quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Reflexão do dia – Luiz Werneck Vianna

A crise, como tantas vezes analisado, se não poupou os países emergentes, os atingiu em escala bem menos severa, estimulando o experimentalismo e a inovação, que, no caso brasileiro, importou na adoção de políticas anticíclicas de corte keynesiano. Com essa nova conjunção dos fatos no mundo, abriu-se, então, a oportunidade para a retomada de um antigo repertório, o do nacional-desenvolvimentismo de JK e do regime militar, em particular o do governo Geisel.

Para a sua volta triunfante, na verdade, precisava-se de pouco: estavam ao alcance da mão os seus principais instrumentos, como uma tecnocracia estatal de quadros qualificados, as poderosas empresas estatais, encimadas pela Petrobras, um sistema financeiro bem regulado e sob competente vigilância do Banco Central, os bancos estatais, sobretudo o BNDES, que, com o estímulo do governo, transformou-se em um dos maiores bancos de fomento do mundo.

Desde então, a política se converte em um instrumento consciente de consolidação e aprofundamento do capitalismo brasileiro, e deve ser por isso que os analistas japoneses da agência Nomura Securities, ao lado de outras considerações sobre o que deverá ser a economia sob o governo de Dilma, tais como o combate aos juros altos por mais oferta de créditos e medidas administrativas, estimam que o modelo de crescimento econômico chinês estaria em vias de se impor entre nós.


(Luiz Werneck Vianna, no artigo, ‘Alexandre, Confúcio e outros heróis’, Valor Econômico, 29/11/2010)

Juizados especiais :: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

Embora a Polícia Militar tenha agido com rapidez e criado uma ouvidoria para receber as queixas dos moradores da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão, por eventuais abusos de poder durante a operação de retomada daqueles territórios, talvez essa não seja a melhor maneira de endereçar a questão, devido ao histórico de violência que marca a relação daquelas comunidades com as forças policiais.

A operação atual quebrou esse paradigma, mesmo que existam relatos de pessoas que tiveram suas casas ocupadas com violência ou sofreram prejuízos nas ações policiais.

É inegável que tudo indica que a atitude das autoridades não dá margem a que excessos que tenham acontecido possam ser minimizados ou escondidos da população.

Mas, para continuar quebrando paradigmas e fortalecendo a confiança dos cidadãos na atuação das forças militares, talvez fosse preferível que juizados especiais fossem instalados naquelas comunidades.

A vereadora Andrea Gouvêa Vieira, do PSDB do Rio, já havia feito essa sugestão quando a OAB instalou um posto avançado na Vila Cruzeiro, há dois anos.

Os moradores se queixavam da ação truculenta dos policiais e diziam que, para tentar falar alguma coisa contra alguém, no caso em que suas casas eram invadidas e seus objetos, quebrados ou mesmo roubados por policiais, só tinham o vizinho como interlocutor.

A vereadora do PSDB diz que é muito difícil aos moradores dessas áreas acessar o sistema judiciário, e fez uma comparação com a criação dos tribunais especiais nos aeroportos, quando houve o caos aéreo, e que continuam em operação até hoje.

Ela sugeriu à OAB que, para resolver os conflitos ali na Vila Cruzeiro, o melhor seria fazer o mesmo, para que a solução fosse mais ágil, dando mais proteção às comunidades.

Até hoje nada foi feito, e Andrea Gouvêa Vieira acha que este seria o melhor momento para retomar a ideia, para garantir que essa solidariedade entre as forças policiais e a população daquelas localidades não se enfraqueça.

Também Paulo Roberto Mello Cunha, promotor de Justiça há 9 anos, titular do Tribunal do Júri da cidade de São Gonçalo, com especialização em segurança pública e pós-graduação em políticas públicas de Justiça Criminal e segurança pela Universidade Federal Fluminense, reconhece que, desde que o governo do estado começou a implantar uma política de presença constante das forças policiais nas comunidades dominadas pelo tráfico, atendendo ao anseio de vários estudiosos da área da segurança pública, um fenômeno importante vem ocorrendo: a normalização das relações dessas comunidades com o restante da cidade do Rio.

"Sem dúvida, as operações no Complexo da Penha e no Complexo do Alemão tiveram como marcas distintivas a ausência da bravata guerreira que promete mortes e sangue como sucedâneos da segurança pública nas áreas "normais" da cidade", diz o promotor.

Ele destaca que "a preocupação com o atendimento médico de feridos, sejam moradores, policiais, ou mesmo criminosos, trouxe a ideia de que a polícia não é um exército combatente, mas uma instituição que presta um serviço público em prol da sociedade como um todo".

No entanto, ressalta Paulo Roberto Mello Cunha, alguns hábitos permanecem arraigados, citando como exemplo a ausência de mandado judicial para realizar buscas nas residências do Complexo do Alemão e do Complexo da Penha.

Ele acha que a ausência da ordem judicial dificilmente é suprida pela autorização do morador ou pelo estado de flagrante delito.

O problema, lembra ele, é que há várias casas fechadas e abandonadas, para as quais, portanto, não há "morador" a autorizar a entrada da polícia.

Quanto ao "estado de flagrante delito", o promotor destaca que são cerca de 600 bandidos para 30.000 casas, "o que torna a proporção de casas em flagrante delito ínfima".

De fato, diz ele, "é o hábito de tratar aquela comunidade como território além - ou aquém - do ordenamento jurídico soberano do Brasil que faz com que pareça dispensável a participação do Ministério Público e do Poder Judiciário na atuação policial".

Mesmo constatando que a mudança na concepção do que deve ser a segurança pública parece irreversível, "ainda se faz preciso "constitucionalizar" a atuação das forças policiais em toda a sua extensão", ressalta Paulo Roberto Mello Cunha, afirmando que seria essencial que fossem montados "mecanismos de controle in loco da conduta dos agentes", e a utilização de mandados de busca e apreensão, mesmo que coletivos, o que permanece bastante controverso na doutrina e na jurisprudência.

Com isso, ele diz que promotores de Justiça e juízes se aproximariam da realidade e das dificuldades da atuação policial; a eventual responsabilização de quem realiza a busca ou qualquer outra medida seria possível, e a atuação das forças policiais teria respaldo judicial.

Polícia e opinião pública:: Fernando de Barros e Silva

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - Uma grande amiga, pessoa muito inteligente, me pergunta por que intelectuais "progressistas", ou "de esquerda", incluindo aí alguns jornalistas, têm dificuldade de reconhecer o êxito e a importância da operação policial-militar no Complexo do Alemão.

É uma boa provocação. Seria, de fato, uma tolice ignorar que foi dado, com a ocupação do Alemão, um passo importante, inclusive "histórico", contra o crime organizado no Rio.

Tenho, no entanto, muitas dúvidas sobre as motivações reais dessa operação "de guerra" e mais ainda sobre os seus desdobramentos "saneadores" daqui por diante.

A presença militar no morro meses a fio abre caminho para que membros das Forças Armadas sejam cooptados pelo tráfico ou, até mais provável, por milícias. Como se deu na Colômbia, por exemplo.

Mas estamos, os mais céticos, na contramão e em franca minoria.

O problema, minha amiga, é o seguinte: a opinião pública não está dividida entre os que aprovam e os que desaprovam a ação policial. Divide-se entre os que estão eufóricos com a tomada do território e os que, também eufóricos, ainda estão frustrados com a ausência de uma bela pilha de cadáveres para exibir como troféu nos jornais e TVs.

A cobertura da mídia, superlativa e igualmente eufórica, também tem oscilado, em boa medida, entre a "catarse da libertação" e a "sede de justiçamento". Na exibição ostensiva do rosto em close de traficantes capturados pela polícia há um pouco dessas duas coisas, para além do trabalho jornalístico.

As comparações do que se passa no Rio com o Dia D ou o 11 de Setembro sintetizam o delírio épico e a marcha oficialista dos últimos dias.

A Folha de hoje, porém, informa que a própria polícia já investiga desvios de drogas e de armas apreendidos no morro. A suspeita se soma aos relatos de roubos, truculências e até torturas contra moradores durante a revista das casas. Mas isso, como diria Sérgio Cabral, é papo de otário. E de jornalista.

Encarnado:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Provoca espanto, suscita comentários, dá margem a piadas a insistência do presidente Luiz Inácio da Silva em afirmar que não tem ingerência sobre a formação do governo da presidente eleita, Dilma Rousseff, em contraposição ao anúncio de um ministério quase idêntico ao de Lula.

O presidente já emplacou o ministro da Fazenda, a ministra do Planejamento, o chefe da Casa Civil, o secretário-geral da Presidência, o assessor para Assuntos Internacionais, o ministro das Relações Institucionais, o ministro da Defesa.

Abriu caminho para a indicação do secretário estadual do Rio na Saúde e está prestes a emplacar o titular da pasta da Educação; o mesmo Fernando Haddad que tão brilhantemente presidiu os trabalhos das últimas duas edições do Exame Nacional do Ensino Médio.

A cada indicação anunciada e confirmada, Lula menciona um nome aqui e outro ali que gostaria de ver no ministério.

E não há razão para espanto nem para disse-me-disse. No enunciado da questão acertemos de vez: a coerência não é o forte do presidente Lula. Logo, quando ele diz uma coisa e faz outra não é surpresa alguma.

Na realidade parece mesmo é que ele quer acentuar sua ascendência sobre a sucessora fazendo de conta que a verdade é o oposto.

A rigor nem precisaria, já que a campanha eleitoral foi sustentada na simetria de procedimentos. Quando Lula demonstra que influi, nada faz que possa contrariar os eleitores de Dilma Rousseff, pois não por outro motivo votaram nela.

Lula também: não por outra razão, que não a certeza absoluta na fidelidade de Dilma, a escolheu como candidata a sucessora ungida pela vontade de um só e transferida por meios e modos que não cabe aqui discutir à maioria do eleitorado.

Se pretendesse realmente "desencarnar" da Presidência como discursa, Lula não teria tido a necessidade de impor ao PT uma candidata. Teria deixado que o partido escolhesse alguém entre os muitos quadros disponíveis entre parlamentares e governadores.

Uma falácia das boas é a que discorre sobre o deserto de possibilidades de candidaturas. O que não havia no partido era alguém que se encaixasse tão perfeitamente no perfil pretendido por Lula para derrubar a escrita das criaturas que se voltam contra os criadores na política.

Cota é cota. A direção do PMDB deixa patente: Sergio Côrtes na Saúde é crédito na conta do governador Sérgio Cabral.

Indicações partidárias legítimas só as que contemplarem quadros indicados por consenso.

Cenografia. Jader Barbalho fez um gesto político ao renunciar ao mandato de deputado que acaba em dois meses.

Não obstante inócuo. O argumento de que vive uma situação "extravagante" por ter mandato de deputado e ao mesmo tempo ser considerado inelegível para senador é um sofisma.

Em 2006, quando foi eleito deputado, não havia a Lei da Ficha Limpa.

Tampouco é verossímil a versão sobre a manobra para devolver processos que transitam no Supremo à primeira instância porque isso ocorrerá de qualquer modo a partir de fevereiro.

Colateral. O ex-prefeito do Rio Cesar Maia alerta para um problema já ocorrido em morros ocupados pela polícia em outras ocasiões: a população de início apoia, mas com o passar do tempo fica contra porque a ausência do tráfico reduz a circulação de dinheiro, afetando o comércio e o emprego locais.

Tem jeito? Tem: o poder público investir pesado na economia doméstica de cada uma das regiões ocupadas.

A boca pequeníssima corre que em várias favelas onde estão instaladas Unidades de Polícia Pacificadora o tráfico continua funcionando como comércio, embora não mais como meio de dominação do território e da população.

No Twitter. @maryzaidan: "Não se assustem se Dilma anunciar que vai manter Lula na Presidência da República."

Lula 3, a presença :: Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

A presença do presidente Lula no Ministério do governo Dilma Rousseff está sendo maior do que se previa. Ninguém duvidava que a interferência do presidente seria grande, mas começa a passar da conta e das cotas. Até agora, dos indicados e dos em cogitação, só não foi ministro, ou ligado ao governo Lula, o ex-prefeito de Belo Horizonte Fernando Pimentel.

Pimentel é escolha pessoal da presidente, os dois têm uma longa relação de amizade, e está cotado para o Ministério do Desenvolvimento, mas os outros escolhidos têm relação mais estreita com o presidente que está saindo do que com a presidente que está entrando.

A permanência do ministro da Fazenda, Guido Mantega, como ficou público, foi pedido do presidente Lula. Miriam Belchior, quadro do PT do ABC, tem ligações muito mais antigas com o presidente do que com a presidente eleita. O assessor especial, Marco Aurélio Garcia, é o mesmo que conduziu a indigesta política externa, sendo o poder atrás da cadeira de chanceler durante os últimos oito anos.

O ministro Antonio Palocci evidentemente tem ligações históricas com Lula. Durante a formação do governo, em 2002, foi ele quem chamou Dilma para o escritório de transição. Mas depois os dois divergiram publicamente quando ela foi para a Casa Civil. A reaproximação aconteceu durante a campanha, quando ele se tornou uma peça-chave. Mas Palocci é mais ligado a Lula que a Dilma. O mesmo se diga de Paulo Bernardo, que assumirá o Ministério das Comunicações. Na Secretaria-Geral da Presidência estará Gilberto Carvalho, que, como todos sabem, é leal servidor de Lula. O ministro da Defesa, pelo visto, permanecerá sendo o mesmo Nelson Jobim. Ontem, o presidente continuou sua campanha para manter Fernando Haddad na Educação e foi bem explícito: "Não estou satisfeito porque Haddad ainda não foi confirmado." A superdose de lulismo no Ministério está fazendo com que esse governo se pareça um terceiro mandato. Está definitivamente faltando dilmismo no governo Dilma.

O país está cheio de ineditismos. O presidente Lula mesmo faltando 31 dias para sair do governo ainda não se enfraqueceu. Os americanos usam a expressão "pato manco" para um presidente em vias de deixar o cargo, após a eleição do sucessor. No Brasil, a brincadeira que se faz é que no final nem o garçom do Palácio do Planalto serve mais o cafezinho. Um dos fatos inéditos é que Lula preservou sua força mesmo neste finalzinho de governo, e pela nomeação de um ministério com a sua cara, mais do que com a cara da própria presidente, ele extrapola seu mandato. Não pode "desencarnar", para usar uma expressão do próprio presidente, quem faz tanta questão de manter tudo à sua imagem e semelhança no mandato subsequente ao seu.

De novo, até agora só mesmo o avião que o presidente Lula quer comprar para os deslocamentos da presidente. Apesar de ter comprado o AeroLula em 2005, agora está em vias de se iniciar os procedimentos para a compra de outro avião.

Havia duas certezas sobre Dilma: de que ela seria muito influenciada pelo presidente Lula; e de que sua forte personalidade no entanto a faria imprimir sua marca mesmo aceitando a influência do atual presidente. Só a primeira certeza se confirmou até o momento.

E daqui para diante há pouca chance de que isso aconteça, porque ontem começaram as negociações com o PMDB para a indicação dos ministérios do partido. A conversa sintomaticamente foi com o vice-presidente, Michel Temer, e com o ex-presidente José Sarney. Um dos nomes cogitados é o de Edson Lobão para o Ministério das Minas e Energia. Ele foi do governo Lula, aceitou de bom grado o comando da então ministra-chefe da Casa Civil, que continuou mandando no Ministério das Minas e Energia, mas todo mundo sabe qual é a sua primeira lealdade: José Sarney. Para a Saúde, vai um escolhido de Sérgio Cabral, o Sérgio Cortes.
Outro ineditismo é que essa é a primeira vez desde a redemocratização que há um vice-presidente forte. O Sarney não teve vice, porque ele mesmo foi o vice que assumiu. O ex-presidente Collor teve um vice com o qual se desentendeu mas que não teve, a não ser quando Collor estava caindo, força para mobilização de bancadas. O vice do ex-presidente Fernando Henrique foi o discreto, suave, e completamente adaptado à sombra, Marco Maciel. O vice do presidente Lula é um empresário de sucesso, mas um político neófito sem um partido importante a respaldá-lo.

Agora é diferente. Michel Temer fez sua demonstração de força ao organizar o "blocão". Foi uma reação à decisão de Dilma de passar o primeiro dia reunido apenas com petistas. Temer não será um vice apagado como os outros.

É da natureza da cadeira de presidente fortalecer quem se senta nela, por isso a expectativa é que em algum momento a presidente Dilma Rousseff demonstre ter as rédeas de seu próprio governo. Acontecerá ao longo do mandato, mas quando ela reduzir a presença extravagante das pessoas de confiança estrita do presidente Lula em seu governo.

Uma queixa de discriminação:: Rosângela Bittar

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Por mais insensato e contraditório que possa parecer, o PT não está politicamente satisfeito e teme ficar sem representantes no ministério do governo Dilma. Até agora, não teria nenhum, quando vários dos convidados e até anunciados são do partido.

Guido Mantega e Miriam Belchior, os dois principais ministros da área econômica, são do PT. Antonio Palocci, Gilberto Carvalho e Alexandre Padilha, os principais postos com gabinete no Palácio do Planalto, também. Paulo Bernardo (Comunicações), José Eduardo Cardozo (Justiça), Fernando Haddad (Educação), José Sergio Gabrielli (Petrobras), são estrelas do PT. Também são os presidentes de fundos de pensão mais importantes, que continuam sendo os locais de dinheiro nas estruturas do poder. Por onde se olha há petistas em cargos de primeiro, segundo e terceiro escalões.

Mas não é disso que o partido se queixa. Na última reunião do grupo Construindo um Novo Brasil, semana passada, em que se fez um seminário considerado de alto nível por todos, com integrantes do grupo majoritário do Brasil inteiro e ouvintes de todas as tendências, foi feita uma avaliação do governo Luiz Inácio Lula da Silva na economia, na política, no parlamento, nas relações exteriores, um balanço de vitórias e derrotas. Uma conferência de Nelson Barbosa, o secretário de Política Econômica, sobre a crise, encantou o auditório. O partido, no entanto, caiu das nuvens nas conversas entre os grupos, ao fim das conferências, quando se detiveram no ministério Dilma.

O PT notou que seu presidente, José Eduardo Dutra, estava com dificuldades para ser interlocutor dos partidos que nele não confiavam para encaminhar suas propostas de participação no governo Dilma. Era visto como presidente do PT e não como integrante do núcleo de transição de governo, com mandato para ouvir o PMDB, o PSB, o PCdoB, o PR. Os presidentes de partidos falavam com ele mas não entregavam lista de nomes, escondiam o jogo.

A presidente eleita, diante disso, alterou as missões, passando a Antonio Palocci a atribuição de conversar com os partidos e fazer sondagens a ministros. José Eduardo Dutra, como presidente do PT, levaria também as propostas do seu partido a Palocci. Do ponto de vista pessoal, seu futuro ficou decidido: Antônio Carlos Valadares (PSB-SE) será nomeado ministro, numa das vagas do PT, para que Dutra, seu suplente, assuma a cadeira de senador.

A partir desta solução, decidiram formar uma comissão para entregar a Dutra suas indicações.Todos aqueles ministros anunciados, convidados, sondados ou cotados, são escolha pessoal da presidente eleita (caso de Fernando Pimentel), ou imposição do presidente Lula (Guido Mantega e Fernando Haddad), que está interferindo mais do que todos esperavam e previam. Quando confrontado com o exagero, responde, como fez ontem: "Queriam que ela nomeasse a oposição?" Típica e recorrente resposta.

Lula demonstra querer manter posições pessoais estratégicas, embora em algumas não estejam ainda claras suas razões.

Esta semana mesmo fez um dia inteiro de teatro educacional, com uma solenidade atrás da outra para promover o "lobby" da permanência de Fernando Haddad. Mas o Lula precisa disso? Dilma resistia? Incompreensível. A não ser porque, como a área, como a saúde e a segurança, pontuou dezenas de programas eleitorais e promessas de campanha da então candidata Dilma Rousseff, exija melhor justificativa para manter o status. Não o foi, certamente, por excesso de realizações e soluções dos problemas.

O ministério que vem aparecendo aos poucos, inclusive, está pronto desde, no mínimo, agosto, quando já se falava que os agora citados integrariam o governo Dilma. Outra incógnita é por que a presidente eleita está demorando tanto a formalizar indicações que estavam nos gabinetes e na praça há quatro meses.

Nas conversas dos grupos que participaram de seminário no fim de semana, duas questões se destacaram. Uma, foi a escolha do ex-prefeito de Belo Horizonte, Fernando Pimentel, para o cargo de ministro do Desenvolvimento. Desde que Dilma foi designada candidata a presidente, não há dúvidas de que Pimentel seria ministro em um governo seu. A argumentação do partido, entretanto, é que há uma fissura irreconciliável no PT de Minas, e o problema não se resolve com a escolha "do amigo", deixando os seus adversários petistas à margem.

A outra questão é de princípio. Todos os partidos da aliança estão sendo ouvidos ou ainda serão para indicar seus representantes na coalizão de governo. Para os convites aos ministros petistas, o PT não foi ouvido. A discriminação, um recurso de retórica e de disputa política recorrente no discurso do presidente Lula, é a segunda das questões nos debates dos representantes de diferentes correntes que participaram do encontro do CNB: "Há uma discriminação inaceitável, só o PT não se manifesta sobre a formação do governo".

Há duas explicações plausíveis para o choro petista. A primeira é sua inclinação à hegemonia. Por isso, nunca está satisfeito. Outra é algo mais intangível. Partido pensa em voto. Até agora, não é a lógica eleitoral o norte do ministério de Dilma no que diz respeito ao PT. Afinal, Miriam Belchior, Gilberto Carvalho, Guido Mantega, Fernando Haddad não têm votos, não são do ramo como são Jaques Wagner, que quer o Ministério da Integração Nacional, verdadeira máquina eleitoral, ou os petistas que pensam disputar as prefeituras nas eleições de 2012.

Mas se há alguém que está sendo ouvido na montagem do governo Dilma, é o PT de São Paulo. Até agora já emplacou ou está por emplacar, quatro dos quatro ministros do Palácio do Planalto: Antonio Palocci, Alexandre Padilha, Gilberto Carvalho e Marco Aurélio Garcia.

Na equipe econômica, Guido Mantega e Miriam Belchior são confirmados no paulistério. José Eduardo Cardozo e Fernando Haddad, o primeiro com um convite ainda genérico, e o segundo apadrinhado por Lula mas ainda não sacramentado, têm origem bandeirante. Na lista de espera está o irrecusável Aloysio Mercadante, nome constante de todas as bolsas de apostas.


Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

Apoteose da gastança:: Celso Ming

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Ontem, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, fez uma advertência: "Não é inteligente brincar com a inflação." E, no entanto, foi o que o governo fez ao longo de 2010, ao puxar as despesas públicas às raias da irresponsabilidade e, depois, enfeitar as contas.

O relatório do Banco Central sobre o desempenho da política fiscal mostrou ontem o pior resultado em outubro desde 2005. Ainda assim, o superávit primário (que exclui despesas com juros) foi a R$ 9,7 bilhões só porque o governo forçou certos lançamentos, mais ou menos como a Argentina trabalha hoje com os dados de inflação.

A mais clamorosa forçada foi a exclusão dos investimentos da Eletrobrás para arrancar resultados. Alguns leitores pediram que esse assunto fosse mais bem explicado. Por que essa exclusão maquia as contas? Até recentemente, os investimentos das estatais não eram considerados despesas para efeito de elaboração desses cálculos. Fácil entender por quê. Todo superávit é receita menos despesa. Se uma despesa fica artificialmente mais baixa, o superávit aumenta. (A necessidade de fazer superávit tem a função de destinar uma sobra de arrecadação para amortizar a dívida pública.)

E por que os investimentos de empresas estatais não entravam na conta e agora passaram a entrar? É que uma boa parte deles não passava de despesa pura e simples e, em muitos casos, de péssima qualidade. Há quem argumente que investir em petróleo é quase sempre uma coisa boa e, portanto, não deve ser considerado gasto. Não é verdade. Lembram-se da estatal Paulipetro, do então governador Paulo Maluf, que pretendia encontrar petróleo no interior de São Paulo? Até hoje Maluf considera o dinheiro ali enterrado um grande investimento. Mas a gente sabe que não passou de maracutaia, como dizia o então metalúrgico Lula. E, cá entre nós, nem mesmo a Petrobrás investe bem sempre. Quanto à Eletrobrás, todos sabemos que um bom pedaço dos investimentos vem carimbado com suspeição. Qualquer projeto de hidrelétrica começa avaliado em uma fração do seu custo real. É um inchaço quase sempre pouco edificante e, portanto, despesa improdutiva.

É por essas e semelhantes razões que, durante o governo Fernando Henrique, os tais investimentos das estatais foram considerados despesas.

Nos primeiros anos de administração, o governo Lula levou mais a sério o compromisso de criar o superávit primário, que em 2008 e 2009 foi de 3,8% do PIB e, neste, baixará para 3,1% do PIB. Esses dois últimos anos foram de apoteose da gastança, porque o objetivo era azeitar o jogo eleitoral. As despesas do governo cresceram em 2010 nada menos que 17%. E o superávit prometido, de 3,1% do PIB, só será entregue porque o governo fez a mágica já exposta com os resultados da Eletrobrás e usou as receitas da capitalização da Petrobrás para turbinar as contas.

A nova presidente, eleita em boa parte graças ao emprego do lubrificante especial, avisa que vai colocar em marcha um forte ajuste das contas públicas. É o reconhecimento de que os resultados fiscais estão maquiados. Se o superávit primário de 3,1% do PIB fosse verdadeiro, não seria preciso apertar os cintos. Enfim, em 2010, o governo não foi inteligente como sugeriu Coutinho. Brincou com a inflação.

Aí está o desgaste a que os Piigs (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha) estão submetendo o euro.

Equilíbrio ilusório

A dívida líquida está à altura de 40,5% do PIB, número só aparentemente baixo. Quando o Banco Central (BC) compra dólares para suas reservas, emite títulos. Do ponto de vista da dívida líquida, essas emissões não aparecem porque no outro prato da balança há os créditos em dólares. O problema está em que o BC pagará pela dívida juros de quase 11% ao ano, enquanto as reservas não renderão mais que 3%.

Rumo à política do Saci?:: Rolf Kuntz

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Não há como disfarçar. O novo governo terá de cortar severamente os gastos menos produtivos, se não quiser perder o controle das contas públicas e quebrar uma das pernas da estabilidade econômica. As outras duas são o regime de metas de inflação e o câmbio flutuante. Também o sistema de metas não está muito seguro, apesar das promessas da presidente eleita, Dilma Rousseff, e do ministro da Fazenda, Guido Mantega. Se ele tentar, de fato, usar o núcleo da inflação ou qualquer índice expurgado como orientação principal da política, o sistema de contenção de preços irá para o brejo. Sem disciplina fiscal e sem o controle de inflação em vigor desde 1999, a política econômica do Brasil passará a ter como símbolo o Saci, pelo menos até a perna restante ser arrebentada por algum ataque "desenvolvimentista".

Os números divulgados nesta semana confirmam a grave deterioração das contas públicas - perceptível apesar do esforço de maquiagem dos números. O resultado primário do governo central caiu de R$ 26 bilhões em setembro para R$ 7,7 bilhões em outubro, segundo o relatório mensal divulgado na segunda-feira pelo Tesouro.

Em setembro o ganho líquido de R$ 31,9 bilhões proporcionado - magicamente - pela capitalização da Petrobrás permitiu converter um déficit primário de R$ 5,9 bilhões num superávit de R$ 26 bilhões. Sem essa maravilha da contabilidade criativa, os números do mês passado ficaram bem menos brilhantes.

De toda forma, aquela receita mais que extraordinária continuou inflando as contas. Graças a isso, o superávit primário do governo central até outubro chegou a R$ 63,3 bilhões. Apesar do truque, ficou ainda muito distante do valor fixado para o ano, R$ 76,3 bilhões. Se o padrão normal se repetir, dificilmente a diferença de R$ 13 bilhões será coberta no bimestre final.

Ontem, o Banco Central (BC) divulgou as contas de todo o setor público. Nessas contas, o resultado primário é calculado não pela diferença entre receitas e despesas não financeiras, mas pela necessidade de financiamento. Por essa fórmula, o superávit primário do governo central ficou em R$ 7,2 bilhões.

O resultado consolidado do setor público - incluídos os três níveis de governo - chegou a R$ 9,7 bilhões. O acumulado alcançou R$ 86,7 bilhões até outubro e R$ 99,1 bilhões em 12 meses, soma equivalente a 2,8% do Produto Interno Bruto (PIB). À primeira vista, não parece tão difícil chegar neste ano a 3,1% do PIB (a meta de 3,3% foi abandonada depois da exclusão das contas da Eletrobrás). Mas essa impressão é ilusória.

Para avaliar a situação com um mínimo de realismo, é preciso excluir do resultado os R$ 31,9 bilhões proporcionados pela forma de contabilizar a capitalização da Petrobrás, já explicada em vários artigos e reportagens. Esse foi apenas mais um truque. O governo tem recorrido a outros expedientes para dar uma aparência melhor às suas contas. Isso estimulou economistas do setor privado a montar cálculos próprios. Segundo estudo recente do Banco Santander, o resultado primário do governo federal nos 12 meses até setembro - oficialmente, 2,3% do PIB - fica reduzido a 0,6%, quando se eliminam truques contábeis e receitas não fiscais.

O Banco Itaú também elaborou contas próprias, baseadas no conceito do "resultado primário recorrente" - sem o fluxo de receitas atípicas, cada vez maior a partir de 2009. Por esse critério, o resultado primário do setor público nos 12 meses até agosto cai de 2% - dado oficial - para 1,5% do PIB.

O problema não é apenas de precisão contábil. O cuidado com os números é importante para a credibilidade do governo, mas isso não é tudo. O exame crítico das contas não mostra somente a imprecisão ou a tentativa de maquiagem, mas a real e dramática deterioração das finanças públicas.

Essa deterioração é causada pelo descontrolado aumento da gastança, refletido principalmente na expansão das despesas com pessoal e com outros itens de custeio. Neste ano, a folha consumiu, até outubro, 9,4% mais que um ano antes, em termos nominais. Pode parecer um crescimento modesto. Mas de janeiro a outubro de 2009 o gasto com pessoal foi 18,4% maior que o de igual período de 2008, apesar da crise. E o inchaço havia começado vários anos antes.

Receitas extraordinárias - quando não resultam da criatividade contábil - podem ser muito úteis, mas é preciso avaliar as finanças públicas pela evolução dos gastos e receitas propriamente fiscais. Por esse critério, o quadro é muito ruim e a presidente eleita dará uma demonstração de seriedade se pensar no assunto.

O que pensa a mídia

Editoriais dos principais jornais do Brasil
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Tráfico usou serviços públicos para sair com armas do Alemão

DEU EM O GLOBO

Os serviços públicos, como coleta de lixo e obras de saneamento, foram usados por traficantes que conseguiram fugir por galerias pluviais do Complexo do Alemão e também por bandidos que ainda se escondem na favela, de onde tentam retirar armas, munição e drogas. Policiais e militares acharam no lixo, ontem, um fuzil, carregadores e munições para fuzis 762 e 556, a1ém de duas granadas, um sinalizador e um caderno da contabilidade do tráfico. A polícia também descobriu o trecho da galeria pluvial que traficantes usaram, segundo testemunhas, para fugir do Complexo do Alemão. Por essa tubulação, teriam escapado ainda na noite de sábado os chefes do tráfico Fabiano Atanázio da Silva, o FB, e Paulo Roberto de Souza Paz, o Mica. Eles teriam deixado o esconderijo com mais 50 bandidos, todos armados de fuzis, em direção ao Morro do Adeus, que fica bem em frente. De lá, teriam partido para outras comunidades. Como o GLOBO mostrou anteontem, bandidos destruíram a tampa que cobria a rede pluvial na Rua Joaquim de Queiroz, escapando por baixo da Estrada do Itararé, onde forças de segurança se preparavam para o que se temia ser um banho de sangue. E assim, tal como a Batalha do Itararé paulista, na Revolução de 30, a do Alemão também não houve.

Os subterrâneos do crime

Polícia encontra trecho de galeria pluvial que traficantes teriam usado para fugir do Alemão

Ana Cláudia Costa


Policiais encontraram ontem o trecho da galeria de águas pluviais que traficantes podem ter usado para fugir do Complexo do Alemão. Por essa tubulação, segundo informações de moradores, escaparam, ainda na noite de sábado, os traficantes Fabiano Atanázio da Silva, o FB, e Paulo Roberto de Souza Paz, o Mica. Eles teriam deixado o morro com mais 50 bandidos, todos armados de fuzis, em direção ao Morro do Adeus, que fica bem frente. De lá, teriam partido para outras comunidades. Como O GLOBO mostrou, na última segunda-feira, bandidos destruíram a tampa que cobria a rede pluvial em outro ponto na Rua Joaquim de Queiroz, por onde também poderiam ter escapado.

Só na manhã de ontem, policiais encontraram a provável rota de fuga dos criminosos. A galeria da Joaquim de Queiroz tem ligação com a Rua Arará, no Morro do Adeus. Esse percurso passa por baixo da Estrada do Itararé, onde, na noite de sábado, havia blindados e centenas de policiais e militares do Exército. Em alguns trechos, a galeria tem dois metros de altura por dois de largura. O Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) recebeu, de moradores, informações de que, por essa rede, os bandidos chegariam até o bairro do Engenho da Rainha, a dois quilômetros de distância.

A saída em massa de bandidos na noite de sábado aconteceu, segundo testemunhas, no momento em que começou um grande confronto, com tiros vindos do alto do morro, por volta das 22h30m. Esse tiroteio ocorreu, de acordo com denúncias, para desviar a atenção da polícia e dos homens do Exército.

Polícia investiga outra rota pela mata

A provável rota de fuga começa num buraco que dá acesso à rede pluvial na Joaquim de Queiroz, na Favela da Grota. De lá, os bandidos teriam chegado à parte de trás de uma creche na Estrada do Itararé. Nesse local, a quadrilha teria arrebentado uma grade e entrado em outro buraco para chegar à rede, seguindo até a Rua Arará.

Nessa rua, os criminosos que faziam a segurança dos chefes do tráfico teriam saído por um primeiro buraco, para dar proteção aos cúmplices que usariam outra passagem, aberta mais à frente na rede pluvial. Nessa fuga, eles teriam percorrido quase um quilômetro. A polícia agora investiga se funcionários do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) foram obrigados a construir galerias pluviais mais largas por ordem do tráfico.

Uma outra rota de fuga, segundo a polícia, seria pela mata, no alto do Morro da Fazendinha. Desse local, os traficantes, ainda pela área verde, teriam chegado ao Morro do Juramentinho, em Inhaúma, tendo acesso à Avenida Pastor Martin Luther King Jr. Várias ligações e denúncias de moradores à polícia dão conta de que traficantes chegaram a essas favelas ainda na noite de sábado.

Ontem, o secretário municipal de Habitação, Jorge Bittar, disse que as galerias que teriam sido usadas pelos traficantes foram projetadas para atender à necessidade de escoamento das águas das chuvas no Complexo do Alemão. Ele acrescentou que engenheiros da prefeitura fiscalizam permanentemente as obras e afastou a possibilidade de que acréscimos ou modificações tenham sido feitos por ordem de bandidos:

- As galerias têm dimensões diferenciadas conforme as necessidades de cada trecho. E existem também pontos de visitação, que permitem o acesso às galerias. Eles são necessários para permitir que as redes sejam limpas, para não serem obstruídas por lixo.

Em Niterói, um foragido do Complexo do Alemão foi preso ontem. Daniel Luiz Soares, o Daniel Papai, de 29 anos, suspeito de ser o chefe do tráfico na Favela de Manguinhos, teria fugido do Morro da Fazendinha um dia antes de começar a ocupação. A Polícia Civil informou que o criminoso estava escondido no bairro Maria Paula. Baleado numa troca de tiros com policiais ao tentar fugir, ele foi levado para o Hospital Azevedo Lima e não corre risco de vida.

Para tentar impedir que os fugitivos do Alemão e da Vila Cruzeiro cheguem ao Nordeste, as polícias de estados da região começaram a se mobilizar. As principais rodovias federais que cortam Pernambuco ganharam ontem bloqueios da Polícia Militar, principalmente em pontos de municípios que fazem limite com estados vizinhos, como Bahia e Alagoas. No fim da década passada, vários traficantes do Rio foram presos em Pernambuco. Em 1998, foi capturado em Recife o traficante José Roberto da Silva Filho, o Robertinho de Lucas, que era muito ligado a Marcinho VP.

A Polícia Rodoviária Federal também realiza, desde segunda-feira, blitzes nas divisas da Bahia com os estados de Minas Gerais e Espírito Santo. O objetivo é dificultar uma possível debandada de traficantes do Rio para a Bahia. De acordo com o chefe da Seção de Policiamento e Fiscalização da PRF, inspetor Virgílio Tourinho, 98 policiais estão envolvidos na ação. Entretanto, é possível que, a partir de hoje, as vistorias sejam reforçadas com policiais militares.

Colaboraram: Luiz Ernesto Magalhães, Larissa Oliveira (da Agência A Tarde) e Letícia Lins (de Recife)

Aécio retoma agenda com discurso conciliador no PSDB

DEU NO VALOR ECONÔMICO

César Felício De Belo Horizonte

O senador eleito Aécio Neves (PSDB-MG) retomou ontem a sua agenda pública pedindo a revisão do programa do partido, mas se esquivando de comentar a disputa pelo comando da sigla, verbalizada nos últimos dias por aliados seus e pelos do ex-governador José Serra, candidato derrotado à Presidência nas eleições de 2002 e 2010. "Não existe essa disputa entre Estados. Isso é uma grande bobagem na cabeça de uma ou outra figura de menor expressão", afirmou Aécio.

O tucano ficou fora de cena por três semanas, passadas em sua maior parte no exterior. Aécio retomou o seu escritório político na Avenida Afonso Pena, na região central de Belo Horizonte, mas não é certo que permaneça neste endereço depois de assumir o mandato, no próximo ano. O senador eleito havia mencionado logo após as eleições que pretendia visitar governadores e outros senadores para preparar um pacote de propostas que apresentaria logo ao assumir sua cadeira no Senado, mas seus primeiros compromissos deverão ter caráter eminentemente regional: Aécio estuda, por exemplo, comparecer amanhã à inauguração de uma associação de municípios em Montes Claros, no norte do Estado.

Ontem, Aécio estava na inauguração do "Memorial Minas Gerais", um museu a ser mantido pela Vale, instalado em um prédio histórico na Praça da Liberdade. Aécio foi recebido pelo presidente da Vale, Roger Agnelli e fez um discurso em que se declarou "nostálgico" dos sete anos e três meses em que foi governador do Estado.

O tucano se esforçou em não se colocar em rota de colisão com Serra, sem se comprometer com eventuais projetos do paulista.

"Tivemos um candidato que fez o esforço possível para vencer as eleições. Agora é hora de atualizarmos o nosso programa. Nós somos um conjunto e só a unidade desse conjunto vai nos levar a uma vitória futura. É hora de planejarmos o nosso futuros governos estaduais. Minas vai continuar sendo, como foi nos últimos oito anos, uma grande referência", disse, para garantir em seguida não ter ocorrido nenhuma conversa sobre a direção da sigla, que renova sua presidência no primeiro semestre do próximo ano. Aliados de Serra tem se movimentado para que o candidato derrotado assuma a função, contra a vontade de aliados de Aécio.

"Essas coisas caminharão com absoluta naturalidade. O PSDB tem quadros extraordinários. José Serra é um desses quadros Enganam-se aqueles que duvidam de nossa unidade. Estaremos juntos porque acima de quaisquer interesses pessoais que um ou outro possa ter, prevalecerá sempre o interesse do país e o interesse do país passa pela unidade do PSDB", afirmou.

Aécio retorna e nega crise

DEU NO ESTADO DE MINAS

De volta a Minas depois de um descanso pós-eleição, senador eleito diz que o PSDB não está dividido e que é hora de mostrar unidade para fortalecer os governadores da legenda

Amanda Almeida

O senador eleito Aécio Neves (PSDB) negou ontem que os tucanos estejam enfrentando crise interna entre as lideranças paulistas e mineiras do partido. “Enganam-se aqueles que duvidam da nossa unidade. Estaremos juntos porque, acima de quaisquer interesses pessoais que um ou outro possa ter, prevalece sempre o interesse do país e isso passa pela unidade do PSDB”, disse. Na semana passada, o presidente do partido em Minas, Nárcio Rodrigues, trocou farpas pela mídia com o presidente do PSDB de São Paulo, José Henrique Reis Lobo. Aécio voltou a aparecer em público ontem, ao lado do governador Antonio Anastasia, na inauguração do Memorial Minas Gerais – Vale, na Praça da Liberdade, Zona Sul de Belo Horizonte, depois de passar três semanas descansando das eleições.

O estranhamento entre os líderes do PSDB dos dois estados esquentou na semana passada, quando Reis Lobo, em entrevista, citou Aécio como “uma das lideranças que emergiram das urnas” e criticou a tese de “refundação do partido” defendida pelo ex-governador. Em resposta, Nárcio disse que os paulistas “vão ter que engolir” a participação dos mineiros nas decisões da legenda e que Aécio deve ser o próximo candidato à Presidência da República.

Apesar das farpas, segundo Aécio, não existe disputa pelo poder entre os tucanos mineiros e paulistas. “Isso é uma grande bobagem. É coisa da cabeça de uma ou outra figura de menor expressão. Somos um conjunto e só uma unidade desse conjunto nos levará a uma vitória no futuro”, afirmou.

Antes de Aécio, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o presidente nacional do PSDB, Sérgio Guerra, já tentaram colocar um ponto final no racha entre paulistas e mineiros. Na última semana, FHC declarou que, por ele, o próximo candidato à Presidência do partido poderia ser “mineiro, cearense, carioca ou paulista”, desde que se respeitasse o “interesse do país”. Já Guerra disse recentemente que falar sobre candidatos a presidente agora “agride o bom senso e beira o ridículo”.

FUTURO
Sobre o próximo presidente nacional do PSDB, que será definido em março, Aécio Neves afirmou que não sabe se o ex-governador de São Paulo José Serra tem a intenção de se candidatar ao cargo, mas disse que estaria entre os melhores nomes. “Não tenho nenhuma conversa com companheiros do partido ainda (sobre o futuro comando do PSDB), mas as coisas caminharão com absoluta tranquilidade. O PSDB tem quadros extraordinários e o Serra é um desses quadros extraordinários”, comentou. Nos bastidores, Serra teria negado a vontade de se tornar presidente para evitar a intensificação do racha entre paulistas e mineiros, já que Aécio também poderia pleitear a vaga.

Para Aécio, depois da derrota no segundo turno da eleição presidencial, o PSDB deve se concentrar em “planejar o futuro” do próprio partido. “Agora é hora de olharmos para frente, atualizarmos o nosso programa e unirmos nossas forças. É hora de fortalecer nossos governos estaduais”, comentou. O senador eleito aproveitou para elogiar seu substituto no Palácio da Liberdade. “Minas vai continuar sendo, como nos últimos anos, uma grande referência na gestão pública de qualidade, porque tem o mais completo gestor público do Brasil a liderá-lo. O (Antonio) Anastasia (PSDB) fará no governo maiores avanços, inclusive que aqueles que eu pude trazer a Minas”, afirmou.

Dilma cita Lula 13 vezes em agenda ao lado do padrinho

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

João Domingos

No primeiro discurso ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva desde que foi eleita, Dilma Rousseff citou o nome de seu padrinho por 13 vezes. Em todas elas, fez um elogio a Lula, que bancou a candidatura, foi o grande cabo eleitoral de Dilma e seu principal eleitor.

O discurso de Dilma foi feito durante a inauguração das duas eclusas na Hidrelétrica de Tucuruí, que permitirá ao Rio Tocantins tornar-ser navegável por um trecho de cerca de 450 quilômetros, entre Marabá, no centro-sul do Pará, e o Porto da Vila do Conde, já nas cercanias de Belém.

Lula, pelo jeito, gostou dos comentários de Dilma. Tanto que, ao fazer o discurso logo depois dela, rasgou elogios a seu próprio governo. Disse que, ao tomar posse, Dilma estará presidindo o País que constrói, no momento, as três maiores hidrelétricas do mundo - Jirau, Santo Antonio e Belo Monte.

Em discurso, presidente diz que é a 'encarnação do povo'

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

De improviso, Lula reconheceu que seus antecessores não tiveram as mesmas condições que ele para governar

Leonencio Nossa

ESTREITO (MA) - A um mês de deixar o Planalto, o presidente Lula revelou ontem que, na crise do mensalão, em 2005, ameaçou o Congresso dizendo-se "a encarnação do povo". Ele aproveitou um discurso de improviso durante visita ao canteiro de obras da usina hidrelétrica de Estreito para relatar encontros privados com o senador José Sarney (PMDB)."Uma vez o Sarney foi conversar comigo e eu disse: Sarney, eu só quero que o senhor diga lá dentro (Congresso Nacional) o seguinte: Se eles (oposição) tentarem dar um passo além da institucionalidade, eles não sabem o que vai acontecer neste País", relatou. "Este País teve presidente que foi embora, presidente que se matou ou foi cassado. Eles vão saber que eu sou diferente. Que não é o Lula que está na Presidência, mas a classe trabalhadora".

Lula confidenciou que tinha "muita dúvida" se teria condições de governar o País. "Este País já tinha criado as condições para o Getúlio Vargas se matar, não deixar o Juscelino assumir e cassou o João Goulart. Eu falei: o que eles vão aprontar comigo? E eles tentaram em 2005. Só que eles não sabiam que este País, pela primeira vez, tinha eleito um presidente que era a encarnação do povo, lá em Brasília."

No discurso atípico, Lula reconheceu que seus antecessores não tiveram as mesmas condições que ele ao assumir o comando do País. "Eu tenho consciência que outros presidentes não tiveram as mesmas condições que eu. O presidente Sarney pegou o Brasil em época de crise. O Fernando Henrique Cardoso, mesmo se quisesse fazer, não poderia, pois o Brasil estava atolado numa dívida com o FMI. Quando você deve, tem até medo de abrir a porta e o cobrador te pegar", disse Lula.

Obra. O presidente observou que a inauguração da obra ficará para o próximo governo. "É a Dilma que virá inaugurar, mas eu tinha que vir para fechar a comporta, pelo menos", disse, lembrando que desmarcou três visitas à obra por causa de problemas nas áreas ambiental e social. Comunidades ribeirinhas denunciam que estão sendo prejudicadas pela construção.

O presidente afirmou que recentemente foi firmado um acordo entre o consórcio Estreito Energia, construtor do projeto, e o movimento de atingidos pelas barragens. Pelo acordo, a empresa se responsabilizará por garantir a realocação das famílias e criar condições para que os pescadores continuem suas atividades.

Dilma terá gestor polêmico na Saúde

DEU EM O GLOBO

Com uma gestão estadual marcada pela polêmica, o ortopedista Sergio Côrtes assumirá o Ministério da Saúde de Dilma na cota do governador Sérgio Cabral (PMDB). Côrtes responde a uma denúncia criminal e a uma ação por improbidade. O PMDB, insatisfeito com o rumo das negociações, quer mais cargos.

Um gestor de marcas e polêmicas

Administrador das UPAs, Côrtes já foi ameaçado de morte e é investigado

Daniel Brunet e Maiá Menezes

Aos 45 anos, o ortopedista Sérgio Luiz Côrtes Silveira deixa marcas fortes e rastros de polêmica em sua gestões. O atual secretário de Saúde de Cabral já sofreu, em dois momentos, ameaças de morte, e tem, contra sua administração à frente da Saúde no estado, uma denúncia criminal e uma ação por improbidade administrativa, feitas pelo Ministério Público Estadual. Sérgio Côrtes foi responsável por implantar as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), vitrine do governo Sérgio Cabral na Saúde, elogiadas pela presidente eleita Dilma Rousseff na campanha eleitoral.

Em seu primeiro ano no governo do Rio, Côrtes contou com escolta 24 horas. A Secretaria de Segurança Pública do Rio descobriu um plano para matar o secretário. O plano teria partido de pessoas insatisfeitas com as mudanças de gestão impostas por ele.

Não foi o primeiro episódio envolvendo riscos à segurança de Côrtes: um ano depois de assumir a direção do Instituto de Traumato-Ortopedia, em 2002, ele teve seu gabinete invadido. Houve ainda duas suspeitas de bomba no Into. Ao assumir a direção, ele decidira fazer auditorias em contratos de prestação de serviço e também teria começado a receber ameaças de morte.

O futuro ministro foi também interventor em seis hospitais do Rio de Janeiro - quatro federais e dois municipais - em 2005. A intervenção, decretada pelo governo federal com argumentação de que o setor enfrentava calamidade pública, transferiu para o governo federal toda a gestão municipal.

Uma das principais marcas do trabalho de Côrtes no Rio - a terceirização da mão de obra na Saúde - encontra forte resistência entre lideranças do setor. Além disso, o modelo de gestão é alvo de investigações: uma delas fez o ex-subsecretário de Côrtes César Romero Vianna Júnior virar réu em processo na 4ª Vara de Fazenda Pública.

Romero foi responsável por um contrato, feito em 2009, com a Toesa Service, para manutenção de ambulâncias, que causou prejuízo de R$2,6 milhões ao estado, segundo o MP. E a relação entre os dois é muito mais do que institucional: um documento apreendido pela Justiça, no último dia 10, mostra que Cesar Romero é o representante legal de Sérgio Côrtes. A procuração, em nome do novo ministro, com data de 20 de agosto de 2009, foi apreendida na casa de Cesar, na Lagoa. Na maioria dos contratos para terceirização de serviços na saúde, era Romero - exonerado em maio, após o escândalo vir à tona - quem assinava pela secretaria e, por isso, ele responde a essa ação civil pública.

A procuração dá ao ex-subsecretário de Saúde acesso às finanças de Sérgio Côrtes. Ele está autorizado a endossar e receber cheques em nome do secretário, por termo ou alvará, junto à Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil ou qualquer outra instituição. Romero também tem poder para representar Côrtes extrajudicialmente em qualquer órgão público ou privado. O documento também permite que Romero, réu em processo da 4ª Vara de Fazenda Pública tenha, em nome do secretário, "amplos, gerais e ilimitados poderes" em uma investigação da Delegacia Fazendária da Polícia Federal, na qual Côrtes está envolvido.

Na esfera criminal, o MP denunciou, neste mês, uma compra de 22,4 milhões de unidades de gaze, feita pela secretaria junto à empresa Barrier. Os produtos, de acordo com o MP, tinham valor 84% superior ao do mercado.

Côrtes - junto com outros gestores - é investigado por peculato, que teria sido praticado na época em que dirigiu o Into. A investigação é sobre a reforma e recuperação do Hospital Anchieta, no Caju, e se desdobrou em processo que tramita na 4 ª Vara Federal Criminal.

O presidente do Conselho Nacional de Saúde, Francisco Batista Júnior, deixa claro seu receio com a escolha de Côrtes:

- Se for para repetir o que fez no Rio, a expectativa é a pior possível. Prevalece a cultura da soberania do setor privado - diz Batista.

O vice-governador Luiz Fernando Pezão, presente na reunião com Dilma, comemorou:

- Acho extraordinária. O Sérgio inseriu a saúde do Rio em uma discussão nacional. Ele vai ser um cara fundamental para a gente. Vejo com uma esperança tremenda, como um presente para o Rio.

Para o presidente do sindicato dos Médicos do Rio, Jorge Darze, a escolha de Côrtes é um ônus político para o novo governo federal:

- Se a presidente está nomeando um secretário cuja gestão está investigada ela terá que arcar com esse ônus. Além disso, presidente eleita fez questão de deixar claro, na campanha, que ela não abria mão, que era contra privatização. É uma situação paradoxal essa escolha.

O governador Sérgio Cabral disse que a ida de seu secretário para o Ministério é uma honra.

- Foi feito um convite por mim em nome da presidente eleita e ele aceitou. Agora, ele terá que conversar com a presidente - disse.

Côrtes foi procurado, mas sua assessoria informou que ele estava com a agenda lotada e não poderia atender O GLOBO.

Colaborou: Renata Leite.

Setores da saúde veem em Côrtes 'viés' privatista e temem pelo SUS

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Receio é de que ele transforme o modelo de parceria público-privada adotado no Rio num movimento nacional

Lígia Formenti / BRASÍLIA

Mais do que a frustração de petistas que cobiçavam o cargo, a indicação do secretário de Saúde do Rio, Sérgio Côrtes, para ministro do setor no governo Dilma provocou inquietação de integrantes do movimento sanitário do País.

Pai de uma das bandeiras de campanha da presidente eleita na área de saúde, as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), Côrtes é visto como defensor da ampliação da participação do setor privado na saúde pública - algo considerado por grupos mais tradicionais como um ataque ao Sistema Único de Saúde (SUS).

O receio desses setores é de que o futuro ministro transforme num movimento nacional o modelo de parceria público-privada na saúde que, no Rio, conta com as organizações sociais.

Côrtes, que já foi interventor na Saúde do Rio durante a gestão do ministro petista Humberto Costa - primeiro ocupante da pasta no governo Lula - e diretor do Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into), ao assumir a secretaria do Rio não economizou críticas ao sistema de funcionamento dos hospitais.

Para ele, a melhor forma de profissionalizar e garantir qualidade no atendimento era alterar a forma de gestão. Substituiu laboratórios de hospitais pelo serviço de empresas contratadas. Tentou, a exemplo de outros secretários, reduzir as cooperativas. Mas não conseguiu.

Além de considerarem exagerada a defesa pela terceirização da saúde, sanitaristas desprezam a proposta das UPAs criada por Côrtes e encampada por Dilma. A ênfase no atendimento de urgência, afirmam, é uma medida que está longe de resolver problemas. Em termos de custo-benefício, o ideal seria investir pesado na assistência básica.

Para petistas, Côrtes representa mais do que uma simples ameaça de terceirização do sistema de saúde. O grupo, que teve de abrir mão do comando da pasta para o PMDB ainda no primeiro mandato de Lula, nunca mais conseguiu reaver a área.

Saúde não mata fome do PMDB

DEU EM O GLOBO

Na cota de Cabral, Dilma escolhe Côrtes, mas partido não se entende sobre outras indicações

Gerson Camarotti e Maria Lima

A presidente eleita, Dilma Rousseff, amanheceu ontem com o seu principal aliado, o PMDB, insatisfeito com o rumo das negociações para a composição de seu Ministério. No centro de mais uma crise que se avizinhava entre peemedebistas, Dilma e o PT estão dois personagens políticos do Rio: o governador Sérgio Cabral, que fechou a indicação de seu secretário Sérgio Côrtes como novo ministro da Saúde, e o ex-governador Moreira Franco, que pretende ser o novo ministro das Cidades, com o apoio do vice-presidente eleito, Michel Temer. Moreira teria sido vetado por Cabral e não tem apoio integral da bancada do partido.

Ontem cedo, Dilma recebeu, em audiências separadas na Granja do Torto, integrantes da cúpula do PMDB. Ciente da divisão interna, pediu que o partido aliado entre num entendimento para que ela possa nomear os aliados. Dilma avisou aos peemedebistas que acertou com Cabral a indicação de Côrtes e que não teria problemas para nomear Moreira. Só que, para isso, ela quer a garantia de votos da bancada do PMDB.

Dilma oferece Cidades ao aliado

Dilma comunicou também ao partido que decidiu nomear o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, para o Ministério das Comunicações, como antecipou O GLOBO semana passada. Além disso, vai transferir o Ministério da Integração Nacional para o PSB. Essas duas pastas são atualmente da cota do PMDB. Como compensação, os peemedebistas terão o Ministério das Cidades, que sai das mãos do PP, e uma outra pasta, que pode ser Turismo ou Portos. A legenda vai manter ainda os ministérios da Agricultura e de Minas e Energia.

Dilma recebeu Temer na Granja e, depois, reuniu-se com o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), e o líder da bancada, senador Renan Calheiros (PMDB-AL). A Temer, Dilma disse que fechara a indicação de Cortês para a Saúde e que não havia veto ao nome de Moreira.

Com Sarney e Renan, o nome do senador Edison Lobão (PMDB-MA) foi confirmado para Minas e Energia. A bancada do Senado ainda indicará um segundo nome para o primeiro escalão: os mais cotados são os senadores eleitos Eduardo Braga (AM) e Eunício Oliveira (CE).

Hoje, a bancada do PMDB da Câmara fará uma reunião para analisar as indicações. O grande problema é que há forte resistência ao nome de Moreira entre os deputados peemedebistas. O nome do ministro da Agricultura, Wagner Rossi - outro apadrinhado de Temer - tem boa aceitação entre os peemedebistas.

O grande problema é que Temer tenta emplacar Moreira também na sua cota pessoal, sem o respaldo da bancada. Mas Dilma sinalizou que não haveria espaço para mais um ministério peemedebista e que Moreira teria que se encaixar numa das duas vagas da Câmara. Nesse caso, Temer teria que sacrificar Rossi.

Nas conversas de ontem, Dilma sinalizou que deseja resolver logo essa equação com o PMDB. Para isso, escalou ontem o deputado Antonio Palocci (PT-SP) para conversar com o líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN). Também ontem à noite, estava agendada uma reunião de Temer com a cúpula do Senado para unificar o discurso do PMDB.

Além disso, há desconforto na equipe de transição com a interferência do vice-líder do PMDB, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) nas negociações. Ele é apontado como o mentor da criação do blocão de cinco partidos com 202 deputados, para se contrapor ao PT e forçar negociações com o governo.

No Planalto, o blocão foi visto como uma espécie de "faca no pescoço" de Dilma. Temer já percebeu a contrariedade da presidente eleita com a desenvoltura de Cunha, e agora tenta se afastar dele.

Nome forte para presidir Correios

Com a confirmação do ministro de Paulo Bernardo para a pasta das Comunicações, o nome mais cotado para comandar os Correios é o de Nelson Luiz Oliveira de Freitas. Diretor de Recursos Humanos da estatal, é homem de confiança do ministro, de quem recebeu em meados deste ano a missão de elaborar um diagnóstico sobre os problemas na empresa; foi uma espécie de intervenção branca, após o escândalo envolvendo a ex-ministra da Casa Civil, Erenice Guerra e seus apadrinhados nos Correios.

O trabalho de Freitas será apresentado à equipe de transição nos próximos dias. Dilma está determinada a acabar com o loteamento político dos Correios e reorganizar a empresa, que além de foco de denúncias de corrupção, perdeu eficiência nos últimos anos. A empresa é alvo de escândalos desde o primeiro mandato do presidente Lula. A estatal tem 108 mil funcionários e 12 mil agências no país. O faturamento anual gira em torno de R$13 bilhões.

Colaborou: Geralda Doca

Lula 'nomeia' Izabella para Meio Ambiente

DEU EM O GLOBO

Outras três petistas são indicadas para o governo

Eliane Oliveira e Jailton de Carvalho

BRASÍLIA. A equipe de transição da presidente eleita, Dilma Rousseff, começou a discutir ontem nomes de mulheres do PT para assumir, pelo menos, três pastas de primeiro escalão a partir de janeiro: Pesca, Secretaria das Mulheres e Direitos Humanos. Mas, a considerar sinalização dada ontem pelo presidente Lula, sua sucessora terá outra mulher petista no seu Ministério. Em discurso no Maranhão, Lula se antecipou e sugeriu que a atual ministra de Meio Ambiente, Izabella Teixeira, que sucedeu a Carlos Minc no cargo, continuará no governo.

Durante visita às obras da Hidrelétrica de Estreito, no Maranhão, ao desenvolver um raciocínio sobre a tese de que o "Brasil será o celeiro do mundo", Lula afirmou:

- Portanto, a gente vai produzir cada vez mais, em menos quantidade de terra. Portanto, a gente vai preservar o meio ambiente e produzir muito mais. E a Izabella será a companheira, a parceira disso (...).

Dilma, que já acatou várias sugestões de Lula para sua equipe, ainda não decidiu sobre o Meio Ambiente. Mas o nome de Izabella não é consensual no PT.

A senadora Ideli Salvatti (SC), em fim de mandato, retomou ontem as negociações com os coordenadores de Dilma na equipe de transição. Ela foi cotada para a Secretaria de Mulheres, mas deverá ser indicada para o Ministério da Pesca. A deputada Maria do Rosário (PT-RS) deve ficar com a Secretaria Nacional de Direitos Humanos.

Moreira ataca cúpula da transição e diz que Temer está sendo 'esvaziado'

DEU EM O GLOBO

Ex-governador diz que unidade construída na campanha está sendo "dilacerada"

Maria Lima

BRASÍLIA. Escolhido pelo vice presidente eleito, Michel Temer (PMDB-SP), como indicação de sua cota pessoal para o Ministério das Cidades, o vice presidente da Caixa e ex-governador do Rio, Moreira Franco, está no centro das disputas entre os partidos aliados, e também na bancada do PMDB na Câmara, que gostaria de indicar outro nome para a pasta. Sentindo-se ameaçado com as resistências internas, ele criticou o comando das articulações da transição, disse que Temer está sendo esvaziado e que a unidade do partido que deu a vitória à presidente eleita, Dilma Rousseff, está ameaçada.

Moreira criticou especialmente o fato de Dilma, o futuro ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, e o presidente do PT, José Eduardo Dutra, terem se reunido ontem separadamente com Temer, para discutir nomes da Câmara, e depois com os senadores José Sarney e Renan Calheiros, do PMDB, para negociar os indicados do Senado.

O vice-presidente da Caixa negou que tenha havido, junto a Dilma, um veto a seu nome por parte do governador do Rio, Sérgio Cabral. O governador negociou, sem consultar o partido, o nome de seu secretário Sérgio Côrtes para o Ministério da Saúde.

- O problema não é ter dois ministérios do Rio (ele próprio e Côrtes). No atual governo, tem oito do Rio, sendo três só do PT. O problema é o processo de encaminhamento. O Michel está sendo esvaziado. Como não se define nada, o Cabral foi lá ontem, sem consultar ninguém, e acertou o lado dele - explicou.

Na conversa com Cabral, Dilma disse que não haveria problema em nomear Moreira, desde que essa indicação fosse consenso na bancada do PMDB na Câmara. O problema é que os deputados já referendaram outro nome da cota de Temer: o atual ministro da Agricultura, Wagner Rossi. Pelas negociações, Temer só teria direito a indicar um ministro em sua cota pessoal.

- Se ele (Cabral) me vetou foi na rua. Aqui não teve veto nenhum. A (minha) indicação não está condicionada ao consenso na bancada. O problema é a acomodação geral. Não se sabe quantos nem quais ministérios o PMDB terá. Depois do Cabral ter ido lá ontem, hoje foi o Senado. A unidade que se construiu durante a campanha e que levou a vitoria de Dilma, está sendo dilacerada - disse Moreira, de manhã.

Sobre a negociação dura com o comando da transição, especialmente o presidente do PT, José Eduardo Dutra, Moreira reclamou do excesso de exigências dos articuladores:

- Claro, ele (Dutra) está defendendo o dele! Como a imprensa acuou o PMDB de tal forma, falando de fisiologismo, estão cheios de dengos e doces.

Lula se irrita com pergunta do 'Estado' sobre Sarney

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O presidente Lula irritou-se com o repórter Leonencio Nossa, do Estado, quando este lhe perguntou se estava ontem no Maranhão para "agradecer o apoio da oligarquia Sarney". Lula disse ao repórter que ele deveria "fazer psicanálise para diminuir a preconceito".

Lula reage a pergunta sobre oligarquia Sarney

Irritado, presidente acusa repórter do "Estado" de preconceito e diz que acusações contra senador não se sustentam juridicamente

Leonencio Nossa ENVIADO ESPECIAL / ESTREITO (MA)

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva ficou irritado, ontem, em Estreito (MA), com uma pergunta do Estado sobre sua relação com o grupo do senador José Sarney (PMDB-AP) no Maranhão. A reportagem indagou se a visita era uma forma de "agradecer o apoio da oligarquia Sarney" a seu governo. Para Lula, a pergunta foi "preconceituosa".

"Agradeço, agradeço... e a pergunta preconceituosa como esta é grave para quem está há oito anos cobrindo Brasília. Demonstra que você não evoluiu nada. O presidente Sarney é presidente do Senado... preconceito é uma doença. O Senado é uma instituição autônoma diante do Poder Executivo, da mesma forma, o Poder Judiciário. O Sarney colaborou muito para a institucionalidade. E ademais é o seguinte: o Sarney foi eleito pelo Amapá, eu não sei por que o preconceito. Você tem de se tratar, quem sabe fazer uma psicanálise para diminuir o preconceito", disse o presidente ao repórter.

Irritado, Lula ainda citou o palhaço Tiririca, eleito deputado. "Se você tiver de fazer algum protesto vai para o Amapá, porque foi lá que o povo elegeu Sarney. E vai para São Paulo, porque o povo elegeu Tiririca. Na medida em que a pessoa é eleita e toma posse, ela passa a ser uma instituição e tem de ser respeitada", afirmou, dirigindo-se ao repórter.

Durante a resposta de Lula, a governadora Roseana Sarney interveio. "É preconceito contra a mulher. Eu fui eleita governadora do Maranhão para tomar conta do povo", disse. Lula emendou: "Sarney não é meu presidente. Ele é o presidente do Senado deste país. Eu lamento que não tenha tido evolução (da imprensa)."

Apoio. Lula virou aliado fiel de Sarney durante seu mandato de presidente. Em julho de 2009, articulou para que o PT recuasse da decisão de apoiar o afastamento do senador da presidência do Senado, após as revelações, pelo Estado, de envolvimento no escândalo dos atos secretos, e demais irregularidades, dentre elas a fraude na Fundação José Sarney com dinheiro da Petrobrás.

Em entrevista ao Estado em fevereiro, Lula afirmou que defendeu Sarney porque o governo precisava dele no Senado.

"Agora, quem governa é que sabe o tamanho do calo que está no seu pé quando quer aprovar uma coisa no Senado", disse Lula. "Das acusações que vocês (o jornal) fizeram contra o Sarney, nenhuma se sustenta juridicamente e o tempo vai provar. O exercício da democracia não permite que a verdade seja absoluta para um lado e toda negativa para o outro."

Feudo. O clã Sarney domina o Maranhão direta ou indiretamente há 45 anos. O senador elegeu-se governador em 1965. De lá para cá, sua filha Roseana foi três vezes governadora (1994, 1998 e 2010).

Quando longe do Palácio dos Leões, sede do Executivo local, a família Sarney foi representada por aliados. Entre 2002 e 2005, o cargo foi ocupado por José Reinaldo Tavares, ex-ministro dos Transportes no governo Sarney.

Dilma dá Integração para o Nordeste

DEU EM O GLOBO

Pasta deve ir para o PSB de Pernambuco, mas aliados da região querem mais

Maria Lima e Gerson Camarotti

BRASÍLIA. Para conter um início de rebelião dos seus aliados nordestinos com a ausência, até agora, de um nome da região para o primeiro escalão do governo, a presidente eleita, Dilma Rousseff, definiu ontem as cotas de indicações das regiões Norte e Nordeste. Após muita disputa entre os partidos aliados, Dilma avisou que o Ministério da Integração Nacional irá para o PSB. O nome mais forte é o do ex-prefeito de Petrolina Fernando Bezerra Coelho, apadrinhado do governador Eduardo Campos (PSB-PE). O governador da Bahia, o petista Jaques Wagner, também desejava a vaga.

Apesar de Dilma ter obtido dez milhões de votos a mais do que o tucano José Serra no Nordeste, não havia um só ministro do Norte ou Nordeste confirmado. No PT, as reclamações foram explicitadas por Wagner e pelo governadores de Sergipe, Marcelo Deda, descontentes com o grande número de paulistas confirmados ou anunciados: Antonio Palocci, Guido Mantega, Gilberto Carvalho, Miriam Belchior, além do carioca Sergio Côrtes e do gaúcho Nelson Jobim.

Em reunião ontem cedo com Dilma, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), sacramentou o retorno do senador eleito Edison Lobão (MA) para o Ministério de Minas e Energia. Já para o Ministério dos Transportes, ela deixou claro que gostaria de ter de volta na pasta o senador Alfredo Nascimento (PR-AM), apesar da resistência de outros aliados.

Senador sergipano também cotado para o Ministério

Ainda há pressão para outras indicações nordestinas para o primeiro escalão. Senador eleito pelo Ceará, o deputado Eunicio Oliveira (PMDB), nome também lembrado para o Ministério, disse considerar que, até o final da montagem do governo, Dilma vai contemplar o Nordeste:

- Não fechou ainda. Mas Dilma terá que fazer uma equação Brasil.

O deputado eleito Danilo Forte (PMDB-CE) alertou que o Nordeste não pode perder o espaço conquistado no governo Lula:

- A Federação requer que todos os estados que a constituem sejam representados. Ter ministros nordestinos é uma referência muito importante, até pela discriminação econômica e social que o Nordeste tem buscado superar - disse o ex-presidente da Funasa.

O senador sergipano José Carlos Valadares(PSB) também pode ser alçado ao Ministério de Dilma para que o presidente do PT, José Eduardo Dutra, seu suplente, reforce o time dilmista no Senado.

A Violência na América Latina e a Cultura da Paz:: Dina Lida Kinoshita*

Introdução

Apesar da violência na América Latina ser secular, herança colonial e do passado de escravidão, seguida de políticas imperialistas britânicas e, posteriormente, norte-americanas, neste artigo trata-se de aspectos novos, que esta violência vem adquirindo nos anos mais recentes, fruto da globalização.

A violência na América Latina não ganha o mesmo espaço nos media que os conflitos da Ásia e dos Bálcãs e, em especial, do Oriente Médio, e com certeza, são conflitos de outra natureza, embora o número de vítimas seja comparável ou maior. De forma que, para construir a Cultura da Paz, é preciso entender a natureza dos conflitos de nossa época, que resultam de contradições estruturais e culturais. A globalização cria as melhores condições para um mundo mais justo de paz e liberdade e ao mesmo tempo agrava certos conflitos.

As mudanças que caracterizam a “crise de civilização”[1] são profundas e ocorrem de maneira extremamente rápida e surpreendente. A globalização é um efeito combinado de mudanças tecnológicas, econômicas, políticas e sociais.

Os conflitos atuais são uma mescla de problemas que vem se agravando desde o final da II Guerra Mundial. De modo que o novo mundo é cada vez mais complexo, contraditório e interdependente, exacerbando conflitos em algumas regiões e criando áreas de esperança em outras.[2] Entretanto a complexidade permite construir uma imagem nova da natureza e da sociedade.

O universo concebido como um engenho mecânico é substituído por um organismo vivo, mais imprevisíivel e instável, mas ao mesmo tempo mais aberto e criador.

Por suas especificidades, é possível considerar o período da globalização pós Guerra Fria como uma era separada e paradoxal em que existe maior potencial para as soluções negociadas e pacíficas de conflitos e ao mesmo tempo introduzir instabilidades e incertezas, onde afloram em toda sua crueza, conflitos anteriormente contidos pelos dois grandes blocos. Muitos destes conflitos são acompanhados de uma desumanização em larga escala do inimigo, que podem levar a limpezas étnicas e genocídios, mergulhando regiões inteiras em guerra. Estas características são um sintoma da deterioração dos princípios de sociabilidade.[3]

Os conflitos atuais induzidos pela globalização poderiam ser classificados cartesianamente, em dois tipos: os horizontais e os verticais. Os primeiros estão relacionados com a exacerbação dos deslocamentos sócio-econômicos e assumem a forma de crises causadas pelas mudanças profundas e instáveis nas relações entre capital e trabalho. Os segundos estão relacionados, sobretudo, aos problemas étnicos e raciais e ao fundamentalismo religioso, apesar de aflorarem também os problemas da alteridade tais como os movimentos de feministas, homossexuais, dos idosos etc.

No entanto os conflitos que estão despontando aparecem em geral em formas mistas ou transicionais já que os diversos problemas são altamente correlacionados. Para exemplificar, basta lembrar que os conceitos de Estado e soberania nacional são relativamente recentes e foram gestados nos últimos séculos atingindo seu apogeu nos séculos XIX e XX. Ambos têm ligação estreita com a ascensão capitalista e são produtos das migrações e comunicações de massa. O imaginário de um novo tipo de comunidade – a nação – foi levado às massas através dos media e de seus fundamentos teóricos baseados nas doutrinas e práticas políticas do republicanismo, liberalismo e democracia, desenvolvidos no início da era capitalista. As migrações massivas ocorridas desde os primórdios do capitalismo, mudaram de caráter nos últimos anos.
Por um lado o fluxo dessa migração que no passado se dava da metrópole para a periferia do sistema capitalista, na atualidade, isto se dá ao contrário[4] embora haja uma dissipação generalizada. Por outro, a escala e a velocidade de deslocamento dos modernos mercados dificultam qualquer forma tradicional de assimilação gradual ao novo meio. Ademais, os modernos meios de transporte e de comunicação encorajam os migrantes a se manter em contato com a pátria de forma inimaginável nos séculos anteriores. Assim, se no passado este processo propiciava o surgimento de novas nações que se desligavam da metrópole, nos dias atuais, o aparecimento em massa de milhares de migrantes em comunidades assentadas, acaba produzindo sua própria etnização na medida em que estes carregam consigo hábitos e costumes que se explicitam no vestuário, na alimentação, na religião, na música e nas relações familiares. Estes hábitos e costumes adotados por um grupo de imigrantes, natural e inconscientemente, assumem rapidamente uma diferença drástica muito visível nas diásporas da vida moderna. Desta forma, a miséria e a fome na periferia do sistema, os problemas étnicos e raciais, assim como o fundamentalismo religioso constituem aspectos diferentes do mesmo fenômeno. Por outra parte, com tanta mobilidade populacional é difícil controlar epidemias como a AIDS ou as novas formas de gripe ao passo que o enfraquecimento e ruptura de estruturas tradicionais de controle social dificultam o combate ao terrorismo político e/ou religioso, à narcoeconomia e ao crime e banditismo em geral. Este conjunto de fenômenos leva a uma erosão generalizada da ordem pública e segurança privada, o que também contribui para modificar os papéis tradicionais do Estado.

Os conflitos verticais, de origem étnica e religiosa, mais perigosos se concentram majoritariamente, ao longo de uma faixa que abarca Coréia, Índia, Paquistão, Irã, as ex repúblicas da Ásia Central e do Cáucaso que pertenciam à ex URSS, o Oriente Médio e os Bálcãs. São imensos os interesses estratégicos, econômicos e culturais desta vasta região. Para complicar a situação, há uma disputa entre o Islã com as civilizações mais antigas do hinduismo, judaísmo e cristianismo. Por outra parte, os estados surgidos com a derrocada do Império Otomano e outros impérios islâmicos, enfrentam ao mesmo tempo problemas transcorrentes da modernização de um mundo global e de populações subdivididas em um complexo sistema de minorias, subculturas e grupos de identidade que competem e se superpõem. [5]

Causas da violência na América Latina

Um tema recente que causa muita preocupação na América Latina e exigiria outro artigo é a corrida armamentista. Segundo Marx, a história só se repete como uma farsa e afirmar que a América Latina se transforma em um Continente Sombrio[6] como foi a Europa na primeira metade do século XX é um exagero. Porém não se pode esquecer que apesar de não haver ocorrido nenhuma guerra na América Latina no século XX, há uma série de conflitos adormecidos. Acresça-se a isso uma política de confronto da Venezuela com os EUA em que se chega a realizar exercícios conjuntos no Mar do Caribe com a Rússia. Tampouco falta gente nos altos escalões do poder no Brasil que querem retomar o projeto nuclear, o que daria oportunidade à Argentina para fazer o mesmo uma vez que o MERCOSUL está praticamente roto. Em todas as instâncias internacionais é frequente Argentina e Brasil votarem de maneira distinta. O UNASUÇ por enquanto é um espaço retórico. Na realidade estão se perfilando no Continente dois eixos: um de governos tradicionais com grandes vínculos com os EUA e, outro, de governos populistas autoritários com tintura esquerdista. E todos estão se armando e fortalecendo suas Forças Armadas debilitadas desde o fim das ditaduras militares. .

Mas os conflitos majoritários e a violência na América Latina têm mais características do tipo horizontal.

Modelos periféricos, extrovertidos e dependentes, aplicados em vastas regiões do continente, resultaram em pobreza e sequelas sociais e políticas, tais como violência, guerrilhas, narcoeconomia, migrações desordenadas, perda de auto-suficiência alimentar, poluição das águas etc.[7]

Derrotadas as ditaduras militares houve melhora no que diz respeito às liberdades civis, mas pouco se avançou quanto aos direitos sociais tais como a justiça social, liberdade de movimento e residência, igualdade frente à lei, o direito ao trabalho mediante uma remuneração justa, o direito ao seguro social entre outros será possível avançar. Ao mesmo tempo as sucessivas crises econômicas causam migrações expressivas de contingentes populacionais, estigmatizados dentro ou fora de seu país. Enquanto na Colômbia há enormes deslocamentos internos graças aos interesses da narcoeconomia ou aos enfrentamentos entre exército, paramilitares e guerrilhas, populações excluídas do Peru e da Bolívia vão trabalhar na economia informal do Brasil e da Argentina ou são escravizados em determinados ramos da produção, sobretudo nas confecções. As populações locais, em momento de crise, já os consideram como o “outro”, embora falem o mesmo idioma ou um similar e pratiquem a mesma religião, e da retórica de “nossa América”. É emblemático que os filhos de bolivianos sejam as vitimas preferenciais do “bullyng” nas escolas públicas de São Paulo nas zonas onde residem estes imigrantes. De maneira que a questão da tolerância ao multiculturalismo passa a ser relevante. Portanto a democracia clássica, regime de maioria, deve estabelecer regras para salvaguardar adequadamente as minorias.

A narcoeconomia merece uma atenção especial na medida em que responde em boa medida pela violência rural e urbana e degradação ambiental na América Latina. A partir dos anos 80 esta tem crescido de forma vertiginosa ocupando nos dias atuais o segundo lugar na economia internacional. É interessante notar que o mercado mundial está dominado nos primeiros lugares, respectivamente, pelo comércio da destruição e da contravenção, a saber: o tráfico de armas, a narcoeconomia e o tráfico de seres humanos, principalmente mulheres e crianças. Um agravante neste contexto é o fato de grande parte dos traficantes e usuários da droga sejam jovens que perderam qualquer perspectiva de futuro. Estes são dados objetivos sobre a decomposição que impera no sistema: a divisão internacional do trabalho capitalista tem sido em certos momentos tão perversa que chega ao ponto de especializar certos países na produção de tóxicos, porque afinal existe um mercado internacional para o tráfico de tóxicos. Apesar de o capital financeiro internacional apropriar-se da parte mais expressiva dos lucros, os narco-empresários utilizam a “lavagem de dólares” para reinvestir pelo menos uma parte dos lucros na economia dos países de origem. Na Colômbia, por exemplo, as exportações da droga atingem o triplo do valor do PNB e constituem o eixo da economia deste país. De um modo geral, nos países andinos produtores da droga, os narco-empresários dão uma saída ainda que perversa, às economias combalidas pela crise mundial e aliam-se aos setores mais conservadores da sociedade para barrar as reformas políticas e econômicas reclamadas pelos setores populares.[8] Mas não se pode esquecer que o colapso do “socialismo real” cria condições para um movimento guerrilheiro de caráter político, como as FARC, se envolver com a narcoeconomia e outros métodos criminosos como os sequestros. Por outra parte, no plano internacional, mesmo com o fim da Guerra Fria e do “perigo vermelho”, os EUA reafirmam seus interesses hegemônicos na América Latina. Para justificar esta dominação passam a utilizar, como discurso oficial, o combate ao narcotráfico. Assim, há uma ambigüidade entre os interesses do capital financeiro internacional e o discurso oficial de um dos países hegemônicos detentores deste capital. É a hegemonia do cinismo.[9]

Se os países andinos se especializaram no cultivo da folha de coca e no refino da cocaína e mais recentemente cultivam a papoula e produzem heroína, boa parte do continente latino americano participa da narcoeconomia. O Paraguai é um grande produtor de maconha e é neste país que os traficantes adquirem suas armas de pesado calibre, o que resulta na maioria das vezes na criminalidade mais bem equipada que os próprios exércitos e polícias da região. O Brasil possui milhares de quilômetros de fronteira com os países produtores e funciona como grande centro consumidor e corredor de tráfico para EUA e Europa. Não se pode deixar de mencionar a produção de maconha no “polígono das secas” no Nordeste brasileiro. Porém, a Argentina não está isenta uma vez que o rio Paraná e o estuário do Prata servem de desaguadouro para o tráfico enquanto o Uruguai é especializado como centro de “lavagem de dinheiro”.

Não se pode esquecer as “maras” juvenis centro-americanas e os cartéis de tráfico atuantes no norte do México. Uma crise econômica generalizada, alguns países recém pacificados onde perduraram por muitos anos guerrilhas combatentes de governos muito autoritários, criam um sentimento de impotência e dá impulso, como única escapatória, a uma emigração de grandes contingentes populacionais. Ainda que a Diáspora alivie a tensão social e gere a principal fonte de divisas destes países, esta emigração tem impactos dramáticos sobre o núcleo familiar, deixando jovens sem futuro e entregues a si mesmo. Estes jovens sem perspectiva de vida têm formado “maras” de delinquência juvenil dedicando-se ao crime e sobretudo, a uma guerra cujo único objetivo é destruir as “maras” rivais. Estes jovens não reivindicam temas sociais nem políticos e por sua visibilidade, são os “bodes expiatórios” tanto em seus países como nos EUA. São alvos cotidianos de deportações nos Estados Unidos e os governos centro-americanos acordaram um conjunto de medidas repressivas sem atacar as raízes sociais do problema. Estes fatos criam um alto grau de conflitividade na fronteira sul do México com a América Central não só por utilizar o território mexicano na busca do sonho americano, mas também pelo contrabando de armas, drogas e pessoas. E ao mesmo tempo estes jovens são alvos do crime organizado.[10]

A outra ponta da violência se encontra ao Norte do México, ao longo da fronteira entre os EUA e o México, espaço por excelência dos “coyotes” e dos cartéis da droga, notícias cotidianas dos media. O contexto é muito similar ao colombiano dos anos 90. À medida que a violência vinculada ao narcotráfico no México vem se convertendo em endêmica, a preocupação pela ameaça que representam os cartéis mexicanos vai aumentando em Washington. Tanto o Congresso como a Casa Branca já o consideram um dos principais desafios para a segurança do país.

Nos países andinos a Amazônia tem sido tratada como a porção mais esquecida dos respectivos territórios nacionais. São regiões que não têm sido incorporadas à territorialidade na medida em que o desenvolvimento demográfico se dá nas regiões do litoral ou na região andina, cenários fundamentais de seu desenvolvimento demográfico, social, econômico e político. As Amazônías têm sido uma espécie de retaguarda em muitos aspectos e têm servido para resolver a problemática agrária responsável por um grande desmatamento. Excedentes de populações gerados pela incapacidade da estrutura produtiva de absorvê-los vêm se deslocando para a Amazônia, configurando uma área de colonização marginal, carente de tecnologias adequadas para o meio. É uma colonização feita da pobreza e, em essas condições, afeta, em muitos casos de maneira irrecuperável, muitos dos recursos naturais[11].

Depois de várias tentativas de cultivo de produtos como a seringueira, o milho, a mandioca ou o arroz para os quais não havia subsídios governamentais, a partir dos anos setenta do século passado os camponeses, colonos que migram de outras regiões para a Amazônia, passam a fazer incursões em um cultivo até então desconhecido: a maconha e, com ela, a cadeia dos chamados cultivos ilícitos que modificam as formas de vida, as relações econômicas e culturais da região. Os cultivos ilícitos e, em particular, a coca entram em uma dinâmica ascendente e generalizada nas zonas de colonização da Amazônia colombiana, peruana e boliviana ao longo dos anos 90’s. Para o camponês resulta mais produtivo investir na folha de coca, já que é menos custoso transportar e comercializar a pasta de coca, que nos produtos alternativos.

Nos últimos anos, além da coca, na Colômbia vem sendo plantada também a papoula para produção de heroína. É preciso mencionar que os narcotraficantes colombianos compraram praticamente todas as terras do norte do Equador com o intuito de “lavagem de dólares”. Plantam ali tanto flores para exportação como a papoula. Ao sobrevoar a região é muito difícil distinguir os cultivos lícitos dos ilícitos. Oficialmente, consta que o Equador é um dos grandes exportadores de flores para a Europa e EUA.

Pressionados por muito tempo pelo governo norte-americano, os países da região têm erradicado os cultivos ilícitos de forma violenta, sem dar alternativas concretas às populações camponesas. Em algumas partes da Amazônia a ordem do governo é aspergir os cultivos de coca com produtos como o glifossato, altamente tóxico e cancerígeno. Ao realizá-lo, são atingidos outros cultivos e animais domésticos, agravando a situação econômica dos camponeses colonos. Devido à pouca capacidade de manobra das avionetas empregadas, parte do desfolhante é aspergido sobre áreas de mata virgem, causando sua destruição. Por outro lado, os camponeses perseguidos, vão avançando e abrindo clareiras na mata para novos plantios de cultivos lícitos e ilícitos, o que agrava o desmatamento.

Sem dúvida é preciso enfrentar o flagelo da narcoeconomia que tantos males têm causado ao mundo, mas é inaceitável que isto se faça à custa da violação dos mais elementares direitos. É emblemático que um cocalero tenha sido eleito e reeleito na Bolívia nos últimos anos. É um sinal da falta de opções de parcela majoritária do povo.

Ademais a narcoeconomia já se instalou na parte brasileira da Amazônia, o que conturba mais o panorama da região, com uma possível militarização crescente. Não é preciso ser especialista para constatar que a deficiente infra-estrutura aeroportuária das cidades fronteiriças, as inúmeras vias fluviais e a passagem de fronteiras por terra como a avenida que separa Tabatinga (Brasil) de Letícia (Colômbia), em que não existe nenhum controle, propiciam o tráfico e o contrabando de toda espécie. Por outra parte, não existe “Calha Norte” (projeto dos militares brasileiros de ocupar as fronteiras), nem outra solução militar que obstrua os negócios ilícitos se não houver uma alternativa socioeconômica para estas populações marginalizadas. Os indígenas Ticunas que vivem na fronteira do Brasil com o Peru e a Colômbia, os habitantes ribeirinhos e pescadores e os próprios militares estão implicados em negócios ilícitos uma vez que a remuneração é ordem de magnitude maior que a obtida com as culturas de subsistência ou os soldos militares.

Os setores atrasados do capital interessados em matérias-primas tradicionais, como madeira e minérios, que implicam uma destruição maior da floresta têm sido dominantes na região até o presente. Cabe uma reflexão sobre as conexões do capital atrasado com o capital da contravenção. É muito comum a narcoeconomia ocupar ou aliar-se com as infra-estruturas de contrabando históricas e comuns na região. A título de exemplo, se pode citar os “garimpos” onde a contravenção se instala através da prostituição e do contrabando de ouro. A narcoeconomia passa a coexistir com ambos ou ocupa a infra-estrutura quando o “garimpo” se exaure. Entretanto, o capital obtido por estes setores acaba sendo apropriado pelo capital financeiro internacional, graças às facilidades da “lavagem de dinheiro” proporcionado por um capital desterritorializado, em permanente deslocamento em busca de máxima valorização sem importar-se com a origem do dinheiro.

Se o exemplo das Amazônia é o mais gritante, a situação se repete em vastas regiões do continente e envolve em geral os camponeses pobres, indígenas e negros.

Os cartéis da narcoeconomia constituem a parte mais importante do Crime Organizado na América Latina. As organizações latinas americanas dedicadas ao narcotráfico, se estendem por quase todas as atividades ilícitas conhecidas (sequestro, pirataria, extorsão etc) constituem empresas muito bem sucedidas. Praticamente estão presentes em toda a América Latina e possivelmente estão a estabelecer sucursais na Europa e outras partes do mundo. Utilizam tecnologias de ponta e estratégias de mercado. Um exército de advogados, administradores e outros profissionais estão a seu serviço. Muitas vezes estes profissionais são filhos ou outros familiares dos donos do “negócio” com características de mafiosos e ao mesmo tempo de grandes transnacionais. A narcoeconomia tem construído uma cultura, com uma escala de valores própria, fonte de inspiração para jovens nas sociedades latinos americanas com um tecido social esgarçado, onde a corrupção e o duplo discurso permeiam o empresariado, os políticos, juízes e educadores.

Nos centros urbanos estas organizações criminosas vinculadas à narcoeconomia se instalam nas periferias abandonadas pelo Estado. Organizam a vida social, prestam serviços que deveriam ser da responsabilidade da rede pública e oferecem empregos rentáveis a grandes contingentes de jovens sem perspectiva de obter um emprego regular.

Entretanto as leis draconianas de lealdade que vigem intragrupos e as disputas intergrupais são responsáveis por chacinas cotidianas que ceifam centenas de vidas. Estatísticas policiais de São Paulo e Rio de Janeiro estimam que cerca de 80% dos crimes praticados estão relacionados a esta economia ilícita. Em termos dos grupos comunitários onde age, a narcoeconomia é uma força fragmentadora tanto pela violência que gera como principalmente pelas “formações e vínculos sociais que promove”. Por outra parte, a narcoeconomia vem renovando a disputa de poder e a corrupção, constituindo novas elites, mas também revigorando o poder de elites decadentes com que facilita o trânsito rápido e eficaz entre os corredores da criminalidade e os corredores dos poderes republicanos.[12]

Não se pode criminalizar apenas os camponeses pobres produtores de coca e papoula ou os pequenos traficantes nas zonas urbanas. É preciso implantar políticas públicas integradas para diminuir o consumo de entorpecentes. Não é fácil fazê-lo uma vez que se produzem cada vez mais produtos mais agressivos e mais baratos como o crack, utilizados em larga escala com danos quase imediatos. Sem esquecer as drogas sintéticas produzidas em laboratórios em outras partes do mundo. Os camponeses podem perder sua fonte de renda mas os cartéis se adaptam com muita facilidade para negociar qualquer mercadoria. Portanto é fundamental para enfrentar o Crime Organizado seguir a mobilidade financeira do capital ilícito. É necessário articular as Polícias e as Secretarias da Receita Federal ou órgãos análogos de toda a América Latina para seguir o movimento financeiro para desbaratar as organizações do tráfico de drogas e armas. Para este procedimento de investigação as redes tecnológicas desempenharão um papel fundamental. Esta tarefa também não será possível enquanto o mundo continua tolerando os paraísos fiscais com suas contas secretas.

Esperanças e soluções

Não existe uma solução definitiva para os problemas latino americanos no atual paradigma, só paliativos.

Os cenários para o futuro vão da barbárie até uma sociedade global regida pela cidadania global e por uma federação democrática internacional de nações. De acordo com Marx, o ser humano vai solucionando os problemas com os quais se defronta, visão complementada por Gramsci quando afirma que o “...pessimismo da inteligência pode ser unido a um otimismo da vontade nos políticos realistas...”[13] Urge a instalação de uma Governança Global Democrática visando um futuro comum de paz, justiça social, liberdade e solidariedade para a humanidade com a eliminação dos sentimentos egoístas e xenófobos, dos conflitos econômicos, de uma distribuição de renda perversa entre seres humanos e nações, da intolerância de toda espécie, da criminalidade e do desprezo peã sustentabilidade do meio ambiente. Neste novo paradigma há um reconhecimento crescente da integralidade e interdependência de todos os aspectos da realidade e da experiência. Isso requer o fortalecimento de organizações supranacionais governamentais e da sociedade civil, como as ONG’s para tratar não só do comércio internacional mas também de justiça, saúde, educação, cultura, ciência e tecnologia, combate ao crime organizado e segurança internacional, direitos humanos, grupos feministas, de jovens e idosos, tratados ainda de forma incipiente Para tanto é importante a reforma democrática das Nações Unidas e todas suas subsidiárias.

Este novo paradigma consiste em uma busca de novos valores, novas visões e novos princípios de vida. Este novo paradigma exige uma educação menos competitiva e mais aberta à cooperação e uma revisão dos próprios princípios que regem a paz, os direitos humanos, a democracia e a tolerância. A paz não pode ser apenas a ausência de guerra mas a construção de um novo sistema de valores humanistas que privilegie a solução não violenta de conflitos de quaisquer natureza. Contudo é impossível solucionar tais conflitos se os Direitos Humanos não são respeitados. A nova solidariedade deve abandonar abordagens baseadas na cobiça ou escassez a favor de elementos que levem em conta a suficiência de recursos e a preocupação com o outro. Neste sentido a preocupação com as gerações futuras exige esforços por um desenvolvimento em consonância com os princípios ecológicos e limites ambientais. É necessário substituir o modelo de competição e confronto desenfreados por um regido pela cooperação e a parceria em todas as esferas da vida sócio-econômica e política.

As novas tecnologias da informação e comunicação bem como a inclusão digital são responsáveis por uma explosão sem precedentes da informação e do conhecimento através de redes de comunicação eletrônica em todas as áreas do saber. Por outra parte as novas redes têm elementos altamente democratizantes na medida em que há cada vez mais gente participando, ainda que de forma desorganizada, de uma “assembléia eletrônica” de reflexão sobre os problemas comuns. Há que destacar que estas redes horizontais tendem a substituir os sistemas sociais verticais, altamente hierarquizados e fechados, por outros mais abertos e democráticos. Isto propicia uma descentralização do poder e novos modos de auto-organização de comunidades, que exige a revitalização da sociedade civil e instituições globais adequadas ao novo paradigma.

É notável um despertar de uma globalização da consciência e da espiritualidade.[14] Apesar da reação dos fundamentalistas religiosos à globalização, cada vez há mais pessoas empenhadas “em redefinir sua identidade religiosa de maneia mais aberta, criativa e tolerante, dando oportunidade ao diálogo entre várias crenças”[15]. Há uma busca por um elo mais profundo entre o homem e a natureza, o homem e seu criador (para aqueles que crêem em Deus), e por uma harmonia restaurada entre a pequena partícula humana e a totalidade do Universo.

Mas o obstáculo mais importante e talvez o mais difícil de vencer seja a mudança da mentalidade humana; as barreiras psicológicas e emocionais resultam da relutância natural da mente humana em aceitar mudanças. Trata-se de uma defesa psicológica, muitas vezes atrativa, que nos salva do incômodo de pensar nos difíceis problemas da atualidade e permite o uso de idéias e conceitos ultrapassados porém bem conhecidos.[16] Assim, o papel exercido pela educação e pela informação torna-se fundamental tanto para a formação dos jovens como para as gerações adultas que cresceram com as tradições do passado e frequentemente as consideram como normas únicas.

Em resumo, a emergência de aspirações novas à cidadania, à democracia, à solidariedade e à preservação do meio ambiente, à justiça e à paz, atravessa todas as soluções possíveis da sociedade. É uma época contraditória onde a busca de soluções às dificuldades pode coexistir com os medos, as inquietações, as divisões e as regressões nascidas do aprofundamento da crise. É a contradição entre a aspiração a outra sociedade, a outra política e os sentimentos de fatalidade, de isolamento, de impossibilidade de transformar as coisas, de desesperança, de pensar “que não há nada a fazer”[17]. De forma que os graves problemas de violência que acometem a humanidade em este momento podem evoluir a longo prazo, através de uma transição difícil e dolorosa para uma situação mais positiva em que através da auto organização[18], a humanidade seja capaz de controlar seus destinos para viver em paz, com liberdade, democracia e justiça social em uma sociedade planetária de identidades reconstruídas. Jamais houve um contraste tão agudo entre esperança e realização. Sem determinismos, esta é uma possibilidade.


[1] Kinoshita, D.L., “Y ahora, que mundo?”, in 11 de Septiembre: las caras de la globalización, organizado por Valqui, C., pág 185-205, Ed. Laguna, 2002;

[2] Mikhail Gorbachev, “Perestroika: novas idéias para o meu país e o mundo”, Ed. Best Seller, div. da Nova Cultural Ltda., São Paulo, 1987

[3] Demant, P., “Programa de trabalho apresentado à Cátedra UNESCO do IEA, na área de Cultura da Paz”

[4] Anderson, B, “The New World Disorder”, New Left Review, nº 193, London , 1992

[5] Idem referencia anterior

[6] Mazower, M., “Continente Sombrio”, Companhia das Letras, São Paulo, 2001

[7] J. M. Quadros Alencar, “O significado político e econômico da Amazônia para a América Latina - Por uma agenda amazônica”, trabalho apresentado na Conferência Internacional, UMA ESTRATÉGIA LATINO AMERICANA PARA A AMAZÔNIA, promovida pelo Memorial da América Latina, realizada em São Paulo entre 25 e 27 de março de 1992

[8] Coggiola, O,, “Questões de História Contemporânea”, Ed. Oficina de Livros, Belo Horizonte, 1991

[9] Ribeiro, M. M. e Seibel, S. D (org), “Drogas: Hegemonia do Cinismo’, Fundação Memorial da América Latina, São Paulo, 1997

[10] Sandoval, C., “Nossa fronteira sul”, Política Democrática, , ano VI, N!(, pág 136 – 139, FAP, Brasília, 2007

[11] van Viet, K. G, Vieco, J.J., Useche, M., (coordinadores), “Amazônia, Identidad y Desarrollo”, Fondación Manoa, Bogotá, 1990

[12] “Narcotráfico e violência no Campo”, org. por Ana Maria Motta Ribeiro e Jorge Atílio S. Iulianelli, Ed. Koinonia/DP&A, Rio de Janeiro, 2000

[13] Gramsci, Antonio, “A Política e o Estado Moderno”, 3ª edição, Ed. Civilização Brasileira, 1978

[14] Ervin Laszlo, “Transição para uma Sociedade Global e o Espírito de Cidadania Mundial”, 1º Encontro Latino-Americano para a Cidadania Mundial, São Paulo, 1996

[15] Demant, P., idem

[16] Andrey Y. Melville, op. cit.

[17] Castiel, “A. Educação para Valores Humanos do Amanhã”, in Série Cátedr UNESCO, Instituto de Estudos Avançados – USP, São Paulo, 2001

[18] Prigogine, I., Stengers, I., “Order out of chaos: man’s new dialogue with nature”, Ed. Bantam, New York , 1984
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