terça-feira, 2 de abril de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Não se vê motivo claro para mudar foro no STF

Folha de S. Paulo

Normas para julgamento de políticos e autoridades foram estabelecidas há apenas 6 anos; troca pode gerar instabilidade

"Terroristas" ou "guerrilheiros da liberdade"? Não são poucas as ocasiões em que a disputa de versões começa a ser decidida com o nome com o qual se batiza um grupo ou fenômeno social. O "foro especial por prerrogativa de função", impropriamente chamado de "foro privilegiado", é um desses casos.

A ideia de julgar determinadas autoridades em tribunais específicos, a fim de reduzir influências indevidas, sejam contra ou a favor do réu, faz todo o sentido. No Brasil, oligarquias locais não têm dificuldade para capturar braços do Estado, incluindo o Judiciário.

Ao menos em teoria, cortes colegiadas resistem melhor a pressões e impulsos do que juízes singulares de primeira instância. Mas o instituto do desaforamento deu margem a tantos abusos que acabou se tornando sinônimo de impunidade, o que fez com que o apelido "foro privilegiado" se tornasse o nome dominante.

Míriam Leitão - Antes que falem da economia

O Globo

A ditadura foi um desastre na economia. Deixou o país quebrado, inflacionado, devendo a bancos e governos, e em enorme bagunça fiscal

O fardo deixado pela ditadura na economia foi pesado. Havia escombros nas áreas fiscal, monetária e de balanço de pagamentos. O Brasil estava quebrado e desmoralizado. Devia aos bancos internacionais, aos governos estrangeiros e às instituições multilaterais. E não pagava, rolava a dívida em bola de neve. O país tinha aberrações fiscais, três orçamentos e uma bizarra conta conjunta entre Banco Central e Banco do Brasil. O pior dessa herança maldita era que o governo havia criado o ovo da serpente da hiperinflação, a ideia de que se podia conviver com inflação alta através da correção monetária. Debaixo desse peso começou a democracia, e foi ela que enfrentou os problemas reais.

Luiz Gonzaga Belluzzo* - Milícias ocupam o Estado

Valor Econômico

Práticas nada republicanas de suspeitos da morte de Marielle revelam corrosão dos princípios que deveriam comandar as ações dos agentes que ocupam o Estado

As práticas nada republicanas dos irmãos Brazão e do delegado Rivaldo Barbosa foram alcançadas pelas investigações acuradas da Polícia Federal. As informações obtidas revelam a corrosão dos princípios e instituições que deveriam comandar as ações dos agentes que ocupam o Estado.

A República e a democracia dobram os joelhos, submetidas aos conflitos e contubérnios entre milicianos, traficantes e ocupantes do Estado que o corroem por dentro como parasitas. Esse achincalhe aos princípios que deveriam governar as ações do Estado de Direito moderno abriga em seus subterrâneos as forças da cobiça, ou como diriam Freud e Keynes, os impulsos do “amor ao dinheiro”. (Keynes prezava como poucos a liberdade política garantida pelo Estado Moderno e almejava o aperfeiçoamento do indivíduo. Era, no entanto, crítico feroz e implacável do individualismo utilitarista e do “amor ao dinheiro”).

Observador das turbulências que assolaram a sociedade inglesa no século XVII, o pensador liberal Thomas Hobbes imaginou que o terror disseminado pelos bandos privados na busca de cobiçadas riquezas só poderia ser contido pela concentração do poder e da força no Leviatã.

Hobbes surpreende a sociedade dos indivíduos no momento em que o Estado submergiu na voragem da guerra religiosa, soçobrou na crise da sociedade governada pelo desejo e pelo medo. Para Hobbes, é permanente a possibilidade de o Estado, o Deus Mortal, ser destruído em uma crise desencadeada pela invasão de ambições “particularistas”.

Luiz Schymura* - Protagonismo das emendas parlamentares veio para ficar

Valor Econômico

Países com democracia avançada apontam que há um papel importante do Poder Legislativo, em ação conjunta com o Poder Executivo, na coordenação do orçamento público

Ao longo dos últimos anos, um tema vem despontando no debate público: o crescimento do papel do Congresso Nacional na alocação de recursos no Orçamento público. Na prática, o que se tem visto é uma perda de protagonismo do Executivo em prol do Legislativo. Naturalmente, essa importante mudança institucional tem várias implicações. Diante dessa nova realidade, existem aqueles que creem que houve uma deterioração no modelo, enquanto há outros que acreditam que a direção a ser seguida está correta. Embora haja necessidade de ajustes, esta coluna advoga favoravelmente ao aumento do papel do Legislativo.

Para começar, é oportuno quantificar o encolhimento do Executivo no Orçamento público. Na verdade, fica mais fácil construir indicadores a partir do mecanismo que propiciou a ascensão do Legislativo: o aumento no volume das emendas parlamentares. Em termos nominais, as emendas saíram de R$ 6,14 bilhões em valores empenhados em 2014 para um montante autorizado de R$ 44,67 bilhões em 2024. Com isso, as emendas dos congressistas, que correspondiam a pouco menos de 4% do conjunto das despesas discricionárias em 2014, devem alcançar cerca de 20% no corrente ano. Salto bastante expressivo.

Andrea Jubé - ‘Pé de Meia’ é aposta para elevar aprovação

Valor Econômico

Governo busca uma nova marca para transformar em carro-chefe da gestão Lula 3

Em meio à queda de avaliação nas pesquisas, o governo federal foi aconselhado a buscar uma nova marca para transformar em carro-chefe da gestão Lula 3, num cenário em que Bolsa Família, Minha Casa, Minha Vida e o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) não cumprem mais essa função. “O passado é uma roupa que não nos serve mais”, opinaria Belchior.

As apostas voltam-se para o recém lançado programa “Pé de Meia”, que oferece uma bolsa de R$ 9,2 mil ao estudante que completar os três anos do ensino médio. A iniciativa do Ministério da Educação (MEC), que mira jovens de 14 a 24 anos no ensino médio, é uma das poucas novidades do terceiro mandato do petista.

O programa mal entrou em vigor, entretanto, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já encomendou ao Ministério da Fazenda mecanismos para ampliá-lo. Mas a vontade política esbarra na questão fiscal.

Luiz Carlos Azedo - Moro, de herói da Lava-Jato a zumbi no Senado

Correio Braziliense

Enquanto a Lava-Jato é descontruída pelo STF, Moro vaga como um zumbi pelos corredores do Senado, onde não consegue se articular nem com o baixo clero

Segundo a filósofa Hannah Arendt, em A Condição Humana, o herói não é necessariamente o homem de grandes feitos, equivalente a um semideus. Trata-se de um indivíduo comum que se insere e se destaca no mundo por meio do discurso e da ação. Os arquétipos do herói remontam à Antiguidade na Grécia.

O mito do herói homérico da Ilíada sustenta-se em dois pilares: a grandiosidade e a singularidade, além da aspiração à imortalidade. O ex-juiz federal Sergio Moro (União Brasil-PR), que liderou a Operação Lava-Jato, corre o risco de perder o mandato de senador eleito pelo Paraná na Justiça eleitoral de seu estado — e passar de herói a vilão.

A imortalidade só vem com a morte. O mito do herói precisa ter uma existência humana verdadeira. Isso pressupõe também a volta para casa, a vida normal, até que a situação exija outro ato glorioso e individual, de grande bravura. O herói faz coisas sobre-humanas, mas não é imortal.

Merval Pereira - Desforra política

O Globo

Não há dúvida de que o processo que começou ontem tem uma motivação política, ideia corroborada pela fragilidade das acusações

O voto do relator do processo de cassação do senador Sergio Moro no Tribunal Regional Eleitoral do Paraná, desembargador Falavinha Souza, não foi arrasador apenas na negativa de todas as acusações apresentadas pela improvável, mas significativa, dupla partidária PL-PT, mas também pela quase denúncia de que tentativa tão esdrúxula de impugnação é, na verdade, “retaliação” e “desforra”.

Retaliação por parte do PT, devido à Operação Lava-Jato, que levou à prisão o hoje presidente Lula e vários de seus integrantes, devido à “grande investigação de combate à corrupção” que Moro comandou. Desforra por parte dos que não o quiseram como candidato à Presidência da República e resistem a engolir sua vitória eleitoral maiúscula. E também daqueles que, integrando o novo governo do PL, viram-no virar-se contra Bolsonaro e sair “desse governo atirando”. A derrota do ex-senador Alvaro Dias, “que lhe abriu a candidatura presidencial”, na corrida ao Senado do Paraná também foi arrolada indiretamente pelo relator como uma das razões para uma desforra política.

Carlos Andreazza - Supremo Tribunal Universal

O Globo

O Supremo Tribunal Federal — Poder onipresente — mudará o alcance do foro por prerrogativa de função. Previsível. A ver somente qual será o placar. São dois julgamentos. Um dos quais com 5 a 0 no escore, tudo muito ligeiro, vista afinal pedida por Luís Roberto Barroso. Questão de tempo. Já encaminhado o arranjo, consistente com o espírito do tempo, por abrangência amplíssima. Universal — diria o maledicente. Ao tribunal ubíquo, o alcance total. Coerente.

Por que a mudança?

Terão foro “privilegiado”, para privilégio sempre dos julgadores, aqueles cujos crimes em foco forem associados ao cargo, independentemente de estarem no cargo. O Supremo anabolizado se expande, o cínico diria que se ajustando formalmente à prática, seis anos depois de haver estabelecido jurisprudência restritiva mais próxima do que se esperaria de uma República: foro especial para quem responde por crimes cometidos no exercício do cargo e relacionados à função. (Concluído o mandato, os processos endereçados à instância competente.)

Eliane Cantanhêde - Para não deixar dúvidas...

O Estado de S. Paulo

STF é o foro para golpistas e Forças Armadas não são poder, muito menos ‘moderador’

Alvo preferencial e sede de resistência a sucessivos ataques à tão sacudida democracia nacional, como na era Vargas e na ditadura militar, o Supremo foi determinante para segurar o ímpeto golpista de Jair Bolsonaro e condenar os vândalos do 8/1/2023. Agora, age contra duas novas ameaças: a tese que tenta atribuir despudoradamente “poder moderador” às Forças Armadas e as interpretações que visam tirar os inquéritos de Bolsonaro do Supremo e jogar na primeira instância do... Rio de Janeiro. Já imaginaram?

Em seu parecer, acompanhado por todos os que votaram até agora, o relator, Luiz Fux, destrói a tese de que Exército, Marinha e Aeronáutica são um “poder moderador”. Não são, são instituições submissas ao poder civil “e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”. Está lá, no artigo 142 da Constituição, mas, em tempos de delírios golpistas, nunca é demais reforçar o óbvio.

Rolf Kuntz -Esquecer golpe e ditadura interessa principalmente a quem praticou desmandos e barbaridades

O Estado de S. Paulo

Pode ser um erro enorme, no entanto, confundir a conciliação com a anulação da memória política

O golpismo está presente e atuante sessenta anos depois do desastre político de 1964. Também por isso é preciso lembrar o golpe militar de seis décadas atrás, em vez de esquecer a data com um discurso de conciliação e pacificação. Há, sem dúvida, diferenças importantes entre os dois momentos. O apoio à democracia, agora, é manifestado por mais de 70% dos cidadãos, segundo pesquisas. Além disso, a cúpula das Forças Armadas tem contido a mobilização antidemocrática ensaiada por alguns oficiais. As instituições são mais sólidas do que eram há seis décadas, mas seria enorme imprudência menosprezar o risco do autoritarismo.

quebra-quebra de 8 de janeiro foi muito mais que um surto coletivo de alguns milhares de baderneiros. Constituiu, claramente, a continuação dos ataques conduzidos em Brasília, em 12 de dezembro, por uma turba inconformada com o resultado da eleição presidencial. Pregadores, organizadores e financiadores garantiram condições básicas para a farra antidemocrática na Praça dos Três Poderes e nas avenidas principais da capital. Essa gente estará interessada, de fato, em discursos de conciliação e de esquecimento dos 21 anos tenebrosos iniciados em 1964? Ou estará saudosa dos tempos da censura e da tortura, embora milhares de baderneiros de hoje só tenham nascido depois de 1985?

Hélio Schwartsman - Desaforos constitucionais

Folha de S. Paulo

STF parece prestes a mudar mais uma vez o alcance do foro especial para políticos

Ao que tudo indica, o STF vai mais uma vez mudar seu entendimento sobre o alcance do foro especial para políticos. Por mais que eu tente, não consigo afastar a ideia de que os ministros buscam ampliar a jurisdição do Supremo sobre governantes e parlamentares como forma de magnificar seu próprio poder. Compreensível no contexto de diversas quedas de braço entre as instituições, mas censurável. O Judiciário deveria ser o mais técnico e menos guloso dos Poderes.

Idealmente, não deveria haver diferenças no tratamento jurídico dispensado a políticos e demais cidadãos. Numa república de iguais, deveríamos cruzar com o chefe de governo empurrando seu próprio carrinho de compras no supermercado. Tais cenas ocorrem em alguns países do norte da Europa.

Fernando Canzian - Lula por um triz

Folha de S. Paulo

Não é improvável que maioria do eleitorado só esteja à espera de um bolsonarista civilizado

A última rodada do Datafolha sobre a avaliação do governo Lula (PT) mostra um certo fastio dos brasileiros com o presidente em seu terceiro mandato. Obtido, lembre-se, na disputa mais acirrada da história, contra Jair Bolsonaro (PL), por margem de apenas 2,1 milhões de votos (50,9% a 49,1%).

Naquele pleito, Bolsonaro perdeu para ele mesmo. Seu comportamento indecente e golpista no período sombrio em que comandou o país forçou milhões de eleitores —alguns famosos, publicamente; e muitos anônimos— a votar em Lula exclusivamente por repulsa ao ex-capitão.

Alvaro Costa e Silva - Caso Marielle altera xadrez eleitoral

Folha de S. Paulo

Eduardo Paes perde o elo com evangélicos

As revelações do caso Marielle fizeram mais estragos na campanha de reeleição de Eduardo Paes do que ele quer admitir. Obrigado a exonerar o substituto e o grupo de Chiquinho Brazão da Secretaria de Ação Comunitária, o prefeito vê o Republicanos, partido da Igreja Universal, indo em direção ao bolsonarista Alexandre Ramagem. O mesmo caminho deverá ser seguido pelo clã Brazão, que domina Jacarepaguá e outros bairros da populosa zona oeste.

Paes tem um plano calculado e arriscado: construir uma plataforma de centro-direita e ao mesmo tempo não perder o voto da esquerda. Sem alarde, aproximou-se do Republicanos, cujo nome forte no Rio é o deputado Marcelo Crivella, com quem rivalizou na disputa do segundo turno em 2020. A aliança foi costurada pelo prefeito de Belford Roxo, Waguinho, que esteve ao lado de Lula nas eleições presidenciais.

Aylê-Salassié Filgueiras Quintão* - Percebendo-se numa "fake"

Os eleitores de 2022 começam a perceber  a "fake" em que entraram, ao votar  naquele pleito, que oferecia  apenas dois  candidatos  com ampla visibilidade, e que,  segundo    avaliação do experiente  jornalista e editor Carlos Brickmann, um era louco e o outro  corrupto. Passadas as eleições, declarado o vencedor,   os cidadãos começaram a cair  na real,  ao tomarem conhecimento  de veladas  intenções do vencedor .

O circo foi se  esvaziando. Aos poucos, a  população desapareceu das  manifestações de rua convocadas pelo vitorioso, e passou a receber  mal as visitas e exposições do casal presidencial. As  redes digitais reproduziam entre si , amplamente ,as  críticas severas   às leviandades públicas cometidas pelo eleito contra pessoas internamente  e países em conflito sem qualquer  relação com a governabilidade no Brasil .   Sem qualquer pejo ou ética, os governantes tentam  transformar, em inimigos da população, adversários pessoais ou partidários, estratégia que repete  na história alguns regimes ditatoriais longevos, e que, percebida,  vem sendo rechaçada, interna e externamente.

Poesia | Os ombros suportam o mundo, de Carlos Drummond de Andrade

 

Música | Chico Buarque - Gente Humilde (Garoto-Chico Buarque-Vinícius de Moraes)