorraçou toda a gente estudiosa, a razão e a humanidade. Transformou o Ministério da Saúde em um almoxarifado militar. Por que haveria de se ocupar da emergência do Pantanal?
A destruição do Pantanal, da Amazônia e do que resta do cerrado é parte do programa da coalizão governista, que juntou também grileiros, mineradores e madeireiros ilegais e o pior do agronegócio. Tudo isso é óbvio. Mais importante para quem pretende se ocupar da próxima destruição ou evita-la é o método Bolsonaro de ser irresponsável. Isto é, de não assumir suas responsabilidades, da capacidade de se colocar em um universo à parte, em uma bolha de culto à personalidade desvairado e odiento.
Bolsonaro se exime de responsabilidades na epidemia, nas queimadas, no fracasso do Renda Brasil, na indiferença inepta em relação à carestia da comida, às filas do INSS o que seja. Com sucesso, convence boa parte da população, uns dois terços, de que foi eleito para outras tarefas, como mentir, fazer propaganda de moralismo farisaico (logo ele, que faz piadas sujas com meninas de dez anos), eliminar ONGs, esquerdistas, “militâncias”, armar a população e evitar que seus filhos e, um dia, ele mesmo acabem na cadeia.
A medida de governo mais importante de seu mandato e que evitou uma convulsão social, o auxílio emergencial, foi tomada pelo Congresso. Nem mesmo estelionatos eleitorais evidentes colam, como ter escorraçado o lava-jatismo e feito pacto com a “velha política” do centrão (isto é, reencontrou-se consigo mesmo, apenas).
Bolsonaro por enquanto conseguiu se transformar em uma entidade do sobrenatural da política. Não é cobrado pelo seu desgoverno e se descola da destruição, as que promove ou tolera.
Celso Ming - O frio e o tamanho do cobertor
Ribamar Oliveira - Bolsonaro disse não a Guedes duas vezes
- Valor Econômico
Resta a questão de saber por que o ministro voltou a insistir na proposta dos 3 Ds, mesmo depois de ela ter sido vetada pelo presidente
A decisão do presidente Jair Bolsonaro de não aceitar a proposta de deixar sem correção os benefícios previdenciários e assistenciais, manifestada de forma agressiva em rede social na terça-feira, terá consequências importantes na política fiscal do governo. Bolsonaro rejeitou, pela segunda vez em menos de um ano, a proposta dos 3 Ds do seu ministro da Economia, Paulo Guedes, que deseja fazer a desindexação das despesas orçamentárias, a desvinculação das receitas e desobrigar o governo a realizar gasto.
Em novembro de 2019, o governo encaminhou ao Congresso Nacional o que chamou de Plano Mais Brasil, constituído de duas PECs que tratam de novas regras fiscais. Guedes tentou incluir nelas a desindexação do salário mínimo e dos benefícios previdenciários e assistenciais. O piso salarial e os benefícios não teriam correção por dois anos, o que abriria espaço no teto de gastos da União para mais investimentos públicos.
Bolsonaro foi contra a medida, como o próprio ministro da Economia revelou na época. Por isso, os textos da PEC Emergencial (186/2019) e da PEC do Pacto Federativo (188/2019) estabelecem, explicitamente, que será preservado o poder aquisitivo do salário mínimo.
Agora, o ministro e sua equipe voltaram a insistir na tese dos 3 Ds, negociando diretamente com o relator da PEC 188, senador Márcio Bittar (MDB-AC), para incluir na proposta a desindexação dos benefícios previdenciários, pelo mesmo prazo de dois anos, que tinha sido apresentada ao presidente Bolsonaro em novembro do ano passado e rejeitada.
A diferença é que, na nova versão dos 3 Ds, a desindexação dos benefícios previdenciários foi apresentada como uma maneira de garantir espaço no teto de gastos para o novo programa social do governo Bolsonaro, chamado de Renda Brasil - uma espécie de Bolsa Família turbinado.
É impressionante que uma autoridade do Ministério da Economia tenha proposto a criação de uma nova despesa obrigatória de caráter continuado (o Renda Brasil) mesmo com o governo tendo que reduzir, todo ano, os investimentos públicos para manter o teto de gastos em pé, pois as despesas obrigatórias não param de aumentar.
Originalmente, o objetivo dos 3 Ds era abrir espaço no Orçamento da União para ampliar os investimentos e sustentar o teto de gastos por mais alguns anos. Fazer a desindexação dos benefícios previdenciários para criar nova despesa obrigatória é uma contradição em si.
Resta a questão de saber por que o ministro Paulo Guedes voltou a insistir na proposta dos 3 Ds, mesmo depois de ela ter sido vetada pelo presidente Bolsonaro no ano passado. A explicação mais plausível é que o ministro da Economia não vê ganhos de espaço no teto de gastos apenas com as medidas de ajuste fiscal que estão definidas na PEC 188. Elas recaem, basicamente, sobre os servidores públicos.
Se as despesas obrigatórias ultrapassarem 95% do total das despesas primárias do ano (não incluem o pagamento de juros e as amortizações da dívida), nenhum dos poderes da República poderá conceder aumento de salário, reajuste ou qualquer tipo de vantagem aos servidores, criar cargos, alterar estrutura de carreira, realizar concurso público, criar ou majorar auxílio e criar qualquer despesa obrigatória, entre outras medidas, de acordo com a PEC 188.
Dito de forma mais direta, os representantes do Judiciário teriam que adotar as medidas de ajuste da PEC 188, pois o teto de gasto é individualizado por Poder e por órgão. As medidas restritivas, como a não concessão de reajuste ou qualquer outra vantagem se aplicariam também a juízes, procuradores e militares. Ou seja, não apenas os servidores civis dos três Poderes seriam penalizados. É fácil entender a dificuldade política para a aprovação da PEC.
A decisão de Bolsonaro ao rejeitar a ideia de não corrigir os benefícios previdenciários terá, portanto, impacto direto sobre o teto de gastos. Aprovada a PEC 188, com o seu texto original, o presidente terá que impor sacrifícios aos servidores, incluindo os militares, se quiser preservar o teto de gastos. As medidas terão que ser tomadas com urgência, pois, pelos cálculos de quase todos os analistas, para manter o teto de gastos já em 2022 as despesas discricionárias (investimento e custeio da máquina administrativa) terão que ser cortadas ao nível de paralisia dos serviços públicos.
Há pessoas otimistas acreditando que, mesmo com a oposição de Bolsonaro, o Congresso poderá manter a proposta da desindexação dos benefícios previdenciários no novo texto da PEC 188, que deverá ser apresentado pelo relator Márcio Bittar. É difícil acreditar que os senadores e deputados possam ser mais realistas do que o rei, ou seja, que aceitem o ônus de uma medida impopular, mesmo contrariando o presidente da República. Tudo isso, às vésperas das eleições municipais.
De
olho na inflação
O Ministério da Economia alterou algumas de suas previsões para a economia neste ano. De acordo com o Boletim MacroFiscal, da Secretaria de Política Econômica (SPE), a previsão para a inflação medida pelo INPC subiu de 2,09% para 2,35%. Este dado é de grande relevância para as despesas públicas, pois o INPC corrige o salário mínimo, que é a base dos benefícios previdenciários e assistenciais. Corrige também os benefícios previdenciários acima do piso.
O anexo de riscos fiscais do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) para 2021 estima que para cada aumento de 0,1 ponto percentual do INPC, a despesa da União sobe R$ 768,3 milhões. Como a previsão da SPE para o INPC subiu 0,26 ponto percentual, a despesa da União no próximo ano foi elevada em mais de R$ 1,9 bilhão.
É um acréscimo significativo, principalmente porque as despesas orçamentárias para 2021 estão no limite do teto. Isto significa que, se a previsão da SPE se confirmar, o Congresso terá que cortar ainda mais o investimento e o custeio programado no Orçamento do próximo ano para manter as despesas dentro do teto.