• Comércio pode fechar 2015 com saldo negativo de empregos, o que não ocorre desde 2003
Marcello Corrêa, Lucas Moretzsohn e Ana Paula Machado – O Globo
RIO E SÃO PAULO - O varejo brasileiro está vendendo cada vez menos e demitindo cada vez mais. O IBGE informou ontem que o volume de vendas no setor recuou 0,9% em maio, na comparação com abril, e 4,5%, frente ao mesmo mês do ano passado, justo no mês no Dia das Mães, data que só perde para o Natal em faturamento do setor. Com desempenho tão ruim, comerciantes estão cortando vagas como nunca: nos primeiros cinco meses do ano, fecharam 159.315 empregos com carteira assinada, de acordo com o balanço mais recente do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho. É triplo do saldo negativo do mesmo período do ano passado. Economistas alertam que se trata de um ciclo vicioso: o ritmo fraco leva à onda de demissões, que piora o mercado de trabalho que, por sua vez, esfria mais as vendas. Já há quem preveja que o setor encerrerá este ano com saldo negativo de empregos, o que não acontece desde 2003.
De acordo com a projeção do economista André Gamerman, da Opus Gestão de Recursos, se o ritmo de contratações e demissões no comércio for idêntico ao registrado entre junho e dezembro do ano passado, o saldo líquido de vagas (admissões menos demissões) fechará 2015 positivo em 11 mil vagas. O resultado já representaria uma forte desaceleração, uma vez que, no ano de 2014, o varejo criou 180.814 empregos.
- A tendência é clara de piora (nos primeiros cinco meses do ano). Isso nos leva a crer que é bem provável destruição de postos de trabalho no comércio este ano - avalia Gamerman.
Carlos Thadeu de Freitas, economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), explica que as demissões do varejo são consequência de outros setores. Apesar dos empregos temporários no fim do ano, o economista também prevê queda na geração de empregos:
- O comércio está fechando as portas e demitindo porque não está vendendo. Não vende porque não estão comprando, porque as pessoas estão ganhando menos. E ainda tem os juros, que dificultam financiamentos.
Os números dos subgrupos do setor mostram relação direta entre o desempenho das vendas e o ritmo de contratações. De acordo com o IBGE, foi no grupo de automóveis que o volume de vendas mais encolheu em maio, frente ao mesmo mês do ano passado: 22,2%. Já a CNC revela que, no acumulado em 12 meses, o ramo automotivo foi o que mais eliminou postos de trabalho: saldo negativo de 19.888.
O mesmo ocorre com o segmento de móveis e eletrodomésticos, cujas vendas caíram 18,5% frente a maio de 2014. As lojas da área fecharam 12.184 vagas no período de 12 meses.
Enquanto isso, as vendas dos supermercados caíram abaixo da média. Em maio, o recuo foi de 2,1% em relação a 2014. Já o setor farmacêutico aumentou as vendas em 1,8%. Quando se olha o desempenho das contratações, os dois segmentos também estão na contramão da crise: em 12 meses, supermercados abriram 69.910 vagas, e as farmácias, 18.099.
- Existe uma correlação entre essas variáveis (vendas e emprego). Quando as vendas sobem, o pessoal ocupado sobe. Mas é difícil falar quem puxa quem. Normalmente, quando o comerciante vende mais, contrata mais gente - explica o economista Raone Costa, da Catho Fipe.
A vendedora Ana Maria Gonçalves, de 50 anos, vivenciou na prática o impacto da queda nas vendas sobre o emprego. No mês passado, ela foi demitida das Casas Bahia, onde trabalhava há mais de 13 anos. Segundo ela, o motivo para o desligamento - que incluiu mais 16 colegas - foi a baixa produtividade.
- As vendas estavam bem mais fracas. Não estava esperando (a demissão), até porque minha produtividade caiu quando tirei licença médica por 15 dias, e a meta não mudou. Não tinha como bater a cota - conta Ana Maria.
A Via Varejo - dona das Casas Bahia e do Ponto Frio - não confirmou a ocorrência de demissões nas lojas. A empresa informou ter um quadro de 65 mil funcionários e trabalhar com uma taxa de rotatividade de 25%, que, segundo a companhia, está abaixo da média do setor.
- A tendência é que isso se torne um ciclo recessivo. Com mais demissões, as vendas caem ainda mais. As empresas no Brasil resistem a demitir porque o custo é alto, e encontrar mão de obra de qualidade é difícil. Logo, as demissões no setor mostram que as empresas estão bem pessimistas com o futuro - diz o professor de economia do Ibmec RJ, Daniel Sousa.
Em SP, pior resultado desde 2008
Com a perspectiva ruim para este ano, a estimativa é que o setor leve até dois anos para voltar a crescer. Em São Paulo, o comércio varejista deve demitir cerca de 150 mil pessoas este ano, segundo a previsão do Sindicato dos Comerciários da capital. Segundo dados da entidade, em 2014 as homologações chegaram a 121,8 mil. O presidente do Sindicato, Ricardo Patah, disse que a média mensal de rescisão na entidade é de 12 mil contratos.
- O que pode estancar um pouco a queda nos postos de trabalho no comércio é a melhora da economia que, por enquanto, não acreditamos que aconteça no curto prazo - disse Patah.
Segundo ele, as empresas do setor não devem aderir ao Plano de Proteção ao Emprego (PPE), pois, os empresários são conservadores e "não gostaram" da cláusula de estabilidade do emprego.
- Podemos entrar numa década perdida - diz o sindicalista.
Dados da Federação do Comércio de São Paulo (Fecomércio) mostram que, de janeiro a maio, houve 235,22 demissões na região metropolitana de São Paulo. O saldo entre contratações e dispensas está negativo em cerca de 20 mil pessoas, o pior desde 2008, quando a federação começou a computar o dado. Ou seja, o comércio nunca demitiu tanto.
- Infelizmente esse número vai piorar. Até 2017 não acreditamos que o comércio aumente seu faturamento - afirma Vitor França, economista da Fecomércio.