O Globo
O governo Bolsonaro comemora mil dias. Já
escrevi e falei sobre o tema, analisando a trajetória política desse
experimento. Mas ainda não parei para me perguntar como foi possível manter,
ainda que de forma precária, a sanidade mental neste país enlouquecido.
Jamais poderia imaginar um governo tão
singular como o de Bolsonaro, no qual crimes e trapalhadas se entrelaçam de tal
maneira, tragicômico. Quando comecei a entender de política, o confronto
esquerda-direita tinha outros contornos. Nosso bairro proletário era getulista.
A simpatia juvenil estava ao lado dos vizinhos. Mas havia gente como meu pai,
que votava no brigadeiro Eduardo Gomes.
A encarnação da direita naqueles anos tinha
outro perfil. Votem no brigadeiro, diziam as mulheres que o apoiavam, ele é
bonito e é solteiro. Até um doce foi criado em homenagem a ele.
Quando Bolsonaro postou aquela famosa cena
de golden shower, perguntando do que se tratava, percebi que estávamos num
outro momento histórico. A clássica e austera direita dava margem a um sensacionalismo
radiofônico que, sob a máscara de moralidade, usava as cenas de crime e sexo
para garantir audiência.
Quando o então secretário de Cultura, Roberto Alvim, fez um discurso imitando o líder nazista Joseph Goebbels, dizendo que a arte brasileira seria heroica e imperativa, percebi também um novo tom.