quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Opinião do dia – Merval Pereira

Estamos caminhando para uma séria crise institucional. Não há mais maioria no Congresso para o governo aprovar medidas importantes do ajuste fiscal; não há mais credibilidade do governo, que não se impõe. Os congressistas não estão preocupados em ajudar a ultrapassar essa crise. O Congresso vai para um lado, o governo vai para o outro e não há uma figura no cenário que possa ser ouvida, para tentar um acordo.
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Merval Pereira é jornalista. Comentário na Rádio CBN, 5 de agosto de 2015..

Reprovação de Dilma cresce e supera a de Collor em 1992

• 71% consideram governo ruim ou péssimo, recorde da série do Datafolha

• Aumentou também o apoio à abertura de um processo de impeachment contra a presidente petista

Alexandre Aragão – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Com 71% de reprovação, a presidente Dilma Rousseff (PT) superou as piores taxas registradas por Fernando Collor (1990-92) no cargo, às vésperas de sofrer um processo de impeachment, mostra pesquisa Datafolha feita entre terça e esta quarta-feira (5).

No levantamento anterior, realizado na terceira semana de junho, 65% dos entrevistados viam o governo Dilma como ruim ou péssimo.

O grupo dos que consideram a atuação da petista ótima ou boa variou para baixo, dentro da margem de erro de dois pontos percentuais. Em junho, 10% dos consultados pelo Datafolha mantinham essa opinião. Agora, são 8%.

O cenário piorou para a presidente Dilma também no que diz respeito a um eventual pedido de impeachment.

Questionados se o Congresso deveria abrir um procedimento formal de afastamento, 66% dos entrevistados disseram que sim. No levantamento anterior, realizado em abril, eram 63%.

Também aumentou a quantidade de pessoas que acham que ela será retirada do cargo, independentemente de suas opiniões sobre um eventual processo de impeachment. Em abril, 29% diziam que a presidente seria afastada do Planalto. Agora, 38% disseram achar que Dilma sofrerá um impeachment.

Os números registrados pelo Datafolha na pesquisa desta semana são os piores desde que o instituto iniciou a série de pesquisas em âmbito nacional, em 1990, no governo Fernando Collor.

O atual senador pelo PTB-AL, investigado na Lava Jato, era até agora o recordista de impopularidade na série do Datafolha, com 9% de aprovação e 68% de reprovação na véspera de seu impeachment, em setembro de 1992.

Dilma, dessa forma, passa a ser a presidente com a pior taxa de popularidade entre todos os eleitos diretamente desde a redemocratização.

As pesquisas Datafolha do período do governo José Sarney (1985-1990) eram feitas em dez capitais. Incomparáveis, portanto, com as seguintes. Nesse universo, Sarney registrou 68% de reprovação em seu pior momento, em meio à superinflação.

Regiões
A reprovação à presidente Dilma Rousseff é homogênea em relação às regiões do país, com índices em patamares semelhantes em todas elas.

Nos locais em que seu partido, o PT, costuma ter mais reprovação, a presidente registrou taxas levemente piores. A maior taxa de reprovação foi registrada na região Centro-Oeste, 77%. No Sudeste e no Sul, 73% dos entrevistados disseram que o governo é ruim ou péssimo.

Mesmo no Nordeste, região do país onde o PT costuma ter melhor desempenho eleitoral, a aprovação de Dilma é baixa. Apenas 10% dos consultados pelo Datafolha afirmaram que o governo é ótimo ou bom. Outros 66% entendem que a administração é ruim ou péssima.


As taxas apuradas pelo Datafolha em relação à questão do impeachment também são consistentes independentemente da região do país.

No Centro-Oeste, 74% acreditam que o Congresso deveria fazer tramitar um pedido de afastamento. Sul e Sudeste registram 65%. No Nordeste, o percentual é maior, porém dentro da margem de erro, com 67%.

Também não há diferença relevante em relação a idade ou o sexo dos entrevistados. Os resultados tanto entre homens como entre mulheres repetem o percentual de reprovação geral, de 71%.

Dilma tem reprovação levemente inferior entre pessoas com mais de 60 anos (68%). Os resultados das outras faixas etárias variam pouco, sempre dentro da margem de erro.

O Datafolha entrevistou 3.358 pessoas com 16 anos ou mais em 201 municípios nas cinco regiões do país.

A margem de erro da pesquisa é de dois pontos percentuais para mais ou para menos.

O nível de confiança do levantamento é de 95% –se fossem realizadas 100 pesquisas com a mesma metodologia, os resultados estariam dentro da margem de erro em 95 ocasiões.

Planalto faz apelo por união, mas até base começa a ruir

Base começa a derreter

• Temer diz que alguém deve reunificar país

• Mercadante elogia PSDB e pede pacto

• PDT e PTB se rebelam; PMDB quer reforma

Catarina Alencastro, Chico de Gois, Fernanda Krakovics, Isabel Braga, Júnia Gama, Maria Lima e Washington Luiz – O Globo

Crise política
BRASÍLIA - O governo fez ontem apelos dramáticos ao Congresso, à sociedade e até ao PSDB, principal partido de oposição, para enfrentar a crise político-econômica, mas acabou atingido por dois partidos da base aliada - PDT e PTB -, que somam 44 deputados e anunciaram que, ao menos temporariamente, não votarão mais com o Planalto. Os pedidos de união também não foram bem recebidos pelo PSDB, que considerou que a mudança de tom veio tarde.

Depois de uma manhã de reuniões com líderes do Senado, da Câmara e ministros, o vice-presidente e articulador político do governo, Michel Temer, reconheceu que o país enfrenta uma crise política e econômica e, em tom grave, fez um apelo para que o Congresso ajude a unificar o país. Visivelmente apreensivo e preocupado, Temer afirmou que será preciso ter o apoio de todos os brasileiros para enfrentar o cenário que se desenha (íntegra abaixo) .

- Há uma certa preocupação. Não posso negar isso. Daí a razão desta espécie de convocação no sentido de que todos trabalhemos juntos. Eu tenho pregado com frequência a ideia da tranquilidade, da moderação, da harmonia entre os órgãos do poder. E hoje mais do que nunca se faz necessária essa harmonia que nós tanto temos alardeado - afirmou.

Na reunião com os senadores, Temer disse que, antigamente, um governo precisava de "governabilidade", de apoio político. Hoje, segundo ele, um governo precisa de "governança", que inclui o apoio da sociedade civil e de movimentos sociais. Estes, por meio da internet, fazem pressão sobre deputados e senadores.

Desde segunda-feira, o vice-presidente vinha se reunindo com a base aliada do governo para tentar uma reaproximação com o Congresso. Mas já no primeiro dia de votação, na terça-feira, a pauta bomba dos reajustes para servidores foi colocada em votação na Câmara, e o presidente do Senado, Renan Calheiros, informou que não colocaria em votação rapidamente a proposta que acaba com a desoneração da folha de pagamentos. Além das dificuldades na pauta econômica, o governo teme o andamento dos pedidos de impeachment presidencial protocolados por movimentos sociais na Câmara - somado ao risco de Dilma ter as contas de 2014 rejeitadas pelo Tribunal de Contas de União (TCU) - e as manifestações marcadas para o próximo dia 16.

PDT e PTB na câmara anunciam independência
Mas se o encontro de Temer com a base pela manhã tinha como objetivo recompor a sustentação do governo, especialmente na Câmara, o efeito foi o oposto. O PDT foi duramente cobrado pela "infidelidade" na votação da noite anterior, em que apenas um dos 13 deputados do partido presentes foi favorável ao governo. Segundo relatos, houve reclamação generalizada dos demais representantes de partidos da base que votaram majoritariamente com o governo. O líder do governo José Guimarães (PT-CE) e o próprio Temer teriam sido enfáticos pedindo à base para ter mais responsabilidade e apoiar o governo.

Alvo de ironias e acusações, o PDT, há oito anos no comando Ministério do Trabalho, decidiu romper. O líder do partido na Câmara, André Figueiredo (PDT-CE), foi à tribuna anunciar que a legenda passará a adotar uma posição de independência.

- Não vamos mais participar das reuniões dos líderes aliados. Estamos sendo de forma recorrente desrespeitados, chamados de traiçoeiros e infiéis, quando somos o único partido que avisa antes como irá votar - disse Figueiredo.

O deputado afirmou que, antes de anunciar em plenário a decisão da bancada, comunicou-a ao presidente da legenda, Carlos Lupi, e ao ministro do Trabalho, Manoel Dias. Segundo o deputado, Lupi teria lhe dado "total liberdade" para agir e comentou que a permanência na base "tem prazo de validade". A reação de Manoel Dias foi de constrangimento. André Figueiredo disse que a decisão sobre a eventual saída de todo o PDT da base de apoio ao governo Dilma Rousseff, inclusive com a entrega do ministério ocupado pela legenda, ocorrerá em reunião de todo o partido.

- O Manoel ficou em uma situação constrangedora. Mas o ministério é da presidente Dilma, foi ela quem escolheu o ministro. Ele tem nossa confiança, mas não foi a bancada que o indicou. Temos clareza de que os próximos passos serão naturalmente dados. Não se afasta essa hipótese (de deixar o ministério) - pontuou.

Depois do PDT, também o PTB anunciou rompimento com o governo. Após uma reunião que contou com a presença de vários líderes da base, o líder do partido na Câmara, Jovair Arantes (GO), disse que a bancada também declara posição de independência.

- Estamos dando um tempo para discutir a relação. A gente está segurando a bancada no braço, mas o governo não tem sensibilidade, os ministros não atendem. Não é só cargos, mas é evidente que quem participa do governo tem os ônus e os bônus. Nós estaremos votando contra o governo nos próximos dias - disse Jovair.

O líder do governo tentou uma última conversa com o partido durante a reunião, mas não obteve sucesso. Na saída, criticou a decisão:

- Esse negócio de independência, prefiro rompimento. Temos que refazer a base e rever os ministérios que estão na cota desse ou daquele partido. Precisamos redefinir criteriosamente quem é base ou não. Essa questão da base atingiu o pico -afirmou Guimarães.

Os esforços do governo por uma união para enfrentar a crise começaram pela manhã com a ida à Câmara do ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante. O ministro admitiu erros do governo - sem especificar quais - e pediu apoio do PSDB, com elogios ao principal partido da oposição.

- Acho que vivemos um momento polarizado politicamente, com erros que nós cometemos e que se comete quando se é governo. Vocês governaram o país por oito anos e tiveram uma grande experiência. Precisamos ter no país alguns pactos que vão além de governos - afirmou o ministro, dirigindo-se ao presidente da Comissão, Rodrigo de Castro (PSDB-MG).

- Controle da inflação, que é uma contribuição que vocês deram e ficou para a história do Brasil. Nosso governo está tomando medidas impopulares porque sabe que sem ajuste fiscal nós não nos recuperamos. Isso tem que ter um acordo suprapartidário - defendeu Mercadante.

O presidente do PSDB, senador Aécio Neves (MG) disse que o mea culpa de Mercadante, mesmo tardio, é positivo , mas desmente tudo o que Dilma disse na campanha.

- A mudança de tom do governo, especialmente do ministro Mercadante, é mais uma demonstração de que o governo mentiu aos brasileiros durante todo o processo. Vamos continuar agindo com responsabilidade votando os projetos de interesse do Estado, não do governo. Não aceitamos que se transfira para a oposição a responsabilidade de sair dessa crise - disse Aécio.

O governo foi pressionado ontem por deputados da base aliada a fazer uma reforma ministerial.

- O modelo da base exercido até aqui se exauriu - disse o líder do PMDB na Câmara, Leonardo Picciani (RJ).

- O modelo de articulação do governo faliu. Temos que zerar o jogo - afirmou o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP).

Câmara impõe nova derrota ao governo

• Mesmo com o apelo do vice-presidente Michel Temer a aliados, deputados aprovam reajustes que custarão R$ 2,45 bilhões à União

Daniel Carvalho, Bernardo Caram e Valmar Hupsel Filho – O Estado de S. Paulo

Após uma sucessão de derrotas do governo, o plenário da Câmara aprovou na madrugada de hoje uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que reajusta salários de várias carreiras, provocando impacto de R$ 2,45 bilhões por ano apenas para a União. A proposta foi aprovada por 445 votos favoráveis, 16 contrários e seis abstenções. Na semana que vem, serão votados os destaques. O governo tentou durante todo o dia de ontem, mas não conseguiu unir sua base para novamente adiar a votação. Sem alternativa, rendeu-se ao substitutivo que vincula o teto dos subsídios de advogados públicos, defensores públicos e delegados das Polícias Federal e Civil a 90,25% do que recebem os ministros do Supremo Tribunal Federal.

Dessa forma, o salário inicial de um advogado público passa de R$ 17,3 mil para R$ 27,5 mil. A aposta do Planalto é de que governadores e prefeitos pressionem parlamentares de suas bancadas para evitar efeito cascata da PEC em Estados e municípios e que a Justiça diga que o texto é inconstitucional. Para aumentar suas chances de ver o texto rejeitado mais adiante, o governo apoiou uma emenda aglutinativa que estendia o reajuste também a auditores da Receita e do Trabalho, peritos da Polícia Federal e defensores públicos.

No entanto, a proposta não atingiu os 308 votos necessários para aprovação. Foram 247 votos a favor, 203 contra e 14 abstenções. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), condicionou a votação em segundo turno da PEC 443 à aprovação de outra PEC, a de número 172, que impede o repasse de encargos a entes federados sem a designação da fonte de receita. Antes mesmo do início da sessão, o governo já contava sua segunda derrota em dois dias. Na noite anterior, viu o plenário, com ajuda da base, impedir o adiamento da votação da PEC para o fim do mês, manobra que garantiria mais alguns dias para negociação de um texto alternativo.

Ontem o dia foi de desgastes. Pela manhã, líderes da base foram convocados pelo vice-presidente Michel Temer para uma reunião tensa e com ameaças. Os líderes aliados lavaram roupa suja e avisaram: o governo vai continuar perdendo votações importantes na Câmara como forma de retaliação dos deputados. Ministros do governo montaram uma força-tarefa para entrar em campo e barrar o avanço da proposta. O clima entre os aliados, no entanto, ainda era de animosidade. Deputados alegam que o Executivo ainda não cumpriu os compromissos firmados no primeiro semestre, em relação às nomeações de segundo e terceiro escalões e ao corte no valor das emendas individuais.

O Planalto alega, no entanto, que os partidos não estão mostrando fidelidade ao governo. À noite, a insatisfação foi posta em prática com a declaração de que PTB e PDT, partidos da base aliada, adotariam postura de independência nas votações. Os anúncios surpreenderam e irritaram o líder do governo, José Guimarães (PT-CE). "Esse negócio de independência, eu prefiro rompimento."

Temer faz apelo por união e pensamento acima dos partidos

• Em tom emocionado, vice-presidente reconhece gravidade da crise política e econômica e passa o dia em reuniões com líderes e ministros

- O Estado de S. Paulo

Responsável pela articulação política do Palácio do Planalto, o vice-presidente Michel Temer fez ontem um apelo público ao dizer que o Brasil precisa que "alguém tenha a capacidade de reunificar" e evitar "uma crise desagradável para o País". A declaração, em tom emocionado, foi dada após uma tensa reunião com partidos aliados, num momento em que o governo reconhece ter perdido o controle da base e não consegue fazer a economia sair da recessão, agravada pelas investigações da Operação Lava Jato. Pela manhã, o vice-presidente recebeu líderes da base no Senado no Palácio do Jaburu; depois, conversou no Planalto com líderes da base na Câmara; e recebeu, na sequência, os ministros Joaquim Levy (Fazenda), Eliseu Padilha (Aviação Civil), Luís Inácio Adams (Advocacia-Geral), José Eduardo Cardozo (Justiça).

"Eu queria fazer uma declaração precisamente em face das várias autoridades do Legislativo e do Executivo que passaram aqui pelo meu gabinete. A declaração eu quero fazer, na verdade, aos vários setores da sociedade brasileira", iniciou o vice-presidente. "Na pauta dos valores políticos temos, muitas vezes, a ideia do partido político como valor, do governo como valor, e do Brasil como um valor. Mas nessa pauta de valores o mais importante é o valor Brasil, o valor País, e estamos pleiteando exata e precisamente que todos se dediquem a resolver os problemas do País", disse Temer.

"Não vamos ignorar que a situação é razoavelmente grave, não tenho dúvidas de que é grave, porque há uma crise política se ensaiando, uma crise econômica que está precisando ser ajustada mas, para tanto, é preciso contar com o Congresso Nacional, com os vários setores da nacionalidade brasileira." Temer reconheceu que a volta do recesso parlamentar agravou a crise. Na véspera, o Planalto foi surpreendido pela traição na base e não conseguiu barrar o reajuste salarial aos servidores da Advocacia-Geral da União (AGU) nem evitar o alijamento do PT de CPIs como a do BNDES e a dos Fundos de Pensão.

A reunião com líderes da Câmara foi a mais tensa do dia – dos senadores, Temer ouviu que a Casa não teria "pauta-bomba" que eleve os gastos públicos. Após o encontro com os deputados, classificada no Planalto como "catastrófica", o vice-presidente chamou os jornalistas para repetir o que havia dito aos líderes. "É preciso que alguém tenha a capacidade de reunificar, reunir a todos e fazer este apelo e eu estou tomando esta liberdade de fazer este pedido porque, caso contrário, podemos entrar numa crise desagradável para o País", afirmou Temer.

"Os brasileiros querem que o Brasil continue na trilha do desenvolvimento e, por isso, mais uma vez, reitero que é preciso pensar no País acima dos partidos, acima do governo e acima de toda e qualquer instituição. Se o País for bem, o povo irá bem. É o apelo que eu faço aos brasileiros e às instituições no Congresso Nacional." O vice lembrou o efeito da crise fora do País.

"Temos de ter atuação que repercuta positivamente no exterior. Se não tomarmos cuidado, nossa ação pode repercutir negativamente no exterior", completou. O apelo de Temer já obteve respaldo. Após se reunir como vice, Levy disse ser preciso "tranquilidade e firmeza para continuar o diálogo para alcançar as soluções que o Brasil precisa". "Ninguém quer uma ruptura em nenhum aspecto, a gente precisa é garantir a recuperação econômica."

Mercadante propõe um ‘pacto suprapartidário

Valmar Hupsel Filho, Rachel Gamarsk – O Estado de S. Paulo

O ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, fez diversos acenos ontem à oposição durante audiência na Câmara para tratar da crise no setor naval. O petista falou num "pacto suprapartidário" para conter a crise econômica e afagou o PSDB, destacando a importância da garantia da estabilidade e do controle da inflação, creditando-as como conquistas do governo tucano do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. "Precisamos de um pacto que vá além das políticas de Estado. Existem questões como a de responsabilidade fiscal, que foi uma contribuição que vocês deram ao País", disse o ministro. Mercadante ressaltou que governo e oposição estão "no mesmo barco".

"Precisamos de equilíbrio e bom senso e estamos todos no mesmo barco, que se chama Brasil", afirmou. O petista falou até de erros do governo. Disse que o País vive um momento polarizado e de tensão política, "depois de erros que o governo cometeu e que é preciso superá-los". Mercadante reconheceu as medidas impopulares que o governo está tomando para passar pela crise econômica. O clima ameno acabou fazendo com que Mercadante fosse poupado por deputados-membros da comissão de Minas e Energia, formada em sua maioria por nomes da oposição. No governo, havia o temor de que o ministro fosse alvo de questionamentos sobre a Operação Lava Jato. Mercadante foi citado pelo delator Ricardo Pessoa, dono da UTC, como recebedor de R$ 250 mil em 2010, quando concorreu ao governo de São Paulo. O ministro afirma que a doação foi legal e devidamente informada à Justiça Eleitoral.

A estratégia passou a ser pular do barco

• Brasília viveu uma quarta-feira diferente, com ares de 1992 e clima de "agora tudo pode acontecer"; Lava-jato é hoje maior do que o governo

Alan Gripp – O Globo

Um pouco de tudo já se viu nos sete meses ininterruptos de crise política do segundo governo Dilma. Porém, dois episódios ocorridos ontem mostraram que algo diferente estava no ar.

No primeiro, Aloizio Mercadante, chefe da Casa Civil, aproveitou a passagem pelo Congresso para, num arroubo de humildade, fazer um surpreendente mea-culpa. Disse que o governo cometeu erros, falou em um "acordo suprapartidário" e fez afagos no eterno inimigo PSDB. "Vocês têm experiências importantes na administração de estados e do Brasil", afirmou.

Quem conhece Mercadante sabe o quão improvável foi aquele comportamento. Durante toda a crise, o ministro foi alvo de dez entre dez aliados do governo, que consideram-no arrogante e intransigente na relação com a base, para usar adjetivos suaves.

No segundo, o vice Michel Temer, invocando o papel de articulador político, fez um apelo pela governabilidade. Chegou a citar três vezes numa mesma frase a palavra "grave" e, no momento mais dramático, afirmou: "É preciso que alguém tenha a capacidade de reunificar a todos. Caso contrário, podemos entrar numa crise desagradável".

Quem conhece Temer sabe o quão improvável foi aquele comportamento. Conhecido pela calma que falta a muitos de seus correligionários, o vice estava visivelmente nervoso. Vinha de uma conversa com a presidente Dilma, em que relatou as queixas que acabara de ouvir de líderes aliados no Congresso, num tom acima do normal.

Dali em diante, a base do governo, já em frangalhos, começou formalmente a ruir. O PDT anunciou que adotará independência na Câmara. Deputados do PTB declararam rompimento com o governo. O PCdoB quer uma reforma ministerial.

Os partidos sabem que o agravamento da crise é inevitável. Com novas delações premiadas a caminho, não há controle possível sobre a Lava-Jato, se é que um dia houve. A Lava-Jato é hoje maior do que o governo. E a estratégia, que até agora parecia ser observar cautelosamente a gestão Dilma respirando por aparelhos, passou a ser pular do barco.

Na política, é sempre prudente não tirar conclusões apressadas. Mas as cenas desta quarta-feira fizeram Brasília reviver os ares de 1992 e deixaram no ar um clima de "agora tudo pode acontecer".

Temer faz apelo por 'reunificação' do país

Por Andrea Jubé e Raymundo Costa

BRASÍLIA - Preocupado com o agravamento da crise econômica e política vivida pelo país, o vice-presidente Michel Temer fez ontem um apelo dramático pela "reunificação do país". Articulador político do governo, Temer revelou preocupação com o impacto negativo nas contas públicas de projetos aprovados no Congresso e pediu ao Senado que atue como "para-choque" de propostas que passem pela Câmara dos Deputados.

"É preciso que alguém tenha a capacidade de reunificar a todos. Estou tomando a liberdade de fazer este pedido porque, caso contrário, podemos entrar numa crise desagradável para o país", advertiu o vice-presidente, durante entrevista. Antes de conversar com os jornalistas, reuniu-se com vários ministros, entre eles Joaquim Levy, da Fazenda, e Nelson Barbosa, do Planejamento, e pela manhã já havia se encontrado com os líderes aliados no Congresso.

"Não vamos ignorar que a situação é razoavelmente grave, não tenho dúvidas de que é grave. E é grave porque há uma crise política se ensaiando e uma crise econômica que precisa ser ajustada", alertou. "Mas para tanto é preciso contar com o Congresso e com os vários setores da nossa sociedade".

Temer disse que, se os problemas não forem enfrentados, haverá repercussão negativa para a imagem do país. Ele exortou os políticos a deixarem de lado, neste momento, interesses partidários "para resolver os problemas do país, acima dos partidos, acima do governo".

A presidente Dilma Rousseff desencadeou, por sua vez, uma ofensiva para tentar retomar a iniciativa política e esvaziar as articulações em favor do impeachment ou de um pacto com a oposição para dividir o governo. O objetivo é convencer os líderes partidários de que conta com o apoio do "PIB nacional" para enfrentar a crise. Segundo interlocutores da presidente, grandes grupos empresariais têm se reunido para discutir a crise. Nessas conversas haveria consenso de que Dilma ainda representa a melhor solução para enfrentar a turbulência atual.

Para Temer, crise política se agrava
O vice-presidente Michel Temer e articulador político do governo fez ontem um apelo dramático ao Congresso Nacional, aos empresários e demais setores da sociedade para que haja uma "reunificação do país". Temer, conhecido pela postura sóbria, usou a palavra "grave" três vezes e alertou que o país caminha rumo a uma "crise desagradável", com repercussão no exterior.

"É preciso que alguém tenha a capacidade de reunificar a todos, estou tomando a liberdade de fazer este pedido porque, caso contrário, podemos entrar numa crise desagradável para o país", alertou o vice, em tom emocionado.

Apesar do agravamento da crise, o vice não pretende deixar a coordenação política, segundo relato de interlocutores próximos ao pemedebista. De acordo com esta versão, a manifestação de Temer seria um alerta para o risco real de agravamento do quadro político e econômico.

"Não vamos ignorar que a situação é razoavelmente grave, não tenho dúvidas de que é grave. E é grave porque há uma crise política se ensaiando, há uma crise econômica que precisa ser ajustada", alertou. "Mas para tanto é preciso contar com o Congresso Nacional e com os vários setores da nossa sociedade", exortou.

Temer convocou a imprensa para fazer o apelo às lideranças políticas, empresariais e demais setores da sociedade brasileira. Ele fez o apelo ao final de uma sequência de reuniões com ministros e lideranças da base aliada no Senado e na Câmara. Ontem ele se reuniu com Joaquim Levy, da Fazenda, Nelson Barbosa, do Planejamento, José Eduardo Cardozo, da Justiça, e Luis Inácio Adams, da Advocacia Geral da União. À noite, recebeu a visita do ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, e do presidente da Fundação Ulysses Guimarães, do PMDB, Moreira Franco. Ambos reforçam a articulação política no Senado e na Câmara.

"Quando se inaugura esse segundo semestre, agrava-se uma possível crise. Precisamos evitar isso em nome do Brasil, do empresariado brasileiro, dos trabalhadores. É preciso que alguém tenha a capacidade de reunificar a todos".

Ele alertou que o aprofundamento da crise terá impacto lá fora. "Temos que ter uma atuação aqui no Brasil que repercuta positivamente no exterior. Se não tomarmos cuidado, nossa atuação poderá repercutir negativamente no exterior", ressaltou.

Temer decidiu falar diante de dois alertas de "bombas-fiscais": a votação da proposta de emenda constitucional que vincula os salários dos advogados da União, delegados e agentes policiais a 90,25% da remuneração dos ministros do Supremo Tribunal Federal, na Câmara; e no Senado, o adiamento do projeto de desoneração da folha de pagamento das empresas, item do ajuste fiscal que a equipe econômica agora luta para que possa entrar em vigor pelo menos no ano que vem.

Temer disse que é necessário agir acima de interesses partidários. "Temos a ideia do partido político como um valor do governo, mas nessa pauta de valores, o mais importante é o valor-Brasil", sustentou. "Estamos pleiteando, exata e precisamente, que todos se dediquem a resolver os problemas do país, acima dos partidos, acima do governo".

Em café da manhã com líderes da base no Senado, e depois com os líderes na Câmara, numa reunião considerada tensa e ríspida, Temer se disse preocupado com as recorrentes traições da base. Segundo participantes do encontro, foi uma conversa "dura" e um "choque de realidade". O vice fez a avaliação de que a base tem faltado ao governo não de maneira eventual, mas a todo momento, como se estivesse descomprometida com a gestão.

Hoje, o vice-presidente estará em São Paulo, para receber uma homenagem do governador paulista Geraldo Alckmin, uma das principais lideranças tucanas. Temer era secretário de Segurança Pública em 1985, ocasião em que criou a delegacia da Mulher, há exatos 30 anos. (Colaboraram Vandson Lima e Thiago Resende)

Levy diz que crise 'é séria' e que a hora é de 'persistência e paciência'

• Mesmo com apelo por ajuste, Câmara pôs na pauta aumento para advogados

Júnia Gama, Isabel Braga, Martha Beck e Bárbara Nascimento – O Globo

BRASÍLIA - Em um dia de estresse no mercado financeiro com juros e dólar em alta, e com a indefinição sobre a votação do projeto que aumenta a tributação sobre a folha de pagamento das empresas no Senado, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, afirmou que é preciso firmeza para ter a última medida do ajuste econômico aprovada ainda neste ano.

- Conversa, paciência, persistência. A situação econômica é séria, a questão fiscal é muito séria. A gente tem que ter tranquilidade e firmeza para continuar o diálogo e alcançar as soluções de que o Brasil precisa - disse Levy, após encontro com o vice-presidente Michel Temer.

Ele disse que, ao reorganizar as contas públicas, o governo assumiu o risco de afetar a popularidade da presidente Dilma. E frisou que esse ajuste não é a causa da recessão econômica, mas uma consequência dela.

- O governo tomou responsabilidades e assumiu o custo da popularidade para fazer o Brasil regressar ao crescimento. A presidente assume essa responsabilidade e esse compromisso - frisou o ministro.

Apesar de apelos contrários dos ministros da equipe econômica, a Câmara manteve na pauta a votação da PEC 443, que aumenta o teto salarial de advogados públicos e procuradores. Em manobra arriscada, os deputados acordaram votar o chamado "jumbão": substitutivo ao projeto original que inclui outras carreiras e torna incalculáveis os gastos para os cofres públicos.

O líder do governo, José Guimarães (PT-CE), anunciou à noite que o governo havia "se rendido" à decisão da maioria. Há uma esperança entre alguns setores contrários à medida de que ela acabe sendo declarada inconstitucional devido à abrangência exacerbada.

- A base, em sua maioria, decidiu votar a PEC, que está sendo chamada de jumbão, vinculando tudo. As responsabilidades são do Congresso, porque não atenderam o apelo do governo pelo diálogo e por uma solução adequada para não atingirmos o esforço fiscal que a presidente Dilma pactuou com os governadores. O governo é contra, mas se rendeu ao desejo da maioria da base. Quem vota assume a sua responsabilidade - disse.

Mais cedo, o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, entrou em campo para tentar derrubar a PEC 443. Ele afirmou ao GLOBO que pediu aos líderes da base aliada que não votem, ou votem contra o texto. Na terça-feira, o governo chegou a tentar adiar a votação da PEC, que tem um impacto anual de R$ 2,4 bilhões nas contas públicas, mas saiu derrotado.

Pouco antes do início da sessão plenária para analisar a PEC 443, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), disse que só vai votar o segundo turno da proposta de aumento aos servidores depois que o Congresso aprovar a PEC 172, que proíbe encargos sem repasses da União para estados e municípios:

- A PEC 172 impede que se transfiram encargos sem a respectiva receita para entes federados. Então, se a 172 estiver no texto da Constituição Federal, a gente pode concluir a votação. Se não estiver, do jeito que está aí, eu não vou votar - disse o peemedebista.

Eduardo Cunha voltou a criticar o governo :

- Não é o presidente da Câmara que pauta, é o plenário que está derrotando o governo. Não dá para o governo fingir que tem base - declarou, acrescentando que, caso o governo não construa uma base sólida, pode assistir a "derrotas sucessivas". (Colaboraram Gabriela Valente e Washington Luiz)

Para Cunha, 'contexto de terror' exige reformas

Por Thiago Resende - Valor Econômico

BRASÍLIA - Em discurso com tom político a empresários e parlamentares, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), disse ontem que, diante de um "contexto de terror" e equívocos da presidente Dilma Rousseff, novas ações são necessárias, entre elas a reforma tributária, que ele quer colocar em votação. "Estamos debaixo da tempestade perfeita. E essa tempestade perfeita precisa ser combatida. O governo precisa ajustar as suas contas, mas nós precisamos saber onde está a luz no fim do túnel. O que nós vimos até agora é só túnel", afirmou, crítico à política econômica.

Durante o lançamento da Frente Parlamentar da Indústria de Máquinas e Equipamentos, Cunha disse que a proposta do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, para rever a política de desoneração da folha de pagamentos foi um erro. O projeto de lei retira incentivos dados a empresas num período de crescimento econômico, mas esse "reoneração" está sendo feita num momento de recessão. "Ou seja, fez exatamente o inverso", avaliou o pemedebista.

Essa é uma das principais medidas do ajuste das contas públicas visado pela presidente Dilma. O objetivo é evitar que o Brasil perda o grau de investimento na avaliação de agências de risco. Isso agravaria a crise econômica. Cunha, no entanto, ressaltou que o problema do país não vai ser resolvido somente com o ajuste fiscal. "Precisamos ter planejamento. A indústria de máquinas vai ser competitiva?", acrescentou.

Cunha lembrou que criou uma comissão na Câmara para, em cerca de 30 dias, apresentar uma proposta de reforma tributária que reúna diversos projetos em tramitação na Casa. A ideia, segundo ele, é construir um texto visando melhorar o ambiente de negócios no nosso país. Defendeu ainda que uma limitação da carga tributária - uma das principais reclamações de empresários - em relação ao Produto Interno Bruto (PIB).

Estamos em um período de retração da economia, juros elevados, inflação em áreas administradas pelo governo, a indústria perdeu competitividade no mercado externo e interno, a alta no preço da energia elevou os custos de produção e, em uma situação de desajuste das contas públicas, o governo decidiu cortar investimentos e não despesas, elencou o pemedebista, aplaudido ao traçar esse panorama econômico crítico ao governo.

No evento, empresários relataram perda de receitas e até demissões. Segundo dados da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), mais de 30 mil vagas foram cortadas nos últimos 12 meses. A Frente Parlamentar em defesa do setor reúne cerca de 280 deputados e senadores que vão acompanhar os temas de relevância para as companhias consideras por eles "a indústria das indústrias", pois os produtos abastecem outras empresas.

Senadores do PSDB e PMDB ensaiam diálogo

Isadora Peron, Ricardo Brito – O Estado de S. Paulo

Um jantar na casa do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) reuniu na terça-feira tucanos e peemedebistas, incluindo o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e Aécio Neves (PSDB-MG). Os senadores analisaram prós e contras de um eventual impeachment da presidente Dilma Rousseff. Do PSDB, estavam José Serra (SP) e Aloysio Nunes (SP), além de Tasso e Aécio. Do PMDB, Renan estava com Romero Jucá (RR) e Eunício Oliveira (CE). Tucanos presentes dizem que Renan adota tom cauteloso ao falar de eventual saída de Dilma – postura, afirmam, não tão beligerante quanto a do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). O impeachment divide o PSDB. A ala ligada a Aécio avalia que trocar Dilma pelo vice Michel Temer poderia até prolongar a crise, e prefere a cassação da chapa pela Justiça Eleitoral e a realização de nova eleição.

Diálogo. O jantar foi classificado pelas cúpulas dos dois partidos como tentativa de abertura de diálogo entre os grupos. O encontro, dizem, não deve ser o último. Articulador da reunião, Aécio foi surpreendido com a informação de que Renan havia divulgado em sua agenda que receberia a bancada do PSDB na residência oficial. O plano era que participasse do encontro apenas o grupo mais próximo a Aécio. Tucanos e peemedebistas começaram a dizer que o jantar havia sido cancelado. Em seguida, articularam o encontro "clandestino" na casa de Tasso. Para despistar a imprensa, antes da reunião os tucanos passaram em outro jantar, oferecido por parlamentares do PSDB de Santa Catarina.

Sergio Moro condena cúpula da OAS por corrupção

Fernando Taquari e André Guilherme Vieira - Valor Econômico

SÃO PAULO e CURITIBA - O juiz federal Sergio Moro, titular da Operação Lava-Jato na primeira instância, condenou cinco executivos do grupo OAS pelos crimes de organização criminosa, lavagem de dinheiro e corrupção apurados no curso da investigação. É a segunda empreiteira com executivos condenados na Lava-Jato. Em 20 de julho, a Justiça sentenciou os da Camargo Corrêa pelos mesmos delitos.

Ao receber denúncia do Ministério Público Federal (MPF), o magistrado destacou a existência de um "grupo criminoso" que atuava desde 2007 de forma "sofisticada, profissional e estruturada" em crimes contra a Petrobras. Ainda cabe recurso.

O ex-presidente da empreiteira, José Aldemário Pinheiro Filho, conhecido como Leo Pinheiro, foi condenado a 16 anos e quatro meses de prisão, a mesma pena aplicada a Agenor Medeiros, ex-diretor-presidente da área internacional. Já o ex-diretor financeiro Mateus Coutinho de Sá Oliveira recebeu pena de 11 anos por organização criminosa e lavagem de dinheiro. Apontado como o responsável pelo transporte da propina, o funcionário José Ricardo Nogueira Breghirolli também foi sentenciado a 11 anos de prisão pelos mesmo crimes praticados por Oliveira. O executivo Fernando Stremel foi condenado por lavagem e terá que cumprir quatro anos em regime aberto.

Na denúncia, MPF afirmou que a OAS conseguia contratos com a Petrobras por meio do pagamento de propina e a formação de cartel com outras empreiteiras investigadas pela força-tarefa. As obras contratadas seriam referentes às refinarias Abreu e Lima, em Pernambuco, e Getúlio Vargas, no Paraná. As irregularidades resultaram no desvio de aproximadamente R$ 30 milhões de contratos da estatal, de acordo com o MPF.

Houve pagamento de propina de 1% sobre o valor de contratos e aditivos na diretoria de abastecimento da Petrobras, comandada então por Paulo Roberto Costa. Para efetuar o pagamento, os investigados contaram com o serviços do doleiro Alberto Youssef. Os dois também foram condenados.

A cúpula da OAS foi presa na 7ª fase da Lava-Jato, deflagrada em novembro de 2014. Em março, o Supremo Tribunal Federal (STF) transferiu os executivos para a prisão domiciliar, monitorados com tornozeleiras eletrônicas. Na sentença, Moro determinou que os equipamentos fossem retirados na medida em que não se fazem mais "convenientes". A defesa da OAS informou que vai recorrer da decisão.

Executivos discutem possibilidade de delação de Marcelo Odebrecht

• Cúpula teme que acordo de presidente da OAS isole o empresário

Andréia Sadi, Gabriel Mascarenhas e Natuza Nery – Folha de S. Paulo

Desanimados com a evolução da Operação Lava Jato, integrantes da cúpula da Odebrecht começaram a discutir , reservadamente, cenários envolvendo um acordo de delação premiada de Marcelo Odebrecht com a Justiça. A Folha apurou que um interlocutor da empreiteira próximo a Emílio Odebrecht, pai de Marcelo, relatou em conversas reservadas que uma das preocupações do grupo que cogita a colaboração é que, diante do volume de delações premiadas —22 até agora— na Lava Jato, o executivo preso que falar por último terá pouco a colaborar com os investigadores. Isso dificultará um acordo e, consequentemente, um alívio na eventual punição de Marcelo Odebrecht.

O temor cresceu após membros da empresa dizerem ter informações de que o dono da OAS, Léo Pinheiro, está negociando uma colaboração em troca de benefícios judiciais. Pinheiro e seus advogados negaram a movimentação, após a articulação ter sido revelada pela revista "Veja" há duas semanas. Nesta quarta (5), a Justiça Federal do Paraná condenou Pinheiro a 16 anos de reclusão. Cabe recurso à decisão. A avaliação de pessoas próximas a Marcelo é que, se Pinheiro falar , o dono da Odebrecht ficará mais isolado.

Os empresários Ricardo Pessoa, dono da UTC, o ex-presidente da Camargo Corrêa, Dalton Avancini e o ex-vice-presidente da Camargo Corrêa, Eduardo Leite, já colaboraram com as investigações sobre desvios na Petrobras em busca de abrandamento da pena. Nas palavras de um amigo de Marcelo, "" se ele tiver que falar , melhor que fale logo"". A reportagem não conseguiu confirmar se a ideia de membros da cúpula da Odebrecht já foi discutida com Marcelo. O recurso da delação, no entanto, enfrenta oposição dos advogados atuais do executivo.

A defensora do empresário, Dora Cavalcanti, rechaça a colaboração. A Folha procurou Dora, mas ela não retornou as ligações da reportagem. A construtora negou qualquer conversa nesse sentido. A possibilidade de delação do executivo já chegou à Polícia Federal em Curitiba. Desde que foi decretada a segunda prisão preventiva de Marcelo, no último dia 24, investigadores começaram a receber informações de que ele poderia fazer um acordo.

Assim como as demais empresas envolvidas na Lava Jato, representantes da Odebrecht procuraram a CGU (Controladoria- Geral da União) para colher informações sobre como funciona o acordo de leniência. O contato ocorreu no passado, e a construtora não voltou a sinalizar interesse no acordo. ACGU disse que não iria se manifestar sobre o tema.

Renato Duque, operador do PT, dá início à delação premiada

• Ex-diretor tem a intenção de apontar políticos com foro privilegiado

Germano Oliveira – O Globo

CURITIBA - O ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque, acusado de arrecadar propinas para o PT, deu início ontem ao processo de delação premiada com o Ministério Público Federal e com a Polícia Federal. Duque participou de uma reunião de duas horas com procuradores do Ministério Público Federal do Paraná e de Brasília. Ele disse aos procuradores e policiais que está disposto a contar o que sabe da corrupção na Petrobras, quem o nomeou, por que o nomeou, quanto se arrecadou em propinas na sua área e como o dinheiro chegava ao PT.

A presença dos procuradores de Brasília tinha explicação: Duque tem intenção de apontar o envolvimento de políticos com foro privilegiado, ou seja, no exercício do mandato.

Segundo o Ministério Público Federal, Duque foi indicado ao cargo de diretor da Petrobras em 2003 pelo lobista Fernando de Moura, também investigado pela Lava-Jato e apontado como próximo ao ex-ministro José Dirceu.

Dirceu teria autorizado a indicação de Duque, o que foi considerado pelos procuradores da Lava-Jato como um indício de que o ex-ministro foi um dos responsáveis pelo esquema de corrupção na estatal. Os advogados de Dirceu negam o envolvimento dele.

A reunião de ontem foi a primeira de uma série de encontros que Duque terá com a força-tarefa da Lava-Jato. Os procuradores vão avaliar se devem ter o ex-diretor da Petrobras como delator. Antes, Duque tem que contar novidades para as investigações e dar provas de que o que falará é verdade.

Se a delação do ex-diretor for aceita, Duque será o 24º delator da Lava-Jato. O juiz Sérgio Moro também tem de homologar o acordo, pois ele prevê a liberdade para o acusado, que vai para casa cumprir prisão domiciliar. Isso já acontece com outro ex-diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa.

A primeira reunião da delação foi acompanhada pelo advogado do ex-diretor da estatal, Marlus Arns de Oliveira, que foi contratado pela família de Duque para encabeçar o processo de colaboração premiada com o termo de confidencialidade.

- Vocês (jornalistas) vão me desculpar, mas hoje não posso falar nada - disse o advogado, que representou também os Ex-executivos da Camargo Corrêa que optaram pela delação premiada, Dalton Avancini e Eduardo Leite, presidente e vice-presidente da construtora, respectivamente.

Também os procuradores optaram por não dar entrevistas, nem na chegada e nem na saída. O procurador Carlos Fernando de Souza Lima, que conduz o processo da delação premiada de Duque, disse que não poderia dar qualquer detalhe sobre a reunião na sede da Polícia Federal de Curitiba.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de São Paulo deve votar na próxima reunião do conselho, no dia 24, a suspensão e/ou a expulsão do ex-ministro José Dirceu. O processo, que corre em sigilo, teve início no Distrito Federal, quando um advogado entrou com o pedido em 2013. O petista, preso preventivamente na última segunda-feira, ainda possui registro no Cadastro Nacional dos Advogados da OAB em situação regular.

Para que o ex-ministro perca a inscrição na Ordem, dois terços dos 80 integrantes titulares do conselho precisam aprovar a exclusão, punição mais grave. O conselho também pode optar por uma suspensão. O advogado do petista, José Luis Oliveira Lima, afirmou que aguarda a votação. (Colaborou Julianna Granjeia)

Nem melhora da economia salva o PT, avalia Lula

• Para ex-presidente, enriquecimento pessoal anula tese de financiamento de projeto político

Ricardo Galhardo, Ana Fernandes – O Estado de S. Paulo

Ao contrário do escândalo do mensalão, em 2005, quando o bom desempenho da economia ajudou o PT a superar a tempestade e vencer a eleição do ano seguinte, os efeitos políticos das revelações feitas pela Operação Lava Jato não poderiam ser suplantados nem por uma repentina e milagrosa melhora das finanças. A diferença é que, desta vez, existem indícios de enriquecimento pessoal dos envolvidos, ao contrário do mensalão, cujo objetivo era financiar o "projeto político" do PT. A avaliação foi feita pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em reunião com a bancada de deputados estaduais do PT de São Paulo, ontem, dois dias depois da prisão do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, suspeito de se beneficiar pessoalmente do esquema de desvios de recursos da Petrobrás.

Segundo relatos de participantes da reunião, Lula disse que não basta apenas a economia melhorar para o PT sair da crise, como aconteceu em 2005. É preciso encontrar uma explicação plausível para o fato de dinheiro desviado da estatal ter bancado viagens em jatinhos e outras vantagens pessoais dos envolvidos. O PT precisa de uma "narrativa" para explicar os desvios revelados pela Lava Jato. Lula não citou nominalmente Dirceu em momento algum, mas chegou a dizer que confia nos companheiros presos. Reclamou da Justiça e da imprensa e fez a ressalva de que tudo o que tem sido afirmado pela Lava Jato ainda precisa ser provado.

Mas a fala de Lula foi interpretada como uma referência à prisão do ex-ministro. Participantes notaram uma diferença em relação ao discurso de Lula antes da prisão do ex-ministro, quando o ex-presidente dizia que se Dilma e a economia saíssem da crise, levantariam o PT. Os dois não se falam pessoalmente desde a prisão do ex-ministro, em novembro de 2013, de acordo com um diretor do Instituto Lula. Ainda segundo relatos, o próprio Lula reclamou várias vezes dos "vazamentos seletivos" contra o PT e tem mostrado dificuldade para digerir e processar as novas denúncias sem o envolvimento dos adversários.

"Não entendo como pode o dinheiro da mesma empresa ser sujo para o PT e limpo para outros partidos. É como se as empresas tivessem dois caixas. Um para o PT e outro para o PSDB", disse o ex-presidente, segundo integrantes da reunião. Além dos 14 deputados da bancada petista na Assembléia Legislativa de São Paulo, participaram do encontro os presidentes estadual e nacional do PT, Emídio de Souza e Rui Falcão. De acordo com participantes, Lula ouviu atentamente as avaliações e sugestões de cada um dos convidados durante mais de uma hora e só então falou, por aproximadamente 20 minutos.

"Ele está claramente em processo de consulta, procurando um discurso", afirmou um deputado. Apesar do tom "duro e cru" de sua avaliação, nas palavras de um dos convidados, Lula também apontou sinais otimistas.

Economia. Para o ex-presidente, a recuperação da economia é uma "certeza absoluta" e pode ocorrer antes do que foi previsto inicialmente pelo próprio governo, a depender das condições internacionais. A recuperação da economia seria suficiente para afastar as ameaças imediatas contra Dilma – Lula também não usou a palavra impeachment – e garantir o término do mandato. O petista também fez uma análise positiva sobre o comportamento da presidente Dilma Rousseff diante da crise. Segundo ele, a presidente passou a dar mais atenção aos políticos, se abrindo ao diálogo e rompendo o isolamento que marcou o primeiro mandato dela.

Governo prevê panelaço durante programa na TV

Vera Rosa – O Estado de S. Paulo

O governo já se prepara para enfrentar panelaço durante a exibição do programa do PT, na noite de hoje, em rede nacional de rádio e TV. Tudo foi planejado para marcar o retorno da presidente Dilma Rousseff ao vídeo, desde o seu pronunciamento sob protestos em 8 de março, Dia Internacional da Mulher, mas a avaliação no Planalto é a de que a prisão do ex-ministro José Dirceu na segunda-feira, na 17.ª fase da Operação Lava Jato, estragou a estratégia. Dirigida pelo marqueteiro João Santana, a propaganda mostrará Dilma e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva dizendo que, apesar da crise, o Brasil está melhor que antes.

Este será o mote do programa, que fará um contraponto ao governo do PSDB, mas não como na campanha eleitoral de 2014. "A ideia não é acirrar os ânimos. Ao contrário, é chamar para a união, porque é preciso pensar no futuro do País, acima das disputas partidárias", disse ao Estado um dirigente do PT. Na expectativa do panelaço, militantes do PT de Brasília marcaram um ato público em defesa do governo na hora do programa, na Torre de TV, ponto turístico da capital federal. Com dez minutos, o programa terá como âncora o ator José de Abreu. A estratégia do PT é bater na tecla de que as instituições estão funcionando, que o governo combate a corrupção e que o Brasil está preparado para voltar a crescer, com emprego e distribuição de renda.

Roberto Freire - Ingovernabilidade instalada

- Blog do Noblat / O Globo

Envolvido pela mística de que seria um mês agourento para a política nacional e marcado por episódios traumáticos que mudaram os destinos do país, como o suicídio de Getúlio Vargas e a renúncia de Jânio Quadros, agosto apresentou seu cartão de visita à presidente Dilma Rousseff com a notícia explosiva da prisão de José Dirceu, ex-presidente do PT e ministro da Casa Civil no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Apontado pelos investigadores da Operação Lava Jato como o principal responsável pelo esquema de corrupção na Petrobras, o petista retorna à prisão ainda em meio ao cumprimento da pena resultante de sua condenação pelo Supremo Tribunal Federal por crimes cometidos em outro escândalo de triste memória para o país, o mensalão.

A prisão de Dirceu e o avanço das investigações do petrolão, que já batem à porta do Palácio do Planalto e atingem o núcleo de comando do esquema, escancaram a que ponto chegou o aparelhamento da máquina pública pelos governos petistas, o que configurou um verdadeiro assalto perpetrado ao Estado brasileiro. Com o mensalão e o petrolão indelevelmente associados aos tempos de Lula e Dilma, o PT deixará como sua herança maldita uma República de “pixulecos” – termo utilizado pelos criminosos que roubaram a Petrobras ao se referir à propina movimentada no esquema. Nos governos petistas, para onde quer que se olhe, a corrupção e o desmantelo parecem não ter fim.

Além dos recentes capítulos da Lava Jato e dos episódios vindouros que certamente reservam novos dissabores àqueles que têm culpa no cartório, o governo do PT agoniza em meio à decomposição de sua base de sustentação parlamentar e ao agravamento de uma das maiores crises econômicas de nossa história. A inflação dos últimos 12 meses se aproxima dos dois dígitos, o país caminha para uma recessão de proporções inimagináveis, o desemprego segue em alta, o endividamento das famílias quebra sucessivos recordes, a produção industrial desmorona e a aprovação à presidente da República não para de esfarelar, o que complica ainda mais a situação de um governo que perdeu a credibilidade junto à opinião pública, à classe política e aos agentes econômicos.

Em um cenário tenebroso, o que nos dá esperança é o bom funcionamento de nossas instituições, entre as quais uma Polícia Federal republicana e um Ministério Público cada vez mais atuante. Apesar do desastre do Executivo, os demais Poderes da República vêm exercendo seu papel com altivez: o Legislativo adota uma postura independente e tem sido capaz de pautar o debate nacional por meio de uma agenda própria em consonância com a sociedade; e o Judiciário leva a cabo um eficiente trabalho simbolizado pela figura do juiz Sérgio Moro, que conduz as ações penais decorrentes da Lava Jato.

Enquanto o Parlamento e o Judiciário trabalham ativamente, o atual governo continua paralisado, acuado pelas novas denúncias do petrolão e na iminência de ter suas contas rejeitadas pelo TCU na análise das “pedaladas fiscais”. Isso sem falar nas manifestações do dia 16 de agosto em todo o país, que devem levar multidões às ruas, representando a ampla maioria da população brasileira que já defende a intervenção constitucional do impeachment.

Diante do quadro de ingovernabilidade instalada, aumentam as chances de abertura do processo de impedimento de Dilma Rousseff pelo Congresso Nacional. Os brasileiros não suportam mais três anos e meio de corrupção, inflação, desemprego e recessão econômica. Não será fácil, mas o Brasil tem todas as condições de se reerguer com um novo governo que resgate a confiança no país e aponte outros rumos. Merecemos, afinal, muito mais do que uma República pixulecos.

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Roberto Freire é deputado federal por São Paulo e presidente nacional do PPS

Merval Pereira - Semântica do crime

- O Globo

A condenação do presidente da empreiteira OAS, Léo Pinheiro, a 16 anos de prisão pode ter o condão de consolidar as investigações da Operação Lava-Jato, pois o executivo, que está sendo pressionado por sua família para fazer uma delação premiada, agora tem pouco tempo para a decisão.

Condenado em 1ª instância pelo juiz Sérgio Moro, ele agora terá reduzidos os privilégios que teria caso tivesse colaborado anteriormente. Pelo artigo 4º, § 5º, da lei 12.850, de 2 de agosto de 2013, se a colaboração for posterior à sentença, a pena poderá ser reduzida até a metade, ou será admitida a progressão de regime, ainda que ausentes os requisitos objetivos.

Aliás, essa questão semântica (delação ou colaboração premiada?), que não foi obstáculo para pelo menos 20 acusados que já fizeram acordo com o MP, é problema para alguns dirigentes de grandes empreiteiras, entre eles Marcelo Odebrecht e o próprio Léo Pinheiro, que ainda resiste devido ao receio de ser considerado um traidor.

A lei original, de 3 de maio de 1995, cujo relator foi o atual vice-presidente Michel Temer e que nasceu de um requerimento do deputado federal Miro Teixeira, falava de "colaboração" no seu artigo 6º, assim redigido originalmente: "Nos crimes praticados em organização criminosa, a pena será reduzida de um a dois terços, quando a colaboração espontânea do agente levar ao esclarecimento de infrações penais e sua autoria."

A lei foi revogada por outra, de 2013, sancionada pela presidente Dilma, que manteve a expressão "colaboração". O deputado Miro Teixeira acha que o termo "delação premiada" tem o objetivo de desqualificar a colaboração de quem se dispõe a auxiliar no esclarecimento de crimes, o que só ajuda os criminosos.

A legislação, que teve início, portanto, há 20 anos, foi o começo da modernização do combate ao crime organizado e tinha a seguinte disposição: "Dispõe sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas". Ela trata também de infiltração em quadrilhas, escutas telefônicas e outros tipos de ações.

Ao lado da colaboração premiada, há o acordo de leniência, objeto de análise de Moro na condenação dos executivos da OAS. Para o juiz, "talvez sejam eles (os acordos) a melhor solução para as empresas considerando questões relativas a emprego, economia e renda".

Moro usou a sentença contra a OAS para enfrentar os que acusam a Lava-Jato de prejudicar a economia, como Dilma e Mercadante, que atribuíram supressão de 1% do PIB aos efeitos da operação. "Para segurança jurídica da empresa, da sociedade e da vítima, os acordos deveriam envolver, em esforço conjunto, as referidas entidades públicas e incluir necessariamente o afastamento dos executivos envolvidos em atividade criminal (não necessariamente somente os ora condenados), a revelação irrestrita de todos os crimes, os envolvidos e a disponibilização das provas existentes (não necessariamente somente os que foram objeto deste julgado), a adoção de sistemas internos mais rigorosos de compliance e a indenização completa dos prejuízos causados ao poder público (não necessariamente somente os que foram objeto deste julgado)".

A análise de Moro, embora se refira só à OAS, encaixa-se com mais perfeição ainda a empreiteiras maiores, como a Andrade Gutierrez e, sobretudo, a maior de todas, a Odebrecht: "Como consignei anteriormente, a OAS, por sua dimensão, tem uma responsabilidade política e social relevante e não pode fugir a elas, sendo necessário, como primeiro passo para superar o esquema criminoso e recuperar a sua reputação, assumir a responsabilidade por suas faltas pretéritas".

É muito provável que as grandes empreiteiras sigam o caminho da Camargo Corrêa e façam acordos de leniência com Cade e MP, aceitando admitir erros, rever procedimentos, assumir regras mais rígidas de compliance e pagar altas multas. Essas multas, aliás, seriam muito bem-vindas aos cofres combalidos da União.

A colaboração premiada, que ajudaria a reduzir as penas dos dirigentes presos, depende agora de um convencimento de que se trata de uma ação para recuperar a credibilidade da empresa diante da sociedade, e não uma traição a códigos de conduta que podem estar nos princípios e valores dessas grandes empreiteiras multinacionais - mas que não se referem a crimes a que foram forçados pelo esquema político montado pelo governo, como frisam quando se referem aos acontecimentos não como cartel, e sim como achaque.

José Roberto de Toledo - Good PMDB, bad PMDB

- O Estado de S. Paulo

A engenhosidade do PMDB é ser, ao mesmo tempo, o problema e a solução, o veneno e o antídoto para o presidente da vez. Como a trama não pode parecer chantagem, os personagens se alternam nos papéis. Quando o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, é o "bad cop", o presidente do Senado, Renan Calheiros, é o policial bonzinho. Só Michel Temer, o vice, não muda. Está sempre equidistante, como redinha em mesa de pingue-pongue.

Cunha começou o ano legislativo atropelando o governo com ímpeto de seleção alemã na Copa. Quando Dilma Rousseff olhou o placar, já era goleada. Em abril, para cada 3 deputados que votavam ao menos dois terços das vezes seguindo a orientação do governo, 5 tinham comportamento oposto. A taxa de governismo na Câmara era de 60% – ela terminara o primeiro mandato com 74%. Dilma tinha apenas 75 deputados em quem podia confiar 90% das vezes, quase todos petistas. Em caso de pedido de impeachment, ela estaria praticamente uma centena de votos a descoberto.

Para não ter o mesmo destino de Felipão, a presidente nomeou Temer coordenador político. É um nome pomposo para quem atende pedidos de parlamentares liberando verbas e fazendo nomeações. A partir do momento que Dilma emprestou sua caneta para o vice cometer bondades, a taxa de governismo do PMDB na Câmara passou a crescer a cada votação. Em semanas, a obediência do partido ao Planalto pulou de 55% para 73%. Era o toma lá dá cá habitual. Mas no meio do caminho havia um delator.

No começo de julho, explodiu a notícia que todo mundo em Brasília cochichava como boato: o lobista Júlio Camargo disse em depoimento ao juiz Sérgio Moro que Cunha havia pedido US$ 5 milhões para liberar um contrato de navios-sonda da Petrobrás para a empresa Toyo Setal. O dinheiro, segundo o delator, foi pago via doleiro Alberto Youssef. Havia urgência, contou Camargo, porque os dólares seriam usados na eleição.

O presidente da Câmara passou à berlinda. Agora, ele também corria risco de cassação. Defendeu-se como sabe fazer melhor: atirando. Acusou o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de obrigar o delator a mentir. Insinuou uma tramoia em que Dilma estaria por trás de tudo, oferecendo a Janot reconduzi-lo ao comando do Ministério Público em troca de ele "constranger o Legislativo". Cunha declarou-se rompido com o governo e foi preparar o troco. Mas veio o recesso e o impasse ficou suspenso.

Enquanto na Câmara a batalha de Cunha contra o governo era gritante, o Senado, na surdina, aprovava um aumento de gastos públicos atrás do outro. O que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, economizava em cortes de despesas com infraestrutura e programas sociais, os congressistas repunham com aumentos salariais de servidores públicos e de benefícios para aposentados. O ajuste fiscal mostrou-se enxugamento de gelo.

Com a perspectiva de Levy equilibrar o orçamento da União ficando cada vez mais improvável, aumentou o pessimismo em relação à economia. As projeções de uma data para a retomada do crescimento foram todas adiadas, mais de uma vez. O desemprego cresceu, a renda do trabalho caiu e a desconfiança do consumidor aumentou. Na razão inversa, a popularidade de Dilma despencou ao patamar mais baixo de um presidente desde Fernando Collor.

Nesse cenário, Dilma e Cunha retomam seu duelo para ver quem desequilibra o outro primeiro. Também acossado pela Lava Jato, Renan é apresentado como muleta para amparar a presidente. Mas o governo pode atender só parte das contrapartidas para o senador. Está impedido de interferir nos inquéritos contra ele. À medida que a investigação se eletrifica, a muleta pode dar choque.

No dia 16, Dilma sofrerá empurrão com força proporcional ao tamanho dos protestos – enquanto espera Janot denunciar ou não Cunha e/ou Renan. O primeiro a cair pode ser o único.

Bernardo Mello Franco - O governo pede socorro

- Folha de S. Paulo

O governo demorou, mas finalmente resolveu descer do salto alto. No mesmo dia, o ministro Aloizio Mercadante e o vice Michel Temer calçaram as sandálias da humildade e reconheceram o agravamento da crise que emparedou a presidente Dilma Rousseff.

As declarações soaram como pedidos de socorro, no momento em que o Planalto volta a sofrer derrotas no Congresso e assiste à desintegração da sua base de apoio. Os dois falaram antes da divulgação da nova pesquisa Datafolha, que mostra o recorde de reprovação da presidente.

Em visita à Câmara, Mercadante surpreendeu ao reconhecer que o governo cometeu erros, mesmo sem identificá-los. O ministro fez um inusitado elogio ao PSDB. Disse que a oposição é "muito elegante" e que os tucanos são responsáveis por conquistas "importantes para o país", como o controle da inflação.

O chefe da Casa Civil ainda defendeu um "acordo suprapartidário" contra a crise. Para quem conhece seu estilo, o tom humilde pareceu um apelo desesperado por ajuda.

Sempre escorregadio, Temer também deu uma guinada radical no discurso. Duas semanas depois de dizer que o país vivia apenas uma "crisezinha", ele reconheceu que a situação tomou contornos dramáticos.

"Não vamos ignorar que a situação é razoavelmente grave, não tenho dúvida de que é grave", admitiu, com objetividade incomum. Impotente diante do clima de rebelião na Câmara, o vice-presidente pediu um acordo "em nome do Brasil". "Como articulador político do governo, quero fazer esse apelo", suplicou.

O apelo foi em vão. Poucas horas depois, os líderes de PDT e PTB anunciaram a decisão de abandonar a base governista, embora continuem agarrados aos ministérios do Trabalho e do Desenvolvimento.

A crise que ameaça o mandato de Dilma se agrava velozmente. Seu desfecho ainda é imprevisível, mas o governo nunca pareceu tão frágil quanto nesta quarta-feira.

Luiz Carlos Azedo - Efeito Orloff

Correio Braziliense

• Renato Duque teme a mesma sorte de outros envolvidos no escândalo da Petrobras, como o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, preso novamente, e os executivos da OAS condenados ontem

O ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque, um dos presos da Operação Lava-Jato, começou a falar o que sabe na Polícia Federal, em Curitiba. É o começo de sua delação premiada, que pode ter um efeito arrasador para a cúpula do PT e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de quem era amigo. Duque, principal quadro da legenda na empresa, era responsável pelo esquema de propina sob investigação que abastecia os petistas, em linha direta com o ex-tesoureiro João Vaccari Neto, segundo os investigadores da Lava-Jato.

Renato Duque teme a mesma sorte de outros envolvidos no escândalo da Petrobras, como o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, preso novamente, e os executivos da OAS condenados ontem por fraudes em contratos e aditivos da empresa com a Refinaria Getúlio Vargas (Repar), no Paraná, e com a Refinaria de Abreu e Lima (Renest), em Pernambuco, na área sob controle do ex-diretor de Abastecimento Paulo Roberto Costa. É o chamado efeito Orloff, aquela propaganda de vodka que dizia: “Eu sou você amanhã”.

Conforme a sentença do juiz Sérgio Moro, a prática de crimes de corrupção envolveu o pagamento de R$ 29.223.961 à Diretoria de Abastecimento da Petrobras, “um valor muito expressivo”. De uma só vez, R$ 16 milhões em propinas. Paulo Roberto Costa, por causa da delação premiada, foi condenado a 6 anos e 6 meses no regime semiaberto, além de ter os bens confiscados no valor de R$ 29,2 milhões. Mas teve considerado o período em que já ficou preso cautelarmente, entre março e maio de 2014, e entre junho e setembro de 2014. Deverá cumprir prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica até outubro de 2016, com recolhimento noturno e no fim de semana. A partir de outubro de 2016, progredirá para o regime aberto, até o restante da pena a cumprir.

Já o presidente da OAS, José Aldemário Pinheiro Filho, o Léo, foi condenado a 16 anos e 4 meses de reclusão, por organização criminosa, corrupção ativa e lavagem de dinheiro, com os executivos da empresa Agenor Franklin Magalhães Medeiros (diretor-presidente da Área Internacional, também condenado a 16 anos e 4 meses de reclusão), Fernando Augusto Stremel de Andrade (funcionário, 4 anos de reclusão) e Mateus Coutinho de Sá Oliveira (funcionário, 11 anos de reclusão). Léo Pinheiro matou no peito e recusou a delação premiada.

José Ricardo Nogueira Breghirolli, contato do doleiro Alberto Youssef com a OAS, foi condenado a 11 anos de reclusão. Mas o doleiro, por causa da delação premiada, também teve a pena diminuída: 6 anos, 11 meses e 10 dias de reclusão, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, e confisco de bens no valor de R$ 41,5 milhões. O doleiro deverá cumprir apenas três anos em regime fechado, mesmo que seja condenado em outros processos.

Reeleito
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, teve 799 votos e encabeça a lista tríplice da instituição, seguido de Mario Bonsaglia, com 462 votos, e Raquel Dodge, com 402. A presidente Dilma Rousseff deve encaminhar o nome dele para o Senado.

Jarbas de Holanda - Lava-Jato atropela “agenda positiva” de Dilma

A nova fase da operação, o “pixuleco”, desencadeada na manhã de segunda-feira, esvaziou de pronto, frustrando significativamente, o potencial de dividendos político-institucionais e junto à opinião pública que a presidente Dilma esperava obter por meio da afirmação – na abertura dos trabalhos do Congresso – de uma “agenda positiva” de governabilidade e de ações midiáticas. Agenda preparada conjuntamente com o padrinho Lula. Cujos ingredientes incluíam os que seguem. Exploração do desgaste do presidente da Câmara, o peemedebista dissidente Eduardo Cunha. Capitalização do encontro com os governadores, como indicativo de melhora da governabilidade. Contra-ataque em torno dos graves problemas da economia (como se não fosse a principal responsável por eles), através do uso da ameaça de perda do grau de investimento do país, combinado com a denúncia de uma “pauta bomba” do Legislativo, objetivando uma retomada do comando do governo no tratamento desses problemas. 

Na contramão de mais corte dos investimentos com o abandono da meta de superávit primário, promessa de generosa liberação de recursos para emendas parlamentares e distribuição de muitos cargos na máquina federal, tendo em vista o bloqueio a propostas de impeachment a partir de votação no Senado de provável reprovação das “pedaladas fiscais” pelo TCU. Reconhecimento, enfim, da necessidade de redução do número de ministérios (cuja cobrança por Aécio Neves foi associada por Dilma, na campanha reeleitoral, a desmonte dos programas sociais e da “soberania” do Estado). E agenda cujo objetivo imediato maior era o enfraquecimento das manifestações de protesto do próximo dia 16.

Tais ingredientes e objetivo frustraram-se em grande medida com a prisão e, mais do que isso, com a identificação do papel do ex-ministro José Dirceu na criação e no comando (estatal) do petrolão, quando dirigia a Casa Civil no primeiro mandato do lulopetismo. Assim, desdobrando e ampliando o mensalão. Este operado, basicamente, para a montagem e o custeio mensal da base parlamentar do governo Lula. E o segundo, também para o financiamento de campanhas eleitorais do PT, inclusive da atual presidente. Os vínculos de Eduardo Cunha com o petrolão (investigados pela Lava-Jato e que, se confirmados, devem ser punidos) são semelhantes aos de muitos deputados e senadores beneficiários do esquema, não como os do protagonismo dos dirigentes do PT (que o Palácio do Planalto transferia para ele numa manobra diversionista). 

A parte da “agenda positiva” de Dilma ligada ao ajuste fiscal segue obstruída, refletindo o péssimo relacionamento da presidente com a Câmara e o Senado, o isolamento das bancadas do PT, os perversos efeitos econômicos e sociais da crise econômica (fatores que o vice Michel Temer não consegue superar) e os altos índices de rejeição popular a ela, ao seu governo e ao petismo. 

O impacto da prisão e das revelações sobre José Dirceu tende a desdobrar-se em mais delações premiadas à frente, a partir da do ex-diretor de Engenharia e Serviços da Petrobras, Renato Duque, que está sendo negociada com o Ministério Público. E as investigações desses órgãos, em Brasília e em Curitiba, vão chegando ao núcleo do Palácio do Planalto e ao ex-presidente Lula. Tudo isso impulsionado a mobilização para as manifestações de rua do dia 16 (que poderão ser antecipadas por um grande panelaço contra o programa de rádio e TV do PT amanhã (hoje) à noite, que vai misturar Lula e Dilma, numa decisão da qual o partido já deve ter-se arrependido).

Respostas ao agravamento das crises econômica e política – A piora dos cenários dessas crises, no começo de agosto, independentemente da sequência da operação Lava-Jato e da escala da retomada das manifestações de protesto, vai passando a colocar o desafio, imperativo, nos próximos meses, de um amplo entendimento político-institucional pluripartidário em resposta a elas. Tendo como atores principais as lideranças da oposição (à frente o presidente do PSDB, Aécio Neves e FHC) e os três comandos do PMDB – o vice-presidente Michel Temer e os dirigentes da Câmara e do Senado. Com ou sem a continuidade do governo Dilma, neste caso com papel secundário dele. Entendimento que seja capaz de reverter os sufocantes mal-estar e pessimismo do conjunto da sociedade e a paralisante falta de perspectiva e de credibilidade por parte dos agentes econômicos. E, assim, podendo encaminhar um ajuste das contas públicas, consistente e institucionalmente viável, articulado com reformas estruturais.

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Jarbas de Holanda é jornalista

Marco Aurélio Nogueira - É hora do PT e do PSDB mostrarem o futuro que podem ter

– O Estado de S. Paulo

Quando se trata de partidos políticos, é sempre difícil detectar o que reflete opiniões pessoais e o que tem a ver com posicionamentos ou análises partidárias. Quando Lula ou FHC falam, por exemplo, não estão falando em nome do PT e do PSDB. Podem se sintonizar com posicionamentos dos partidos, mas não são seus porta-vozes. Ocorre o mesmo com os analistas políticos que se identificam com esta ou aquela legenda, na qual podem até mesmo militar: eles analisam fatos, processos e trajetórias por sua própria conta e risco, e somente à custa de muita manipulação podem ser vistos como se estivessem contando a história oficial dos partidos ou antecipando seus passos futuros.

Lideranças partidárias não são necessariamente grandes lideranças. Podem falar somente para o público interno, sem chegar ao povo. Costumam, aliás, visar sempre ao público interno, que vê nos líderes a indicação dos rumos a seguir. Lideranças partidárias precisam de bases internas para se sustentar. Algumas se limitam a isso, olham para dentro e se legitimam a partir do interior. Outras usam o partido para viabilizar seus projetos pessoais. Pensam primeiro na própria pele, depois no partido.

Críticas a lideranças ou a militantes individuais não são críticas aos partidos. Quando um dirigente ou ex-dirigente partidário é, por exemplo, condenado por algum crime ou malfeito, isso não significa que o partido como um todo mereça ir ao pelourinho ou esteja a ser visto como alvo principal da condenação. Partidos são integrados por homens e mulheres, que erram, cometem deslizes e praticam crimes. Não quer dizer que o partido deva ser responsabilizado por isso, do mesmo modo que o partido não deve acobertá-los. Coisa fácil de dizer, difícil de acontecer.

Partidos são instituições que se diferenciam muito entre si. Há os de estrutura mais rígida e vertical, os de enraizamento social e os que operam mais como “fato cultural”. O PT está entre os primeiros: tem estrutura burocrática, máquina pesada, milhões de filiados, eleitores e simpatizantes, uma “sociedade civil” ativa, composta por sindicatos, movimentos e associações várias. Tem sido assim que vem atuando em posição de força na sociedade brasileira, a ponto de estar agora no quarto mandato sucessivo na Presidência. Com o PSDB, a dinâmica tem sido outra: o partido não deita raízes na sociedade, não tem vida interna ativa, nem máquina particularmente estruturada. Caminha graças a um lote de lideranças que se reproduzem há anos. Sempre foi um partido de líderes, de poucos quadros e muitas ideias. Pagou um preço por isso, a ponto de se diluir como socialdemocracia.

Partidos sempre operam com idealizações de si próprios. Gramsci, por exemplo, criticava a “boria di partito“: presunção partidária. Quando bem dimensionada, a idealização funciona como uma espécie de elixir, complementando a identidade do partido. Tanto o PSDB, quanto o PT (ou, em outra escala, o PCB original) — para ficar com partidos que fazem ou fizeram jus ao nome — idealizam ou idealizaram a si próprios. Partidos não costumam reconhecer seus erros e suas falhas. Quando fazem isso, crescem. Se os tucanos conseguirem fazer algo nesta direção, por exemplo, poderão ganhar força como partido, aproveitando-se da dificuldade que o PT tem de se autocriticar. Ao PT, por outro lado, resta somente o caminho da refundação e da autorreforma. A democracia brasileira necessita dos dois partidos, que não são tão diferentes entre si como julga a vã filosofia. Eles, porém, somente permanecerão vivos e ativos se escaparem da polarização primitiva e esquemática que os tem contaminado.

No último fim de semana, dois textos publicados nos jornais forneceram rico material para que se reflita sobre o PT e o PSDB. Ambos põem o dedo na ferida, falando abertamente de coisas que a maioria dos tucanos e petistas não admite. Põem as cartas na mesa e narram a realidade pela ótica do jogo partidário, com sua grandeza e sua miséria.

Numa entrevista concedida ao Estado de S. Paulo, o ex-governador gaúcho Tarso Genro cortou fundo na própria carne: “Este PT que está aí chegou ao fim de um ciclo”. Está sem rumo e sem eixo. O partido “sofreu dois baques muito fortes [mensalão e escândalos na Petrobrás], não se autorreformou, não capitaneou uma grande mudança pela reforma política nem uma grande luta popular para proibir o financiamento empresarial das campanhas. O PT se transformou num partido excessivamente executor de ordens de quem está no poder”. Seguindo por esse caminho num quadro em que se mantenha a política monetária e econômica do governo Dilma, “a base social do PT e do campo político da esquerda poderá chegar desesperançada em 2018, proporcionando uma saída conservadora para a crise”.

Tarso acredita que a melhor opção para escapar desta situação é a articulação de uma frente de esquerda de caráter programático, na qual o PT participe em igualdade de condições com outras correntes. É o mesmo que dizer que o partido esgotou seu estoque de ideias e propostas e que as opções que fez até agora em termos de política de alianças fracassaram e se tornaram prejudiciais. O ex-governador não jogou a toalha, nem descartou o PT como agente político. Na prática, porém, não parece mais acreditar que uma ressurreição seja possível. Em vez de buscar interlocução ampliada (com o conjunto dos democratas, por exemplo), ele acredita que o melhor a fazer é “empoderar” os movimentos e partidos que se remetem ao campo da esquerda. Ao que tudo indica, está disposto a pagar para ver. Pensa que, deste modo, o PT talvez consiga voltar ao leito natural ou pelo menos salvar o governo Dilma.

Tarso é um militante político. Tem estofo intelectual e experiência política, coisas que o credenciam como analista político e liderança. Talvez fale em nome de sua corrente, mas seguramente não fala pelo PT. Antes de tudo, é uma voz em busca de audiência. Idealiza situações, até mesmo porque aposta no acerto de suas propostas.

No campo oposto, o cientista político Sergio Fausto, superintendente executivo do Instituto FHC, publicou extenso, contundente e oportuno artigo na Folha de S. Paulo de domingo. Nele, reconstrói o processo brasileiro de democratização e faz um importante relato sobre a trajetória seguida pelo PSDB, desde os tempos áureos de Franco Montoro e Mario Covas — quando foi lançada a ideia de uma agremiação que abraçasse a causa da socialdemocracia e fosse alternativa ao “esquerdismo” do PT e ao “direitismo” do PMDB. A análise faz um tour-de-force, um voo panorâmico sobre a evolução da ideia peessedebista original, procurando mostrar como ela não conseguiu se traduzir como partido efetivo ainda que tenha integrado os governos de FHC e edificado um verdadeiro bunker no estado de São Paulo.

Sergio faz uma análise serena e crítica da trajetória do PSDB, mostrando características importantes de seu DNA como organização política, suas opções equivocadas e seus méritos programáticos, suas chances em relação ao futuro. Ajuda muito a que se desfaçam certos lugares-comuns que circulam entre os que se propõem a compreender os anos que se seguiram à Constituição de 1988, entre os que falam dos governos FHC e da competição entre PT e PSDB.

Ele não poupa críticas ao partido. Faz isso com equilíbrio. Admite que o partido pode ser visto como um sucesso político, tanto por sua trajetória passada (governos conquistados, votos, presença política) quanto pelas possibilidades que se lhe abrem para o futuro, “num momento em que seu principal adversário vive uma crise existencial sem precedentes”. No entanto, faltam-lhe maior coerência programática e maior contundência oposicionista, fatos que geram frustrações e lançam interrogações sobre suas reais possibilidades.

Nos anos 1990, escreve, “o PSDB chegou à Presidência da República graças a uma combinação histórica singular de virtude e fortuna, que deu vida ao Plano Real”. Chegou ao ápice do poder precocemente: “Não era uma organização partidária forte e contava, no início do governo, com uma bancada parlamentar equivalente a cerca de dois terços dos representantes do PFL, seu parceiro de coalizão”. Suas principais lideranças (Covas e Jereissati, por exemplo) foram eleitas para os governos estaduais e se afastaram da vida partidária. Com isso, “a força do PSDB durante os governos FHC foi mais aparente do que real. O PSDB ampliou o seu número de representantes no Congresso, em grande parte por ser o partido do presidente da República, e beneficiou-se da popularidade do governo, enquanto essa existiu. 

Diferentemente do PT, não teve, porém, participação orgânica na gestão do Estado. Não fez parte do núcleo duro do governo, nem dentro do Palácio do Planalto, nem na Esplanada dos Ministérios, nem nas grandes empresas estatais. Foi também grande a distância entre o partido e programas inovadores, como o Comunidade Solidária, que abriu canais entre o governo e a sociedade civil não partidarizada”. O PSDB tornou-se, em suma, “sujeito passivo de apoio às mudanças que o governo buscava promover no Estado e na economia do país”. Ressentiu-se da falta de “corpo (maior presença na sociedade) e alma (maior convicção ideológica) para travar o debate público em favor das reformas”.

A agenda do período FHC também complicou a vida do partido. “Teve diante de si o desafio de lidar com os múltiplos e interdependentes problemas de uma crise do Estado e da economia que desorganizara o país progressivamente ao longo das duas décadas anteriores”. Privatizações, iniciativas de ajuste estrutural, a começar pela reforma da Previdência, racionalização do Estado, desmonte do nacional-desenvolvimentismo, reformas de natureza liberal, tudo teve alto custo político. Viu sua marca socialdemocrata ficar obscurecida, na esteira da própria evolução do governo FHC, que foi progressivamente perdendo a batalha da opinião pública. O PT cresceu e se tornou a principal força política do País, deixando o PSDB “em posição de clara inferioridade política e eleitoral por mais de uma década”.

No período Lula, o PSDB comeu o pão que o diabo amassou. “Errou ao buscar se desvencilhar da suposta maldita herança do governo FHC. Cometeu repetidas vezes o equívoco de abdicar de parte constitutiva de sua identidade, despolitizando o debate público e o embate eleitoral, na vã tentativa de vencê-lo com base nas ‘qualidades administrativas’ e nos currículos pessoais de seus candidatos”. A consequência foi trágica: o partido “acumulou nesse período um deficit de coerência programática que, embora reduzido na campanha eleitoral de 2014, permanece até hoje”.

Fausto, porém, acredita que o PSDB “está hoje em condições de se beneficiar da crise que atinge o seu principal rival”. A questão é se saberá assumir o papel de liderança que se espera do maior partido da oposição, “aglutinando em torno de si um conjunto de forças políticas e sociais que não apenas possam constituir uma nova maioria eleitoral e governativa, mas também recriar a confiança do país em si mesmo e no seu futuro”. Para tanto, unidade e congruência partidárias serão bem-vindas, mas não bastarão. O futuro do PSDB depende da sua capacidade de “apresentar uma alternativa clara ao modelo de gestão política e econômica do lulo-petismo”.

Trata-se de uma tarefa urgente, porque a vida segue e o capital político recebido pelos tucanos das urnas de 2014 “vem diminuindo pela ausência de maior sintonia entre as lideranças do partido e um comportamento mais consistente de suas bancadas no Congresso”. Além disso, com o enfraquecimento do governo, o desenrolar dramático da Lava Jato e o aguçamento da crise econômica, “o tempo da política se acelerou e a tolerância da sociedade em relação a posições ambíguas ou incongruentes se reduziu”.

O futuro também passa pela capacidade que o partido tiver de “criar canais de comunicação e diálogo com a sociedade”, coisa que o partido jamais conseguiu institucionalizar ao longo de sua história. Trata-se de evitar o isolamento dos aparatos partidários, renovar seus quadros e lideranças e incorporar à sua agenda os “novos temas civilizatórios, a começar pela ecologia e pela mudança climática”, definindo assim com mais clareza “o lugar do PSDB no mapa ideológico do país”.

A conclusão do texto privilegia o PSDB, mas soa como advertência para todos os partidos e lideranças que se põem da perspectiva da justiça e do progresso social: “o partido não pode esquecer que construiu a sua história no campo progressista e visceralmente democrático. O esquecimento de seu DNA pode parecer tentador diante das tendências conservadoras em alta na sociedade brasileira, mas representaria a descaracterização irremediável do partido e a sua transformação em uma sigla como outra qualquer”.

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Marco Aurélio Nogueira é professor de Teoria Política da Unesp