sexta-feira, 25 de agosto de 2023

Vera Magalhães - A Justiça diante de Bolsonaro

O Globo

Se STF não deliberar sobre foro para julgar o ex-presidente, pode abrir o flanco para sua defesa buscar anulações

À medida que se avolumam as investigações contra Jair Bolsonaro em múltiplas frentes, também ganha corpo o debate sobre como se dará o julgamento do ex-presidente em cada uma delas.

Como bem escreveu Paulo Celso Pereira neste espaço na edição de ontem, a torcida acaba dominando o debate e expondo contradições óbvias: quem outrora apontou, com propriedade, abusos da Lava-Jato no julgamento de Lula e se indignou com sua prisão faz contagem regressiva nas redes sociais pela prisão de Bolsonaro.

O risco é que, no afã de que se faça justiça em relação aos muitos desvios do ex-presidente — no enfrentamento à pandemia, nos ataques constantes e deliberados à democracia e, agora se sabe, no desvio de recursos do patrimônio da União para enriquecimento pessoal —, se dê argumento jurídico para que sua defesa anule decisões controversas e político para que seus apoiadores entoem a narrativa da perseguição a uma vítima.

Bernardo Mello Franco – A vez do Zero Quatro

O Globo

Investigação ameaça planos do Zero Quatro, apontado como "comparsa" em esquema de falsificação e estelionato

Os problemas da família Bolsonaro chegaram ao Zero Quatro. Policiais apreenderam ontem o celular de Jair Renan, o caçula entre os filhos homens do ex-presidente. Ele foi alvo de uma operação que apura crimes de estelionato, falsificação de documentos, sonegação fiscal e lavagem de dinheiro.

A Polícia Civil de Brasília não detalhou as suspeitas, mas se referiu a Jair Renan como “comparsa” do mentor do esquema — um golpista que já chegou a ter dez CPFs. Os dois são amigos e costumavam desfilar juntos nas noites da capital. Agora os investigadores querem saber se a parceria se estendeu à prática de trambiques.

Reinaldo Azevedo - Oito anos em oito meses

Folha de S. Paulo

Alvíssaras! O jornalismo tem de se (re)acostumar a tratar política como... política

Lembrei aqui certa feita que as palavras "polícia" e "política" têm a mesma origem. A civilização se encarregou de distanciá-las. E sempre se está com um problema grave quando uma ocupa o lugar da outra. Chega de tratar política como um caso de polícia e também o contrário. Ficamos atolados nesse pântano entre 2014, ano de criação da Lava Jato, e 2022, quando o fascistoide foi derrotado. Alvíssaras! A queridinha de Aristóteles está de volta, ainda que meio desengonçada, a dançar com Arthur Lira no meio do salão.

Na sessão que aprovou o arcabouço fiscal, entre negociações e negaceios —é preciso resgatar certas palavras do oblívio para alfabetizar o ChatGPT—, o presidente da Câmara discursou e afirmou que a Casa tem se dedicado a todas as matérias de interesse do país. Foi quase relatorial: "Nós votamos a PEC da Transição; nós votamos o arcabouço fiscal (...); nós votamos o remanejamento (...) da Esplanada dos Ministérios; nós votamos a reforma tributária, nós votamos o Carf... Essas matérias todas em seis meses." Posso refrescar a sua memória com Bolsa FamíliaMinha Casa Minha Vida, Programa de Aquisição de Alimentos, novo Mais Médicos...

Modesto, preferiu omitir a faceta social do colegiado, que ele comanda ora como um sindicalista, ora como um Marechal de Ferro, aludindo a um conterrâneo seu. Ainda respondia à sereníssima entrevista do ministro Fernando Haddad ao podcast Reconversa. O titular da Fazenda, então, fez um mero registro histórico: nunca a Câmara teve tanto poder como agora. Não vou rememorar os fricotes industriados que se seguiram à observação.

Bruno Boghossian - PF já encontrou 'o problema'

Folha de S. Paulo

Mensagens provam papel do ex-presidente na cadeia de transmissão da conspiração golpista

Anos de blindagem devem ter deixado Jair Bolsonaro mal-acostumado. Sem embaraço, o ex-presidente admitiu que enviou ao empresário Meyer Nigri, no ano passado, uma mensagem que atacava a credibilidade das eleições e pedia ao aliado que repassasse "ao máximo" o texto.

"Eu mandei para o Meyer, qual o problema?", questionou Bolsonaro, em conversa com a Folha. O ex-presidente é um especialista no uso de perguntas retóricas para fazer pouco caso do risco de pagar pelos próprios atos ("E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê?"). Desta vez, será mais difícil sustentar o deboche.

Hélio Schwartsman - Iluminismo jurídico

Folha de S. Paulo

Grupos que se apresentam como progressistas defendem mais penas de prisão, contrariando séculos de avanços civilizacionais

Ao longo dos últimos 300 anos, ser progressista no âmbito do direito criminal significou advogar pela redução de sanções e pela extinção de tipos penais relativos a comportamentos individuais. A civilização e o humanismo ganharam toda vez que nações retiraram proibições de blasfêmia, apostasia, sodomia, aborto e uso de drogas de seus códigos legais. O Brasil nem sempre foi retardatário nessas matérias. Por aqui, as leis antissodomia foram revogadas em 1830, enquanto, nos EUA, isso só ocorreu em 2003.

Claudia Safatle - Haddad pode ter grande teste político pela frente

Valor Econômico

Apesar da aprovação do arcabouço fiscal pela Câmara, mercado continua descrente das metas de resultado primário para os próximos anos

Embora a Câmara dos Deputados tenha aprovado o novo arcabouço fiscal, o mercado continua descrente das metas de resultado primário para os próximos anos. O governo está disposto a zerar o déficit primário das contas do governo central no ano que vem, com uma banda de 0,25% do PIB para mais ou para menos, convertidos em valores correntes. Para 2025 e 2026, pretende apurar superávits.

Ao aprovar o marco das contas públicas, a Câmara enterrou a lei do teto de gasto, mas não deu ao governo, até o momento, as receitas necessárias para financiar o aumento das despesas que vem com o arcabouço. Ele prevê que os gastos cresçam entre 0,6% e 2,5% acima da inflação, todos os anos, dependendo do comportamento das receitas.

O mercado, por sua vez, está projetando um déficit entre 0,7% e 0,8% do PIB para o próximo ano e já antevê a necessidade de um contingenciamento. Se este tiver que ocorrer, será um teste político de grande envergadura para o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Este ano ele está operando um aumento da despesa, o que é completamente diferente de um contingenciamento. Sobretudo, levando em conta que 2024 é ano de eleições municipais e que a prefeitura de São Paulo deverá ter disputa renhida entre candidatos apoiados por Lula e Bolsonaro ou por quem vier a sucedê-lo.

César Felício - A nova ofensiva pelo marco temporal

Valor Econômico

Ruralistas articulam aprovação de PEC que pode tornar demarcações mais caras

O projeto do marco temporal das demarcações indígenas avançou no Senado esta semana, mas a bancada ruralista já prepara a continuação da guerra em relação ao tema por outros meios. Os ruralistas venceram na Comissão de Agricultura, nessa quarta-feira e têm maioria para aprovarem a proposta na Comissão de Constituição e Justiça nas próximas semanas, mas sabem que a chance desta proposta se converter em lei é muito baixa. Pode demorar para ser colocada em votação no plenário, se aprovada pode ser vetada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, se derrubado o veto pode ser barrada no Supremo.

A chave para a polêmica continuar está na Câmara. Deve voltar a andar na Casa a Proposta de Emenda Constitucional 132, parada desde 2016. Ela tornará as demarcações mais caras.

José de Souza Martins* - CPI do MST, o avesso

Eu & Valor Econômico

João Pedro Stédile falou com serenidade e didatismo. Pacientemente desmontou todo o elenco de falsos conceitos, expôs as funções socialmente inovadoras do movimento

A CPI do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), na Câmara dos Deputados, vem fazendo revelações do maior interesse político. Sobretudo em consequência dos equívocos que a motivam e da desinformação de quem a propôs e defende.

Na medida em que fica evidente que o propósito é criminalizar o MST e questionar a legalidade da reforma agrária, fica claro, também, que inevitavelmente foi posta em julgamento a legitimidade da própria definição que do agronegócio fazem alguns de seus membros. O que revela a imprudência e mesmo a incompetência das facções que resolveram usar a CPI para impugnar a demanda histórica de terra de trabalho dos trabalhadores do campo.

Luiz Carlos Azedo - Ampliação dos Brics reposiciona o Brasil na geopolítica mundial

Correio Braziliense

O PIB em termos de poder de compra das nações do Sul Global, especialmente Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, supera o do grupo G7

Qual o lugar do Brasil no mundo atual? Em termos culturais, é o Ocidente, apesar da nossa herança ibérica. Em termos econômicos, com a globalização e o esgotamento do modelo de substituição de importações, a vocação natural de grande produtor de commodities de alimentos e minérios fez da China nosso principal parceiro comercial, o que desbancou os Estados Unidos. Essa contradição está se tornando um impasse geopolítico, em razão da emergência de uma nova “guerra fria” entre os EUA e a Europa, de um lado, e a Rússia e a China, de outro.

Nesta quinta-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva comemorou a entrada da Argentina nos Brics (originalmente formado pelo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), ao lado de mais cinco países: Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã. Foi uma vitória da diplomacia brasileira, apesar do alto risco oferecido pelas eleições no país vizinho. O candidato populista de extrema direita Javier Milei, mais votado nas eleições primárias da Argentina e considerado favorito no pleito, quer dolarizar totalmente a economia do país e é contrário ao ingresso no grupo.

Alan Beattie* - Brics não é comitê para governar o mundo

Valor Econômico

Os Brics têm os mesmos problemas do G-7 e mais alguns. É notório que existe uma divisão geopolítica no grupo, e a rivalidade estratégica entre a Índia e a China o enfraquece como um fórum para o comércio e as políticas regulatórias.

Para comprovar que as reuniões de cúpula dos Brics começaram a adotar características da rotina do circuito de governança mundial, observe as pequenas e familiares disputas durante a reunião desta semana na África do Sul para produzir uma declaração conjunta e passar a impressão de que o grupo mantém seu ímpeto.

O mais próximo de algo “realizável”, para usar a expressão irritante e comum, é um compromisso preliminar para expandir o número de membros do grupo para além dos cinco atuais (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Mesmo isso é desconfortável para a Índia e o Brasil, que estão preocupados com a ideia de aceitar mais membros que tenham um forte alinhamento com a China.

As fraquezas dos Brics como fórum de elaboração de políticas são evidentes. O grupo não tem uma unidade de propósito suficiente nem muita capacidade para garantir que suas decisões sejam seguidas. Mas a dificuldade de manter a coerência dentro de um agrupamento informal não é nenhuma novidade. O organismo com que os Brics rivalizam - o G-7, o clube dos países mais ricos que há décadas é considerado como um comitê orientador da economia mundial - também tem frequentes dificuldades para chegar a consensos.

Vinicius Torres Freire - O bloco de Carnaval dos Brics

Folha de S. Paulo

Grupo é ficção diplomática; o Brics-Plus tem ainda menos unidade de propósitos

A cobertura jornalística intensiva dessas "reuniões de cúpula" costuma passar a impressão de que grandes mudanças estão sendo decididas aos 45 minutos do segundo tempo desses jogos geopolíticos. A proximidade com poderosos e seus assessores, o climão de importância e tensão, acaba por levar a exageros sobre a relevância prática do que se discute.

É compreensível, humano. Acontece em "cúpulas do clima" ("termina em impasse"). Antigamente acontecia nas reuniões da Organização Mundial do Comércio. Era assim em reunião de G5, G7, G8, Gn+. O suspense e impressão de importância aparece até em cobertura de festa literária, do Oscar ou de temporada de desfile de moda, aliás ora tão em baixa quanto a OMC.

Não é que essa cúpula dos Brics tenha sido desimportante. Mas por que teria sido importante?

Vera Rosa - Embaixada terá registro de cooperação com Pinochet

O Estado de S. Paulo

Uma comitiva de amigos que se refugiaram no Chile durante a ditadura militar embarcará para Santiago, nos próximos dias, para revisitar a história. Em 11 de setembro, o golpe que derrubou Salvador Allende completa 50 anos e será lembrado pelo grupo com uma homenagem aos seis brasileiros ali assassinados.

O governo Lula concordou com a instalação de uma placa na embaixada do Brasil informando que, em 1973, “muitos foram presos e torturados pelas forças golpistas, com a participação de agentes da repressão brasileira”. A inscrição termina assim: “No Brasil e no Chile, Ditadura Nunca Mais”.

A homenagem trará os nomes de Jane Vanini, Luiz Carlos de Almeida, Nelson de Souza Khol, Nilton da Silva, Túlio Quintiliano Cardoso e Wâb0anio José de Matos, mortos após o golpe liderado pelo general Augusto Pinochet. “Não os esqueceremos”, diz o texto.

Flávia Oliveira - O remédio é respeitar

O Globo

Terreiros não reivindicam o lugar de médicos, equipes de saúde, tampouco da ciência

Não é raro buscar em “Provérbios/Òwe”, livreto de Mãe Stella de Oxóssi (1925-2018) do tamanho de uma cartela de comprimidos, alívio para dores da alma ou mesmo do corpo, decorrentes do invisível. Da abertura aleatória da minúscula publicação brotou o ensinamento da vez, de origem africana:

— Não há sábio que conheça o número dos grãos de areia.

Numa página, o dito original em ioruba e português; na outra, a interpretação da ialorixá, que, por mais de quatro décadas, liderou o Ilê Axé Opô Afonjá (BA), um dos mais tradicionais terreiros de candomblé do Brasil:

— Mesmo o maior dos sábios tem sempre algo a aprender.

Sob a inspiração de iyá, emerge a reflexão sobre o burburinho em redes sociais e impressos sobre o item 46 das diretrizes aprovadas na 17ª Conferência Nacional de Saúde, em julho passado. A onda de desinformação por ignorância ou má-fé fez o Ministério da Saúde vir a público. Em nota, a pasta explicou:

Laura Karpuska* - Cidade de Deus

O Estado de S. Paulo

Caso a morte de Thiago não tenha sido acidental, não cabe à polícia decidir quem vive e quem morre

Thiago Menezes Flausino queria ser jogador de futebol. Thiago não pode mais escolher seu caminho. Ele foi morto enquanto passeava de moto com um amigo na Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, no dia 6 de agosto. A PM disse que trocava tiros com bandidos. Os moradores dizem que a troca foi forjada. O Ministério Público está investigando.

Fiquei sabendo dos sonhos de Thiago quando li uma matéria no jornal que trazia relatos de amigos dele. Eles saíram às ruas pedindo justiça pela morte do amigo. A um jornalista, contaram o que Thiago havia respondido quando questionado pela professora: o que você quer ser, e não quer ser, quando crescer?

Fabio Gambiagi* - Argentina (I): a inflação

O Estado de S. Paulo

Cinco décadas de flerte com a hiperinflação deixaram como legado um sistema financeiro destruído

Nas próximas semanas, irei compartilhar algumas observações acerca da Argentina. A intenção é familiarizar o leitor com o contexto em que a nação vizinha irá às urnas em outubro. Hoje, abordarei a saga inflacionária, tema a ser seguido, nas próximas entregas, pelo histórico do PIB, o fracasso de sucessivos governos e a análise das perspectivas.

Antes do Plano Real, o Brasil passou muitos anos com alta inflação, mas com longos períodos de certa estabilidade da taxa ou com aceleração gradual. O que caracterizou o caso argentino, porém, foram os surtos de inflação explosiva. O momento inicial desse drama foi o “Rodrigazo” de 1975, em nome do ministro da Economia da época, Celestino Rodrigo. A inflação em 12 meses tinha sido de 12% em maio de 1974 e escalou a nada menos que 335% no final de 1975. Com uma década e meia de inflação altíssima, a taxa mensal em janeiro de 1989 foi de 9% e, em julho daquele ano, chegou a inacreditáveis 197% (ao mês!). Em 12 meses, a taxa alcançou estonteantes 20.263% em março de 1990 (sim, leitor, você leu corretamente: mais de 20 mil por cento...). Posteriormente, após uma década, na saída da convertibilidade da paridade de um a um do peso versus dólar, a taxa mensal evoluiu de uma deflação em dezembro de 2001 para mais de 10% em abril de 2002.

O que a mídia pensa: editoriais / opiniões

Ampliação do Brics reflete relevância menor do Brasil

O Globo

Dos quatro fundadores originais do bloco, país é o único cuja influência diminuiu desde a criação em 2009

A cúpula do Brics na África do Sul acabou com o anúncio da ampliação do bloco. Argentina, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Egito, Irã e Etiópia foram convidados a ingressar a partir do ano que vem. A expansão é uma vitória da China. Para o Brasil, não se pode falar propriamente em derrota — ainda é vantajoso estar num bloco com as maiores potências emergentes —, mas o resultado certamente reflete a perda de relevância brasileira na cena global. Dos quatro fundadores originais do Brics — Brasil, Rússia, Índia e China —, o Brasil é o único cuja influência diminuiu desde a criação do bloco, em 2009.

Os indianos se tornaram o país mais populoso, mercado mais promissor e acabam de dar prova de capacidade tecnológica ao enviar uma missão à Lua. Os russos encolheram econômica e politicamente, mas a aventura militar na Ucrânia demonstra como podem dar dor de cabeça ao Ocidente. Os chineses se tornaram a potência desafiante que busca moldar o sistema global — portanto o Brics — à sua maneira.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Um Boi vê os Homens

 

Música | Zeca Pagodinho e Marisa Monte - Preciso me encontrar (Candeia)