segunda-feira, 18 de outubro de 2021

Fernando Gabeira - Absorvente e as regras do jogo

O Globo

É um tema que trata de uma questão íntima, mas se tornou um grande debate político: a distribuição gratuita de absorventes para estudantes pobres, presidiárias, mulheres em situação de rua. O projeto é de autoria da deputada Marília Arraes (PT-PE) e foi vetado por Bolsonaro.

Desde a década de 1960, alguns homens, como eu, foram alertados sobre a importância da menstruação na psicologia feminina. A aparição do livro de Simone de Beauvoir “O segundo sexo” nos despertou para essa e outras importantes realidades da vida da mulher. Lembro-me de sua célebre frase: é difícil sentir-se uma princesa com um pano ensanguentado entre as pernas.

O projeto aprovado na Câmara não se limita apenas ao marco psicológico da menstruação, mas também a sua dimensão social e econômica: milhares de estudantes pobres deixam de ir à escola por falta de absorventes adequados.

De uma certa maneira, o tema já foi discutido na administração de Fernando Haddad em São Paulo e no próprio governo Dilma. Não prosperou. Com o avanço da presença feminina na Câmara, foi possível aprovar o projeto, mas não está havendo, acho eu, o debate necessário com Bolsonaro.

Carlos Pereira* - Um controle desequilibrado

O Estado de S. Paulo

Um Ministério Público ‘incontrolável’ garante o equilíbrio entre Poderes

Existem vários modelos estáveis de democracia, da mais majoritária (com poucas restrições às preferências de uma maioria parlamentar) à mais consensualista (com vários pontos de veto capazes de proteger interesses minoritários). 

Não se pode dizer qual modelo é o melhor. O importante é que exista equilíbrio entre os mais variados componentes do sistema.

Os founding fathers da democracia brasileira de 1988 constituíram um sistema político essencialmente consensualista, com vários elementos de proteção, tais como separação de Poderes, federalismo, multipartidarismo e, o que aqui interessa, independência do Judiciário e do Ministério Público

Para contrabalançar e gerar governabilidade, os legisladores delegaram uma grande quantidade de poderes ao presidente para que ele tivesse condições de atrair suporte político majoritário, mesmo em um ambiente fragmentado. 

Neste desenho, cumpre papel fundamental para o equilíbrio do jogo a existência de um MP e Judiciário independentes. Um MP “incontrolável” teria condições de controlar chefes do Executivo poderosos. Naturalmente que essa escolha não é destituída de custos. A falta de controle pode levar a potenciais excessos e desvios. Mas esse foi o preço que o legislador constituinte decidiu pagar. 

Demétrio Magnoli - Uma China oculta

O Globo

Huawei ou Evergrande, qual delas simboliza melhor o “modelo chinês”? A primeira, maior fabricante mundial de equipamentos de telecomunicações, tornou-se uma marca global e um ícone da irresistível ascensão chinesa. A segunda, um conglomerado imobiliário, era um nome desconhecido fora da China até surgir a notícia de sua iminente falência sob o peso de dívidas de US$ 300 bilhões. Ela ilumina uma China oculta — e, ainda, os limites de seu modelo econômico.

Na última década, o mercado imobiliário expandiu-se para se tornar a fonte de mais de um quarto do crescimento econômico chinês. Hoje, quase três quartos do patrimônio das famílias concentra-se em propriedade imobiliária. Antony Blinken, o secretário de Estado dos EUA, pediu ao governo chinês para “agir responsavelmente” diante da ruína da Evergrande. Chefes de bancos centrais ao redor do mundo murmuram as palavras “momento Lehman”, traçando um paralelo sombrio com a falência de 2008 que deflagrou a maior crise financeira mundial desde o Crash de 1929.

Celso Rocha de Barros - A CPI da Covid vai dar em alguma coisa?

Folha de S. Paulo

É possível que o relatório nas mãos de Aras force Bolsonaro a fazer uma escolha difícil

A CPI da Pandemia deve entregar seu relatório final nos próximos dias. O relatório inclui provas irrefutáveis de que Bolsonaro matou mais de cem mil brasileiros na pandemia, mandou os brasileiros para a morte mentindo que a cloroquina os curaria e deixou seus aliados roubarem dinheiro de vacina.

A CPI foi o melhor momento da República brasileira em muito tempo. Porém, esse notável e, no contexto do Brasil pós-2018, raro momento de “instituições funcionando” pode muito bem não dar em nada.

Para que Bolsonaro seja responsabilizado antes de deixar a Presidência, será necessário que o PGR Augusto Aras o denuncie, e/ou que o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, dê seguimento a um processo de impeachment.

Até agora, Lira e Aras foram os dois grandes garantidores da impunidade presidencial na era Bolsonaro.

Arthur Lira comanda um esquema de orçamento paralelo que é o que o mensalão seria se clicasse naqueles emails “Aumente seu pênis em meio metro”.

O esquema foi revelado pelo jornalista Breno Pires no começo do ano. Em troca de apoio a Bolsonaro, os deputados conseguem a liberação de dinheiro para projetos que não são sujeitos a qualquer licitação ou controle. É o caso da compra de tratores superfaturados em 260%. O valor da brincadeira é de cerca de 3 bilhões de dinheiro público.

Marcus André Melo* - Ministério Público na mira

Folha de S. Paulo

A coalizão que empoderou as instituições de controle em 1988 deu lugar a uma aliança maldita

Constituição de 1988 delegou vastos poderes às instituições de controle em sentido amplo (Ministério Público, órgãos judiciais, tribunais de contas, política federal). Esta delegação foi produto da coalizão forjada na constituinte entre setores liberais e de esquerda. Os setores liberais estavam preocupados com o abuso de poder pelo Executivo para o qual também ocorrera extensa delegação de poderes através de instrumentos como medidas provisórias, iniciativa legal exclusiva, e prerrogativas processuais.

Buscava-se uma coleira forte para um cachorro grande: uma agenda de transformação institucional discutida na década de 50 por figuras como Afonso Arinos, San Tiago Dantas e Hermes Lima.

Os setores de esquerda, por sua dura experiência sob o regime militar, priorizavam direitos humanos e liberdades públicas. Os limites da intervenção estatal era o foco de setores liberais desde o Estado Novo, o que levou à aprovação, em 1950, de nossa primeira Lei de Improbidade Administrativa.

Parte do arranjo de 1988 está sob ataque na PEC do CNMP (05/21). Mas agora o “jogo da delegação” é outro: mudam os atores, as coalizões, as temáticas. Destaco seis pontos:

Catarina Rochamonte* - PEC 5: a ira vingativa dos corruptos

Folha de S. Paulo

A resistência de sociedade e parlamentares que defendem o Ministério Público será testada ante o projeto indecoroso de Paulo Teixeira

A tentativa de submeter o Ministério Público ao controle de políticos, aleivosia posta em curso na Câmara Federal, mostra o grau de confiança a que chegaram no Brasil aqueles que combatem o combate à corrupção.

Apelidada de “PEC da vingança —devido à evidente intenção de retaliação nela contida—, a PEC 5/2021 fere a independência e a autonomia institucional ao aumentar a ingerência política no CNMP. O corregedor, responsável pela condução de processos disciplinares contra promotores e procuradores, passaria a ter fortes vínculos políticos, consolidando com isso a cultura de impunidade dos poderosos que sempre vigorou no Brasil, embora tenha sido excepcionalmente confrontada pela Operação Lava Jato.

O autor do indecoroso projeto é o deputado petista Paulo Teixeira, com aval monolítico do seu partido. O centrão, através do presidente da Câmara, Arthur Lira, está no comando, dando as cartas num jogo sujo combinado com o presidente Bolsonaro. Nessa combinação, o relator da PEC, deputado Paulo Magalhães, conseguiu piorar o que já era ruim.

Bruno Carazza* - O arco do fracasso

Valor Econômico

Um passeio por um monumento à corrupção

A confiança cega na tecnologia às vezes nos coloca em perigo. Aproveitando a “semana do saco cheio” na escola dos filhos, uma folga no trabalho e a queda nos índices de transmissão de covid-19, partimos de Belo Horizonte para um passeio de uma semana entre Petrópolis e Paraty, no Rio.

Depois de três dias de chuva na Cidade Imperial, coloquei no Google Maps o destino final do Caminho Velho da Estrada Real e simplesmente fui seguindo as indicações do percurso mais curto.

Após serpentearmos a Serra dos Órgãos pela BR-040, o aplicativo determinou que pegássemos a BR-493 à direita na entrada de Duque de Caxias. Por exatos 71,8 km, trafegamos por uma via duplicada, em ótimo estado de conservação, plana, com poucas curvas - e praticamente deserta.

Se este escriba fosse um pouco mais zeloso, poderia ter se informado sobre as condições da estrada que iria percorrer. Basta iniciar a digitação no Google da expressão “Arco Metropolitano” que o site de buscas já completa automaticamente: “é perigoso”. Chegando a Paraty, todas as pessoas para as quais contamos o trajeto percorrido criticaram nossa imprudência.

Sergio Lamucci - A situação difícil do mercado de trabalho

Valor Econômico

Taxa de desemprego deve seguir em níveis elevados em 2022

O emprego tem mostrado uma recuperação significativa nos últimos meses, mas a situação no mercado de trabalho segue difícil. Apesar da maior criação de postos de trabalho, a desocupação continua muito elevada, a taxa de subutilização da força de trabalho permanece nas alturas e as perspectivas para a economia no ano que vem não são animadoras, dado o cenário formado por juros em alta, incertezas fiscais e políticas e o risco imposto pela crise hídrica. Para completar, as pressões inflacionárias se mostram resistentes, corroendo a renda dos trabalhadores, e o nível de endividamento das famílias está em nível recorde.

Na visão do economista Bruno Ottoni, o emprego de fato reage, mas o quadro geral do mercado de trabalho ainda é ruim. Em texto para o Blog do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), Ottoni diz que tanto os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) quanto da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua sugerem realmente uma retomada expressiva do emprego. Pesquisador do FGV Ibre e da consultoria IDados, ele ressalva, contudo, que, “diante da grande perda de emprego causada pela pandemia, a forte geração de postos de trabalho de 2021 se mostra até pequena”. Além disso, muita gente ainda precisa voltar à força de trabalho, diz ele.

Mirtes Cordeiro* - Professores e crianças… seres indissociáveis

Falou e Disse

Durante a semana passada o país comemorou duas datas significativas: o Dia da Criança e o Dia do Professor.

O comércio saltitou… as famílias, mesmo com poucos recursos, foram às compras para presentear as crianças, a maioria com geringonças de plástico feitas na China ou outros países com mão de obra escrava.

No Brasil, a pobreza avança e atualmente crianças e professores vivem situações muito difíceis neste momento do país em redemocratização.

Eu gostaria de escrever sobre coisas boas, mas quando saio à rua deparo-me com famílias inteiras ao longo do canal de Setúbal (Recife), esperando que alguém lhe estenda a mão com um alimento.

Fico pensando, me perguntando, porque o país não consegue dar passos firmes pela nossa dignidade?

Não sei!

Segundo o Jornal do Commercio, dados computados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) entre 2010 e 2019 apontam que apenas em Pernambuco, onde vivo, a população que mora em palafitas cresceu 27,9%. Recife, a capital, e Jaboatão dos Guararapes, a segunda maior cidade, lideram na modalidade deste tipo de moradia.

Entre os mais de 20 milhões de pessoas passando fome encontramos crianças na rua catando lixo, sem ir à escola, vítimas dos abusos do trabalho infantil e outros tipos de violência. Eu achava que tínhamos vencido essa miséria.

Encontramos também professoras – a maioria no ensino básico é mulher – se reinventando na sua profissão e em vários tipos de trabalho para manter a sobrevivência.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

A conta da pandemia

Folha de S. Paulo

Dívida subiu no mundo e aqui; é preciso disciplina para preservar gasto social

Os dados mais recentes do Fundo Monetário Internacional (FMI) apontam que a pandemia de Covid-19 impactou fortemente as finanças públicas no mundo.

A combinação de queda da atividade econômica e receitas de impostos com maiores gastos para minimizar impactos sociais deixou um legado de maior endividamento dos governos e novos desafios para lidar com o problema.

O FMI estima que a dívida pública, considerada globalmente, se estabilizará em torno de 98% do Produto Interno Bruto, cerca de 15 pontos percentuais a mais do que antes da pandemia.

A maior parte do salto decorre de ações nos países desenvolvidos, tendo em vista a maior capacidade de endividamento e credibilidade institucional dessas economias.

Os emergentes tiveram menor espaço para adotar políticas fiscais anticíclicas, pois gozam de acesso mais restrito a financiamento, e viram suas dívidas subirem menos (de 54,7% para 64,3% do PIB).

A contrapartida é que, nas estimativas do FMI, tais economias em conjunto (excetuando a China) demorarão mais para retornar ao pleno emprego e também pagarão juros maiores, reduzindo espaço para outras despesas.

Poesia | Bertolt Brecht - As boas ações

Esmagar sempre o próximo não acaba por cansar?

Invejar provoca um esforço que inchas as veias da fronte.

A mão que se estende naturalmente dá e recebe com a mesma facilidade.

Mas a mão que agarra com avidez rapidamente endurece.

Ah! que delicioso é dar!

Ser generoso que bela tentação!

Uma boa palavra brota suavemente como um suspiro de felicidade

Música | Calango Livre (Guto Rodrigues e Enne Rodrigues)