segunda-feira, 23 de março de 2020

Fernando Gabeira - Um vírus na era digital

- O Globo

Pensei num aplicativo que contivesse algumas variáveis, tais como febre, tosse, dificuldade respiratória

Depois de seis anos viajando, às vezes mais de mil quilômetros por semana, minha única aventura agora foi dar uma volta de bike pela Lagoa.

Ainda há poucas pessoas caminhando ou correndo. Um corredor usando máscara azul gritou para mim: “Cadê a máscara?” Tive vontade de voltar e mostrar para ele meu pequeno frasco de álcool gel. Mas evitei aproximações. Da Lagoa iria para o isolamento total.

No dia seguinte, vi a entrevista de vários membros do governo usando máscara. Lembrei-me do corredor da Lagoa. Ele a usava com naturalidade, parecia uma extensão natural do seu rosto.

Mas o governo, por seu lado, ao invés me dar a certeza de que estava brigando com o coronavírus, parecia estar brigando com a máscara. No centro da mesa, o grande timoneiro, irritado com o incômodo, acabou deixando a máscara pendurada na orelha, como um brinco. Quando falou que ainda não havia vacina, temi que acrescentasse um felizmente, porque terraplanistas acham vacina e rock and roll coisas do demônio.

Não vou me deter nos Bolsonaros. É perda de tempo. O Brasil não vai derrotar o vírus com panelaços. A família adora comprar briga para encobrir sua profunda incapacidade. Quando não a encontra aqui, não hesita em buscá-la na China.

Cacá Diegues - O lixo nas urnas

- O Globo

A questão não é mais apenas de saúde, mas também de política e administração pública

Quando o bloco desfilar de novo, com máscaras e tamborins, como naquela entrevista coletiva da semana passada, ministro Luiz Henrique Mandetta, reivindique um destaque à frente da bateria. O senhor tem direito até a uma comissão de frente. Pelo que já nos disse de sábio e sereno, o senhor não pode estar de acordo com as bobagens que foram ditas ali, o caráter personalista e insensível da equipe do presidente, a reiteração de um programa supostamente técnico e certamente desumano. Um samba muito diferente daquele que já ouvimos do senhor. Por exemplo, a obsessão de um ajuste fiscal, às custas da sobrevivência dos brasileiros mais pobres, é um crime. Da próxima vez, ministro, reaja ao presidente e à sua paupérrima coreografia. Vá sem máscara à reunião da diretoria.

Como o país não conhecia muito bem as peças, elegeu, com Bolsonaro, três meninos mal comportados, ignorantes e desastrados. E mais um predador mal intencionado de péssima educação, especializado em engrossar com as moças, fingindo que é filosofia. Os brasileiros queriam se livrar dos políticos que não suportavam mais. Tinham pressa e não pensaram em examinar melhor quem estava à disposição, com chance de acabar com o passado.

O mais moço criou um caso com a China, o país com quem temos as relações comerciais mais positivas, o único que já nos havia oferecido ajuda para a crise da Covid-19. Eduardo Bolsonaro não deve ter lido nada sobre Chernobyl e tratou o erro gravíssimo de um socialismo real fracassado, como se fosse estratégia. O coronavírus, ao contrário, é uma reação da Natureza aos nossos erros, reação que nos acostumamos a chamar de acaso.

Demétrio Magnoli - Voando às cegas

- O Globo

- O vírus mais mortífero é o da ignorância

A Coreia do Sul, foco pioneiro de infecções fora da China, tinha 8.565 casos confirmados de Covid e 91 óbitos, em 19 de março. Na mesma data, a Itália, maior foco atual de infecções, tinha 35.713 casos e 2.978 óbitos. Desses dados, extraem-se taxas de letalidade de cerca de 1,1% para a Coreia do Sul e 8,3% para a Itália. A diferença brutal indica que o vírus da inconsistência contamina as estatísticas sobre a pandemia — e, portanto, que o mundo inteiro voa no escuro, sem instrumentos, em meio à crise dramática.

8,3% contra 1,1%? É certo que a população italiana tem idade média superior à sul-coreana e, ainda, que as interações sociais entre jovens e idosos são, em tempos normais, mais intensas na nação europeia que na asiática. Também é verdade que a negligência inicial do governo italiano provocou o colapso do sistema de saúde na Lombardia, área crítica de difusão do novo coronavírus. Mas a absurda distância estatística nem de longe se explica por tais fatores. O mistério deriva da incomparabilidade das estatísticas colhidas pelos governos nacionais.

As estatísticas falam línguas diferentes. Na Itália, aplicam-se testes a pessoas sintomáticas que procuram o sistema de saúde — ou seja, uma elevada proporção de casos graves que exigirão internação e, com frequência elevada, evoluirão para o óbito. Na Coreia do Sul, a testagem massiva em áreas geográficas selecionadas captura alta proporção de casos leves, inclusive assintomáticos, que ficarão apenas em quarentena domiciliar. No mito de Babel, Deus confundiu as línguas, interrompendo a comunicação e o trabalho. Diante da pandemia, o mundo fecha-se numa Babel —mas não por culpa divina.

Ricardo Noblat - Bolsonaro cava sua própria sepultura

- Blog do Noblat | Veja

Ele de um lado, o povo do outro
O presidente Jair Bolsonaro ficará rouco de tanto repetir que ele está do lado do povo. O que acontece, segundo a mais recente pesquisa do instituto Datafolha, é que o povo não está do lado dele.

A pesquisa feita por telefone em todas as capitais e no Distrito Federal mostra que 55% dos brasileiros consideram ótimo ou bom o desempenho do ministro da Saúde.

O desempenho dos governadores no combate ao coronavírus é muito parecido – 54%. Quanto ao presidente que arrisca a própria viva em defesa do povo, só 35% aprovam a sua conduta.

Quase 70% dos entrevistados reprovaram o gesto de Bolsonaro de recepcionar seus devotos na rampa do Palácio do Planalto. Foi durante a manifestação convocada contra o Congresso e a Justiça.

Ali, Bolsonaro foi duplamente irresponsável. Primeiro porque participou de um ato que ele mesmo desaconselhara. Segundo porque pôs em risco a vida dos manifestantes.

Ele acabara de voltar dos Estados Unidos. Trouxera na sua comitiva um auxiliar contaminado. Mais de um. Até aqui, foram 27 contaminados. E tocou em 272 pessoas. Que tal?

A primeira parte da pesquisa, publicada, ontem, pela Folha de São Paulo, mostrara que Bolsonaro está na contramão dos brasileiros ao se preocupar com mais com a economia do que com vidas.

92% das pessoas concordam com a suspensão de aulas, 94% aprovam a proibição de viagens internacionais e 92% apoiam o fechamento de fronteiras. Bolsonaro era contra tudo isso.

Em entrevista, nesse domingo, à TV Record, nervoso, gaguejando muito, Bolsonaro afirmou que julga “exagerados” os números sobre a pandemia divulgados pelo Ministério da Saúde.

Ora, ele não havia feito questão de dizer que seu time “está ganhando” por governar bem? E de lembrar que o técnico do time era ele? Suplicava por reconhecimento.

Numa hora dessas, como ele ousa pôr em dúvida o que anuncia um ministro escolhido por ele mesmo? Se o que informa Luiz Henrique Medetta não merece fé, por que Bolsonaro não o demite?

Leandro Colon – O que diz o povo

- Folha de S. Paulo

O Datafolha deveria assustar quem tanto explora a retórica de que está com a população

Não são apenas os panelaços nas janelas de prédios que refletem a insatisfação da população com o menosprezo de Jair Bolsonaro à escalada do coronavírus pelo país.

Pesquisa Datafolha divulgada nesta segunda-feira (23) é um recado bem dado e importante das ruas à figura do presidente da República.

Os números deveriam assustar quem tanto explora a retórica de que está com o "povo". Além de peças políticas, como o Congresso e os estados, boa parte da população que ele tenta usar de escudo também reprova sua atuação na crise do vírus.

Os trancafiados em casa para não pegar a doença têm apreço ao Ministério da Saúde, sob Luiz Henrique Mandetta, e ao comportamento dos governadores. Ao mesmo tempo, rechaçam a postura de quem deveria ser o 01 no combate à pandemia.

Vinicius Mota - Quarentena não evita tragédia

- Folha de S. Paulo

Transmissão familiar em regiões populares desassistidas pode levar a desastre

O Brasil dificilmente conseguirá aplicar quarentena rígida contra a Covid-19. Uma espécie de toque de recolher prolongado prevalece em países ricos europeus, mas não parece ter sido capaz de evitar matanças na Itália e na Espanha.

Ainda subindo, a taxa italiana de mortes por 100 mil habitantes pela epidemia é mais de 30 vezes a sul-coreana, já estável. A espanhola, também em alta, corresponde a quase 20 vezes a do tigre da Ásia. Algo deu bastante errado na forma como Itália e Espanha lidaram com a doença.

As pessoas ficam em casa, mas em até 85% dos casos, segundo dados da China, o contágio ocorre no próprio ambiente familiar. Ter dado atenção a esse fato talvez explique parte da eficácia da estratégia asiática.

Além de decretarem restrições à mobilidade, lá as autoridades localizaram depressa as regiões quentes do espalhamento da epidemia e, dentro delas, os indivíduos infectados, que foram isolados inclusive, notadamente na experiência da China, de outros familiares saudáveis.

No caso brasileiro, confinamentos tendem a funcionar melhor no setor minoritário da população de renda mais alta, onde há menos pessoas por metro quadrado sob um mesmo teto, além de gordura financeira e proteção legal para atravessar um período estendido sem trabalho.

Marcus André Melo* - Crise total

- Folha de S. Paulo

Com a crise total não há espaço para a política adversarial

Já passamos por uma calamidade de proporções ciclópicas. O testemunho ocular de um parlamentar durante a gripe espanhola (1918), na capital da República, aponta para a magnitude da tragédia: "A gripe desembarcara de Dakar uma semana antes, e apoderara-se logo da cidade, espalhando sem dificuldade sobre ela sua dominação assombradora. Quanta gente que não devia morrer tão cedo, moços fortes, moças bonitas quantos não tinham já partido".

"Cada dia, cada hora chegava uma notícia... noivas com enxovais prontos, esperando o dia do casamento, enroladas as pressas no vestido de noivado e atiradas num montão de outros cadáveres que aguardavam cova no cemitério", (Gilberto Amado, em suas memórias).

Mas são muitas as diferenças entre a gripe espanhola e a atual crise do coronavírus. Trato aqui apenas de uma delas: dada a intervenção massiva do Estado no setor e seu impacto econômico avassalador, a crise atual é crise total.

A política de atenção à saúde tal qual a conhecemos hoje em quase todas as democracias (os EUA é a grande exceção) é recente e só se desenvolveu no pós-Guerra. No Brasil, em 1918, nem sequer tínhamos algo chamado Ministério da Saúde, mas apenas campanhas sanitárias esporádicas, com forte participação internacional (Fundação Rockfeller). Em 1930, foi criado um Ministério da Educação e Saúde Pública, mas a saúde só ganha um ministério autônomo em 1953.

Celso Rocha de Barros* - Bolsonaro consegue sair da frente?

- Folha de S. Paulo

Derrubar Bolsonaro ajudaria ou atrapalharia o combate à epidemia?

Na história mundial do presidencialismo, ninguém mereceu tanto sofrer impeachment quanto Jair Bolsonaro. Em seu ano e poucos meses de governo, conspirou abertamente contra a democracia e contra a imprensa livre, fez guerra à ciência e aos pobres, rebaixou a Presidência como ninguém.

Enquanto escrevo, sabota abertamente a política de isolamento implementada pelos governadores e defendida por técnicos de seu próprio ministério. Prefere uma contagem de corpos alta a uma economia fraca que prejudique sua reeleição. A economia vai desabar de qualquer jeito. A contagem de corpos ainda pode subir muito.

Isso quer dizer que Bolsonaro será, ou deve ser impedido no momento atual? Depende, porque ninguém sabe direito que tipo de disputa política é possível ou desejável em tempos de pandemia.

O bolsonarismo está claramente declinando. Os panelaços, a debandada de direitistas chocados com a demência presidencial, a rebelião dos governadores, o desespero do agronegócio diante dos ataques contra a China, tudo isso sugere que Bolsonaro cairia se as pessoas pudessem ir às ruas.

Bruno Carazza* - VUL-nerabilidades

- Valor Econômico

O mundo ainda não sabe de que forma será a recessão

A covid-19 impõe um desafio sem precedentes na história econômica mundial. A emergência da pandemia, que requer como profilaxia para se evitar um caos na saúde pública a indução de uma recessão global, pode deixar feridas que demorarão a cicatrizar. De uma só vez, estamos submetidos a um ataque infeccioso que combina choque de oferta (com o rompimento das cadeias internacionais de produção), redução drástica da demanda e a incerteza de não saber por quanto tempo estaremos em quarentena.

O diagnóstico de uma nova doença, com alto potencial de contaminação e níveis relativamente elevados de letalidade, levou epidemiologistas e profissionais da saúde a prescreverem remédios amargos de distanciamento social para conter a evolução do número de infectados e, assim, pelo menos postergar o colapso do sistema de saúde. A determinação dos governos de reduzir a movimentação de pessoas e fechar temporariamente negócios não essenciais, porém, tem um grave efeito colateral: a prostração econômica.

A cada dia fica mais claro que a necessidade de achatar a curva epidemiológica de contágio levará ao aprofundamento do gráfico de evolução do PIB. Como afirmou Catherine Mann, economista-chefe do Citibank, numa excelente publicação organizada recentemente por Richard Baldwin e Beatrice di Mauro para a VoxEU sobre a “economia do coronavírus”, só não sabemos ainda qual será o formato desta recessão.

No início, economistas diagnosticavam que teríamos uma queda em “V” - uma forte queda na produção e no consumo neste trimestre, em que tivemos que dar um tratamento de choque na circulação econômica para conter a disseminação do vírus, mas que seria rapidamente superada no período subsequente.

Sergio Lamucci - Crise requer ações mais ousadas

- Valor Econômico

A dramaticidade do cenário requer ações mais fortes e ousadas das autoridades, e é possível tomá-las sem comprometer estruturalmente as contas públicas

A disseminação do coronavírus vai causar um choque violento na economia brasileira neste ano, refletindo a combinação do impacto das medidas de distanciamento social sobre a atividade doméstica e do efeito negativo da pandemia sobre a economia global. O Brasil deverá ter uma recessão no primeiro semestre, com o PIB encolhendo na média do ano - o J.P. Morgan espera uma queda de 1% e o Goldman Sachs, de 0,9%, enquanto o diretor do ASA Bank, Carlos Kawall, ex-secretário do Tesouro e ex-diretor do BNDES, projeta uma retração de 3%.

Esse cenário exige respostas firmes e pouco comuns das autoridades, envolvendo ações do Ministério da Economia, do Banco Central (BC) e dos bancos públicos. Numa situação emergencial como essa, são necessárias medidas extraordinárias, que justificam a elevação temporária dos gastos públicos. É preciso evitar a tentação de aumentar despesas de modo permanente, mas esse risco não pode levar a uma atuação tímida. A atividade vai despencar nos próximos meses, comprometendo especialmente a renda de trabalhadores informais e a receita de micro e pequenas empresas.

Nesse cenário, é importante que essas empresas tenham acesso facilitado a capital de giro, para manter o fôlego no período de confinamento. Os bancos públicos podem ter um papel importante na tarefa, num momento em que há o risco de o crédito privado faltar. Caixa, Banco do Brasil e BNDES têm anunciado linhas de crédito para esse fim, mas é crucial que esse dinheiro chegue de fato aos pequenos empresários.

Carlos Pereira - O preço da loucura

- O Estado de S.Paulo

Insanidade de Bolsonaro de ir a manifestação é expressão do presidencialismo plebiscitário

Diante dos últimos comportamentos do presidente Bolsonaro, muitos têm vaticinado que o presidente está louco. Alguns, inclusive, defendem que o Ministério Público peça que uma junta médica avalie a sanidade mental de Bolsonaro para saber se ele de fato teria condições para exercício do cargo de presidente da República.

Ter conclamado e participado de manifestação contra o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal em plena pandemia do novo coronavírus e ainda sob suspeita de estar contaminado, colocando em risco os demais participantes da manifestação, seria um sinal de perturbação mental ou, pelo menos, de enorme irresponsabilidade.

Existiria cálculo racional nesse comportamento aparentemente insano?

A loucura é um fenômeno muito complexo e multifacetado. A negação da realidade é uma das suas expressões ou sintomas mais comuns. No caso específico do presidente Bolsonaro, sua suposta insanidade nasce da negação da própria política.

Bolsonaro é produto de uma sucessão de eventos inusitados. A conjunção de recessão econômica de graves proporções e exposição visceral a escândalos sucessivos de corrupção gerou, em uma parcela considerável do eleitorado brasileiro, uma espécie de aversão à política. Como se a política “tradicional” fosse necessariamente “suja”.

Antônio Cláudio Mariz de Oliveira - Solução para o desgoverno

- O Estado de S.Paulo

É dever cívico persuadir a sociedade a se mobilizar em reação ao chefe do Executivo

Grande estranheza nos têm causado os tempos presentes, tempos brasileiros, embora o mundo também esteja desconcertante, pelas anomalias de toda natureza que nos oferece diariamente.

As situações inusitadas a que assistimos na atualidade são de vários matizes. Mas pode-se afirmar que as perplexidades de maior intensidade são as advindas dos setores governamentais e da reação de parte da sociedade em face do quadro político-institucional que se apresenta.

Pessoalmente, entendo que os erros e as omissões na gestão da coisa pública, bem como a retórica e as falas oficiais, chocam tanto quanto choca a reação de uma parcela dessa mesma sociedade que apoia e aplaude os atuais governantes.

A desarmonia entre a conduta dos que nos governam com aquela que deles se esperaria já é uma verdade indiscutível para boa parte dos cidadãos lúcidos e portadores de bom senso. E parece ser consenso que nada vai mudar. A má gestão decorre da personalidade, do caráter, do modo de ser desses mesmos governantes, que têm como exemplo o titular do Palácio do Planalto. Ele e os demais são como são e assim serão.

Resta-nos resistir, procurando defender as instituições, a democracia e a liberdade, sem nada deles esperar. Eu ouso dizer que para eles o desprezo, pois a nossa energia deve voltar-se para o Brasil.

Por outro lado, incompreensíveis também são os aplausos que os dirigentes recebem de um segmento, embora minoritário, de brasileiros. A incompreensão não é em relação à opção política que fizeram. É da essência da democracia a possibilidade de livre escolha dentro das alternativas que compõem o quadro político-institucional.

Armínio Fraga, Miguel Lago e Rudi Rocha* - Crise coronavírus: prefeituras podem virar o jogo

- O Estado de S.Paulo

Para evitar um caos hospitalar, a semana que se inicia é crucial. O governo federal, os estados e municípios precisam tomar medidas imediatas que possam achatar a curva de contágio

Na última sexta-feira (20/03), o ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta declarou que o período de pico de infecções por covid-19 no Brasil será nos meses de abril, maio e junho. O ministro já admite que ao final de abril nosso sistema de saúde entrará em colapso. Esse cenário se apresenta como ainda mais severo que o vivido pelos italianos. Para evitar um caos hospitalar dessa magnitude, a semana que se inicia é crucial. O governo federal, os estados e municípios precisam tomar medidas imediatas que possam achatar a curva de contágio e organizar o fluxo de atendimento do sistema de saúde.

O impacto da covid-19 em nossos hospitais será tremendo. O Brasil já não tem capacidade hospitalar suficiente para atender o quadro sanitário existente. Persistem em nosso território os desertos sanitários: são ao todo cento e vinte três regiões sanitárias sem nenhum leito em UTI. O aumento de demanda por leitos ocasionado pelo coronavírus agrava essa situação e exigirá um aumento significativo da produção hospitalar. O Instituto de Estudos de Políticas de Saúde (IEPS) estima que cada um por cento de população infectada corresponderá a um bilhão de reais de gastos em hospitalizações adicionais em unidades de tratamento intensivo. Com a declaração do estado de calamidade, o Tesouro está livre para fazer este investimento, sem dúvida de alto retorno social e humanitário.

Existem outras e rápidas medidas que podem contribuir para limitar os danos da pandemia. No topo da lista está o distanciamento social. Evidências demonstram que tal medida é capaz de achatar a curva de contágio da epidemia, o que minimizaria o número de casos graves desatendidos.

David Harvey* - Política anticapitalista em tempos de coronavírus

- Jacobin /Brasil

Ao tentar interpretar, entender e analisar o fluxo diário de notícias, tenho a tendência de localizar o que está acontecendo em dois cenários distintos, mas interligados, de como o capitalismo funciona. O primeiro cenário é um mapeamento das contradições internas da circulação e acumulação de capital, à medida que o valor monetário flui em busca de lucro através dos diferentes “momentos” (como Karl Marx os chama) de produção, realização (consumo), distribuição e reinvestimento. Este é o arranjo da economia capitalista como uma espiral de expansão e crescimento sem fim. Fica mais complicado à medida que é analisado, por exemplo, através das rivalidades geopolíticas, desenvolvimentos geográficos desiguais, instituições financeiras, políticas estatais, reconfigurações tecnológicas e a rede em constante mudança de divisões do trabalho e relações sociais.

Eu imagino esse modelo incorporado, no entanto, em um contexto mais amplo de reprodução social (em lares e comunidades), em uma relação metabólica contínua e em constante evolução com a natureza (incluindo a “segunda natureza” da urbanização e do ambiente) e todas maneira de formações culturais, científicas (baseadas no conhecimento), religiosas e sociais contingentes que as populações normalmente criam no espaço e no tempo. Esses últimos “momentos” incorporam a expressão ativa das vontades, necessidades e desejos humanos, o desejo de conhecimento e significado e a busca pela realização em um cenário de mudanças nos arranjos institucionais, nas disputas políticas, nos confrontos ideológicos, nas perdas, nas derrotas, nas frustrações e alienações, todas elaboradas em um mundo de acentuada diversidade geográfica, cultural, social e política. Esse segundo cenário constitui, por assim dizer, minha compreensão prática do capitalismo global como uma formação social distinta, enquanto o cenário é sobre as contradições dentro do mecanismo econômico que alimenta essa formação social ao longo de certos caminhos dentro da sua evolução histórica e geográfica.

Espiral produtiva
Quando, em 26 de janeiro de 2020, li pela primeira vez sobre o coronavírus ganhando espaço na China, pensei imediatamente nas repercussões para a dinâmica global da acumulação de capital. Eu sabia dos meus estudos sobre o modelo econômico que bloqueios e interrupções na continuidade do fluxo de capital resultariam em desvalorizações e que, se as desvalorizações se tornassem generalizadas e profundas, isso sinalizaria o início de crises. Eu também estava ciente de que a China é a segunda maior economia do mundo e que, na prática, resgatou o capitalismo global no período pós-2007–8. Portanto, qualquer impacto na economia chinesa provavelmente teria sérias conseqüências para uma economia global que já estava em péssima condição.

Pareceu-me que o modelo existente de acumulação de capital já estava com muitos problemas. Movimentos e protesto estavam ocorrendo em quase todos os lugares (de Santiago a Beirute), muitos focados no fato de que o modelo econômico dominante não estava funcionando bem para a maioria da população. Esse modelo neoliberal repousa cada vez mais no capital fictício e em uma vasta expansão na oferta de moeda e na criação de dívida. Entretanto, já está enfrentando o problema da demanda por ser insuficiente para realizar os valores que o capital é capaz de produzir.

O que a mídia pensa – Editoriais

Somos todos responsáveis – Editorial | O Globo

População depende do comprometimento de cada um com posturas conhecidas que levam à contenção da epidemia

A epidemia mundial de coronavírus lembra pestes na Idade Média, pandemias também de doenças respiratórias como a Gripe Espanhola, em 1917/18, e a Sars, mais recente, há 17 anos. Mas nunca houve nada igual, pela velocidade com que o vírus se espalha pelo planeta, representando grave perigo para as populações. Identificado na cidade chinesa de Wuhan, no fim do ano passado, e depois de se espalhar pela Ásia, contaminar a Europa e entrar nas Américas, o coronavírus passou a ser uma das maiores ameaças na História à ordem econômica, social e política. Mesmo que fosse possível sociedades não serem contaminadas, elas seriam atingidas, porque é impossível saírem ilesas de uma recessão mundial como a que está em gestação avançada.

O Brasil, um dos dez maiores PIBs do mundo, sofrerá danos severos. Pelo tamanho da crise que se aproxima e devido às características da epidemia, a questão não é só do governo, do Congresso, dos poderes republicanos. É de responsabilidade de todos. A superação dos grandes e múltiplos problemas que aí estão — na saúde, na economia, no campo social e, por consequência, na política —, e que se agravarão, precisará de uma mobilização e engajamento da sociedade talvez nunca vistos. Não se trata de uma causa política, ideológica. Mas de sobrevivência, em sentido amplo.

A responsabilidade pelo sucesso ou fracasso será de todos. Na entrevista coletiva do Ministério da Saúde concedida no sábado, o secretário-executivo da pasta, João Gabbardo, pediu à população para não esperar o poder público para tomar atitudes. Disse, acertadamente, que como a imprensa há dias dá total prioridade ao noticiário do coronavírus, com repetidas informações práticas de como todos precisam se comportar, cada um deve saber a sua parte. É essencial se recolher, para evitar a retransmissão de um vírus veloz.

Música | Marisa Monte - Hoje eu não saio não

Poesia | Manuel Bandeira - Brisa

Vamos viver no Nordeste, Anarina.
Deixarei aqui meus amigos, meus livros, minhas riquezas, minha vergonha.
Deixaras aqui tua filha, tua avó, teu marido, teu amante.

Aqui faz muito calor.
No Nordeste faz calor também.
Mas lá tem brisa:
Vamos viver de brisa, Anarina.