"Bolsonaro não convém ao Brasil, à crise ou às instituições brasileiras; é querer combater incêndio jogando álcool"
Por Maria Cristina Fernandes | Valor Econômico
SÃO PAULO - Aos 9 anos de idade, José Gregori teve todas as chances de ser recrutado para os pelotões precursores do bolsonarismo. Seu pai foi assassinado por um ex-funcionário que demitira. Entre vingar a morte do pai e a advocacia, seguiu a segunda opção. Foi nesta condição, como Secretário de Direitos Humanos do governo Fernando Henrique Cardoso, que liderou a Lei dos Desaparecidos Políticos, enfrentou os militares e ganhou em Jair Bolsonaro seu mais recorrente antagonista.
A crise na candidatura de Geraldo Alckmin, que leva à revoada da base social tucana rumo ao candidato do PSL, não o abala: "Bolsonaro não convém ao Brasil, à crise, às instituições. Não convém a ninguém, porque é querer combater incêndio com álcool".
Aos 86 anos, José Gregori sugere que os tribunais superiores não teriam mantido o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva preso se tivesse renunciado à candidatura. Afirma que seu partido, o PSDB, perdeu valor eleitoral com a corrupção e duvida de motivações golpistas nas Forças Armadas. Mas não de que esta é a mais radicalizada eleição da história republicana: "É uma disputa de furor e ódio como nunca se viu".
"Falha dos partidos em liderar 2013 e Lava-Jato geraram Bolsonaro"
Aos 9 anos de idade, José Gregori teve todas as chances de ser recrutado para os pelotões precursores do bolsonarismo. Seu pai, o engenheiro Henrique Gregori, foi assassinado aos 42 anos, por um ex-funcionário que demitira, deixando sete filhos nas mãos da pianista Ester. Na adolescência, entre vingar a morte do pai ou seguir a militância advocatícia pelos direitos humanos, Gregori ficou com a segunda opção, sob a estreita vigilância religiosa da mãe.
Militante da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo, engajou-se em movimentos antigetulistas. O suicídio de Getúlio Vargas moveu sua bússola. No governo João Goulart, aproximou-se das Ligas Camponesas e do ministro San Tiago Dantas, de quem foi secretário particular. Depois do golpe, dedicou-se à defesa de presos políticos e à Comissão de Justica e Paz da Arquidiocese de São Paulo.
Ingressou no MDB na década de 1970 e sediou, em sua casa, a primeira reunião que faria do sociólogo Fernando Henrique Cardoso, seu vizinho de sítio em Ibiuna, suplente de senador de Franco Montoro, mandato que assumiria em 1978. Em 1982, elegeu-se deputado estadual. No governo FHC, ocupou a Secretaria Nacional de Direitos Humanos cargo em que liderou a aprovação da Lei dos Desaparecidos Políticos, que levou o Estado a indenizar familiares de guerrilheiros. Foi neste momento que se inauguraram seus antagonismos com Bolsonaro.
No dia 30 de julho deste ano, o filho de dona Ester resolveu oferecer uma chance para que o candidato do PSL se redimisse, nem que fosse por conveniência eleitoral. Em pergunta gravada, dirigiu-se ao entrevistado do "Roda Viva": "O deputado teria dito da tribuna da Câmara que um dos erros do movimento miliar de 1964 foi o de não ter mandado fuzilar Fernando Henrique Cardoso e José Gregori. É verdade?" Bolsonaro nem piscou: "Contra FH falei, mas de seu nome não porque você não merecia essa atenção toda. Um guerrilheiro do teu biotipo não procede."
Gregori está entre os tucanos que, em nenhuma hipótese, jamais votará em Bolsonaro. A adesão das bases do seu partido ao candidato do PSL levou, em grande parte, FHC a fazer uma carta, na semana passada, em que apela por uma candidatura distante dos extremismos. Gregori é mais veemente que o amigo na defesa de Geraldo Alckmin, na crença de que tudo ainda pode acontecer. Cobra do seu partido um compromisso mais inequívoco contra a corrupção mas é ainda mais duro com o ex-presidente Lula, cuja insistência em se tornar candidato lhe é equiparável à decisão de Jango em não aceitar o parlamentarismo. "Poderia dizer que abria mão da Presidência, julgado por uma Justica que ele, mais do que ninguém, ajudou a fortalecer, por um regime que, mais do que todos os outros, ele ajudou a construir e julgado por juízes que ele nomeou", diz.
Às vésperas dos 87 anos, Gregori está convencido de que os militares não abrem mão de duas convicções, a de que 1964 era necessário e sua repetição, um erro. Não tem dúvidas, porém, de que se trata da mais dramática sucessão, desde Vargas. A seguir, a entrevista, concedida na tarde de sexta-feira em sua casa, uma das poucas sem muros de Alto de Pinheiros, zona Oeste de São Paulo:
Valor: A democracia brasileira corre riscos?
José Gregori: O que me preocupa, desde que tive essa participação do lado de quem sofreu a ditadura, depois na superação da ditadura e, finalmente, na semeadura da democracia, é que a crise pôs a nu antigas feridas que a gente fez muita força para cicatrizar.
Valor: O senhor esperava que isso ainda pudesse acontecer?
Gregori: Como Bolsonaro sempre falava mal dos direitos humanos, a imprensa sempre vinha repercutir comigo, mas nunca o levei a sério. Sempre o considerei folclórico. Por isso me surpreendi ao saber que naquelas manifestações de 2013 na Avenida Paulista tinha um grupo que reivindicava a volta de 1964 e que um dos líderes era Bolsonaro. Hoje a coisa cresceu porque é mais do que um nome ou personalidade. É um movimento.
Valor: A que o senhor atribui o fato de várias lideranças políticas terem menosprezado o potencial daquele movimento?
Gregori: Aquilo saiu dos nossos cálculos. Do ponto de vista cronológico, 2013 foi o começo de alguma coisa que vai se encontrar com Lava-Jato, em 2014, na primeira vez que Moro foi aplaudido na Avenida Paulista, e no 'débâcle' da Dilma. O que nasceu como um movimento estudantil idealista, de catraca livre, de repente tomou um curso político e institucional, a ponto de Geraldo Alckmin e Fernando Haddad terem que recuar do aumento da passagem.
Valor: Qual o papel da Lava-Jato na ascensão de Bolsonaro?
Gregori: A operação tem um ativo e um passivo. O ativo é o fato de ter desenvolvido um método e uma coragem na apuração inéditas. Nunca se tinha chegado aos empreiteiros. Eles foram a fundo. Para isso foi necessário que a justiça federal e a Polícia Federal se desenvolvessem. Esta era uma instituição que eu via com alguma suspeita porque criada pelos militares. E o fato é que foram muito exigentes no recrutamento técnico dos quadros que recrutaram. Ganharam competência profissional.