Medidas atendem primeiro montadoras
Geralda Doca, Martha Beck - O Globo
BRASÍLIA - O governo já tem pronta uma minuta de medida provisória que vai permitir a flexibilização da jornada de trabalho e redução de salários, a fim de evitar uma onda de demissões no ano eleitoral. Com a economia fraca e inflação alta, a geração de empregos é um dos principais trunfos da campanha da presidente Dilma Rousseff. A medida está sendo elaborada para atender as montadoras, que enfrentam queda nas vendas e acúmulo de veículos nos pátios, mas poderá ser adotada por qualquer empresa em outros setores, em momentos de crise.
Batizado de Programa Nacional de Proteção ao Emprego (PPE), a proposta cria uma nova ferramenta no mercado de trabalho em que os empregados poderão ter a jornada reduzida pela metade e receberem no contracheque pouco mais da metade do ordenado, por seis meses. Neste período, o governo divide com os empregadores a conta dos salários, complementando os rendimentos até um determinado teto. Para isso, a ideia é utilizar recursos do FGTS, da receita arrecadada pelo Tesouro Nacional com multa adicional nas demissões sem justa causa ou do patrimônio líquido do Fundo.
— Em linhas gerais, a jornada poderá cair em até 50% , com corte de salário. A empresa paga a metade do ordenado e governo entra com um complemento, que vai variar entre o salário mínimo e teto a ser definido. A principal vantagem é a preservação dos postos de trabalho — explicou um interlocutor.
Possibilidade de perda de salário
Um funcionário que ganha R$ 4 mil, por exemplo, com jornadas diária de oito horas, poderia trabalhar quatro horas. Neste caso, receberia R$ 2 mil do empregador e e um complemento do governo. Por esta fórmula, quanto mais alto for o salário, mais distante ficará a reposição dos 100%. Se o salário for baixo, poderá nem haver perda para o trabalhador.
Além de redução de gastos com a folha, os empregadores serão autorizados a recolher de forma proporcional os encargos trabalhistas. Já os empregados serão encaminhados a cursos de qualificação durante a vigência do modelo.
Na prática, o governo quer ampliar o chamado layoff, modelo já existente e adotado recentemente pela Volkswagen. A diferença é que a suspensão temporária dos contratos, limitada hoje a cinco meses, poderá ser ampliada para seis meses, podendo ser prorrogada por até um ano. E quem banca atualmente as despesas com o bolsa qualificação que o trabalhador tem direito durante o afastamento é o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
O problema é que o FAT está deficitário e necessita de constantes aportes do Tesouro Nacional para honrar seus compromissos com o seguro-desemprego e abono salarial (PIS). Por isso, a alternativa em estudo é usar a verba do FGTS. No ano passado, o FAT teve um déficit de R$ 10,365 bilhões e gastos de R$ 31,9 bilhões com o pagamento do seguro-desemprego. Os gastos com o seguro-desemprego responderam por quase metade das despesas totais do FAT no ano passado, que somaram R$ 63,967 bilhões .
Embora seja uma proposta de consenso e prioritária para a presidente Dilma, o modelo ainda enfrenta resistências internas, sobretudo quanto ao uso dos recursos do FGTS para essa finalidade. Inicialmente, havia intenção de anunciar a medida no 1º de Maio, mas não houve tempo para amarrar todos os detalhes.
Além disso, há uma avaliação de que não se trata de uma mudança trivial. Para implementar a medida, será preciso aprovar a MP, alterando a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e a lei do seguro-desemprego, se o FAT for mantido como fonte de recursos. Também será necessário baixar uma regulamentação para explicitar as novas regras.
Empresas precisam provar crise
Para vencer resistências, a proposta em discussão nas áreas da Fazenda, do Trabalho e da Secretaria-Geral da Presidência da República prevê que as empresas interessadas em adotar o novo modelo comprovem junto ao governo que enfrentam crise financeira, com avaliação setorial do mercado. Além disso, os empregadores precisarão obter o aval do sindicato dos trabalhadores.
Segundo fontes do Conselho Curador, o Tesouro Nacional deixou de repassar ao FGTS R$ 6,6 bilhões (dados até dezembro de 2013), referentes às receitas obtidas com a multa adicional de 10% nas demissões. Mas há um compromisso firmado em portaria do Ministério da Fazenda de repassar esses recursos no futuro, devidamente corrigidos. A verba está sendo retida, porque o FGTS não precisa dela, mas trata-se de um dinheiro carimbado, previsto em lei (Lei Complementar 110/2001), que criou a contribuição para ajudar a pagar os expurgos dos planos econômicos nas contas do FGTS), destacou uma fonte.
Força Sindical é a favor da proposta
A alternativa de usar os recursos do patrimônio líquido do FGTS também é vista com ressalvas por conselheiros do Fundo. Eles alegam que 80% desse resultado é destinado ao FI-FGTS, fundo criado no bojo do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para aplicar em projetos de infraestrutura (ferrovias, portos, energia, aeroportos e rodovias). A proposta, no entanto, conta com o apoio das maiores centrais sindicais: CUT e Força Sindical:
— Precisamos de uma ferramenta que evite demissões — disse um diretor do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, ligado à CUT, que participou do acordo com a Volkswagen.
Nesse acordo, o Sindicato conseguiu assegurar o pagamento do salário líquido dos funcionários, sendo que o FAT vai responder por até R$ 1.304,63 e a empresa pelo restante.
O presidente da Força Sindical, Miguel Torres, disse ser favorável à proposta e defende que o novo modelo possa ser utilizado por qualquer setor da economia. Para o dirigente sindical, o país deveria adotar o sistema da Alemanha, onde foi instituído um fundo para garantir estabilidade do emprego em momentos de crise. Os recursos arrecadados com a multa do FGTS podem ter essa destinação, na sua opinião.
— Acho que é importante, desde que não seja só para beneficiar o setor automotivo, apesar do tamanho da cadeia produtiva e das dificuldades das indústrias de autopeças — destacou Torres