quarta-feira, 7 de setembro de 2022

Maria Cristina Fernandes - Bolsonaro cavalga bicentenário para amedrontar eleitor

Valor Econômico

Dia da pátria marcará o início da escalada de ameaças para aumentar abstenção entre eleitores de Lula

O presidente Jair Bolsonaro cavalgará o bicentenário da independência para fazer da efeméride o grande palanque da reta final de sua campanha. A caça ao voto, porém, não está no toque marcial ou na esquadrilha da fumaça, mas na escalada das ameaças. Que nunca foram militares. A farda promove o fausto e o artifício, mas é coadjuvante no teatro de horrores armado pelo presidente da República. O golpe pretendido é o do medo.

Como, nem sob tortura, as projeções indicam a reeleição presidencial como cenário mais provável, a saída é impedir que o eleitor do candidato que lidera as pesquisas vote. Como? Pelo medo. De que? De tudo, mas especialmente da insegurança que se pretende fazer imperar nas ruas. Taí um quesito no qual o bolsonarismo é imbatível.

De imediato tem a meta de ampliar a abstenção, tradicionalmente mais alta entre os mais pobres, majoritariamente eleitores do líder das pesquisas, para evitar uma derrota no primeiro turno, cenário ainda não completamente descartado.

Vera Magalhães - 7 de Setembro com ares de 6 de Janeiro

O Globo

O Judiciário está isolado na trincheira da tentativa de contenção do presidente e de seus mais radicais apoiadores

E chegamos, assustados, ao 7 de Setembro. A maneira como o bolsonarismo constrói enredos que, mesmo canhestros, mobilizam a atenção de todo o país está no cerne da construção que fez de um “mau militar”, assim descrito por Ernesto Geisel, e deputado de atuação folclórica, fisiológica e apagada presidente da República.

Bolsonaro está há meses convocando para atos que capturam a celebração do Bicentenário da Independência para sua campanha à reeleição e para sua pregação contra as urnas eletrônicas e o Judiciário — em resumo, contra a democracia.

Nem percebemos que passamos a tratar como normal o fato de os desfiles oficiais dividirem espaço geográfico e convidados com uma micareta de apoiadores do presidente que reiteradamente têm investido contra as instituições em templos, nas redes sociais, em aplicativos de mensagens e atos em datas passadas.

Num sinal inequívoco de corrosão de limites do que é aceitável nas balizas do Estado de Direito, passamos quase a pedir a Deus para que não haja conflito, quiçá armado, e a prever graus de exacerbação de um ou vários discursos que Bolsonaro possa proferir nos palanques híbridos onde subirá.

O Judiciário está isolado na trincheira da tentativa de contenção do presidente, de seus mais radicais apoiadores e do financiamento desses atos que já minaram um grande pedaço do espaço da convivência democrática — uma vez que quem não se coaduna com essa pauta golpista é instado a ficar em casa no feriado para evitar conflitos.

Nosso arcabouço legal, a Constituição incluída, não foi erguido com instrumentos rápidos, fortes e seguros para matar no nascedouro conspirações como a que Bolsonaro mais uma vez encabeça — ele que foi expelido do Exército depois de liderar um motim para pressionar por melhores salários.

Elio Gaspari - Ruína e glória no Bicentenário

O Globo

O antigo é novo e o atual é velho

Hoje o Brasil completa 200 anos. Em tempos estranhos, dias estranhos. Ontem, em São Paulo, foi reinaugurado o museu que celebra a Independência. Hoje, na Avenida Atlântica, o presidente da República terá seu dia.

A festa do Brasil atual, no Rio, será dominada por Bolsonaro, com suas encrencas, divisões e radicalismos que levam a nada. A festa da reinauguração do Museu do Ipiranga foi amostra da vitalidade desta nação bicentenária. A celebração do passado mostrou o presente de um país que funciona.

Sabe-se lá o que dirá o capitão em Copacabana. Seu governo foi incapaz de produzir um só evento relevante para esta data. Pensando no que foi o Bicentenário da Independência dos Estados Unidos em 1976, ou o Bicentenário da Revolução Francesa, festejado em 1989, sente-se na alma o peso do imobilismo.

Felizmente, reinaugurou-se o Museu do Ipiranga. Celebrou-se o trabalho de centenas de operários, servidores públicos, museólogos, restauradores, engenheiros e arquitetos. Celebrou-se também a capacidade articuladora de governos responsáveis. Entre eles, o de João Doria, que parece ter saído de moda, mas fez coisas que ninguém fez.

Bernardo Mello Franco - O brado sequestrado

O Globo

Presidente submete Bicentenário ao calendário eleitoral e convoca militares para comício à beira-mar

Depois de sequestrar a bandeira do Brasil, a camisa da seleção e outros símbolos nacionais, o bolsonarismo se apropriou do Dia da Pátria. A captura será oficializada hoje, no bicentenário da Independência.

O capitão pôs o Sete de Setembro a serviço da campanha à reeleição. Submeteu a data cívica aos interesses do calendário eleitoral.

Por ordem de Bolsonaro, a comemoração foi deslocada do centro do Rio para a orla de Copacabana, ponto de encontro de seus apoiadores. O desfile no Rolls-Royce presidencial foi cancelado. Dará lugar a uma motociata à beira-mar.

Não será uma festa para todos. O clima de violência política recomenda que eleitores de outros candidatos evitem a Avenida Atlântica. De vermelho, só os salva-vidas da praia — e olhe lá.

Os militares vão participar alegremente do comício. Os canhões do Forte de Copacabana devem disparar de hora em hora. A Marinha promoverá uma parada naval, e a Aeronáutica fará uma exibição da Esquadrilha da Fumaça.

Luiz Carlos Azedo - Chegamos aos 200 anos desorientados e divididos

Correio Braziliense

Nem mesmo em 1972, quando o Sesquicentenário da Independência foi comemorado com pompa e circunstância pelo regime militar, a nossa memória histórica foi resgatada de forma tão tosca

O Bicentenário da Independência do Brasil está sendo “comemorado” hoje, às vésperas das eleições gerais de 2 de outubro (daqui a 25 dias), como se fosse uma pajelança eleitoral. Entretanto, deveria ser uma grande festa de afirmação da identidade nacional, da nossa coesão social e de um projeto de futuro.

O presidente Jair Bolsonaro (PL), que disputa a reeleição, se apropriou da data para alavancar sua campanha. As mobilizações “nacionalistas” programadas para Brasília, Rio de janeiro e São Paulo, principalmente, tendo como coadjuvantes as Forças Armadas, que sempre foram protagonistas, são atos de provocação contra o Estado democrático de direito e suas instituições, principalmente o Supremo Tribunal Federal (STF). Seus organizadores acreditam que o 7 de Setembro será o “fato novo” capaz de promover uma virada no cenário das eleições. Veremos.

Hélio Schwartsman – Sob pressão

Folha de Paulo

A chance de produzir confusão é grande, mas a de sucesso, baixa

Escrevo esta coluna algumas horas antes do tão antecipado 7 de Setembro. A situação do presidente Jair Bolsonaro é muito difícil. Apesar de ter recebido do Congresso licença para gastar várias dezenas de bilhões de reais em programas de má qualidade e grande apelo eleitoral, ele não dá sinais de reação nas pesquisas. Houve, é verdade, mexidas pró-Bolsonaro em algumas regiões e grupos populacionais, mas, no cômputo geral, os números indicam uma persistente estabilidade do quadro, com Lula abrindo mais de dez pontos percentuais de vantagem sobre o rival.

O risco de derrota iminente e a possibilidade de, fora do cargo, ser processado e encarcerado devem estar deixando Bolsonaro nervoso. Como a atual estratégia não está dando muito certo, ele pode ver-se tentado a fazer algo diferente. E o 7 de Setembro pode ser a ocasião, o que deveria deixar todos os democratas preocupados.

Bruno Boghossian - O voto das mulheres pobres e ricas

Folha de S. Paulo

Mulheres reduzem alinhamento de ricos e classe média com Bolsonaro

A economia deve repetir nesta eleição um papel tradicional na formação do voto. Até aqui, os brasileiros mais pobres demonstram preferência por Lula, enquanto aqueles de renda média e alta têm se reaproximado de Jair Bolsonaro. Parte desse alinhamento, no entanto, pode ser quebrada por um fator adicional: a rejeição das mulheres ao presidente.

Uma visão negativa sobre Bolsonaro une parte das eleitoras pobres e ricas. Segundo números da última pesquisa do Datafolha, homens e mulheres de baixa renda se comportam de maneira parecida na avaliação do presidente. Mas mulheres de classe média e alta apresentam uma oposição maior a ele do que os homens desses mesmos grupos.

Vinicius Torres Freire - Não é só Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Eleição vira referendo sobre o horror, e assuntos essenciais somem do debate

A possibilidade de reeleição dá ao voto um caráter de referendo do primeiro mandato de presidentes. Quando está em causa a recondução de um Jair Bolsonaro (PL), trata-se também de referendar ou não a demolição da democracia e da civilidade, uma decisão mais extrema e que relega outros assuntos à periferia do debate.

Dado que o desafiante principal é Lula da Silva, o voto tem ainda algo de júri sobre o histórico político e judicial do petista. Graças à depravação bolsonarista, também ocupam o centro da conversa assuntos como "Deus, pátria e família", outras guerras culturais e ficções como a "ameaça comunista".

Debates econômicos à vera raramente são assunto de campanha eleitoral. Neste ambiente depravado, desapareceram até da conversa de círculos mais esclarecidos. No transe piorado em que vivemos desde 2013, temos adiado "sine die" a lida com a nossa situação crítica.

Não quer dizer que tudo vá explodir já em 2023. Países definham por vezes durante décadas, basta observar a vizinhança.

Rodrigo Pacheco* - A Independência e o verdadeiro sentimento de nação

O Globo

O direito à liberdade de nos expressar encontra limite exatamente onde começam os direitos dos demais indivíduos

A palavra “comemorar” tem origem na palavra latina commemorare e, para além do sentido mais usual, que dá a ideia de celebrar, significa também “trazer à memória, relembrar, recordar”. E mais ainda, no radical “memorar” aliado ao prefixo “co”, no sentido de “junto”, nota-se a noção de uma ação coletiva. Então podemos dizer que uma comemoração enseja a celebração de uma memória coletivamente.

Hoje comemoramos juntos o Bicentenário da Independência. Gostaria de provocar uma reflexão. Após 200 anos do reconhecimento do Brasil como nação soberana e independente, gostaria que refletíssemos sobre o sentido de sermos uma nação livre.

Ernest Renan, em palestra na conceituada Universidade Sorbonne, na França, definiu uma nação dizendo que “a nação, como o indivíduo, é o resultado de um longo processo de esforços, de sacrifícios e de devotamentos. (…) Ter glórias comuns no passado, uma vontade comum no presente; ter feito grandes coisas conjuntamente, querer fazer ainda, eis as condições essenciais para ser um povo”.

Quando falo em união dos brasileiros e brasileiras em prol de um objetivo comum, estou falando desse resgate do verdadeiro sentimento nacionalista. O sentimento de pertencimento a uma nação não nos divide, e sim nos une. Nos une enquanto indivíduos e enquanto comunidade.

Michel Temer* - Setembro Branco

O Estado de S. Paulo

Que a comemoração do bicentenário da independência tenha um novo grito, o grito do diálogo. É hora de um pacto nacional

Este 7 de setembro é muito diferente dos anteriores não apenas pelo bicentenário da independência brasileira, mas porque carrega em seu ventre uma reflexão visceral, um desafio, para o nosso bem, incontornável. O grito do Ipiranga que, 200 anos atrás, ao cair da tarde, encerrou o período do Brasil colônia e deu início à formação de um país gigantesco, rico, peculiar e complexo, já não ressoa como antes. Perdeu energia mobilizadora, não desperta orgulho de pertencimento, como já o fez. A constatação não é má notícia. Na verdade, anuncia uma oportunidade: precisamos dar sequência ao processo de independência!

Libertar o País de grilhões estruturais que o impedem de ser, além de celeiro do mundo, também referência mundial em economia inclusiva, verde, tecnológica e sustentável. Uma obra urgente e inadiável que, se não realizada, nos levará à periferia do mundo novo em construção, mas, ao contrário, reservará ao País uma centralidade planetária.

A Pátria dos dias atuais, rebelde e dispersa, reclama por conquistas que rejuvenesçam a brasilidade, que fortaleçam a identidade nacional e reforcem os laços entre nós. Para o atendimento dessa demanda é preciso, em primeiro lugar, que os brasileiros deixem de ser tão desiguais entre si. Este é o pilar de sustentação de qualquer projeto de desenvolvimento que o novo governo, seja qual for a candidata ou o candidato eleito, venha a propor ao Parlamento. Não mais remendos, como bolsas e auxílios emergenciais ou permanentes, mas políticas consistentes de renda e de ascensão social, que estabeleçam novos patamares de qualidade de vida, pontos de não retorno da pobreza e da fome, partes integrantes do plano de desenvolvimento, e não possível consequência dele. Fato, e não mais promessa. Falo de desafios que, sem dúvida alguma, exigem a pacificação do País para que haja boa vontade, unidade, soma de esforços.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

Brasil tem muito a celebrar no Bicentenário

O Globo

Apropriação do 7 de Setembro pelo bolsonarismo não pode eclipsar as conquistas do país em 200 anos

A celebração do Bicentenário da Independência marcada para hoje contará com uma montagem cênica do grito de Dom Pedro I no Parque da Independência, no bairro do Ipiranga, em São Paulo, perto de onde ele deu o grito de “independência ou morte” há 200 anos, ao lado do museu recém-reformado. No Rio, a comemoração da efeméride deverá ocorrer perto do Forte de Copacabana. Em várias outras capitais e cidades brasileiras estão previstas homenagens. Mesmo considerando todas as festividades, o conjunto ficará aquém do que deveria.

O principal motivo é a apropriação do 7 de Setembro e das cores da bandeira por uma facção política, o bolsonarismo, que afastou a maioria da população. Num eco dos atos golpistas que promoveu na data nacional no ano passado, o presidente Jair Bolsonaro convocou para hoje uma série de manifestações de sua campanha à reeleição, com a indefectível “motociata” e todo o kit que mobiliza seu eleitorado mais fanático (a novidade será uma “jet skiata” em Copacabana). Diante do perfil belicoso e do culto às armas entre os bolsonaristas, o simples temor de confrontos e atos violentos contribui para manchar uma data em que, apesar de tudo, o país tem muito a celebrar.

Os 200 anos de uma nação como o Brasil merecem exaltação. Em 1822, éramos 4,7 milhões concentrados numa pequena faixa de terra junto ao litoral. Hoje a população gira em torno de 215 milhões, a quinta maior do mundo, espalhada por todos os pontos do território nacional. Em dois séculos, o país evitou o esfacelamento dos vizinhos da América Latina, acabou com a injustiça e a vergonha da escravidão, hospedou milhões de imigrantes de todos os continentes, integrou-se com base no idioma comum herdado dos portugueses, enriquecido com as contribuições milionárias africana, indígena e tantas outras. Construiu uma cultura própria, admirada no mundo todo, de excelência reconhecida em todos os campos artísticos, para não falar no futebol e nos esportes.

Poesia | Vinicius de Moraes -Pátria minha (por Chico Buarque, Caetano Veloso, Edu Lobo, Ferreira Gullar, Maria Bethânia e Toquinho)

 

Música | João Bosco - Incompatibilidade de gênios