sábado, 19 de agosto de 2023

Sergio Fausto* - Cordão sanitário contra a extrema direita

O Estado de S. Paulo

Com Bolsonaro inelegível, mas ainda relevante, a direita tem, aqui, o desafio de encontrar seu caminho de volta para o leito normal da democracia

A estigmatização dos imigrantes como elementos nocivos e perigosos à sociedade é uma nota constante na retórica da extrema direita na Europa e nos Estados Unidos. Batendo nessa tecla, partidos antes à margem do sistema político passaram a ameaçar partidos conservadores tradicionais. Temerosos de perder sua base eleitoral, vários destes incorporaram aos seus discursos e programas temas típicos da extrema direita. Junto com a estigmatização e a violação dos direitos humanos dos imigrantes vieram a valorização de um nacionalismo de base étnica, racial e/ou religiosa e a reafirmação dos tradicionais valores cristãos contra a aceitação da igualdade e diversidade de gênero, orientação sexual e formas de constituir família. Vem se rompendo, assim, o cordão sanitário protetor das democracias do Hemisfério Norte desde o fim da Segunda Guerra Mundial.

Caso recente se deu na Espanha. Em maio, a direita venceu as eleições locais. O Partido Popular (PP), da direita democrática, decidiu aliar-se ao Vox, partido de extrema direita que, em rápida ascensão, se tornou uma das principais forças políticas do país nos últimos anos. Assumiram, juntos, o governo de comunidades autônomas importantes como Valência e Castela e Leão. Entusiasmado com o resultado das eleições locais, o PP dobrou a aposta para as eleições nacionais, antecipadas para julho, com a pretensão de atrair o voto da extrema direita e ganhar a maioria necessária no Parlamento para liderar um novo governo.

Hélio Schwartsman - Como tratar ex-presidentes?

Folha de S. Paulo

Responsabilização penal por crimes cometidos prejudica a pacificação política

O Brasil deveria tratar melhor seus ex-presidentes? A questão, proposta por Arthur Lira, é interessante e nos remete a um dilema real das sociedades democráticas. Primeiro, um pouco de contexto. Lira disse isso diante do agravamento da situação de Bolsonaro, que vai se complicando em várias das investigações de que é objeto, mas lembrou os casos de LulaDilma Temer, que também tiveram problemas com a Justiça, ainda que em graus variados.

Numa República, líderes políticos são cidadãos iguais a todos os outros em direitos e deveres. Isso significa que, se cometerem crimes, precisam responder por eles, idealmente sem nenhum tipo de regalia. Deixar de aplicar a lei contra poderosos tem efeitos perversos sobre a credibilidade do sistema de Justiça e sobre a própria ideia de igualdade republicana.

Dora Kramer - Ladrões sem casaca

Folha de S. Paulo

Bolsonaro protagonizou esquema mequetrefe de apropriação indevida e abuso do poder

A canoa de Jair Bolsonaro virou, e foi ele quem deixou ela virar, conforme atestam os fatos e agora dois de seus comparsas na trajetória de ilicitudes que fatalmente o levarão à prisão. Mauro Cid e Walter Delgatti resolveram dar com a língua nos dentes a fim de atenuar os danos às respectivas peles.

Quando começa assim, o efeito dominó é inevitável. Outras confissões apontando o ex-presidente como mandante dos crimes contra a saúde pública, o Estado de Direito, o sistema eleitoral e a reputações alheias virão.

Os dias de liberdade de Bolsonaro estão contados. A ele resta a esperança de que seja visto como vítima de perseguição e, lá na frente, possa dar a volta por cima. Mira-se no exemplo de Luiz Inácio da Silva sem, no entanto, levar em conta as abissais diferenças entre as figuras e as circunstâncias de um e de outro.

Alvaro Costa e Silva -Avança Milei, afunda Bolsonaro

Folha de S. Paulo

O que continua no mesmo lugar é a enganação

Isso é que é senso de oportunidade. Dois dias depois de estourar o caso da organização criminosa suspeita de lavar dinheiro nos EUA, o filho 03 divulgou nas redes sociais o lançamento de um calendário cuja capa exibe o pai sem camisa, cicatriz da facada à mostra. O produto da loja Bolsonaro Store custa R$ 69,90 e conta em fotos a "trajetória vitoriosa" do capitão, indo da caserna ao Planalto.

Não há imagens do então deputado Bolsonaro superfaturando a verba de gasolina nem usando o auxílio-moradia para "comer gente". Tampouco abraçando a Wal do Açaí ou recebendo o pagamento do empréstimo feito ao Queiroz. Já presidente, confraternizando com os pastores do MEC ou com intermediários na compra de vacinas. Na última página do calendário faltou a fotografia do avião da FAB utilizado para levar escondidas as joias que pertencem ao Estado brasileiro.

Demétrio Magnoli - Trump, a 'rescisão da Constituição'

Folha de S. Paulo

Acossado por processos, ex-presidente transforma campanha em plebiscito sobre democracia americana

Donald Trump não é burro como Bolsonaro. Diante de seu quarto indiciamento, na Geórgia, pela tentativa de fraudar o resultado das urnas do estado, sua campanha emitiu uma nota que diz o seguinte:

"Estas atividades dos líderes democratas constituem grave ameaça à democracia americana e são tentativas de despojar o povo americano de sua legítima preferência de voto para presidente. Chame-se isto de interferência nas eleições ou manipulação eleitoral, é um perigoso esforço da classe dirigente de suprimir o direito de escolha do povo." Mais que demagogia, encontra-se aí uma síntese do programa insurrecional da direita extremista.

Fernando Schüler* - ‘Que se vayan todos’

Revista Veja

O liberalismo representa uma visão de mundo menos óbvia que o populismo

Javier Milei causou sensação com seu desempenho nas primárias argentinas (leia a reportagem na pág. 52). Em parte, porque é um lobo solitário. Um “grito de guerra”, como diz o antropólogo Pablo Semán, o “que se vayan todos”, e faz mover os jovens dos bairros esquecidos da periferia de Buenos Aires. Mas a novidade é ser um “libertário”. Parte da imprensa apelidou Milei de representante da “extrema direita”, o que revela mistura de mau humor e preguiça intelectual. O mais curioso foi ver o sujeito dito como um “alto risco para a economia argentina”, como escutei em um programa de televisão. O peronismo vai entregando o país quebrado, inflação a 115% e a pobreza atingindo 40% da população. Mas perigo é Milei. As narrativas, desde sempre, definem o teatro da política. Nesse caso, dirão que ele foi instrutor de kama sutra e que dorme com seus cachorros, mas pouca coisa sobre fazer um programa de demissão voluntária no setor público e derrubar a carga tributária. Talvez isso tudo seja particularmente constrangedor por aqui, visto que andamos numa busca algo desesperada para aumentar impostos, enquanto abrimos concursos públicos como nunca e anunciamos o governo no “comando da economia”.

Pablo Ortellado - Como classificar Javier Milei?

O Globo

Ele e Bolsonaro combinam conservadorismo moral e liberalismo econômico extremo

 ‘Anarcocapitalista’, “libertário”, “ultraliberal”, “de extrema direita”. A imprensa tateia tentando encontrar a melhor classificação para Javier Milei, o candidato a presidente da Argentina que venceu as primárias no último domingo. A hesitação não é sem motivo, já que o político argentino articulou um discurso econômico libertário com um populismo cada vez mais conservador nos costumes. Essa estratégia resgata um projeto dos libertários americanos dos anos 1990, que foi chamado de “paleolibertário”.

Eduardo Affonso - A ciência também é relativa

O Globo

Já imaginou se Bolsonaro tivesse incluído no SUS as sessões de descarrego das igrejas neopentecostais?

A oposição ao governo Bolsonaro passou três intermináveis anos clamando pelo respeito à ciência: vacinação, distanciamento social, uso de máscaras — tudo o que a Organização Mundial da Saúde recomendava no combate à pandemia de Covid-19. E, naturalmente, combatendo os tratamentos inócuos, cujas estrelas eram a cloroquina, a hidroxicloroquina e a ivermectina, coadjuvadas por azitromicina, bromexina, nitazoxanida, anticoagulantes (e os suplementos de zinco fazendo figuração).

Felizmente houve a vacinação em massa — e esses medicamentos voltaram a ser usados apenas para o indicado nas bulas: malária, lúpus, pulga, carrapato, bronquite, faringite, amebíase, diarreia etc. Em 2022, os opositores do negacionismo científico ganharam as eleições.

Carlos Alberto Sardenberg - Falta governança

O Globo

Se não se sabe para que ministério vai o deputado, como discutir capacidades e programas de governo?

Da reforma ministerial em andamento, sabe-se de certo mesmo apenas o nome dos dois deputados do Centrão que serão ministros: Silvio Costa Filho (Republicanos-PE) e André Fufuca (PP-MA). Para que ministérios, há informações e não informações circulando nos bastidores. Também há incerteza sobre os empregos dados aos ministros atuais que perderão seus postos.

Há, pois, intensas negociações, mas procurará em vão quem tentar encontrar algum debate, sequer uma menção à capacidade dos indicados e às políticas que desenvolverão nos cargos. Qual o problema? — se poderia dizer. Se não se sabe para que ministério vai o deputado, como discutir capacidades e programas de governo? E assim ficamos: primeiro escolhe-se o nome, depois o cargo, e aí se vai ver o que ele poderá fazer. Governança zero, mas — quer saber? — não é isso que importa nesse sistema. As negociações envolvem verbas e cargos incluídos nos ministérios, além da capacidade do indicado de conseguir, no Congresso, verbas e votos para o governo.

Alvaro Gribel - A pior semana na economia

O Globo

Governo enfrentou apagão, aumento dos combustíveis e a declaração de Haddad azedou o clima nas negociações com o Congresso

O governo Lula viveu a sua pior semana na economia. Ela começou na segunda-feira, com a declaração infeliz — ainda que com ares de verdade — do ministro Fernando Haddad, que disse que nunca viu a Câmara dos Deputados com tantos poderes. A frase azedou as negociações da pauta econômica e obrigou o ministro a jogar na defensiva com o presidente da Casa, Arthur Lira. Depois, na terça-feira, foi a vez de um apagão nacional ainda mal explicado, em paralelo a um forte reajuste nos preços dos combustíveis pela Petrobras. A tese de que a companhia é autossuficiente e não precisa seguir a cotação internacional não prevaleceu sobre os impactos no caixa da empresa. Para completar, o cenário internacional virou, e isso fez o real voltar para perto de R$ 5,00 e a bolsa brasileira cair por 13 sessões seguidas.

Marcus Pestana* - A Reforma Tributária: mudança necessária (I)

Há muito é demandada, no Brasil, uma reforma tributária que corrija as distorções do sistema tributário nacional e sirva de plataforma para a dinamização da economia brasileira a partir de seus efeitos positivos na produtividade, no emprego, no produto, na competitividade e na eficiência.  Um sistema tributário justo e eficiente é caracterizado por alguns princípios universais, consagrados e consensuais:

Equidade: Atualmente cerca de 45% da carga tributária brasileira se concentra nos impostos sobre consumo, intrinsecamente regressivos, os brasileiros mais pobres pagam proporcionalmente mais impostos.      

Simplicidade e transparência: A simplicidade é importante para conferir transparência e eficiência. Temos um dos mais complexos sistemas do mundo. Não há transparência, o contribuinte não sabe exatamente quanto paga de impostos.

Elasticidade e estabilidade: Estudo feito pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), em setembro de 2022, apontou que desde a promulgação da Constituição Federal, em 1988, foram editadas 466.561 normas tributárias.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Regulação das apostas não pode se limitar a taxação

O Globo

Cobrar impostos é importante, mas é preciso também zelar pela credibilidade dos esportes

No fim do mês passado, o governo publicou uma Medida Provisória para regulamentar as apostas esportivas no Brasil, iniciativa necessária em vista da expansão significativa da atividade no mundo inteiro, do vácuo jurídico existente no país e das inúmeras fraudes que têm surgido afetando a credibilidade do esporte. Agora o Planalto prepara uma estrutura para fiscalizar as novas regras.

O plano é criar a Secretaria Nacional de Prêmios e Apostas, vinculada ao Ministério da Fazenda. A equipe deverá reunir agentes da Polícia Federal (PF) e do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que passarão a monitorar as empresas de apostas, conhecidas como bets. Pelo projeto, a nova estrutura, criada por decreto, terá de 54 a 65 cargos e custo estimado de R$ 4 milhões ao ano. Será dividida em quatro subsecretarias: credenciamento, monitoramento, fiscalização e sanção.

Pelo que se desenha, fica claro que o governo está preocupado essencialmente com a arrecadação. Não que isso não seja importante. Sem dúvida, um dos motivos que exigem a regulamentação das apostas no Brasil é a necessidade de taxar as empresas que atuam num setor lucrativo com enorme potencial de crescimento. Nada mais justo que contribuam com o Estado. Boa parte do dinheiro arrecadado será destinada a rubricas importantes do Orçamento, como seguridade social, Ministério do Esporte, Fundo Nacional de Segurança Pública e educação básica, além de aos próprios clubes.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - A Frederico Garcia Lorca (fuzilado em 19.8.1936)

 

Música | Silas Lopes - Anjo da Velha Guarda (Moacyr Luz e Aldir Blanc)